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Capítulo 1 – As propriedades dos gases

O estado mais simples da matéria é um gás, uma forma da matéria que ocupa qualquer
recipiente que a contenha.

O gás perfeito

Veremos que é conveniente imaginar um gás como um conjunto de moléculas (ou átomos) em
movimento permanente e aleatório, com velocidades médias que aumentam quando a temperatura
se eleva. Um gás difere de um líquido pelo fato de ter suas moléculas muito separadas umas das
outras, exceto durante as colisões, e que se movem em trajetórias que são muito pouco perturbadas
pelas forças intermoleculares.

1.1. Os estados dos gases

O estado físico de uma amostra de uma substância é definido por suas propriedades físicas.
Duas amostras de uma substância que tem as mesmas propriedades físicas estão no mesmo estado.
Cada substância é descrita por uma equação de estado, uma equação que estabelece uma relação
entre essas quatro variáveis: volume ocupado (V), quantidade de matéria (n), pressão (p) e
temperatura (T).

(a) Pressão

A pressão é definida como força dividida pela área sobre a qual a força é aplicada. Quanto maior
for a força que atua sobre uma área, maior será a pressão. A origem da força exercida por um gás,
sobre as paredes do recipiente que o contém, é a sequência incessante de colisões das moléculas
com as paredes de recipiente. As colisões são tão numerosas que elas exercem uma força
efetivamente constante que se manifesta como uma pressão constante.

Se dois gases estiverem em recipientes separados tendo uma parede móvel comum, o gás com a
pressão mais alta tenderá a comprimir o gás (ou seja, reduzir o volume do gás) com a pressão mais
baixa. A pressão do gás que tem maior pressão diminuirá à medida que ele se expande, e a do outro
gás aumentará à medida que ele é comprimido. Os dois atingirão um estado em que duas pressões
são iguais e não há mais tendência de a parede móvel se deslocar. Essa igualdade entre as pressões
que são exercidas sobre as duas faces da parede móvel corresponde a um estado de equilíbrio
mecânico entre os dois gases. A pressão de um gás é, portanto, uma indicação da condição de ele
estar em equilíbrio mecânico com outro gás, estando os dois gases separados por uma parede
móvel.

(b) Temperatura

A temperatura, T, é a propriedade que indica o sentido do fluxo de energia através de uma


parede rígida e termicamente condutora. Se a energia passa de A para B quando os dois corpos (A e
B) estão em contato, dizemos que a temperatura de A é mais elevada do que a de B.

É conveniente fazer a distinção entre dois tipos de fronteira que podem separar dois corpos.
Uma fronteira é diatérmica (termicamente condutora) se uma mudança de estado é observada
quando dois corpos com temperaturas diferentes são postos em contato. A fronteira adiabática
(termicamente isolante) se não há nenhuma mudança de estado, mesmo que os dois corpos tenham
temperaturas diferentes.

A temperatura é a propriedade que indica se dois corpos estariam em “equilíbrio térmico” se


eles fossem postos em contato através de uma fronteira diatérmica. O equilíbrio térmico é atingido
se não ocorre qualquer mudança de estado quando dois corpos A e B estão em contato através de
uma fronteira diatérmica. Imaginemos que um corpo A esteja em equilíbrio térmico com um corpo B
e que B esteja em equilíbrio térmico com outro corpo C. Essa observação é resumida pela Lei Zero
da termodinâmica:

Se A está em equilíbrio térmico com B e se B está em equilíbrio térmico com C, então C também está
em equilíbrio térmico com A.

Na escala de temperatura termodinâmica, as temperaturas são simbolizadas por T e


normalmente dadas em kelvin, K. As escalas de temperaturas termodinâmicas e celsius estão
relacionadas pela expressão exata.

T/K = θ/⁰C + 273,15

1.2 As leis dos gases

(a) A lei do gás perfeito

A equação dos gases perfeitos é uma equação de estado aproximado para qualquer gás e fica
cada vez mais exata à medida que a pressão do gás tende a zero.

pV = nRT

Um gás que segue a equação anterior, para quaisquer condições, é chamado de gás perfeito (ou
gás ideal). Um gás real, isto é, um gás que realmente existe, tem o comportamento tanto mais
semelhante ao de um gás perfeito quanto mais baixa for a pressão, e é exatamente descrito pela
equação no limite quando p0.

(b) Misturas de gases

A pressão parcial, p1, de um gás J em uma mistura (qualquer gás, não apenas um gás perfeito), é
definido como

pj = xj.p

onde xj é a fração molar do componente J, a quantidade de J expressa como uma fração do número
total de moles, n, da amostra:

nj
xj  n  nA  nB  ...
n
Quando não há moléculas de J presents, xj=0; quando somente moléculas de J estão presentes, xj=1.
Segue-se da definição de xj, que independentemente da composição da mistura, xA+xB+...=1 e que,
portanto, a soma das pressões parciais é igual à pressão total:

pA+pB+... = (xA+xB+...)p = p

Essa relação é verdadeira tanto para os gases reais como para os gases perfeitos.

Quando todos os gases são perfeitos, a pressão parcial como definida na primeira equação
também é a pressão que cada um dos gases exerceria se ele ocupasse, sozinho, na mesma
temperatura da mistura, o volume total da mistura. Essa última definição é o significado original do
termo “pressão parcial” e a base da formulação original da Lei de Dalton.

A pressão exercida por uma mistura de gases é a soma das pressões que cada um deles exerceria se
ocupasse, sozinho, todo o recipiente.

Gases Reais

Os gases reais não obedecem exatamente à lei dos gases perfeitos. Os desvios são
particularmente importantes nas pressões elevadas e nas temperaturas baixas, especialmente
quando o gás está a ponto de se condensar em um líquido.

1.3 Interações moleculares

Os gases reais exibem desvios em relação à lei dos gases perfeitos em virtude das interações
moleculares. As forças repulsivas entre as moléculas contribuem para a expansão, e as forças
atrativas para a compressão.

As forças repulsivas são significativas somente quando as moléculas estão quase em contato;
são interações de curto alcance, mesmo numa escala medida em diâmetros moleculares. Em virtude
de serem interações de curto alcance, as repulsões só se tornam significativas quando a separação
média entre as moléculas é pequena. Esse é o caso em pressão elevada, quando um grande número
de moléculas ocupa um volume pequeno. Por outro lado, as forças intermoleculares atrativas têm
alcance relativamente grande e são efetivas em distâncias de vários diâmetros moleculares. São
importantes quando as moléculas estão relativamente próximas uma das outras, mas não
necessariamente se tocando. As forças atrativas não são efetivas quando as moléculas estão muito
separadas. As forças intermoleculares também são importantes quando a temperatura é tão baixa
que as moléculas se movem com velocidades médias suficientemente pequenas para que uma possa
se capturada por outra.

Em pressões baixas, quando a amostra do gás ocupa um volume grande, as moléculas estão, na
maior parte do tempo, tão afastadas umas das outras, que as forças intermoleculares não exercem
nenhum papel significativo, e o gás comporta-se como perfeito. Em pressões moderadas, quando a
distância média de separação entre as moléculas é somente de alguns poucos diâmetros
moleculares, as forças atrativas dominam as forças repulsivas. Nesse caso, espera-se que o gás seja
mais compressível que um gás perfeito, pois as forças contribuem para a aproximação das
moléculas. Em pressões elevadas, quando as moléculas estão, em média, muito próximas umas das
outras, as forças repulsivas dominam, e espera-se que o gás seja menos compressível que um gás
perfeito, pois, agora, as forças ajudam as moléculas a se separarem.

(a) O fator de compressibilidade


O fator de compressibilidade, Z, de um gás é a razão entre o volume molar do gás, Vm=V/n, e o
volume molar de um gás perfeito, V0m, na mesma pressão e mesma temperatura:

Como o volume molar de um gás perfeito é igual a RT/p, uma expressão equivalente é
Z=RT/pV0m que pode ser escrita como

Como, para um gás perfeito, Z=1 em quaisquer condições, o desvio de Z em relação a 1 é a


medida do afastamento do gás em relação ao comportamento ideal.

(b) Coeficiente do virial

Em volumes molares grandes e temperaturas elevadas, as isotermas dos gases reais pouco
diferem das isotermas do gás perfeito. As pequenas diferenças sugerem que a lei dos gases perfeitos
seja, de fato, o primeiro termo de uma expressão tipo

Essa expressão é um exemplo de um procedimento comum em físico-química, em que uma


expressão simples, considerada como uma boa primeira aproximação (no caso a expressão pV=nRT),
é usada como sendo o primeiro termo de uma série de potências de uma variável (no caso p). Outra
expansão em série, mais conveniente em várias aplicações, é

Essas duas expressões anteriores são versões da equação de estado do virial. Comparando com
a eq. 1.17, vemos que o termo entre parênteses, nas duas expressões, pode ser identificado como
sendo o fator de compressibilidade, Z.

Os coeficientes B, C, ..., que variam em função da temperatura, são os coeficientes do virial


(segundo, terceiro, etc); o primeiro coeficiente do virial é 1. O terceiro coeficiente do virial, C, é, em
geral, menos importante que o segundo, B, pois, normalmente, se tem que C/V2m << B/Vm.

A equação do virial pode ser usada para demonstrar um importante aspecto do comportamento
de um gás real. Embora a equação de estado de um gás real possa coincidir com a de um gás
perfeito quando p0, nem todas as suas propriedades necessariamente coincidem com as de um
gás perfeito nesse limite. Para um gás perfeito, dZ/dp=0 (pois Z=1 em todas as pressões), mas para
um gás real obtemos, a partir da eq. 1.18,

Entretanto, B’ não é necessariamente igual a zero; portanto, o coeficiente angular da curva de Z


em função de p não se aproxima, necessariamente, de 0 (o valor correspondente ao gás perfeito).
Como muitas propriedades dos gases dependem das derivadas, as propriedades dos gases reais nem
sempre coincidem com as do gás perfeito em pressões baixas. Raciocínio semelhante mostra que
Como os coeficientes do virial dependem da temperatura, pode haver uma temperatura em que
Z1 com o coeficiente angular em pressões baixas ou volumes molares grandes.

Nessa temperatura, que é chamada temperatura Boyle do gás, TB, as propriedades do gás real
coincidem com as do gás perfeito quando p0. De acordo com a equação 1.20b, o coeficiente
angular de Z será nulo quando p0 se B=0; portanto, podemos concluir que B=0 na temperatura
Boyle. Segue-se então, da eq. 1.19, que pVm≈RTB sobre uma faixa de pressões mais ampla do que e
qualquer outra temperatura, pois o primeiro termo da equação do virial, depois do 1 (isto é, do
termo B/Vm) é nulo, e C/V2m e os termos maiores são desprezivelmente pequenos.

(c) Coordenadas Críticas

Numa isoterma pouco abaixo de TC, o comportamento do gás é semelhante ao que já descrevemos:
em uma certa pressão, há condensação do gás e as fases líquida e gasosa podem ser distinguidas por
uma fronteira nítida. Entretanto, se a compressão for feita na própria temperatura TC, não aparece a
fronteira que separa as duas fases, e os volumes, em cada extremidade na parte horizontal da
isoterma, se confundem em um único ponto, o ponto crítico do gás. A temperatura, a pressão e o
volume molar no ponto crítico são chamados de temperatura crítica, TC, pressão crítica, pC, e
volume molar crítico, VC, da substância. As coordenadas pC, VC e TC são as coordenadas críticas da
substância.

Na temperatura crítica TC, e acima dela, a amostra tem uma única fase que ocupa todo o
volume do recipiente. Essa fase é, por definição, um gás. Então, a fase líquida de uma substância não
se forma acima da temperatura crítica. A única fase que enche todo o volume do recipiente quando
T>TC pode ser muito densa do que normalmente se considera como sendo característica dos gases.
Por isso, é preferível chamá-la de fluido supercítrico.

1.4 A equação de van der Waals

As equações de estado do virial só proporcionam informações objetivas sobre o gás quando


se inserem os valores particulares dos coeficientes. É interessante ter uma equação mais geral,
embora menos precisa, válida para todos os gases. Essa equação é um excelente exemplo de uma
expressão que pode ser obtida pela análise científica de um problema matemático complicado, mas
fisicamente simples, ou seja, é um bom exemplo da ‘construção de um modelo’.

A equação de van der Waals é

Em termos do volume molar Vm=V/n a equação escreve

As constantes a e b são chamadas de constantes de van der Waals. Elas são características
de cada gás e independentes da temperatura.

(a) A fidedignidade da equação

Vamos agora examinar a exatidão com que a equação de van der Waals traduz o
comportamento dos gases reais. Seria uma posição muito otimista a de esperar que uma única e
simples expressão fosse a verdadeira equação de estado de todas as substâncias gasosas. Nos
trabalhos de grande exatidão envolvendo gases, é indispensável lançar mão da equação do virial,
usar valores tabelados dos coeficientes em várias temperaturas e analisar numericamente os
sistemas. A vantagem da equação de van der Waals, no entanto, é ser analítica (isto é, ser expressa
simbolicamente) e possibilitar a obtenção de algumas conclusões gerais sobre o comportamento dos
gases reais. Quando a equação falha, temos que usar outra equação de estado que tenha sido
proposta, inventar uma nova ou voltar para a equação do virial.
Exceto quanto às oscilações abaixo da temperatura crítica, as isotermas de van der Waals são
bastante parecidas com as experimentais. As oscilações, ondulações de van der Waals, são irreais,
pois sugerem que, sob certas condições, o aumento de pressão provoca aumento de volume. Por
isso, elas são substituídas por segmentos de reta horizontais, traçados de modo que as áreas
subtendidas sobre e sob as retas sejam iguais. Esse procedimento é chamado construção de
Maxwell. As constantes de van der Waals são determinadas pelo ajuste das curvas calculadas às
curvas experimentais.
(b) As características da equação

As principais características da equação de van der Waals podem ser resumidas como segue:

Nas temperaturas elevadas e nos volumes molares grandes, as isotermas de van der Waals
coincidem com as isotermas do gás perfeito.

Quando a temperatura é alta, RT pode ser tão grande que a primeira parcela no segundo
membro da eq. 1.21b é muito maior do que a segunda parcela. Além disso, se o volume molar for
grande (isto é, se Vm>>b), o denominador da primeira parcela é Vm-b≈Vm. Nessas condições, a
equação se reduz à equação do gás perfeito, p=RT/Vm.

Os líquidos e os gases coexistem quando os efeitos de coesão e os de dispersão estão equilibrados.

As ondulações de van der Waals ocorrem quando os dois termos da eq. 1.21b têm valores
semelhantes. O primeiro termo provém da energia cinética das moléculas e das interações
repulsivas moleculares; o segundo representa o efeito das interações atrativas.
As coordenadas críticas estão relacionadas com as constantes de van der Waals.

Quando T<TC, as isotermas calculadas de van der Waals oscilam e cada uma delas passa por um
mínimo seguido por um máximo. Esses pontos extremos convergem quando T  TC e coincidem em
T=TC; no ponto crítico, a curva tem uma inflexão com a tangente horizontal. A partir das
propriedades matemáticas, sabe-se que uma inflexão desse tipo ocorre quando a primeira e a
segunda derivadas são iguais a zero. Logo, as coordenadas críticas podem ser determinadas
calculando-se essas derivadas e igualando-as a zero:

no ponto crítico. As soluções dessas duas equações (usando-se a eq. 1.21b para calcular pC a partir
de VC e TC) são

Essas relações fornecem uma rota alternativa para a determinação de a e b a partir dos valores
das coordenadas críticas. Elas podem ser testadas observando-se que o fator de compressibilidade
no ponto crítico, Zc, é previsto ser igual a

para qualquer gás, segundo a equação de van der Waals.

1.5 O princípio dos gases correspondentes

Uma importante técnica geral em ciência é a de usar escalas relativas de grandezas com base
numa grandeza semelhante que tenha um caráter fundamental. Vimos que as coordenadas críticas
são propriedades características de cada gás, de modo que talvez se possam estabelecer escalas
usando-as como unidades de medida. São introduzidas, portanto, a partir dessa ideia, as
coordenadas reduzidas adimensionais de um gás, dividindo-se a coordenada do gás pela coordenada
crítica correspondente:

Se a pressão reduzida de um gás é fornecida, a sua pressão pode ser facilmente calculada pela
relação p=prpC, e relações semelhantes são usadas para o cálculo do volume e da temperatura. Van
der Waals, que propôs pela primeira vez esse procedimento, esperava que os gases confinados no
mesmo volume reduzido, Vr, na mesma temperatura reduzida, Tr, tivessem a mesma pressão
reduzida, pr. Em grande parte, essa expectativa se confirmou. A observação de que gases reais
diferentes em estados com o mesmo volume reduzido e na mesma temperatura reduzida têm a
mesma pressão reduzida é chamada de princípio dos estados correspondentes. O princípio dos
estados correspondentes é somente uma aproximação. Ele é melhor para gases com moléculas
esféricas. Ele falha, e às vezes muito, quando as moléculas do gás não são esféricas ou são polares.
A equação de van der Waals elucida, em parte, o princípio. Se exprimirmos a eq. 1.21b em
termos das variáveis reduzidas, vem

Então, expressamos as coordenadas críticas em termos das constantes a e b usando a eq. 1.22:

que pode ser reescrita na forma

Esta equação tem a mesma forma que a equação original, mas os coeficientes a e b, que são
diferentes de gás para gás, desapareceram da expressão. Segue que, se as isotermas forem
representadas em termos das variáveis reduzidas, as mesmas curvas são obtidas, quaisquer que
sejam os gases. É esse, exatamente, o conteúdo do princípio dos estados correspondentes, de modo
que a equação de van der Waals é compatível com esse princípio.

Atribuir muita importância a esse êxito é um engano, pois outras equações de estado também
são compatíveis com o princípio. Na realidade, tudo de que necessitamos são dois parâmetros
exercendo os papéis de a e b para que uma equação possa ser sempre transformada numa equação
na forma reduzida. A observação de que os gases reais obedecem aproximadamente ao princípio é
equivalente à afirmação de que as interações atrativa e repulsiva podem ser aproximadas, cada uma
delas, em termos de um único parâmetro. A importância do princípio dos estados correspondentes
não reside, portanto, na sua interpretação teórica, mas na maneira que proporciona de coordenar,
num único diagrama, as propriedades de diversos gases.

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