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Estatı́stica Matemática I

Roseli Aparecida Leandro


Março de 2009

Depto. de Ciências Exatas, ESALQ/USP


e-mail: raleandr@esalq.usp.br

1
Ementa

1. Revisão de Teoria das Probabilidades: variáveis aleatórias,


função de distribuição e função de densidade de probabili-
dade, função de distribuição acumulada, distribuições condi-
cionais, transformações de variáveis aleatórias, esperança ma-
temática, variância, covariância, coeficiente de correlação,
função geradora de momentos.

2. Modelos Estatı́sticos. Estatı́stica Suficiente e Completa.

3. Famı́lia Exponencial. Estatı́sticas de Ordem.


2
4. Métodos de Estimação: método dos momentos, método
máxima verossimilhança, método dos mı́nimos quadrados.

5. Comparação de Estimadores. Estimadores Não-Viciados Uni-


formemente de Mı́nima Variância. Teoremas de Rao-Blackwell
e Lehmann-Scheffé. A Desigualdade da Informação.

6. Intervalos de Confiança. Métodos para Obtenção de Inter-


valos de Confiança. Regiões de Confiança.

7. Testes de Hipóteses. Lema de Neyman-Pearson. Testes


Uniformemente Mais Poderosos. Teste da Razão de Veros-
similhança.
Bibliografia

1. Bickel, P.J.; Doksum, K.A. Mathematical Statistics: basic


ideas and selected topics. Holden-Day, Inc, California, 1974.

2. Casella G.; Berger L.R. Statistical Inference. Duxbury Press,


California, 1990, 650 p.

3. Cox, D.R.; Hinkley, D.V. Theoretical Statistics. Chapman


and Hall, 1992.

4. Degroot, M.H. Probability and Statistics. Addison-Wesley,


2nd Edition, 1986.
3
5. Hoog, R.V.; Craig, A.T. Introduction to Mathematical Sta-
tistics. 3rd. Edition, Mac-Millan, 1978.

6. James, B.R. Probabilidade: um curso em nı́vel Intermediário.


Projeto Euclides, Rio de Janeiro, 1981.

7. Kendall, M.G.; Stuart, A. The Advanced Theory of Statis-


tics. Vol I, II, III. Charles Griffin, London, 1963.

8. Lindegren, B.W. Statistical Theory. McGraw-Hill, 1974.

9. Mood, A.M.; Graybill, F.A.; Boes, D. Introduction to the


Theory of Statistics. 3rd. Edition, McGraw-Hill, 1974.
10. Murteira, B.J.F. Probabilidade e Estatı́stica. vol I, II. 2a.
Edição, Portugal, 1990.

11. Roussas, G.G. A First Course on Mathematical Statistics.


Addison-Wesley, 1973.

12. Silvey, S.D.. Statistical Inference. Chapmann & Hall, Lon-


don. 191pp.1995.
Avaliação

Constará de três provas sendo uma substitutiva: P1, P2, S.

O conceito será atribuı́do da seguinte maneira:

8, 5 < media ≤ 10, 0 Conceito A


7, 0 < media ≤ 8, 5 Conceito B
5, 0 < media ≤ 7, 0 Conceito C

2P 1 + 2P 2 + SEM
em que media = sendo SEM a nota obtida
5
na apresentação de um seminário.
4
Data das provas

P1 08/05/2009
P2 26/06/2009
S 01/07/2009

A prova S substituirá a menor nota e versará sobre toda a matéria


ministrada durante o curso.

Os seminarios serão apresentados no dia 30/06/09 com inicio


às 14:00h e terão duração de uma hora cada.

5
Introdução

Notações a serem utilizadas nesse texto

1. E experimento;

2. Ω espaço amostral;

3. A ⊂ Ω evento.

6
Experimentos

Um dos objetivos de um estatı́stico é tirar conclusões sobre uma


população de objetos através da condução de um experimento.
Os experimentos podem ser classificados em:

(
Determinı́sticos
Aleatórios

Experimentos determinı́sticos: São aqueles que repetidos, nas


mesmas condições, conduzem ao mesmo resultado.

Experimentos aleatórios: São aqueles que ao serem repetidos,


nas mesmas condições, não produzem o mesmo resultado.

O estatı́stico está preocupado com os experimentos aleatórios.


7
Exemplos:

E1 : Lançamento de uma moeda.

E2 : Lançamento de um dado.

E3 : Lançamento de duas moedas.

E4 : Plantar duas estacas e verificar o enraizamento.

E5 : Lançamento de dois dados.

8
E6 : Número de ovos de determinada lagarta.

E7 : Selecionar um morador da cidade de Piracicaba e medir


sua altura.

E8 : Observar o tempo de vida de indivı́duos.

E9 : Observar a produção de um talhão.

E10 : Observar o tempo de vida de lâmpadas

E11 : Numa estação agronômica semeiam-se cinco talhões com


diferentes variedades de milho hibrı́do e registram-se as res-
pectivas produções.

9
Espaço amostral

Associado a cada experimento, E, temos um espaço amostral.


Que dependendo da natureza do experimento poderá não ser
único.

E1 : Lançamento de uma moeda.

Ω = {cara, coroa}

E2 : Lançamento de um dado.

Ω = {1, 2, 3, 4, 5, 6}

10
E3 : Lançamento de duas moedas.

Ω = {(cara, cara), (cara, coroa), (coroa, cara), (coroa, coroa}

E4 : Plantar duas estacas e verificar o enraizamento

Ω = {(e, e), (e, ē), (ē, e), (ē, ē)}, e= enraizar , ē=não enraizar

E5 : Lançamento de dois dados.


{ (1, 1), (1, 2), (1, 3), (1, 4), (1, 5), (1, 6),
(2, 1), (2, 2), (2, 3), (2, 4), (2, 5), (2, 6),
(3, 1), (3, 2), (3, 3), (3, 4), (3, 5), (3, 6),
Ω=
(4, 1), (4, 2), (4, 3), (4, 4), (4, 5), (4, 6),
(5, 1), (5, 2), (5, 3), (5, 4), (5, 5), (5, 6),
(6, 1), (6, 2), (6, 3), (6, 4), (6, 5), (6, 6) }
E6 : Número de ovos de determinada lagarta.

Ω = {0, 1, 2, 3, 4, . . .}

E7 : Selecionar um morador da cidade de Piracicaba e medir


sua altura.
Ω = {x ∈ R : x ≥ 0}

E8 : Observar o tempo de vida de indivı́duos.

Ω = {t ∈ R : t ≥ 0}

E9 : Observar a produção de um talhão.

Ω = {x ∈ R : x ≥ 0}
E10 : Observar o tempo de vida de lâmpadas

Ω = {t ∈ R : t ≥ 0}

E11 : Numa estação agronômica semeiam-se cinco talhões com


diferentes variedades de milho hibrı́do e registram-se as res-
pectivas produções.

Ω = {(x1, x2, x3, x4, x5) : xi ≥ 0, i = 1, 2, 3, 4, 5}


Às vezes o espaço amostral de um experimento não é tão fácil de
ser definido. Por exemplo no experimento 7, quais os resultados
possı́veis deste experimento? Números reais entre 0 e ?. Su-
pondo que não exista uma altura máxima, talvez seja razoável
fazer Ω = (0, ∞). Mas é evidente que esse conjunto contém
resultados impossı́veis, tais como um milhão ou um bilhão de
metros. Outros candidatos para Ω seriam, por exemplo, os in-
tervalos limitados (0, 3) e [1/10, 3]. Os dois intervalos contêm,
aparentemente, todos os resultados possı́veis do experimento.
Esta propriedade já é suficiente para nossos propósitos, e pode-
mos escolher qualquer desses intervalos (incluindo (0, ∞)) para o
espaço amostral. O importante, então, é que Ω contenha todo
resultado possı́vel.

A importância do espaço de resultados provém, sobretudo, de


esse ser o meio empregue para a definição de eventos (aconteci-
11
mentos). Há, em regra, muito mais interesse nos acontecimen-
tos e nas famı́lias de acontecimentos de que nos elementos do
espaço amostral.
Eventos

Definição: Seja Ω o espaço amostral associado ao experimento


E. Todo subsconjunto A ⊂ Ω será chamado evento.

Notação: A, B, C, D, . . .

Considere um experimento E cujo espaço amostral é Ω. Quere-


mos encontrar todos os subconjuntos de Ω chamado conjunto
das partes de Ω ou conjunto de todos os subconjuntos de Ω
denotado por P(Ω).

O número de elementos de P(Ω) é denotado por #P(Ω) e é


dado por #P(Ω) = 2#Ω .
12
Exemplo: Se Ω = {1, 2, 3} então: #P(Ω) = 2#Ω = 23 = 8 e

P(Ω) = {∅, {1}, {2}, {3}, {1, 2}, {1, 3}, {2, 3}, {1, 2, 3}}

n n n
     
(1 + 1)n = 0 + 1 + . . . + n

n
  n!
em que p =
(n − p)!p!

Quando o espaço amostral é finito a tarefa de encontrar todos


os subconjuntos de Ω não é difı́cil embora possa ser tediosa.
Eventos elementares

Suponha que um experimento seja realizado sob certas condições


fixas. Seja Ω o conjunto de todos os resultados possı́veis, onde
por “resultado possı́vel” entende-se resultado elementar e indi-
visı́vel do experimento.

Considerando-se o experimento E1 temos Ω = {cara, coroa} e


os pontos amostrais ou eventos elementares associados são:
{cara} e {coroa}

No experimento E2, Ω = {1, 2, 3, 4, 5, 6} e os eventos elemen-


tares (ou pontos amostrais) associados são: {1}, {2}, {3}, {4},
{5},{6}. Note que o evento: sair resultado par, ou seja, A =
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{2, 4, 6} não é um evento elementar e sim a união finita dos
eventos elementares: {2}, {4}, {6}

No experimento E6 os eventos elementares são: {0}, {1}, {2},


{3}, {4}, {5}, {6}, . . . .

Nem sempre é fácil definir quais são os eventos elementares.

Quais os eventos elementares associados aos experimen-


tos: E7, E8, E9, E10 ?
Devemos observar a existência de dois tipos de espaço amostral,
Ω: os espaços amostrais que contém um número finito de ele-
mentos e os que não contém um número finito de elementos. Os
espaços amostrais infinitos podem ser classificados em: infinito
enumerável ou infinito não-enumerável.

Observe que:

Todo conjunto finito é enumerável.

Mas nem todo conjunto infinito é não-enumerável.

No caso de espaço finito ou infinito enumerável diz-se que o


espaço amostral é discreto. Quando o espaço amostral for infi-
nito não- enumerável tem-se um espaço amostral contı́nuo.
14
Pode-se mostrar que intervalos da forma: (a, b), [a, b), (a, b], [a, b]
são não-enumeráveis. Enquanto que conjuntos que possuem
uma “associação” biunı́voca com os naturais são enumeráveis.

Dessa forma, os espaços amostrais caracterizados pelos experi-


mentos descritos podem ser classificados como:

Experimentos Espaço amostral

1, 2, 3, 4, 5 finito, enumerável

6 infinito, enumerável

7, 8, 9, 10, 11 infinito, não-enumerável


Retornando...

Quais são os eventos elementares em um espaço amostral cujo


espaço amostral é contı́nuo? Por exemplo, considerando-se os
espaços amostrais associados aos experimentos (6), (7) e (8)
quais conjuntos serão seus eventos elementares?

Resposta: Os eventos elementares associados a esses espaços


amostrais são os conjuntos borelianos que nos casos representa-
dos acima são da forma:

(a, b] = {x ∈ R : a < x ≤ b} (1)

15
pois qualquer evento A ⊂ Ω poderá ser escrito como: (a) união
ou intersecção enumerável ou diferença de conjuntos como os
definidos em (1). Por exemplo, Subconjuntos (eventos) de R

1
 
( i) Ponto: {x} = n x − ,x
T
n

( ii) Intervalo fechado: [a, b] = {a} (a, b]


S

(iii) Intervalo aberto à esquerda: [a, b] − {b}

(iv) Intervalos infinitos fechado à direita: (−∞, b]


( v) Intervalos infinitos aberto à direita: (−∞, b)

( vi) Intervalos infinitos fechado à esquerda: [b, ∞)

( vii) Intervalos infinitos aberto à esquerda: (b, ∞)

(viii) Quaisquer outros subconjuntos de R poderão ser expressos


através de um número enumerável de operações dos conjun-
tos mencionados nos itens (i) a (viii).
Probabilidades

Interpretação clássica

A primeira definição de probabilidade conhecida, parece ser devi-


da a DeMoivre em 1718, e foi claramente explicitada por Laplace
no princı́pio do século XIX.

Laplace adotou o esquema de resultados eqüiprováveis, isto é,


dos resultados “igualmente prováveis”, comuns às aplicações até
então esboçadas para definir probabilidade de um acontecimento
como: “ a relação entre o número de casos favoráveis ao acon-
tecimento e o número total de casos possı́veis, supondo todos
os casos igualmente possı́veis”.
16
Admite-se, historicamente que, a motivação para a definição do
conceito de probabilidades foi baseada em jogos de azar de forma
que não causa surpresa o fato de o conceito Laplace seja baseado
nas propriedades de tais jogos: possibilidade de classificar a priori
todos os resultados possı́veis em um número finito de casos mu-
tuamente exclusivos, simétricos e igualmente possı́veis, como,
os dois lados da moeda, as seis faces do dado, as 52 cartas do
baralho etc.

Apesar das crı́ticas que lhe foram dirigidas a interpretação clássica


manteve a sua força até o começo do século XX.

Admitindo-se o princı́pio dos casos igualmente possı́veis, o cálculo


de probabilidades resume-se na contagem do número de casos
favoráveis e do número de casos possı́veis. Essa contagem, nem
sempre fácil, encontra poderoso auxiliar na análise combinatória.

Considerando-se A ⊂ Ω um evento qualquer associado ao espaço


amostral do experimento E2: Lançamento de um dado, temos:

Ω = {1, 2, 3, 4, 5, 6}.

Podemos atribuir probabilidade a qualquer evento A da seguinte


maneira:

#A Número de resultados favoráveis a A


P (A) = =
6 Número de resultados possı́veis
Esta é a definição clássica de probabilidade.

Observe que Ω é finito.

A definição clássica está baseada no conceito de resultados eqüi-


prováveis, ou melhor, no princı́pio da indiferença.

Estamos “indiferentes”diante dos resultados 1, 2, 3, 4, 5, 6,


logo, definimos:
1
P (i) = ∀ i ∈ Ω.
6

Observe que: para esse experimento todo evento terá uma pro-
babilidade.
Crı́ticas à definição clássica

Várias crı́ticas são feitas ao conceito clássico de probablidades:

( i) O que são casos eqüiprováveis?

Na falta de definição admitir que é um conceito primitivo?

( ii) Como reconhecer que os casos são eqüiprováveis?

A saı́da parece ser aceitar que algum princı́pio apriorı́stico


suporta tal reconhecimento. Nesses casos é comum admitir
um dois princı́pios a seguir:

17
( i) princı́pio da indiferença que faz apelo às propriedades de
simetria ou de homogeneidade da situação experimental.
Se o dado é perfeito porque seriam uma das faces prefe-
ridas em detrimento de outras?

( ii) princı́pio da razão insuficiente: se não há razão para crer


que qualquer dos casos é mais provável do que os ou-
tros pode-se admitir que todos os casos são igualmente
prováveis.

(iii) É bem sabido que não há moedas perfeitas, dados perfei-
tos, gases perfeitos, água pura etc, que perfeição além do
conceito não existe. Consequentemente o conceito clássico é
muitas vezes aplicado em situações idealizadas e não consegue
vencer a dificuldade levantada quando os casos não são igual-
mente possı́veis.

( iv) Finalmente, como calcular probabilidades quando o número


de casos possı́veis não é finito nem sequer enumerável?

Apesar de todas as crı́ticas não resta dúvida que a interpretação


clássica é aplicável sempre que a simetria dos problemas a jus-
tifique, e, de fato há numerosos casos em que tal propriedade
pode ser aceita. A verdade é que se trata de um modelo proba-
bilı́stico particular dentro da teoria axiomática a ser desenvolvida,
de grande utilidade quando ajustado a uma realidade concreta.
Interpretação Frequentista

A interpretação frequentista (Venn, von Mises, Reichenbach,


Salmon etc) foi adotada de forma quase unâmime pelos es-
tatı́sticos durante a primeira metade do século XX;

e ainda hoje é considerada correta pela maioria apesar de ter


havido uma crescente aceitação da interpretação Bayesiana na
segunda metade do século XX.

Sustenta que a probabilidade de um acontecimento pode ser


medida observando-se a frequência relativa do mesmo aconte-
cimento numa sucessão numerosa de provas ou experiências,
idênticas e independentes.
18
Uma das primeiras abordagens da interpretação frequentista deve-
se a Venn (1866) ao formalizar a idéia de exprimir probabili-
dade em termos de limite de frequências relativas em longas
sequências de situações independentes capazes de repetição em
condições idênticas.
Crı́ticas à definição frequentista

( i) Falta de suporte empı́rico para a complexa noção de inde-


pendência.

( ii) Contraste entre o caráter essencialmente finito da experiência


humana e a probabilidade definida por passagem ao limite
numa sucessão indefinidamente grande

Outros autores, como por exemplo, Crámer (1946) e Kolmogo-


rov (1950) preferiram abandonar o axioma do limite, definindo
probabilidade de um acontecimento aleatório como um número
associado a esse acontecimento satisfazendo um conjunto de
regras ou sistema de axiomas.
19
Na abordagem axiomática a preocupação não é com a inter-
pretação da probabilidade mas sim que probablidade é definida
por meio de um conjunto de axiomas. Interpretação de probabili-
dade é outro assunto. A “frequência de ocorrência”de um evento
é um exemplo de uma particular interpretação. Uma outra inter-
pretação possı́vel é a interpretação subjetiva, na qual ao invés de
pensar probabilidade como frequência, podemos pensá-la como
uma crença na chance de um evento ocorrer. Por exemplo,
“Chover amanhã”? A esse evento é impossı́vel dar a inter-
pretação frequentista, pois, o evento: “Chover amanhã” não
poderá ser realizado um número grande de vezes.

A que eventos vamos atribuir probabilidades?

20
Axiomática de Kolmogorov

De modo geral, toda teoria matemática tem como origem a


observação de fatos. Mas, na verdade, somente quando um
grupo de fenômenos apresenta regularidades e permanências é
que se pode pensar na construção de uma teoria matemática.
Tal teoria toma-se com o modelo matemático de tal grupo.

No inı́cio do século XX muitos probabilistas começaram a sentir


necessidade de uma axiomatização que permitisse ultrapassar a
ambiguidade de muitas aplicações e a proliferação de conceitos
e interpretações. A axiomatização hoje generalizada deve muito
a Bernstein e à decisiva contribuição de Kolmogorov.

21
A partir desse momento, optou-se por considerar que a teoria
da probabilidade teria como objeto de estudo certos fenômenos
observáveis, os fenômenos aleatórios.

Assim, a teoria da probabilidade ocupa-se de métodos de análise


que são comuns ao estudo dos fenômenos aleatórios seja qual
for o campo a que pertençam:

da duração da vida humana à duração de componentes ele-


trônicos,

do número de chamadas que afluem por dia a uma central


telefônica ao número de acidentes de automóvel ocorridos
por semana numa estrada,
da variação das caracterı́sticas biométricas de homem para
homem às variações das caracterı́sticas quantitativas de um
produto fabricado em série etc).

Justifica-se, então a introdução da teoria da probabilidade como


teoria matemática dos fenômenos aleatórios, isto é, dos fenômenos
influenciados pelo acaso.

Quando o processo está sujeito à influência de fatores casuais


ou contingentes e conduz a resultados incertos fala-se em ex-
periência aleatória ou experimento aleatório.

Mais precisamente, um experimento aleatório ou casual apre-


senta as seguintes caracterı́sticas fundamentais:
( i) Pode-se repetir um grande número de vezes nas mesmas
condições ou pelo menos em condições muito semelhantes.

( ii) Cada vez que se repete obtém-se um resultado individual,


mas nunca há conhecimento suficiente para prever exata-
mente esse resultado, mesmo que se desenvolvam todos os
esforços para mantê-lo sob controle.

(iii) Enquanto os resultados individuais se mostram irregulares a


ponto de iludir qualquer tentativa de previsão exata, tem-se
verificado que os resultados obtidos ao cabo de uma longa
série de repetições mostram impressionante regularidade es-
tatı́stica quando tomados em conjunto, isto é, estabilidade
das frequências relativas.
Fazer um programa no software R para verificar essa afirmação.
Lançamento de uma moeda honesta n vezes

rm(list=ls(all=TRUE))
library(ts)
f<-function(n){
y<-NULL
for(i in 1:n)y[i]<- sum(rbinom(i,1,0.50))/i
plot.ts(y,col="green")
abline(h=0.50)
}
#n=50
f(50)
#n=10000
f(10000)
22
Resolvido o problema da definição de probabilidades.

Devemos resolver quais os conjuntos (eventos, acontecimentos)


que serão probabilizáveis.

Ou seja, quais serão os conjuntos que poderemos ”medir”ou


ainda,

qual será o domı́nio da função de conjuntos (ou eventos ou acon-


tecimentos) chamada probabilidade?

23
Álgebras, σ-álgebras e Borelianos

Existe um paralelismo perfeito entre álgebra de conjuntos e álgebra


de eventos (e ou acontecimentos)

Se A e B são incompatı́veis a intersecção não é possı́vel. Con-


torna-se essa dificuldade introduzindo a noção de acontecimento
impossı́vel como resultado da intersecção de dois acontecimen-
tos incompatı́veis; a noção vem em correspondência com a de
conjunto vazio na álgebra de conjuntos e por isso se representa
pelo mesmo sı́mbolo, ∅. Assim, A e B, são incompatı́veis se e
só se, A ∩ B = ∅. O acontecimento, Ω, costuma designar-se por
acontecimento certo

24
Definição de Álgebra

Uma classe não-vazia de conjuntos, A, diz-se uma álgebra se e


só se as seguintes propriedades forem verificadas:

A1. Ω ∈ A.

A2. Se A ∈ A, então AC ∈ A.

A3. Se A ∈ A e B ∈ A, então A ∪ B ∈ A (i.e., se atribuirmos


uma probabilidade a A e outra a B, então atribuiremos uma
probabilidade a “A ou B”.)

25
Seja A uma álgebra de subconjuntos de Ω. Então valem as
seguintes propriedades:

A4. ∅ ∈ A e

A5. ∀n, ∀A1, . . . , An ∈ A, temos, ∪n n


i=1 Ai ∈ A e ∩i=1 Ai ∈ A.

Esta proposição diz que uma álgebra é fechada para um número


finito de aplicações das operações: ∪, ∩, e C .

Observação: A é fechada para diferenças.

26
Consideramos, a seguir, a classe não-vazia de conjuntos, A como
sendo a classe de eventos aleatórios, também chamada de ,
álgebra de eventos para definir a teoria do cálculo de proba-
bilidades.

Quando, Ω é finito, uma álgebra de eventos é uma classe ade-


quada para domı́nio da função real de conjuntos: probabilidade,
P (.), pois uma álgebra contém o evento impossı́vel, o evento
certo, o evento contrário ( de qualquer evento que pertença
a classe), a união e intersecção de eventos (que pertençam à
classe), isto é, em regra, todos os acontecimentos interessantes.

27
Se Ω for finito então A será a álgebra de todas as partes (ou
conjunto de todos os subconjuntos ) de Ω, i.e., A = P(Ω). No
caso finito geral, se Ω tem n elementos, P(Ω) tem 2n elementos
e será denotado por #P(Ω) = 2n.

Se Ω = {1, 2, 3} então: #P(Ω) = 2#Ω = 23 = 8 e

P(Ω) = {∅, {1}, {2}, {3}, {1, 2}, {1, 3}, {2, 3}, {1, 2, 3}}

28
Quando Ω é infinito, mesmo que enumerável uma álgebra deixa
de servir para a construção de uma teoria que seja mais forte.
Pois quando Ω é infinito existem acontecimentos interessantes
que se exprimem pela união infinita de outros acontecimentos
ou de acontecimentos elementares. Se o domı́nio da função de
conjunto, P (.), deve conter tais acontecimentos então ao invés
de o representar por uma álgebra deve-se representar por uma σ-
álgebra. Isto é, deve-se exigir que a classe dos eventos aleatórios
também satisfaça:

0
A3 Se An ∈ A para n = 1, 2, 3, . . ., então ∪∞
i=1 Ai ∈ A

29
Definição de σ-álgebra

Uma classe A de subconjuntos de um conjunto não-vazio Ω sa-


0
tisfazendo A1, A2, A3 é chamada σ-álgebra de subconjuntos de

A1. Ω ∈ A.

A2. Se A ∈ A, então AC ∈ A.

0
A3 Se An ∈ A para n = 1, 2, 3, . . ., então ∪∞
i=1 Ai ∈ A

30
Uma σ-álgebra é fechada para um número enumerável de apli-
cações das operações: ∪, ∩, e C .

No caso, Ω finito tomou-se para domı́nio da probabilidade, P (.),


a álgebra que se identifica com a classe, P(Ω) = 2Ω, de to-
dos os conjuntos ou partes de , Ω; no caso de Ω infinito enu-
merável também não há qualquer inconveniente em tomar para
esse domı́nio P(Ω) = 2Ω que aliás, agora, é uma σ-álgebra.

Quando, Ω, é não-enumerável a situação é mais complicada. A


classe, P(Ω) = 2Ω, embora seja uma σ-álgebra, é demasiada-
mente rica e pode não ser possı́vel atribuir uma probabilidade,
de forma compatı́vel com os axiomas, a todo e qualquer, A ∈
P(Ω) = 2Ω. É por isso que comumente a teoria de probabilidade
se desenvolve em relação a uma σ-álgebra mais restritiva, A,
31
composta apenas por conjuntos de Ω probabilizáveis e só estes
são designados por acontecimentos (eventos aleatórios).

Quando se tem de operar sobre uma classe mais restrita do


que P(Ω), por exemplo, quando é impossı́vel probabilizar todo e
qualquer conjunto A ∈ P(Ω), por haver conjuntos aos quais não
é viável atribuir-lhe probabilidade sem violar os axiomas, deve
pedir-se que essa classe mais restrita, A, possua no essencial as
propriedades de P(Ω).

As propriedades de P(Ω) que, em geral, se exigem para A são:


(P1) O espaço, Ω deve pertencer a A;

(P2) O acontecimento impossı́vel, ∅, deve pertencer a A;

(P3) Sendo A1, A2, A3, . . . de A em número finito ou infinito


enumerável então deve pertencer a A ???

(P4) Sendo A e B acontecimentos de A então A−B deve pertencer


a A.

(P5) Sendo A e B acontecimentos de A em número finito ou


infinito enumerável então deve pertencer a A.

32
Quando Ω é não-enumerável justifica-se, portanto, tomar para
classe dos acontecimentos (conjuntos probabilizáveis) uma σ-
álgebra que sendo mais restrita do que a classe P(Ω) torne pra-
ticável a instituição de uma medida de probabilidade. Mas que
σ-álgebra?

A pergunta é pertinente pois com Ω fixo podem-se construir com


seus conjuntos muitas σ-álgebras, das quais a maior é, P(Ω), e
a menor é a classe formada apenas pelos dois conjuntos: {∅, Ω}.
Verifica-se, facilmente, que a classe, {∅, A, A, Ω} também é uma
σ-álgebra; trata-se, aliás da menor σ-álgebra que contém o acon-
tecimento A.

33
Os acontecimentos mais comuns definidos na reta (R) são os in-
tervalos, ao introduzir a σ-álgebra dos conjuntos probabilizáveis
é absolutamente natural pedir que a mesma contenha os interva-
los. Seja, por agora, I, a classe dos intervalos abertos à esquerda
e fechados à direita, os chamados borelianos da reta.

Em particular, nos casos de maior interesse prático em que,


Ω = Rk , k = 1, 2, . . . , n a análise restringe-se a uma álgebra
de Borel em Rk , σ-álgebra que contém os conjuntos (aconte-
cimentos, eventos aleatórios) contemplados em quase todas as
aplicações, a saber, em R, intervalos abertos, semi-abertos ou
fechados, finitos ou infinitos), uniões (finitas ou infinitas enu-
meráveis) e intersecções (finitas ou infinitas enumeráveis) de in-
tervalos, etc
34
Se Ω for contı́nuo quem será A? Por exemplo, consideremos o
experimento E: Selecionar um ponto no intervalo [0,1]. Temos
que: Ω = [0, 1]. (Barry James, página 7)?
Axiomas de Kolmogorov

Não vamos nos preocupar, doravante, com o problema de como


definir probabilidade para cada experimento.

Simplesmente, vamos admitir que existem as probabilidades em


uma certa σ-álgebra A de eventos, chamados eventos aleatórios;

vamos supor que a todo A ∈ A seja associado um número real


P (A), chamado probabilidade de A, de modo que os axiomas a
seguir sejam satisfeitos:

35
Axioma 1. P (A) ≥ 0.

Axioma 2. P (Ω) = 1.

Axioma 3. (Aditividade finita) Se A1, . . . , An ∈ A são disjuntos (2 a 2),


então
n
P (∪n
X
k=1 Ak ) = P (Ak ).
k=1
Os eventos são disjuntos, ou disjuntos 2 a 2, se são mutua-
mente exclusivos, i.e., Ai ∩ Aj = ∅ se i 6= j.

0
Axioma 3 (σ-aditividade) Se A1, A2, . . . ∈ A são disjuntos (i.e., mutua-
36
mente exclusivos), então

P (∪∞
X
k=1 Ak ) = P (Ak )
k=1

0
O axioma 3 implica o Axioma 3, i.e., se P é σ-aditiva, então é
finitamente aditiva. Prove!
Espaço de probabilidades

Um espaço de probabilidade é um trio (Ω, A, P ) em que:

(a) Ω é um conjunto não-vazio.

(b) A é uma σ-álgebra de subconjuntos de Ω, e

(c) P é uma probabilidade em A

37
Dado um espaço amostral Ω e uma σ-álgebra (σ de Borel), A,
a função de probabilidade é uma função P com domı́nio A que
satisfaz:

1. P (A) ≥ 0, para todo A ∈ A.

2. P (Ω) = 1

3. Se A1, A2, . . . ∈ A são disjuntos dois a dois, então



P (∪∞
X
i=1 Ai ) = P (Ai)
i=1

38
As três propriedades apresentadas na definição são usualmente
referidas como Axiomas de Probabilidade (ou axiomas de Kol-
mogorov). Qualquer função que satisfaça os axiomas de Pro-
babilidade é chamada função de probabilidade. O axioma não
menciona qual é a função particular P, ele meramente requer que
P satisfaça os axiomas. Para qualquer espaço amostral muitas
e diferentes funções P podem ser definidas.

39
Lista de Exercı́cios 01

Data de entrega: 31/03/2005

1. Seja Ω um conjunto não-vazio.

(a) Prove: se A e B são σ-álgebras de subconjuntos de Ω,


então A ∩ B também é uma σ-álgebra.

(b) Generalize o item (a): se Ai, i ∈ I, são σ-álgebras de


partes de Ω , onde I é um conjunto não-vazio de ı́ndices,
então ∩i∈I Ai também é uma σ-álgebra.

40
(c) Seja C uma classe de subconjuntos de Ω. Mostre que
existe pelo menos uma σ-álgebra que contém C. (Su-
gestão Qual a “maior”classe de subconjuntos de Ω?)

(d) Visando a plena utilização dos itens (b) e (c), como você
definiria “a menor σ-álgebra contendo C”, onde C é uma
classe de subconjuntos de Ω?

(e) Seja Ω um espaço amostral. Mostre que a coleção B =


{∅, Ω} é uma σ-álgebra de Borel.

(f) Seja Ω um espaço amostral e

B = {todos os subconjuntos de Ω, incluindo o próprio Ω}


. Mostre que B é uma σ-álgebra de Borel.
(g) Prove que {∅, Ω} é uma σ-álgebra de Borel.

(h) Prove que {∅, A, Ā, Ω} é uma σ-álgebra de Borel.

2. Calcule a esperança e a variância das variáveis aleatórias dis-


cretas e contı́nuas apresentadas em Mood A. M., Graybill
F. A. , Boes D. C. Introduction to the theory of statistics,
páginas 538–543, 3a. edição.
Bibliografia Aula 01

Algumas partes foram retiradas, outras adaptadas de

1. Bento José Ferreira Murteira: Probilidades e Estatı́stica, Vo-


lume I, 2a edição.

2. Barry R. James: Probabilidade: um curso em nı́vel inter-


mediário.

3. George Casella & Roger L. Berger: Statistical Inference.

41
Seminário I: Procurar referências:

1. Maistrov, L. E. Probability Theory: A historical sketch,


Academic Press, New York, 1974.

2. Fine, T. L. Theories of Probability, Academic Press,


New York, 1973.

Apresentar comentários, observações e fatos interessantes


ao desenvolvimento da Teoria da probabilidade.

42

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