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ART (Aveiro-Portugal)
A espera
Esse artigo surgiu primeiro da implicação do Tempo nos trabalhos
que desenvolvo na universidade e na necessidade de abordagem específica
via temporalidade em um mundo cada vez mais desmaterializado, que
transita do objeto para a escala do evento. Proponho a geração de
Intervalos como Invenção em uma realidade de narrativas contínuas sem
cortes, de temporalidade formada por instantes fragmentados desvinculada
do emaranhado heterogêneo e complexo da memória e da própria vida. O
presente é esvaziado, onde tudo é volátil e efêmero de roupas a ideologias.
A espacialidade torna-se rasa, ríspida. Espacializa-se tudo inclusive o
tempo, objetualizando tudo, tornando visível e manipulável o mundo dos
objetos e das relações. Se vive assim e assim se inventa estruturado nessa
e para essas convicções que nomeamos de realidade.
A segunda origem que incorpora a primeira, foi da observação de
como rapidamente meus alunos dos cursos de Arquitetura e Artes resolviam
os problemas a eles apresentados e perceber que quase sempre essa
solução estava na primeira e única ideia que tiveram a respeito do
problema. Não havia a Espera ou Demora reflexiva com possível
aparecimento de novas ideias e o imbricamento nessas ideias provocadas e
resultadas por desenhos, maquetes, falas e até a invenção de outras formas
possíveis de pensar e projetar. A primeira solução quase sempre
apresentada pelos alunos era de baixa complexidade, redundante e
geralmente simbólica/figurativa. O estudante apresentava o que se
esperava dele, ou o que ele acreditava que se esperava dele e que seria um
consenso aprovável. O objetivo era acertar o que o professor queria como
resultado, não havendo Tempo para o Erro, produzindo no aluno uma
ausência anônima impositiva ao objeto e não uma autoria ausente, mas não
alienada.
O esperar transitivo
A hipótese pensada é que para esse mundo de baixa adesão material,
de eventos signados dever-se-ia entender a mobilidade das coisas do
mundo e procurar produzir estratégias a partir do eixo de temporalidade.
Temporalidade essa que estabelecesse continuidade, apoiado na memória
viva e dinâmica, fazendo aparecer diferenças e potencializando o devir.
Que permitisse ao sujeito ser articulador de seu eixo de singularidade.
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Professor Doutor, Unesp, Faac/Darg sidneytamai@faac.unesp.br
Essa estratégia temporal de diferenças permite gerar intervalos ou
esperas que podem ser suporte para repensar as artes n dimensionais que
se apresentam e articulam cada vez mais como tempo. Portanto, a
presença do Intervalo ou Tempo complexo tanto na produção do mundo
material/espacial como no processo de invenção desse próprio mundo.
Essas preocupações e dúvidas apresentadas andaram juntas e
descompassadas às estratégias didáticas que desenvolvi nos cursos de
Arquitetura e Artes em algumas universidades nas últimas duas décadas.
Experimentalmente propus prolongar os termos de decisões em projeto
lentificando as etapas projetivas. Tive como referência Louis Kahn em seu
conceito de deformações contínuas e progressivas e que foram se
transformando enquanto proposta. Passa-se a dialogar arquitetura com
outras artes tridimensionais e isso trouxe mudança nos resultados. São
essas mudanças no berço das tensões e diferenças que o artigo também
procura entender e articular como Espera através da ideia de Intervalo, ou
seja a temporalização, como articulador transitivo essencial dos processos
projetivos de invenção.
Os recombinantes artísticos/arquitetônicos
Estamos trilhando a ideia de que a arquitetura desde o projeto até
sua execução segue o mesmo percurso em direção a desmaterialização,
passando do clássico firmitas de Vitruvio para a materialidade líquida da
temporalidade que nos traz a transparência, a leveza, o mutável de uma
arquitetura que se desloca com eixo do espaço para o do tempo. A crítica
que se faz é ao tempo arquitetônico enquanto sucessão de imagens
estetizadas e idealizadas e com as abordagens de projeto arquitetônico e
seus meios nessa mesma linha de compreensão.
A questão apresentada pensada enquanto professor de um curso de
arquitetura era como trazer as questões do Tempo pra estudantes iniciantes
do curso de arquitetura através dos limites das linguagens escrita, falada,
desenhada ou construída em escalas. No decorrer das práticas foi e está
sendo articulados os entendimentos estratégicos: 1º Trazer como agentes
provocadores a produção de arte espacio-temporais, em várias formas,
escalas e contextos a partir da Arte Concreta, passando pelo Minimalismo
até os Contemporâneos (A). De Vladimir Tatlin, Hélio Oiticica, Gordon Mata
Clark, Jesus Rafael Soto, Robert Smithson até Dan Graham. O aluno
pesquisa, acolhe o que identifica, o que o mobiliza entre infinitas escolhas
pode ser o Imaterial e o Invisível em Soto e Gego ou a diferença das
materialidade-temporalidade da Luz em Moholy-Nagy, Dan Flavin e James
Turrel. 2º Valorizar caráter arquitetônico do projeto e não a arquitetura
como tipologia, deixando-a como signo aberto, não redundante, não
dualista tipo forma/função e não simbólica. Nesse momento de pergunta ao
conjunto de caráter arquitetônico o que ele deseja ser, como faria Louis
Kahn. 3º Desenhar (B,C) a partir dos desejos da arquitetura, de quem
arquiteta e adequado a proposta de temporalidade enquanto duração
valorizando o fluir no tempo e a diferença que emergirá, utilizando croquis e
diagramas. 4º Na mesma linha do desenho produzir em todas as etapas
maquetes de estudos (D,E,F). Maquetes volumétricas, fáceis de fazer, que
respondam com qualidade aos elementos básicos propostos e abertas a
mudanças e metamorfoses para fazerem sentidos.
Conclusões:
É na incerteza da Função que a Arquitetura produz um sujeito. Esse
argumento só é possível de entender pois os trabalhos apresentados não se
representam como uma Arquitetura de um instantâneo temporal, de um
dualismo estanque e previsível como a relação clássica onde para cada
Função haverá uma Forma. O movente está nos processos de invenção
abertos, dos croquis as maquetes, também na forma como esses trabalhos
são problematizados pelo conjunto alunos/professor e ainda como
resultados em possíveis arquiteturas. Esses três entendimentos do movente
estão nos procedimentos propostos pela diferenças que apresentam no
percurso, diferenças essas que funcionam como molas impulsionadoras que
lançam para o devir que também se apresentará incompleto na sua
característica de signo assim mantendo a mobilidade do que está em
aparente mas não em redundante repouso.
O intervalo enquanto duração permite uma autoria da ausência e
inédita, sendo essa expectação de lenta espera, de observação e tomadas
de decisão sobre os trabalhos, apresentam-se cada vez mais semelhante a
algo como a arquitetura contemporânea de base temporal que se procura
resolver. Essas atitudes põem por terra a perspectiva de sucessão contínua
que faz a arquitetura em todos seus procedimentos parecer instantes
fotográficos que aprisionam o tempo e seu fluxo evitando a própria
correnteza da arte da arquitetura.
O entendimento dessas questões estão em compasso com Os
processos de SLOWER da sociedade, de lentidão e interação dos
procedimentos, seja nas cidades, arquitetura, alimentação, projetos
participativos, processos coletivos diretos de produção, articulação como o
DIY, do it yourself que alteram o processo produtivo. Muda a ideia de
consumo fácil, alienante e incentiva a produção/participação mais intensa e
responsável sobre sua ação.
Essas conjunções permitem articular uma abordagem onde o tempo
seja estruturante e faça a diferença. Abordagem que se apresenta preciosa
pois é sempre escolha única e que define o sujeito como potência em sua
singular complexidade.
Notas:
(1) TAMAI, S. Mestrado I.A. Unicamp - páginas 20/21.
(2) HARVEY, D. Condição Pós Moderna - página 190.
(3) Ibidem - página 54.
(4) TAMAI, S. Potência signica na passagem dissimétrica entre artes. Sobre campo
ampliado e desmaterialização da cultura.
(5) KRAUSS, E. R. A escultura no campo ampliado página 93.
(6) FENOLLOSA, E. e POUND, E. El carácter de la escritura china como medio poético.
(tradução pessoal).
(7) WATTS, Allan. O Zen - página 24.
(8) BERGSON, Henri. Duração e simultaneidade.
(9) LISSOVSKY, M. A máquina de esperar - página 7, sobre o conceito de Expectar.
(10) SOLÀ-MORALES, Ignasi de. Territórios - página 126.
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TAMAI, Sidney. Potência signica na passagem dissimétrica entre artes, Brasília - UNB
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____________________.Mudanças de sistema projetivo do espaço e tempo através
da computação gráfica e suas ressonâncias na sintaxe arquitetônica. Mestrado -
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