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AMOR NÃO É UM SENTIMENTO

14 de fevereiro de 2018

Cultivando cuidado

Vamos falar de amor? Como você diz “eu te amo” – para seus filhos, seu companheiro
ou companheira, para si mesma? E o que significa, para você, dizer isso? O que é,
afinal, o amor?

Conheci este texto numa versão em francês, no livro “Dénouer les conflits par la
Communication NonViolente”, que traz uma entrevista que Marshall Rosenberg
concedeu à Gabreille Seils. Não existe versão em português. Traduzi alguns trechos
do capítulo que aborda a grande questão da Comunicação Não-Violenta (e da minha
vida) – o amor. Suspenda suas ideias pré-concebidas sobre o tema e vamos juntas.

corações suspensos: o que é amor na CNV?

“Nossa mais bela maneira de cuidar de nós mesmos é de dar aos que estão a nossa
volta apreciações profundas.” (Marshall Rosenberg)

“O amor não é um sentimento”

“- O que é o amor?

Marshall: A Comunicação Não-Violenta desenvolveu-se precisamente para responder


a esta questão. O que é o amor? Como nós podemos viver o amor? Minha
visão das coisas é que nós demonstramos reciprocamente amor quando nos
conectamos uns aos outros com empatia, quando mostramos ao outro o que
nos emociona, quando nos asseguramos que a conexão estabelecida com o
outro é fundada apenas e unicamente na necessidade de dar e receber
compaixão. A maioria de nós define o amor de uma maneira totalmente
diferente; nós pensamos que amor é um sentimento. Se olharmos com
atenção exatamente o que acontece quando você pergunta ao seu parceiro
amoroso: “Você me ama?”, constatamos que estamos, na verdade, fazendo
outra pergunta: “Você tem sentimentos de carinho por mim? Seu coração
bate por mim?”. E os sentimentos não têm nada de estático, eles podem
evoluir de um momento a outro. É por isso que a resposta mais honesta à
questão “Você me ama?”, é outra questão: “Você quer saber o que eu sinto
agora, neste momento? Ou você quer que eu faça extrapolações para
avaliar quantos minutos eu vou pensar em você em termos de carinho e
ternura ao longo dos próximos meses?”. Claro, uma reação assim corre um
grande risco de provocar sentimentos de irritação ou raiva em seu parceiro,
que gostaria de ter clareza: “E então? Você tem ou não estes sentimentos
por mim?”. Na realidade, é impossível reagir a esta pergunta com uma
resposta universalmente válida. A única resposta honesta está ligada a certo
contexto e a um momento específico. Vários casais se violentam falando de
amor sem saber exatamente o que eles entendem por “amor”.(…) Muitas
pessoas precisam atravessar cinco relações infelizes antes de compreender
que nunca sua necessidade de amor será preenchida se elas buscam um/a
parceiro/a que satisfaça todos os seus desejos antes de elas mesmas
saberem o que querem. E aí, nós tocamos apenas em uma das numerosas
estratégias destrutivas que nossa cultura nos ensinou para abordar o amor,
a intimidade e a sexualidade.(…)

E como eu posso me dirigir ao ser amado dizendo “Eu te amo”, sem temer os efeitos
colaterais que minha pergunta poderia provocar?

Marshall: Eu me lembro da primeira vez em que me perguntei isso: mas como então
posso dizer “eu te amo”? Estava sentado em minha mesa de trabalho e
redigia um texto que eu deveria apresentar em breve sobre o tema. Eu fui à
cozinha pegar algo para beber e encontrei minha filha pintando sobre a
mesa. Senti vontade de me debruçar sobre ela, como tinha o hábito de
fazer, e de lhe dar um beijo dizendo “eu te amo”. Mas eu parei e ouvi uma
vozinha em mim: “Se você pensa realmente que ama sua filha, tente
formular seus sentimentos de maneira que ela possa realmente ouvi-los. O
que você gostaria de celebrar? O que minha filha remexe no fundo de mim
tão fortemente? Ela está apenas lá, na mesa da cozinha, pintando”. E eu me
lancei:

– Marla, quando eu vejo você sentada aí, pintando, eu…

E eu procurava os sentimentos que me habitavam. Seria tão simples dizer ‘eu te amo’
porque isso evitaria me colocar em conexão comigo mesmo. Agora, seria preciso
aprofundar meus sentimentos. E foi o que fiz. Quando tive clareza de meus
sentimentos e necessidades, senti uma imensa felicidade, muito mais forte do que
antes. Então, eu lhe disse:

– Quando eu vejo você sentada aí, pintando, eu sinto uma intensa alegria de viver na
companhia de um ser tão maravilhoso: isso preenche tão bem esta intensa
necessidade de conexão que me habita.

Eu pude ver então, no fundo de seus olhos, que minhas palavras lhe trouxeram muito
mais prazer que se eu tivesse lançado um “eu te amo” qualquer. Isto feito, eu também
desvendei muito mais coisas de meu mundo interior. Eu só posso recomendar
ardentemente que você também faça esta experiência. Comporte-se das duas
maneiras e pergunte às pessoas de seu convívio o que elas pensam das duas
atitudes, e qual elas preferem. Mas eu preciso também lhe prevenir para as
consequências desta mudança. Se uma pessoa tomou gosto pela expressão
detalhada de sentimentos, você pode guardar seus “eu te amo”; eles não significam
mais nada. Quando eu falo à minha companheira “eu te amo”, ela me atira:
“Ah, não, eu quero a versão integral!”.

A bela imagem de um casal unido para a vida toda tem sentido para você?

Marshall: Para mim, se duas pessoas têm trocas regulares e honestas sobre sua
maneira de ver as coisas e suas intenções, elas têm muito mais chances de ver sua
relação durar a vida toda do que se elas não o fazem. É bom que dois seres
conversem periodicamente sobre suas necessidades e sobre as estratégias que eles
usam individualmente ou em comum para satisfazê-las. Se eles estão atentos a tudo
que poderia bloquear seu desejo de proximidade e sua aspiração a manter uma
conexão acolhedora entre eles, a base de sua relação torna-se tão sólida e gostosa de
viver que cada um deles decidirá, livremente, dia após dia, continuar.
Amor Em Família

Amor: escolha diária.

Se o amor não é um sentimento, o que é então o amor? É uma necessidade?

Marshall: Quando eu falo de “amor”, eu entendo duas coisas distintas. Primeiramente,


utilizo a palavra amor como expressão de uma atitude espiritual. Quando eu
me reconecto a esta dimensão espiritual, o amor diz respeito ao conjunto da
humanidade, a todos os seres vivos sobre esta Terra, às árvores, ao mar, ao
ar, à energia divina. O prazer de estar ao serviço da vida é a fonte de uma
de nossas necessidades mais fundamentais. Regar uma planta e se alegrar
de vê-la crescer… eis como eu concebo o amor. Esta dimensão espiritual do
amor se aplica também aos seres humanos. Eu posso amar uma pessoa
com este amor, mesmo se ela não me é particularmente simpática ou
mesmo se eu não gosto dela. E, apesar de tudo, eu posso contribuir para
que tudo vá bem para ela. Nossa mais bela maneira de cuidar de nós
mesmos é de dar aos que estão a nossa volta apreciações profundas. Do
contrário, cada vez que nós chamamos alguém de imbecil, nós pagamos um
preço muito alto, pois isto é como dizer que nós vivemos num mundo repleto
de imbecis. Se eu me decido a ver prioritariamente a beleza de cada um, é a
mim mesmo que eu trato com amor. Esta mensagem não é minha: todas as
religiões a trouxeram, cada uma a sua maneira: “Não julgue para que não
seja julgado… Ame ao seu próximo como a si mesmo…”. Eu tenho a
escolha de servir a vida me apoiando nesta atitude interior. Cada um dos
meus gestos parte de meu único prazer de entrar em contato com todos os
seres vivos, e não de uma obrigação qualquer, um sentimento de culpa, ou
porque está escrito na bíblia. Fazendo isto, eu contemplo uma de minhas
necessidades mais importantes: de sentido.

“Eis minha primeira definição de amor.”

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