Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sophie Richardot
Université de Picardie Jules Verne
(CURAPP-ESS UMR 7319, CNRS)
Nicole Lautier
professora emérita
1
Tradução: Ana Paula Mendes Pereira de Vilhena
Revisão: Pedro Humberto Faria Campos
2
As Representações Sociais, também chamadas de “teorias ingênuas”
"os indivíduos, mesmo que sejam jovens estudantes, possuem nesta área uma
capacidade de raciocínio e, em particular, a capacidade de universalizar seus
julgamentos. Deste ponto de vista, os alunos oscilam entre vários princípios de justiça
que poderiam facilmente ir ao encontro de princípios gerais como os de igualdade,
justiça, moralidade, intenção, afirmação pessoal, respeito, solidariedade ..." (p.180).
Mais precisamente, Dubet retira três princípios de justiça que se encontram na maioria dos
estudos empíricos: mérito, igualdade e respeito. O mérito refere-se à equivalência entre "as
contribuições, o trabalho realizado e as recompensas, as notas obtidas. A injustiça é a
quebra desta equivalência, as notas arbitrárias, o não reconhecimento do desempenho..."
(p.181). A igualdade refere-se à ideia de que "a escola deve tratar todos da mesma maneira,
independentemente do desempenho" (p.182). O respeito refere-se à ideia de que o
julgamento escolar não deve atingir a dignidade das pessoas. Para o autor,
essas várias dimensões da justiça não podem ser estritamente consideradas como
valores ou padrões, como modelos ideais e transcendentes que se impõem aos
indivíduos. São sobretudo habilidades práticas de se ajustar aos outros e maneiras de
construir a vida em comunidade. Elas não se tornam padrões e somente são
apresentadas como tal na medida em que os alunos são obrigados, pelas situações de
investigação, a questionar sua existência e precisam explicá-las, justificá-las e dar-lhes
um valor universal. (p.183)
Metodologia
A pesquisa baseia-se no estudo das reações dos alunos a dois cenários relacionados
à questão da justiça dos professores: uma situação em que o aluno é potencialmente vítima
de uma avaliação do professor e uma situação em que ele é o testemunho de uma possível
injustiça cometida contra um aluno por um conselho de classe. Estes dois cenários não
foram concebidos de forma abstrata: foram desenvolvidos como resultado de pré-
levantamentos, observações em instituições e entrevistas com atores educacionais
(estudantes, professores, chefes de escola). Portanto, levanta-se a questão da justiça para
si mesmo, enquanto a outra levanta a questão da justiça para os outros. Em nenhum dos
casos, as situações são apresentadas como injustas: o sistema deixa aos estudantes a
possibilidade de interpretar as próprias situações - por exemplo, extraindo das situações
apresentadas os elementos julgados dignos de interesse, permitindo que eles construam
suas próprias imputações, seus próprios encadeamentos argumentativos - para identificar
as teorizações implícitas de justo e de injusto que eles elaboram.
Os alunos foram convidados a se imaginar em duas situações:
3
O sistema de atribuição de notas francês é sobre /20, e não sobre /10, como no Brasil
População e variáveis
Nós administramos esses dois cenários para 196 alunos da quarta série 5. Para que
surjam as interpretações mais ricas e variadas das situações propostas, escolhemos
estudantes com os mais diversos perfis possíveis. Os seguintes fatores foram variados:
• O nível de escolaridade (nível de escolaridade declarado pelo aluno abaixo da
pontuação mediana versus a nota mediana)
• Sexo
• A categoria sócio profissional dos pais
Os estudantes também vieram de vários colégios na região da Picardie:
- 2 centros públicos no centro da cidade
- 1 colégio privado
- 2 instituições públicas classificadas como Zona de Educação Prioritária (ZEP) 6.
O número de alunos é o seguinte, de acordo com os três tipos de colégio e o sexo do aluno:
Números ZEP Centro Privada TOTAL
Garotos 24 23 38 85
Garotas 38 36 37 111
TOTAL 62 59 75 196
Resultados
4
Formação profissional, técnico de nível médio.
5
Correspondendo ao 8º.ano do ensino fundamental no Brasil.
6
São escolas ou colégios no sistema escolar francês, que recebem subsídios suplementares devido ao alto grau de
dificuldades escolares ou sociais de seus alunos, desde 1981.
III. Articulação dos dois cenários: justiça para si e justiça para os outros
A fim de estudar o vínculo entre as respostas obtidas nos dois cenários de acordo
com o conjunto de variáveis relacionadas à socialização familiar, escolar e de gênero,
realizamos, usando o software SPAD, uma análise de correspondência múltipla (ACM), de
acordo com as seguintes variáveis ativas:
- cenário 1 (7 modalidades)
- cenário 2 (5 modalidades)
- Categoria Sócio Profissional dos pais (5 modalidades)
- Tipo de estabelecimento (3 modalidades)
- Nível escolar (2 modalidades)
- Sexo (2 modalidades)
As variáveis relativas aos cenários incluem, portanto, 12 modalidades e as
relacionadas com a socialização, 12 modalidades também. O equilíbrio entre esses dois
tipos de variáveis é, portanto, satisfatório (Lebaron, 2006).
Os fatores que mais contribuem para o Eixo 1 são o tipo de instituição (33%), a
categoria sócio profissional dos pais (29,4%) e o cenário 1 (19,6%). Ele opõe, de um lado,
os filhos de trabalhadores em colégios com classificação ZEP que pensam que
mereceram suas notas (cenário 1) e que confiam no conselho de classe (cenário 2), de
outro lado, os filhos de executivos e profissionais intelectuais superiores do colégio
privado que valorizam a nota mais favorável concedida por um júri (cenário 1) e expressam
seu desacordo com o conselho de classe para julgar o aluno sobre o seu comportamento
(cenário 2). Em outras palavras, podes ver, de um lado, os alunos das classes socialmente
desfavorecidas dos colégios ZEP que não percebem situações como injustas e se atribuem
a responsabilidade pelo seu fracasso e, do outro lado, alunos de classes socialmente
privilegiadas dos colégios privados que experimentam um sentimento de injustiça e veem
todo o interesse do júri em defender seus interesses.
Os fatores que mais contribuem para o Eixo 2 são o cenário 2 (29,4%), categoria
sócio profissional dos pais (22,6%), sexo (22,1%) e cenário 1 (22,1%). Pode-se distinguir,
por um lado, os meninos, filhos de funcionários, que pensam que "o professor é
incompetente" (cenário 1), expressam seu desacordo com o conselho sem atribuir motivo
(cenário 2) ou declaram que a decisão do conselho não pode basear-se no comportamento
e, por outro lado, as meninas cujos pais estão em uma profissão intermediária que
pensam que "o professor dá a nota de acordo com a cara do aluno" (cenário 1) ou que eles
O principal resultado deste estudo, que é particularmente bem extraído pela análise
de correspondências múltiplas (ACM), é, portanto, o contraste entre as reações dos
estudantes favorecidos socialmente e escolarizados na escola privada, e as de estudantes
socialmente desfavorecidos e escolarizados em colégios ZEP, em ambos os cenários. Ao
contrário do que se poderia esperar, é entre os primeiros que o sentimento de injustiça é o
mais forte, enquanto que entre os últimos, esse sentimento parece diminuir
consideravelmente, alguns desses alunos chegando até a se atribuir a responsabilidade
pelo fracasso. A análise também mostra que o gênero do aluno influencia a percepção das
situações apresentadas. Estes últimos são menos aceitáveis em meninos do que em
meninas, que estão mais dispostas a atribuir suas falhas ou equilibrar os desejos do aluno
com as exigências do conselho de classe. Finalmente, o estudo mostra que as reações dos
alunos aos cenários 1 e 2 se articulam: aqueles que experimentam (versus não
experimentam) um sentimento de injustiça em um caso (para si mesmo), experimentam
(versus não experimentam) o mesmo sentimento relativo ao outro (para outros).
As situações escolares exibidas são assim interpretadas, de acordo com as
características dos alunos, de maneiras muito diferentes, mostrando representações
sociais da escola altamente contrastantes de um grupo para outro. Parece-nos que estas
são estruturadas em particular em torno de três pontos essenciais: 1/ a percepção dos
limites e condições8 escolares 2/ a interpretação do princípio do mérito e 3/ tomada de
distância em relação ao papel na percepção de situações.
7
"Homens e mulheres procuram se conformar aos estereótipos sobre seus papéis. Mas o estereótipo masculino
concentra-se na competência, enquanto o estereótipo feminino valoriza o calor humano e a expressividade humana
acima de tudo" (Kellerhals et al., Supra, p.100).
8
No original “les enjeux scolaires”
Então, isso vem principalmente do fato de que temos que lidar com pessoas que são
muito consumidores. Além disso, as famílias pagam, hein. É... há uma conexão de
causa e efeito. Mas ainda temos um público que é cada vez mais consumista (...). Eles
não aceitam mais o fato de que: ‘pagamos, ficamos lá um ano para fazer tal nível, o
resultado no final é que temos que passar para a classe superior. Porque pagamos’. Na
escola pública, é um pouco diferente porque não pagamos. Sim, sentimos mais uma
obrigação de resultado. E quando não há resultados, ainda há uma sensação de falha
que é importante. (Mulher, diretora em colégio privado).
Os filhos dos trabalhadores, por outro lado, estão menos sujeitos a expectativas
semelhantes de seus pais. Porque "acredita-se tanto mais na utilidade dos diplomas e
querem ainda mais para seus filhos, quanto sejam eles mesmos (os pais) instruídos em um
meio social elevado" (Duru-Bellat, op.cit. p.78). Esses pais, que estão mais longe da cultura
escolar, podem não perceber todas as implicações da orientação profissionalizante para
9
Grifo do autor.
10
Grifo do autor
Conclusão
11
Grifo do autor
Duru-Bellat, M. (2002). Les inégalités sociales à l’école. Genèse et mythes. Paris, Presses
Universitaire de France.