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Revisão do dano moral.
Por que reparar só em dinheiro?
Ademir Buitoni*
Sumário: 1 – Introdução; 2 A Função Social do Dinheiro; 3 – Conceito de Dano Moral; 4 – Moral e
Ética; 5 Jurisprudência Sobre Danos Morais; 6 Conclusão: Por que reparar o dano moral só em dinheiro?
1 – INTRODUÇÃO
A Moral é um valor de caráter não patrimonial e sobre isso existe unanimidade no Direito Brasileiro.
No entanto, a reparação do Dano Moral vem sendo feita, judicialmente, quase sempre, de forma patrimonial,
ou seja, de forma material com indenização em dinheiro. A contradição nesse assunto parece muito evidente.
Em pouquíssimos casos, os juízes procuram condenar o ofensor em outro tipo de reparação não pecuniária,
como por exemplo, obrigar a dar tratamento psicológico para pessoa que foi vítima do abalo moral.
Quando se condena a "Indústria do Dano Moral", pensamos que a condenação é contra a conversão
indiscriminada e arbitrária do Dano Moral em indenização pecuniária. Não se trata de ser contra a reparação
do Dano Moral, mas sim contra a banalização do Dano Moral. É quase só isso o que está acontecendo nos
milhares de processos em que se pleiteia Dano Moral: receber dinheiro, muitas vezes em valores
absolutamente desproporcionais ao dano.
Outro problema diz respeito ao direito à reparação do dano moral, em dinheiro, que tem sido também
concedido a Pessoas Jurídicas.
È muito freqüente, por exemplo, uma empresa ter um título indevidamente protestado em valor
irrisório e receber a título de dano moral uma soma correspondente a centenas de vezes esse valor, sem
qualquer prova de dano efetivo. Não há a menor preocupação dos juízes em avaliar a capacidade econômica
das empresas, fazer perícia contábil e afins. O dano é presumido, artificialmente, como existente, verdadeira
ficção jurídica. O montante da indenização é fixado, geralmente, por estimativa arbitrária, por mero
sentimento pessoal dos julgadores.
De fato, o dinheiro não restabelece a moral. A moral pessoal e social precisa ser preservada e não
substituída pelo dinheiro. Se as reparações de dano moral fossem feitas por meios morais, e não em dinheiro,
certamente, haveria um desestímulo muito grande nos processos e a moral poderia ser preservada, realmente.
Por isso, é necessário refletir se essa situação é coerente ou se estamos diante de uma confusão conceitual,
cujo objetivo maior seria auferir vantagens pecuniárias.
Esta é a finalidade desta breve reflexão: dar subsídios aos operadores do direito para que reformulem o
modo de reparar os danos morais, deixando de lado a indenização exclusivamente pecuniária e passando a
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adotar outros modos de reparação condizentes como verdadeiro restabelecimento da moral, já tão abalada e
desacreditada no nosso país. A moral parece estar virando mercadoria e os operadores do direito não podem
permanecer inertes. Algo tem de ser feito para colocar a moral no seu devido local, sem transformála em
dinheiro.
2 – A FUNÇÃO SOCIAL DO DINHEIRO
Inicialmente, é necessário uma breve reflexão sobre esse incrível e poderoso símbolo que é o dinheiro.
Sem conceituar o dinheiro, é impossível entender o que estamos propondo, ou seja, que o dinheiro não
repara, por si só, a moral danificada.
O dinheiro, como usado socialmente, entra no lugar do objeto, possibilitando a satisfação dos desejos, a
aquisição de bens úteis, necessários ou mesmo supérfluos. É um símbolo de múltiplas utilidades.
Possuir o dinheiro é ter poder para a conquista de bens, sobretudo no regime econômico vigente, de
caráter capitalista, onde a acumulação do dinheiro é fundamental para o funcionamento da sociedade.
O dinheiro tem algumas funções básicas: instrumento de troca, unidade de conta, reserva de valor e
meio de pagamento. Essas funções não esgotam, nem explicam o fascínio que o dinheiro exerce na
imaginação coletiva da sociedade. Realmente, como já observou um psicanalista "o dinheiro como
instituição social, ocupa um lugar ímpar na história do homem, como poucas, suscita emoções e atitudes
apaixonadas" (Lima, 1996,11). Na sociedade atual, com a hegemonia do capital financeiro, e não mais do
capital produtivo, as pessoas parecem que vivem e morrem pelo dinheiro. Foram necessários muitos
milênios de civilização até chegar ao nosso momento histórico.
A história da criação do dinheiro é longa, começa há milênios antes de Cristo, passa pelo Egito, pela
China, Grécia, Roma... vai do uso do gado, do sal, de conchas marítimas e afins até chegar a moeda. Só para
ter uma referência mais próxima, no mundo romano, a Lei das XII Tábuas, 450 a.C. ainda se refere montante
de multas em cabeças de gado. Só em 269 a.C., entra em atividade no Capitólio a primeira oficina de
cunhagem. O cognome de Moneta (a anunciadora), dado à deusa para comemorar o acontecimento,
repercutese sobre a oficina e sua produção e assim aparece o nome da prestigiada "moeda" (Rivoire,
985,12). Portanto, a moeda é uma criação cultural, a que se atribuiu desde o começo um simbolismo e um
poder que facilitou a troca dos bens.
Para o direito positivo a moeda é uma norma jurídica. Moeda é norma jurídica que fixa uma unidade
ideal, que quantifica relações de crédito e débito, como ensinam vários juristas, podendo ser citado em nome
de todos o ilustre Dr. Letácio Jansen, um dos maiores especialistas brasileiros nessa matéria: "... as moedas,
enquanto valores nominais são normas jurídicas cujos conteúdos são condutas humanas, e cujo fundamento
são a Constituição e as leis (também normas jurídicas) (Jansen, 1991, 152).
O dinheiro é um produto da criação humana, não existe na natureza, é tão pouco natural como a fala,
embora usemos o dinheiro como se ele sempre tivesse existido. De um modo geral, vivemos atrás do
dinheiro, lutamos por dinheiro, litigamos por dinheiro, fazemos muitas coisas pela motivação monetária.
Mas, no fundo, o dinheiro é apenas um símbolo, algo que não tem vida própria, que simboliza outra
coisa, que está no lugar de algo. Essa a função do símbolo: substituir o objeto representado (Buitoni,
1997,179 e seguintes).
Esse símbolo monetário emitido e controlado pelo Estado, vem do século XIX, quando o Estado passa
a ter o monopólio de emissão da moeda, poder que antes se reconhecia a banqueiros, senhores feudais,
ourives, monarcas e afins. O Estado é o poder soberano que regula a emissão da moeda. O dinheiro passou a
representar uma das facetas mais importantes do poder do Estado pois, através do controle do fluxo
monetário, toda a economia do país pode ser regulada. O capitalismo atual é de natureza monetária,
financeira, com a hegemonia do dinheiro na condução dos negócios.
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Dinheiro é símbolo e o símbolo só existe por convenção. O dinheiro é uma convenção, expressa através
de números, que também são convenções. Quem dá significado aos símbolos é a mente humana.
Os símbolos não significam pelo que são, mas pelo significado que a mente humana lhes atribui. O
dinheiro nada vale se não houver uma lei fixando seu valor no ordenamento jurídico. A norma jurídica
apenas corporifica a convenção, ajustada pelos poderes competentes, sobre o valor do dinheiro.
O dinheiro já foi apontado como o símbolo da instituição e do pensamento moderno (Simmel, 1987,
548). Sem o dinheiro a modernidade não existiria. O dinheiro ajudou a superar a subjetividade da sociedade
feudal, nos levou ao iluminismo, mas vem exagerando na sua função de monopolizar as relações sociais.
Pela sua utilidade o dinheiro tornouse a forma insubstituível de intermediação dos bens da sociedade. O que
seria da sociedade atual sem o dinheiro? O clássico Marx, já havia notado: "O dinheiro é a mercadoria geral,
quanto mais não seja, por ser a forma geral que cada mercadoria particular assume ideal ou realmente"
(Marx, 1983, 241)
O dinheiro pela sua força e utilidade simbólica, em especial como meio de troca e instrumento de
pagamento, passou a ser intensamente usado pelo sistema econômico como o mais universal mediador das
relações sociais. Tudo passa a ser possível de ser quantificado em dinheiro. O dinheiro vem assim substituir
até valores morais, a ética, com vem acontecendo na indenização do Dano Moral só em dinheiro. Afinal isso
é correto? Afinal o que é a moral?
3 CONCEITO DE DANO MORAL
Existem certos conceitos que, pela sua amplitude, comportam interpretações extremamente subjetivas e
extensivas, de modo que podem gerar as mais variadas perspectivas. Moral é um desses conceitos genéricos.
O que é moral no plano jurídico? O que é moral no plano filosófico? E no plano psicológico? É evidente que
o conceito de moral supera o aspecto jurídico. Antes de estar previsto em lei, o problema moral é uma
preocupação que remonta à própria origem da civilização humana. De Platão e Aristóteles, passando pela
Bíblia, pelo renascimento, pelo iluminismo, pelo modernismo até chegar aos dias atuais, sempre se discutiu o
problema moral e, pela natureza do assunto, a discussão perdurará "ad infinitum".
Mas, para limitar a discussão à situação histórica brasileira, comecemos com algumas prescrições das
leis vigentes, em rápida síntese.
A Constituição de 1988 apenas assinala em seu artigo 5, incisos V e X que existe a possibilidade de se
reparar o dano moral. O novo Código Civil, no artigo 186, trata os danos morais como um ato ilícito.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) no artigo 6, incisos VI e VII também trata da
reparação do dano moral. A Lei de Imprensa (Lei 5250/67) há várias décadas prevê no art.49 a indenização
pecuniária do dano moral, estabelecendo, no entanto, um limite pecuniário de 20 salários mínimos. Inexiste,
porém, uma lei especial, no direito brasileiro, que dê parâmetros para se aferir quando ocorre o dano moral e
quais os meios adequados para reparálo.
Diante dessa indefinição o dano moral vem sendo tratado como uma vala comum, onde entram os mais
variados tipos de interesses, abrangendo as mais diversas situações, dando margem às mais diferentes formas
de reparação, especialmente as do tipo pecuniário, não raro envolvendo elevadas somas de dinheiro.
Procurando fazer uma média das opiniões, podemos dizer que o dano moral está ligado á violação da
dignidade humana, causando dor e sofrimento anormais.
Para efeito de termos uma referência conceitual, é razoável o ponto de vista do desembargador Sérgio
Cavalieri Filho; "... só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que,
fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causandolhe
aflições, angústia e desequilíbrio em seu bemestar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou
sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da
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normalidade do nosso diaadia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais
situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim
não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações
pelos mais triviais aborrecimentos." (Cavalieri, 2003, 99).
Portanto, o dano moral ligase a um estado emocional e psicológico da vítima que sofre de maneira
patológica, anormal, as conseqüências morais das atitudes ilícitas de terceiros.
A preocupação com a moral é relativa a situações sociais específicas. Conforme o tipo de ideologia da
pessoa, das instituições, dos costumes, da religião, do povo,... definese um tipo ou outro de moral. Não
existe uma moral absoluta e universal.
É oportuno lembrar que o vocábulo "moral" vem da etimologia latina "mos, moris" que significa
costume, uso. O que é moral numa religião, num Estado e num sistema jurídico, pode não ser moral noutro.
A moral é relativa aos costumes históricos de cada sociedade e, portanto, tem uma forte carga de
subjetividade circunstancial. Já o direito positivado, escrito, se caracteriza pela procura da objetividade.
Na impossibilidade de relatar a história do conceito de moralidade, dentro dos limites desta reflexão,
exemplifiquemos, apenas, com o pensamento de Kant, cuja filosofia influenciou muito o direito ocidental
moderno.
Em Kant, a moral é fruto da razão e não da observação empírica, pois a experiência não seria capaz de
mostrar o que seria a moral, nem a liberdade. O direito, na sua essência, seria ligado aos atos exteriores e
nisso se diferenciaria da moral, que seria interior.
Diz Kant: "De fato, como o direito não tem absolutamente por objeto senão o que concerne aos atos
exteriores, o direito estrito, aquele em que não se mescla nada próprio da moral, é o que exige tão somente
princípios exteriores de determinação para o arbítrio; porque neste caso é puro e sem mescla de preceito
moral algum. Somente, portanto, o direito puramente exterior pode ser chamado direito estrito" (Kant,
1988,48).
Assim Kant procura separar moral e direito, pela impossibilidade de demonstrar o que seria a moral.
Parece mesmo ser impossível definir o que é esse "bem moral" que o direito positivo quer proteger, de
vez que moral pertence ao campo da subjetividade, do sentimento, e a regra jurídica objetiva não tem como
delimitar esse campo, salvo se a lei estabelecesse, taxativamente, os casos que considera dano moral, e isso
seria uma restrição do conceito.
Tudo isto está sendo analisado para que se tenha consciência da complexidade do problema jurídico, ao
querer trazer para o direito positivo objetivo o que pertence ao campo da ética, do sentimento humano
subjetivo. Passar de um campo a outro, sem qualquer cuidado, parece ser temerário, como muitos estão
tentando fazer no direito brasileiro.
Uma outra distinção básica nesse assunto é que o dano moral é extrapatrimonial, ou seja, ele não
produz efeito no patrimônio do ofendido, caso contrário seria reparação de dano material.
Nesse sentido a doutrina nacional e estrangeira parecem quase unânimes. René Savatier, na França,
define dano moral como todo sofrimento humano que não resulta de perda pecuniária. Na Itália, Gabba se
posiciona no sentido de que o dano moral é o causado injustamente a outrem, que não atinja ou diminua o
seu patrimônio (Martins da Silva, 2002, 36,37). O Código Civil Alemão (BGB), por exemplo, prevê que um
dano moral pode ser ressarcido, na medida do possível, por meio da restituição in natura, como por exemplo,
no caso de retratação pública em opiniões publicamente manifestadas, que tenham causado lesão a outrem
ou prejudicado seu crédito.
No Brasil Orlando Gomes reserva a expressão dano moral ao agravo que não produz qualquer efeito
patrimonial e Silvio Rodrigues preleciona com a habitual clareza:
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"Tratase assim de dano sem qualquer repercussão patrimonial: se a injúria, assacada contra a vítima
em artigo de jornal, provocou a queda de seu crédito e a diminuição de seu ganho comercial, o prejuízo é
patrimonial, e não meramente moral. Este ocorre quando se trata apenas de dor causada à vítima, sem reflexo
em seu patrimônio" (Rodrigues, 2002, 189).
Isso é o bastante para mostrar que de um lado temos o dano material e de outro o dano moral, este sem
reflexo patrimonial, ligado à dor que a vítima sente por ter sido atingida em sua moral.
O problema atual no direito brasileiro é que todo "Dano Moral" está sendo sempre convertido em
indenização em dinheiro, por força de interpretação equivocada da nova Constituição. A dor e a moral não
podem ser reparadas pelo dinheiro, mas através de outros mecanismos.
Há uma evidente confusão conceitual nesse assunto, como se o dinheiro e a dor moral pudessem ter
uma equivalência possível. No entanto, dinheiro e moral são duas categorias diferentes: dinheiro é um
símbolo lógico e moral é um sentimento subjetivo pessoal, ético, valorativo, como veremos a seguir.
4– MORAL E ÉTICA
A existência e o desenvolvimento, tanto do Direito quanto da Filosofia, dependem de classificações.
Sem classificar não há possibilidade de pensar.
Assim: a Moral pertence ao campo da Ética e o dinheiro pertence ao campo da Lógica.
Vamos utilizar o pensamento do filósofo Charles Sanders Pierce (18391914), fundador da moderna
semiótica, pela sua clareza ao sintetizar as categorias do conhecimento humano.
Pìerce, tal como fizera antes Kant, dividiu as ciências normativas em estética, ética e lógica. (Pierce,
1990,201) A estética ligase ao admirável, ao sentir; a ética ao agir, às coisas cujos fins residem nos atos
voluntários; a lógica ao campo da representação das coisas. Na verdade, as três categorias estão interligadas,
e não separadas, são complementares e não antagônicas. O que as distingue é a predominância de uma ou
outra dessas características.
A lógica é a categoria mais elevada, onde se encontram os símbolos, onde estão as leis necessárias do
pensamento, as condições para se chegar à verdade, se isso for possível. O que não se pode, no entanto, é
passar de uma categoria a outra, sem mais nem menos, confundindose os planos dos conhecimentos.
No que tange à ética, que é a nossa preocupação, adotamos que "a ética é o estudo sobre quais as
finalidades de uma ação que estamos deliberadamente preparados para adotar" (Pierce, 1990,202).
A aprovação dessas ações é a moral. Nesse campo ético, onde está a moral, os conflitos são
permanentes, pois é necessário avaliar as decisões, pesar prós e contras, decidir entre caminhos opostos. Não
há uma lógica predominante na decisão ética, mas uma escolha por preferência. Não há como superar,
logicamente, os conflitos morais.
O dinheiro pertence ao campo da lógica como símbolo de valor numérico, uma unidade ideal. Se ele
entrar no campo da moral para solucionar alguma controvérsia estará apenas, artificialmente, solucionando o
que não poderia ser solucionado de modo lógico. Na moral, os conflitos não se resolvem completamente. É
próprio da moral estar sempre aberta a revisões, a evoluções históricas e sociais.
A moral não é estática. Por isso, quando se tenta quantificar, com dinheiro, um problema moral, apenas
se está desqualificando o campo moral e tornando a moral venal, o que ela jamais pode ser.
É necessário respeito com a dor, com a moral, com a psicologia profunda do indivíduo. O sistema
econômico atual tem propiciado muito desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, entre os
quais está a dignidade moral.
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Melhor seria tornar mais severa a legislação penal nesse assunto do que tornar passível de indenização
pecuniária, o que não tem preço e nunca terá: a moral humana. Penalizar o autor do dano pelo lado
financeiro, em proveito da vítima, como a prática judiciária brasileira vem fazendo é, no mínimo, incentivar
a especulação econômica nos litígios jurídicos.
Confundir a lógica do dinheiro com a ética da moral é passar de uma categoria de pensamento para
outra, sem qualquer fundamento, criando uma confusão insolúvel no sistema legal, como nossa
jurisprudência vem fazendo. Estamos precisando esclarecer o pensamento e pôr ordem nas idéias, que é a
função da atividade intelectual do jurista.
5 – JURISPRUDÊNCIA SOBRE DANOS MORAIS
Diariamente o Poder Judiciário decide processos sobre Dano Moral, estimandose que em São Paulo
pelo menos 30% dos processos novos possuem pedido de Dano Moral.
A título de exemplo, examinemos dois julgamentos que a nosso ver, demonstram a inadequação da
reparação pecuniária do dano moral.
O primeiro é um caso julgado pelo Superior Tribunal Justiça, em Brasília (RESP 685344MA3ª,
Turmaunânime, Rel. Min. Castro Filho, 16.8.05). Tratavase de um Juiz que se sentiu ofendido em sua
honra, pois foi incluído indevidamente com o integrante de uma "quadrilha" de indenizações" que vendia
sentenças julgando sempre contra os Bancos, tendo a Febraban divulgado o nome dele indevidamente pela
imprensa. A Febraban foi condenada no STJ a pagar 21.600 salários mínimos ao Juiz, ou seja, o valor na
época correspondente a 6,48 milhões de reais. No V. Acórdão o STJ justificou o valor da indenização assim:
"Em que pese o grau de subjetivismo que envolve o tema da fixação da reparação, vez que não existem
critérios determinados e fixos para quantificação do dano moral, temse pronunciado esta Corte no sentido
de que a reparação do dano não pode vir a constituirse em enriquecimento indevido, mas de outro lado, há
de ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir o ato cometido".
Certamente a quantia arbitrada, de mais de 6 milhões, um Juiz ou qualquer outro profissional do
Direito, muito dificilmente, vai ganhar em toda sua vida! Será mesmo que isso não é enriquecimento
indevido? Não sabemos em que momento o STJ vai achar que existirão critérios determinados e fixos para
precificar o dano moral. O que é subjetivo é subjetivo, não pode ser objetivo. O dano subjetivo deve ser
reparado pelos meios subjetivos. Esse Juiz poderia receber um tratamento psicológico, custeado pelo
ofensor, para curar as dores psíquicas que sofreu com a falsa acusação. Então, parece arbitrária essa
condenação pecuniária, não tem base em nada. Pode ser isso como pode até ser mais do que isso. De outro
lado, essa imensa penalidade pecuniária aplicada ao ofensor para desestimulálo, longe de ser eficiente, vai
apenas estimular que outros ofendidos pleiteiem a mesma quantia. Os caso de danos morais continuam se
repetindo. Não é a "pena de morte econômica" ou a agressão ao patrimônio do ofensor, que vai acabar com
os casos de dano moral,mas sim a educação social e moral de todos.Se for mantido o sistema de indenização
em dinheiro,por que não destinar esse dinheiro das indenizações morais a um Fundo Social de Educação
Moral,que promoveria cursos e atividades voltadas a divulgação da ética e da moral no Brasil?Não seria esse
um modo melhor de moralizar nossa sociedade, de educar os cidadãos sobre o dever de preservar a moral?
Outro caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. (Ap Civ. 2003.001.22359, RJ,
15aCC, unan. 12.11.03). Tratavase de microempresa que teve indevidamente protestado duplicata, no valor
irrisório de R$ 138,61. A empresa que protestou foi condenada em danos morais no valor de 200 salários
mínimos, hoje equivalente a R$ 83.000,00 (!!!!!). Sendo microempresa, sabese que fatura até no máximo
R$ 240.000,00 por ano. Ou seja, essa indenização equivale a 1/3 do faturamento da empresa, por um protesto
de R$ 138,61!!!
Dificilmente a microempresa ganharia isso de lucro durante o ano. Qual a justificação para essa
reparação? O V. Acórdão assim declarou: "O quanto da indenização está estabelecido em valor razoável,
dada a gravidade de uma negativação para uma empresa, mas não merece elevação, pois não pode ser fonte
de ilícito enriquecimento". Não houve nenhum laudo de avaliação do faturamento da empresa, ou sobre sua
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capacidade econômica e afins. Não houve nenhum dado objetivo para saber o que é valor razoável em
dinheiro. Tudo foi feito ao arbítrio dos julgadores, sem apoio em dados patrimoniais nenhum. Justiça não
pode ser arbitrária e assim no mínimo, nesses casos, teria de ser amplamente discutido o valor do razoável já
que o não patrimonial está sendo transformado em patrimonial. O Direito é avesso ao arbítrio. Já que se quer
indenizar a moral em dinheiro pelo menos que se o faça de forma balanceada. Mas não, na maioria dos casos
se julga exatamente como nos exemplos apontados acima, sem base nenhuma, em dados econômicos
nenhum.
Casos julgados devem ser respeitados, mas nem por isso deixa de causar estranheza o modo como
estão sendo julgados. É freqüente que os próprios julgadores mudem de entendimento e isso precisa ser feito
em matéria de Dano Moral.
Enquanto isso se fala, pública e notoriamente, em indústria do dano moral, pois o valor das
indenizações tem chegado a patamares muito acima do que alguém pode ganhar em sua vida. No entanto, a
moral continua em franca baixa na nossa sociedade.
Infelizmente, a jurisprudência pátria continua caminhando no sentido de só dar indenização em
dinheiro para, pretensamente, curar a dor psíquica. Sirvam esses exemplos para que todos os operadores do
direito revisem os conceitos jurisprudenciais vigentes e lutem por outros modos de reparação do dano moral.
6 CONCLUSÃO: POR QUE REPARAR O DANO MORAL SÓ EM DINHEIRO?
Concluindo, mais uma vez, de modo enfático: o dano moral pertence ao campo da ética e o dinheiro ao
campo da lógica. Assim sendo, o dano moral deve ser reparado pelos meios morais, e não pelos meios
monetários, para não se confundir categorias distintas, como se o dinheiro tivesse o poder de restabelecer a
moral.
No Direito Brasileiro houve um esquecimento quase total de outras formas de reparação, que não sejam
monetárias. Isso talvez a demonstre o momento cultural e social e político em que vivemos, onde ganhar
dinheiro, levar vantagem de qualquer forma, inclusive através do Judiciário se tornou um comportamento
rotineiro.
No entanto, o tão citado prof.Carlos Alberto Bittar, na sua clássica obra, já ensinava sobre a reparação
do dano moral que "admitemse, nesse campo, conforme a natureza da demanda e repercussão dos fatos,
várias formas de reparação, algumas expressamente contempladas em lei, outras implícitas no ordenamento
jurídico positivos, como; a realização de certo ato, como a de retratação que, acolhida, pode satisfazer o
interesse lesado (lei 5250/67, arts. 29 e 30); o desmentido, ou retificação de notícia injuriosa, nos mesmos
termos, a contrapropaganda, em casos de publicidade enganosa ou abusiva (lei 8.078/90, art.60); a
publicação gratuita de sentença condenatória (lei 8.078/90, art.68). (Bittar, 1992, 218).
No mesmo sentido o insigne jurista Ponte de Miranda: "O dano moral se repara pelo ato que o apague
(e.g. retratação do caluniador ou do injuriante, casamento da mulher deflorada) ou pela prestação do que foi
considerado como reparador" (Pontes de Miranda, 1992,218).
Por que nossos julgadores, por que nossos Tribunais se esqueceram disso? Por que estão convertendo
quase todo dano moral em dinheiro?
Parece que houve uma anestesia geral no pensamento jurídico, na doutrina, na jurisprudência, com a
aceitação exclusiva do dano moral em dinheiro. Talvez o Brasil seja um dos únicos sistemas jurídicos do
mundo que converteu só em dinheiro o dano moral. Nunca antes na história do nosso sistema jurídico isso
tinha ocorrido. Os meios de comunicação têm noticiado frequentemente esse assunto e, a título de exemplo,
houve até numa reportagem que publicou uma Tabela de Preços para indenizar o Dano Moral, por exemplo;
assédio moral R$ 600 a 90.000 reais, revista vexatória no emprego, 3 a 15 mil reais e assim por diante (vide
"Prejudicou Pagou", Veja 24.8.2005, pág.114/115).
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Nessa mesma reportagem, divulgouse que o STJ em 1993 tinha só 28 processos por danos morais e
em 2005 já recebia quase 1.000 por mês, ou seja, 12.000 por ano!
O comércio do dano moral está crescendo a cada dia que passa e a vida moral da nação, a corrupção
em geral, ao que consta, continua igual ou pior.
Por isso, cada caso de reparação deve ser estudado minuciosamente pelos juízes, com a ajuda de
psicólogos, sociólogos e com profissionais de outras áreas, de modo interdisciplinar, visando avaliar de
modo amplo e prudente, como se pode reparar o dano moral sofrido.
Para Pessoas Jurídicas, a questão não deve ser tratada como dano moral, apesar da posição em
contrário do STJ. Não se pode equiparar pessoa física com pessoa jurídica, pois a pessoa jurídica é criação
da ordem jurídica, não tem vida biológica, a equiparação é equivocada.
Para Pessoas Jurídicas, o tratamento adequado será basicamente o de indenizar o dano material, pois o
efeito da constituição de uma Pessoa Jurídica é a separação do patrimônio para o exercício de uma atividade.
Não há vida psíquica na pessoa jurídica, independente dos sócios e participantes, estes sim dotados da
energia biológica vital.
Para os casos de injúria, calunia ou difamação, cometidos por violação da lei de imprensa, a reparação
deve ser por desagravo, publicação de retratação e pelos meios criminais, como sempre foi antes de ser
abandonada a parte criminal e incentivada as ações de reparação civil, certamente por serem mais
compensadoras, na medida em que podem se transformar em ganho monetário, inclusive para os advogados
das partes.
Outra forma adequada de resolver conflitos de Dano Moral é através da Mediação. Na Mediação as
partes se comunicam, vão examinar, com a ajuda de um Mediador, as causas dos problemas, os aspectos
subjetivos e emocionais, de modo que possam se autocompor e achar o modo mais propício de encontrar
uma terapia para o vínculo conflitivo.
Parece evidente nesses casos, de um modo geral, a contradição do argumento dos que defendem a
indenização em dinheiro, ou seja, patrimonial, para punir o autor do dano, condenandoo a uma espécie de
segunda pena pecuniária. O dano moral não é para reparar a dor da vitima? Ou é para punir pecuniariamente
o autor? Para casos de punição existe o Código Penal. O direito brasileiro está penalizando o patrimônio das
pessoas físicas e também jurídicas, sem previsão legal, ao arbítrio do julgador.
O que não se pode é aceitar que a Moral seja sempre tratada com objeto do desejo pecuniário como
está acontecendo no Brasil, há muitos anos.
O ilustre professor e jurista baiano Calmon de Passos, em pioneiro, memorável e lúcido artigo "O
imoral nas indenizações por dano moral", cuja leitura se recomenda aos que ainda acreditam na ética,
criticou, visceralmente, a mercantilização dos danos morais.
Fazemos nossas as palavras do sábio mestre do direito:
"Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em
que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no
mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o
imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para
justificarse numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente
estruturado e institucionalizado, descaracterizandose como reparação de natureza moral para se traduzir em
ressarcimento material, vale dizer o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos outros
valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente
enxovalhado." (Revista Jus Navigandi, 2002, www.jus.com.br).
http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/anexos/10029100281PB.htm 8/9
03/04/2017 ® BuscaLegis
É preciso que se faça uma revisão da desastrosa maneira com que doutrinadores e jurisprudência vêm
tratando a matéria do dano moral que se tornou, sem dúvida, uma rendosa indústria de indenizações
pecuniárias. É um momento sério que exige a reflexão dos psicólogos, dos juristas, dos mediadores, dos
políticos, enfim, de todos. Estamos restabelecendo a moral? Ou apenas tolerando o dano moral em nome do
dinheiro?
Com esta reflexão estamos tentando contribuir para a revisão do pensamento jurídico nesse assunto e
conclamando todos, em especial os operadores do Direito, as Associações de Classe, a OAB, ONGs,
legisladores, juízes, mediadores, conciliadores, professores, promotores, governantes e demais interessados,
a sentirem o grave equívoco que existe na abordagem do Dano Moral. É preciso modificar o modo de reparar
o do Dano Moral, para o bem da sociedade, para recolocar a Moral em seu devido lugar, sem substituíla
pelo dinheiro.
BIBLIOGRAFIA CITADA
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* advogado e mediador em São Paulo, doutor em Direito Econômico pela USP
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11416
Acesso em: 09 jul. 2008.
http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/anexos/10029100281PB.htm 9/9