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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS


DAS ARTES - PPGCA

HERBERT BAIOCO VASCONCELOS

DA COMUNICAÇÃO PELO AR ELÉTRICO

Niterói
2017
Monografia do Seminário de Pós-Graduação:
“Arte e Ativismo: Singularidades e Paradoxos”.
Prof. Dr. Luiz Sérgio Oliveira. 2º semestre de
2017. PPGCA-UFF.

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Esse texto é um diálogo com as questões tratadas nos encontros da disciplina “Arte e Ativismo:
Singularidades e Paradoxos”, em especial é uma ampliação e uma outra maneira de
desenvolvimento do seminário apresentado na mesma disciplina em 16 de outubro de 2017. Se
esse texto tem um objetivo é o de um olhar diferente que uma obra de arte pode oferecer ao
mundo ao redor ao olhar em perspectiva artefatos de comunicação, como um pensamento
político do período de pensamento, desenvolvimento e massificação se impregnam. E mais
interessante que buscar uma hipotética validação do presente num passado distante é a de
esbarrar em caminhos abandonados que ficaram como possibilidade.

Naquela e na atual situação, escolhi a obra de arte “The Messenger” (1998/2005) do artista
norte-americano Paul DeMarinis (1947- ). Um desses motivos é que possuo uma proximidade
afetiva com o telégrafo, simbolizada numa anedota familiar. A forma em que foi possível
alcançar meu avô, na região rural de Rio Casca, Minas Gerais, em junho de 1988 foi por meio
de um telegrama. Esse, continha a seguinte mensagem: ´Nasceu o nome é Herbert pt´ o pt no
código telegráfico corresponde a uma pontuação final e uma despedida. Mas foi capaz de criar
uma confusão com a já afamada inabilidade que os idosos têm com tecnologia – meu avô já
contava com 84 anos – que o nome entendido foi uma construção ornomatopéica: Herbertpt.
Trago essa anedota como ponto de partida e assim como um outro elemento de análise pois
ainda hoje é possível contratar um telegrama pelos correios.

“The Messenger” é uma instalação multimídia inspirada nas propostas iniciais dos primeiros
telégrafos elétricos, em particular aqueles produzidos pelo cientista catalão Francesc Salvà
(1751-1814). O impulso criativo da instalação busca examinar as metáforas codificadas dentro
das tecnologias. O artista, parte do telégrafo de maneira a investigar uma possível a relação
entre eletricidade e democracia e como as tecnologias de telecomunicações elétricas
participaram em nosso engajamento como sociedade ou em nosso isolamento, numa busca de
igualdade social ou uma nova forma de opressão, num possível enriquecimento de nossa
experiência, na incerteza de nossas vidas.

A instalação funciona a partir de uma rotina. Mensagens de e-mail, enviadas de todo o mundo
são recebidas por um computador e lidas em tempo real, letra por letra a partir de três receptores
fantasiosos: uma matriz circular de 26 bacias de falam as letras em 26 vozes diferentes.

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Homens, mulheres, crianças em idade escolar e aposentados estão “embaciados” na vocalização
quando sua respectiva letra é ativada. Um exercício interessante é imaginar a decomposição
desse texto em uma sala, letra por letra e em uma espacialidade outra além da opção tela branca
do leitor de e-mail.

O segundo receptor é feito de uma companhia de 26 pequenos esqueletos dançantes. Cada um


veste um pequeno poncho com uma letra diferente do alfabeto. Assim, quando uma letra de
uma mensagem é ativada em sua leitura, o esqueleto pula, produzindo uma dança macabra
enquanto a leitura do email não termina. Como comentário, é interessante ver esse alargamento
da palavra leitura nesse exemplo como intrinsicamente ligado à expressão corporal, a dança.

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Por fim, o terceiro receptor também conta com um conjunto de 26, dessa vez compostos de
jarros de vidro, preenchidos com líquido eletrolítico e contendo cada um, um par de eletrodos
de metal, sendo um deles em formato de letra. A corrente elétrica que circula nesse eletrodo faz
com que as letras de metal brilhem e apaguem a medida em que a mensagem for lida e a letra
correspondente alcançada, esse pulso luminoso seja interpretada como leitura.

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visão geral da instalação “The Messenger”

A instalação, como apresentamos transforma a leitura de e-mails enviados por pessoas de todo
o mundo com acesso ao endereço, em 1998 e 2005 é bom contextualizar, em algo além do que
uma leitura silenciosa, sentado em frente a uma tela luminosa em silêncio. Temos, por um lado
uma demonstração de divisões de caminhos de uma mensagem, uma mesma mensagem sendo
manifestada de três maneiras diferentes, três possibilidades de leitura. Uma leitura sonora, a
partir das bacias com fonogramas pré-gravados, a cinética, pelo movimento das simpáticas
caveirinhas emponchadas e por último o pirilampo das jarras que brilham. É importante
destacar essa maleabilidade e possibilidade de tradução de uma mesma mensagem a partir de
meios diferentes, nos ajuda a posicionar algo caro, que é uma apologia de que os meios que
usamos para nos comunicar não são transparentes, ou seja, não contribuem no todo de uma
mensagem, sendo apenas suportes inócuos. Paul DeMarinis ainda destaca que o fenômeno cada
vez mais comum da mensagem sem sentido ou uma mensagem perdida se tornou uma uma
experiência diária em nossas vidas principalmente pela confiança na eletricidade como
principal e dominante meio de comunicação. Como veremos na próxima parte com o exemplo
do telégrafo, os meios são traduções do entorno social e demonstram as possibilidades usuais e
latentes de uma realidade de tempo e espaço. Não são descoladas do tempo e nem,
parafraseando um bordão neófito, não vieram do futuro.

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É interessante a escolha do artista por dar atenção ao telégrafo nos estágios iniciais da pesquisa,
quando a ideia de enviar mensagens à grandes distâncias ainda era um experimento, uma dúvida
em um mundo que dependia dos mensageiros à cavalo. A escolha, que hoje parece óbvia, entre
Telégrafo e a eletricidade, meios de comunicação e cabos de eletricidade, as midias elétricss –
telefone, mídias sonoras como rádio, gramofone, fonógrafo, o cinema – não o era nesse período
específico escolhido pelo artista. A eletricidade ainda era uma novidade, mal-entendida, durante
o período em que os experimentos de Salvà (1751-1814) foram realizados e que o artista
escolheu como fontes para a criação.

A eletricidade, mesmo que observada desde os tempos mais antigos, se tornou muito mais
discutida e examinada a partir da primeira metade do século XVIII. Mas, quem pesquisava a
eletricidade. O artista elenca algumas características desse pesquisador: “que eles eram homens
de privilégio e educação é revelado pelos materiais que eles usavam para gerar estática elétrica:
feltro, âmbar, resina e cera. E que também eles viviam em climas frios e secos também era um
requisito para uma observação regular da estática, pois somente nesse ambiente frio e seco a
carga gerada por fricção pode ser acumulada sem se dissipar na atmosfera.”

A história da eletricidade é imbricada à história da democracia, são as duas principais heranças


da era Moderna e não é coincidência que muitos indivíduos que se interessaram pela pesquisa
com eletricidade tinham também interesses econômicos que os levaram também a pensar em
reformas sociais. A figura mais proeminente com essas características é o norte americano
Benjamin Franklin (1706-1790).

O termo “democracia” aparece pela primeira vez no século XVIII, em 1763, no Contrato Social
de Jean Jacques Rousseau, mas é um termo que evoca as experiências da democracia Ateniense
dos séculos V a.C., acompanha a República Romana. Como característica é notável a presença
de cidadãos que podem votar e ser votados conforme as convenções de cada época. O uso do
gênero masculino não é à toa pois até as primeiras vitórias do movimento Sufragista feminino
no fim do século XIX, somente homens, gentios, proprietários de terras, normalmente brancos
podiam votar. No fim século XVIII a proclamação da independência norte-americana é
representativa por encarnar uma experiência democrática na era moderna, colocando em ação
ideias que eram discutidas nos círculos progressistas. A revolução francesa de 1789 intensifica
essa fratura do regime antigo, e por ironia, Napoleão Bonaparte, o general que se tornou
imperador, em suas campanhas europeias dizima grande parte das casas reais acelerando um

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movimento reformista na política e também a independência das colônias americanas, que
foram também plataformas de implantação de repúblicas, com a exceção do Brasil.

Por outro lado, em 1753, aparece em Scot’s Magazine, uma proposição de um telégrafo que
funcionaria com eletricidade estática, composto de 26 fios, um para cada letra do alfabeto,
enviado por um anônimo C.M. O sistema consistia de 26 fios, um para cada letra do alfabeto,
que convertiam eletricidade estática, enviada de uma ponta em movimentos de eletrodos em
formato de bolas no outro. A mensagem era soletrada, uma letra após a outra e reconstruída no
lado de recepção após um exame cuidadoso dos movimentos das bolas.

E é interessante observar ao longo do século XVIII o avanço das frentes democrata e elétrica
em um mundo europeu do antigo regime, do rei absolutista e os choques simbólicos e literais
entre eletricidade e sistemas absolutistas. No antigo regime pouca distinção era feita sobre a
mensagem que era transmitida, o meio de condução e o recipiente. Ocasiões de exibições de
novas tecnologias diante ao rei eram comuns, de forma que o inventor garantisse um apreço e
financiamento real, o meio em que a eletricidade era testada variavam em graus de crueldade e
de vontade do soberano. Guardas, cossacos, monges cartuxos, animais, escravos foram
utilizados como condutor de eletricidade e ainda mais, como protótipos de telégrafos elétricos.
O primeiro modelo de Salvà era constituído também de um fio para cada letra do alfabeto, uma
jarra de leyden em cada fio para transmitir uma fagulha elétrica, mas o chocante era o que estava
na ponta de recepção de cada fio, Salvà especificava um número de pessoas, um para cada fio.
Depois de receber um choque, cada um desses presumíveis servos, falavam em voz alta a letra
do alfabeto a que eles mesmos correspondiam. Uma outra pessoa, presumivelmente
alfabetizada, escrevia a mensagem que era falava.

Um outro registro, também interessante sobre tradução das relações sociais em tecnologias de
comunicação foi um outro registro de Salvà, esse um telégrafo submarino que ligaria Espanha
às colônias da América Espanhola, logo um pouco antes do tour de Napoleão Bonaparte na
Europa e destituição de várias famílias reais. O aspecto mais chamativo dessa proposta, que nos
soa como um meio de comunicação capenga. A proposta, como tradução da aristocracia, da
relação entre colonizador e colonizado, entre quem manda e quem obedece, era que esse
telégrafo submarino seria de mão única, as mensagens seguiriam apenas o fluxo da Espanha 
América, uma mensagem, uma ordem já sem sentido de um centro distante para ser executada
nas colônias.

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Somente em 1834, um pintor norte-americano, Samuel Morse (1791- 1872) implementou as
contribuições que alavancaram o estado do telégrafo de experimento de curiosidades para um
meio de comunicação disseminado. O sistema de transmissão inventado por Morse tornou
possível a rápida expansão da telegrafia elétrica verificada a partir da década de 1840. Nessa
ocasião, Inglaterra, França, Prússia, Áustria, península itálica e Estados Unidos construíram
redes telegráficas terrestres em seus territórios. Suas contribuições representaram uma
simplificação e uma economia em relação às tentativas passadas, baseado na emissão de curtos
e longos impulsos de corrente elétrica traduzidos em pontos e traços que, combinados,
representavam letras e números, o conhecido Código Morse que permitiu a transmissão de
qualquer mensagem escrita por um fio, mas não somente isso, proveu um protótipo de
comunicação digital que atinge o ápice em nosso período, essas mensagens binárias de 01,
branco e preto, pontos e linhas, ou seja, elementos que a partir de uma convenção são entendidos
como opostos.

No Brasil, o telégrafo elétrico chega em 1852, após um ensaio durante o ano de 1851. É de
iniciativa do então Ministro da Justiça, Eusébio de Queiroz, autor da lei que proibia o tráfico
de escravos no Brasil. Pelos indícios, o Ministro buscava com o telégrafo elétrico um
instrumento de auxílio para cumprir essa lei. Existia um padrão nas nações periféricas de
contratar mão de obra técnica especializada para a implementação do telégrafo, e buscar formas
de uma posterior autonomia, a partir de treinamento de pessoal ou com implantação de
empresas estatais. A telegrafia elétrica no Brasil somente será alavancada em um sentido de
integração nacional quando da ocorrência da guerra do Paraguai e a necessidade de
comunicação rápida entre o comando imperial no Rio de Janeiro e a campanha no rio Paraguai.

Entretanto, mesmo sem a disseminação atual dos meios de comunicação e de fios elétricos é
interessante perceber um choque entre tempos diferentes que conviviam no Brasil e em especial
no Rio de Janeiro na metade do século XIX. Acho que era um choque entre forças que podemos
identificar como telégrafo elétrico, escravidão, império. Lembrando que o desejo científico de
dominar a eletricidade, a entender e gerar ganhos econômicos era ideologicamente parelho com
o de espalhar a democracia, aumentar ou mesmo criar um mercado de consumidor.

É interessante o paralelo entre o roubo de fios, ações de vandalismo comuns e quando são
novidades, como alienígenas. O pesquisador Mauro Costa da Silva apresenta algumas

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recomendações do fabricante alemão para o pesquisador do exército e principal estudioso do
telégrafo Guilherme Schüch Capanema (1824-1909).

“A preocupação com o vandalismo já estava presente;


Capanema havia sido inclusive alertado pelo fabricante
alemão Stochrer quando da aquisição dos materiais em
1851, para que se comprassem isoladores além do
necessário, pois“[...] muitos se quebram no transporte ou
podem ser destruídos por maldade”. Apesar de relatos
sobre tiros que usavam os isoladores como alvo ou danos
causados às linhas, somente após 18 anos de inaugurada a
primeira linha telegráfica, seria criada uma lei que
permitia punir atos de vandalismo.”

Como testemunhas, e agentes, vivendo nessa segunda década do século XXI, percebemos como
a comunicação por internet, as redes sociais são uma poderosa ferramenta de mobilização, de
ocupação de tempo, de propagação de rumor. Podemos levantar incansavelmente os
questionamentos quanto à efetividade de uma indignação vociferada em caracteres digitais, mas
temos por outro lado elementos concretos de mobilização em manifestações públicas offline
que nos permitem enxergar esse passo além do dialético verdade e mentira, mundo real e mundo
virtual, engajamento e alienação. Uma busca rápida também nos revela uma pretensa
neutralidade da rede, servindo de catalisador às manifestações de ideologias diferentes,
servindo dessa porta entre a organização virtual e a ação em si. Pretensa, pois essa capacidade
de se auto alimentar dos usuários, ter o conteúdo criado por quem usa sem uma figura clara de
curadoria ou censura era a principal novidade da internet em relação aos outros meios. Como,
por exemplo, entrar na programação de uma TV. Era e é passível de prisão emissões de rádios
piratas, o espectro de rádio já é loteado. Essa característica de se retroalimentar, foi um alento
atrator de arena democraticamente livre com que a internet foi pensada em seus primórdios,
buscando dar a voz ou a escrita de opiniões não importando muito bem a quem seja. As notícias
que nos acompanham nessa década de 2010 abrangem desde a agência de seguranças dos
Estados Unidos que monitoram atividades dos usuários globais, passamos pelas Fake News de
2016, presenciamos a cada ano o poder da publicidade nesse campo, os anúncios de perfil;

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nesse ponto algumas plataformas de redes sociais se comportam como a tradicional rede de
televisão. Outros enfrentamentos, aliás, são os do dia a dia na relação com o outro, com o outro
ser humano, caso dos linchamentos virtuais, os ataques de bullying, esses bem comuns com
adolescentes que como já nasceram em pleno funcionamento da rede interessantemente não
fazem essa distinção real x virtual, tudo faz parte de um fluxo.

É um exercício fazer o olhar pretérito, nesse computador onde escrevo esse texto e também
onde vez ou outra uma mensagem de vários caminhos me alcança. Mensagens indesejadas e de
remetentes desconhecidos são mais comuns do que aquelas felizes, que acalentam o coração
não importando o meio. De repente esses remetentes são parte da própria eletricidade, vem da
mesma tomada onde conecto o computador. Outro ponto para atenção é a contínua unificação
dos meios, antes 26 fios para cada caractere, um fio para enfiar e receber mensagem, uma caneta
e papel, telefone, rádio e um computador, que mantém o impulso totalizador.

A ideia desse texto foi no sentido de marcar território, seria uma pretensão pensar em resolver
a miríade de assuntos levantados em dez páginas.

Referências Bibliográficas

DEMARINIS, Paul. “The Messenger” In: Buried in Noise, 237-240.Kehrer: Berlin. 2010.

MOREIRA, Ildeu de Castro e SILVA, Mauro Costa da. “A introdução da telegrafia elétrica no
Brasil (1852-1870) in: Revista da SBHC, v5, n.1, pp. 47-62, Rio de Janeiro. 2007.

SMITH, Zadie. http://piaui.folha.uol.com.br/materia/quero-ficar-na-geracao-10/ acessado em


09 de março de 2018.

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