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Wendy Wolford
Introdução
Nos últimos dez anos, o interesse em novas formas de inclusão democrática e
participação se espalhou pela América Latina. Como os países em toda a região tem tido
sucesso sustentado eleitoral através de procedimentos administrativos, o foco sobre a
democracia passou de preocupações quantitativas (quantas democracias existem e como
seguro estão de controle autoritário) para preocupações qualitativas (se são boas essas
democracias e capazes de fornecer o bem-estar de seus cidadãos). Como Leonardo
Avritzer (2008, 283), um bem-conhecido cientista política do Brasil, alega em uma
revisão recente da literatura nova da vida política na América Latina, “é reconhecido
que as transições para a democracia são feitas, que as eleições se realizam regularmente
e que o conceito de consolidação democrática não é suficiente para expressar os
problemas de construção da democracia na região.” Uma pesquisa recente sobre a
qualidade da democracia centra-se menos sobre se as pessoas estão formalmente
incluídas no processo eleitoral, que muitas vezes se transforma em uma discussão de
direitos, e mais na natureza da sua inclusão. Há um crescente consenso de que a
participação política é chave para gerar uma democracia de qualidade. O interesse em
participação tem origem, por muitos observadores, em que Evelina Dagnino (2003, 15)
chama da “confluência perversa” entre neoliberalismo e a mobilização social. O modo
de governar “desde [que] a queda do Muro de Berlim” (Rosenberg 2007, 1) ditou uma
“onda global de descentralização” (Baiocchi e Checa 2009, 131) que levou atividades
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do Estado para baixo e abriu espaço para os atores da sociedade civil. Claro que estes
atores tinham que fazer escolhas sobre a melhor forma de acesso ao Estado e fornecer
bens e serviços em um meio ambiente regulado pelo mercado (por exemplo, ver
Houtzager e Moore 2003). Ao mesmo tempo, o surgimento de novas práticas e
movimentos sociais das associações de moradores no Chile ate os piqueteros na
Argentina anunciou a transformação da “velha esquerda” dos partidos comunistas e
guerrilha organizações para uma esquerda plural “novo” de ativistas cosmopolitas que
forneceram a linguagem e o espaço para o debate político alargado (Barrett 2008, 1-17).
Hoje, mesmo os pesquisadores do Banco Mundial reconhecem que “mercantilização
não é a única maneira de usar a energia da sociedade para a melhoria da governação.
Em vez de enviar seções fora do estado para a sociedade, muitas vezes é mais frutífero
para convidar a sociedade para o interior do Estado” (Banco Mundial 2004, 2).
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Talvez a inovação mais bem-reconhecida (a mega-fauna carismática de democracia
participativa) é o Orçamento Participativo (OP), desenvolvido pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) e implementado pela primeira vez na cidade de Porto Alegre em
1989 (Abers 2000, Avritzer 2002, 2005 Baiocchi, Nylen 2003, Wampler 2007). O OP
reúne altos níveis de descentralização e participação do cidadão: conselhos municipais
são convocados regularmente durante todo o ano fiscal para estabelecer prioridades
pelas despesas de uma porcentagem pré-determinada do orçamento local. Os conselhos
têm sido tão bem sucedidos que “em meados da década de 1990, programas
participativos, tinham-se tornados padrão em municípios do PT e reformas do OP foram
aprovadas em praticamente todos os governos do PT... nem para mencionar o grande
número de municípios fora do PT que tem ‘copiado’ o orçamento [participativo]
'(Baiocchi, 2005, 12-3).
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semelhante, e quando os atores dos movimentos sociais são capazes de combinar a
mobilização combativa e institucional com a ação cooperativa. Como Abers e Keck
(2006, e Abers e Keck 2009) afirmam, os governos podem convidar a participação e
prometer a repartir os serviços, mesmo quando eles não têm capacidade para fazê-lo.
Em caso de este não-cumprimento, os atores da sociedade civil devem ser capazes de
mobilizar e responsabilizar os governos porque se não a participação acaba sendo
apenas “no papel.”
Restam, portanto, arenas de participação que precisam ser incorporada a análise mais
completa do cenário político e das contribuições potenciais de cooperação. Como Brian
Wampler (2007) tem argumentado, a literatura está focada quase que inteiramente em
um punhado de casos bem-sucedidos de inovações institucionais deliberadamente
concebidos para incorporar a participação popular. Além disso, as inovações
institucionais que aparecem na literatura estão em grande parte localizadas em áreas
urbanas e novas formas de cidadania são vistos como se fossem produzidas pelas
estruturas da vida urbana, assim como as cidades tem sempre sido considerado o lócus
da civilização e da cidadania (ver Baiocchi e Checa 2009, Holston 2008). Neste artigo,
quero contribuir á literatura sobre a democracia participativa com um caso pouco
provável que aborda algumas destas preocupações.
Defendo que reforma agrária no Brasil rural - tanto como uma questão política como
uma prática territorial que resulta na distribuição de terras aos beneficiários ex-sem terra
- pode ser produtivamente entendido como um site da democracia participativa. Neste
sentido, o termo “site” implica uma área física, um momento temporal (um exemplo),
um domínio cultural, e um espaço institucional de “encontro” (Dagnino, 2002), onde as
linhas entre o Estado e a sociedade civil estão menos distintas. Chamando os esforços
de reforma agrária de um site da democracia participativa é contrária à boa parte da
literatura sobre o assunto, com seu foco em inovações institucionais deliberadamente
planejadas e incentivadas pelo Estado (Evans, 1996). No caso de reforma agrária,
argumento que é precisamente a fraqueza e variabilidade do compromisso do governo
federal sobre reforma agrária que abriu espaço para os atores da sociedade civil
participar na seleção de propriedades para distribuição e beneficiários, bem como no
dia-a-dia da vida nos assentamentos. Em outras palavras, a reforma agrária no Brasil
não é participativa na teoria ou na política (no papel), mas tornou-se assim na prática,
porque reivindicar terras e serviços públicos em os assentamentos virou-se uma coisa a
ser mediado por movimentos sociais.
A pesquisa para este trabalho foi recolhida entre 2006 e 2008. Durante o verão de 2006,
realizei 30 entrevistas com pessoas chaves na sede do INCRA em Brasília. Participei de
reuniões da agência e recebi permissão para aplicar um questionário aos empregados de
nível superior no INCRA (50 dos quais responde às perguntas de um universo total de
200). Durante o verão de 2007, trabalhei com uma equipe de assistentes, incluindo
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Brenda Baletti, estudante de doutorado na UNC Chapel Hill, e Paulo Candido, Valerio
Verissimo de Souza Bastos, e Sandra Roberto Alves, todos eles alunos de pós-
graduação na Universidade Federal de Campina Grande. Na região litorânea da Paraíba,
entrevistamos cerca de 40 funcionários do INCRA, bem como 75 assentados que
receberam terras nos assentamentos federais. Também entrevistamos líderes da
sociedade civil (do MST e a Católica Pastoral da Terra, a CPT) e atendemos reuniões.
Todas as cotações no papel vêm a partir das transcrições das entrevistas. Os nomes
verdadeiros foram excluídos para proteger a identidade das pessoas com quem falamos.
Com base nessa pesquisa, eu faço vários pontos. Primeiro como mencionei
anteriormente, eu mostro como a reforma agrária no Brasil passou a ser participativa - e
que não foi por intenção, mas por necessidade. No papel, os funcionários do governo
têm a autoridade para determinar quais propriedades rurais são elegíveis para a
expropriação - ou porque a área viola a cláusula de produtividade, da Constituição
Federal, ou porque é que tenha sido considerada adquirida através de meios ilegais.
Funcionários do INCRA são responsáveis para o comportamento do processo de
expropriação (avaliação do custo do imóvel e, em seguida, notificando ressarcir o titular
da propriedade), bem como o processo de resolução, incluindo identificar assentados
adequados e proporcionando-lhes acesso a terra, infra-estrutura básica e serviços, de
produção ou de crédito de investimento. Em prática, no entanto, estas atividades só
ocorrem com a pressão e a participação dos atores da sociedade civil, particularmente os
membros e militantes do MST.
A reforma agrária, literalmente, não tem os recursos para ser implementada de cima
para baixo; ao contrário, o próprio “fraqueza” da reforma agrária significa que a
execução acontece através de práticas cotidianas de resistência, negociação e gestão -
ou, participação da sociedade civil. Militantes do MST identificam as propriedades que
são elegíveis para a expropriação pela Constituição Federal e atraente para a
distribuição (ou seja, em uma boa local em relação a um mercado e manifestando-se
condições adequadas de produção agrícola) e organizam as ocupações no meio da noite
para forçar o governo a avaliar o mérito de reivindicações dos acampados. Autoridades
do governo incorporam os atores locais porque eles não dispõem dos recursos ou da
capacidade técnica e logística para realizar os trabalhos por si mesmos. A inclusão de
atores da sociedade civil é feito de má vontade por parte de alguns atores do Estado e de
boa vontade por outros, mas independentemente da compatibilidade dos “projetos
políticos” (Dagnino, 2002) ou ideologia, a necessidade empurra os dois grupos juntos.
Em segundo lugar, defendo que esta participação por acaso não começa por inovação
deliberada, mas sim através de transgressões: os atores da sociedade civil transgridem
os limites do comportamento legal, e os funcionários públicos passam a maior parte do
seu tempo respondendo a essas transgressões, pois sua capacidade burocrática é apenas
suficiente para “apagar incêndios” em vez de corrigir as deficiências estruturais ao
longo prazo. Ao longo do tempo, estas transgressões tornam-se mais difundidas, e
responder ás transgressões se torna mais “banal” até que é tão comum que elas ganham
lugar na cultura política e no processo institucional.
Neste sentido, a participação não é apenas algo que os atores populares fazem - é uma
relação, neste caso, uma relação entre os funcionários do INCRA que trabalham no
nome do estado e militantes de movimentos sociais que representam os pobres rurais.
Colaboração entre os dois permite que a sociedade civil tenha uma voz nas suas próprias
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governação e melhora a distribuição de serviços a alguns dos cidadãos mais pobres do
país. Esta participação demonstra a importância do MST na expansão da democracia no
Brasil. O meu terceiro argumento, porém, é que as características da vida política no
meio rural brasileiro, que permitem ou forçam o MST a participar dificultam o mesmo
para os assentados individuais – eles que não são bem-representados pelos movimentos.
Relações entre o estado e sociedade são agora mais participativos pelos movimentos
sociais e seus integrantes, mas para aqueles indivíduos que não se sentem
suficientemente representados pelos movimentos e que tentam de ser incluídos
independentemente, no entanto, o sistema político continua privilegiando os mais
poderosos, assim reforçando as desigualdades prévias do campo.
A Casa e a Causa
A reforma agrária tem uma longa, embora esporádica e violenta, história no Brasil.
Eventos ao longo dos últimos dez anos têm gerado um acordo generalizado de que a
concentração da propriedade de terra nos mãos de uma minoria privilegiada é
incompatível com o crescimento econômico e justiça social, mas há pouco consenso
sobre a forma como (ou onde) o projeto de distribuição pode ser implementado (IBOPE
1998, Ondetti 2008, Wolford 2007). A reforma agrária é o que Alston et al. (2006, 5)
chamam de uma política ideológica ou “lite” na política brasileira, que recebe
financiamento apenas quando funcionários do governo são empurrados pela extrema
fatores externos (como a ampla publicidade sobre as massacres de 1995 e 1996; ver
Ondetti 2006) ou quando prioridades “mais difíceis” como a inflação, saúde e educação
tem sido cumpridos satisfatoriamente. A inconstância - e fraqueza - do interesse político
na distribuição de terras é evidente na organização e financiamento do INCRA, ou a
construção de que empregados da agência chamam da “casa” de reforma agrária.
INCRA supervisiona todos os aspectos jurídicos, técnicos, e administrativos de reforma
agrária, e seus funcionários são o braço oficial do estado para os pobres rurais sem terra,
os mais empobrecidos, mais marginalizados da população em Brasil. Como tal, os
funcionários do INCRA ocupam uma posição incomum, trabalhando tanto com os
ditames do Estado e com as necessidades dos movimentos sociais para redistribuir terra
a fomentar desenvolvimento sustentável em assentamentos de reforma agrária.
Preocupante para o povo que serve, o INCRA é sem dúvida uma das agências com
menos recursos – recursos financiais, sociais e humanos - no governo brasileiro (CNASI
2006). INCRA foi originalmente criado em 1970 para supervisionar o programa militar
de assentamento e colonização na região amazônica. Naquela época, era uma instituição
forte, com poderes militares nas regiões recém-estabelecidas. Como um funcionário do
INCRA que começou sua careira com a agência de fronteira, no estado do Pará, disse,
“Na Amazônia, o INCRA tinha poderes militares. Por que ele teve esse poder? Porque
era uma instituição forte. Tinha um monte de infra-estrutura e o apoio do exército --
forte apoio do exército - e este foi um tempo de intervenção. INCRA veio, mediu a terra,
e foi assim. INCRA disse, ´vamos montar um projeto aqui ', e foi isso. Foi um momento
duro. Não houve reação - a sociedade civil não estava organizada, isso é certo.
Autoridade local praticamente não existia. INCRA foi muito forte, e os projetos que eles
criaram eram fortes demais.” Com a transição para a democracia, no entanto, a posição
do INCRA foi prejudicada. A agência teve seu mandato trocado da colonização de
terras vazias para a desapropriação de grandes propriedades. Militantes dos movimentos
sociais lamentam a fraqueza do INCRA e regularmente denunciam a incapacidade da
agência para trabalhar. Mas, no entanto, tentativas regulares para extinguir o organismo
(como aconteceu em 1987) encontram com forte resistência: atores dos movimentos
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argumentam que, embora a casa seja fraca, sem ela não haveria nenhuma causa. Ao
longo da década de 1990, o INCRA passou por transformações significativas: como um
engenheiro agrônomo no Brasília no Departamento de Planejamento disse, “o INCRA é
sempre uma boa coíba, um rato de laboratório. [O governo diz] ´nos vamos aplicar
esse remédio amargo, por isso, vamos testá-lo no INCRA'' '. Como resultado de jogos
políticos e negligência geral, os recursos do INCRA foram significativamente reduzidos
pela metade desta década: a partir de um alto de 8.989 empregados em 1990, o INCRA
tinha 5.602 em 2006. E ainda o trabalho do INCRA tinha expandido de forma
significativa: o número de assentamentos para fiscalizar quase triplicou e o número de
protestos relacionados á expropriação da terra, bem como á distribuição de crédito e
outras serviços aumentaram dramaticamente também (ver Ondetti 2008).
Quando Lula tomou posse da executiva, se queixou que o INCRA estava em um estado
de colapso, incapazes de desempenhar as suas funções. Funcionários do INCRA
concordaram: cada ano desde 2004, funcionários do INCRA em todo o país fizeram
greve por vários meses, normalmente entre Maio e Agosto. As greves têm sido
extraordinariamente bem suportadas pelos empregados do INCRA, com paralisações do
trabalho quase total no sede na Brasília e nas superintendências de cada Estado. As
queixas oficiais, resumidas em uma declaração do sindicato CNASI (2006), se
concentram em torno de tarifas pesadas, baixa remuneração, e pessoal insuficiente: “O
crescimento da demanda [por terra e desenvolvimento pós-assentamento] não tem sido
acompanhado por um crescimento em disponibilidade de recursos materiais,
orçamento e finanças..., E isso tem conseqüências além de colocar o INCRA em estado
precário. Isso significa que o INCRA só pode participar insuficientemente aos seus
beneficiários.” Talvez a manifestação mais significativa de negligência é a idade média
dos trabalhadores do INCRA: quase 70 por cento estão encima da idade legal de
pensionar-se (ver Tabela 1).
Muitos desses trabalhadores foram contratados durante o regime militar para trabalhar
na Amazônia. Eles eram tecnicamente qualificados para suas posições em 1970, mas
muitos dos entrevistados alegaram que tiveram pouca ou nenhuma formação desde os
anos setenta e se sentiram ameaçados por recentes avanços tecnológicos. Essa tensão foi
ilustrada durante uma reunião de superintendentes estaduais em julho de 2006, na sede
de Brasília quando todos as pessoas reunidas lamentaram as dificuldades de incorporar,
operar e manter a nova tecnologia de Sistemas de Informação Geográfica.
Esses trabalhadores não vão se aposentar, porém, até que negociam suas condições
salariais. Como é, aproximadamente 80 por cento do salário dos empregados regulares
do INCRA (ou seja, aqueles contratados para trabalhar no INCRA através de um
concurso federal e não através de nomeação política) consiste em um bônus
(gratificação) que é baseada no mérito e varia em função do desempenho. Em
entrevistas com os gestores do INCRA, eu estava garantida que as gratificações anuais
eram essencialmente garantidas num certo nível e que elas variam tão pouco que
poderia ser considerado como salário fixo. Funcionários do INCRA discordaram: suas
pensões sofrem porque elas são calculadas de acordo com o salário-base (excluindo as
gratificações) e não a remuneração anual total.
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sempre um passo atrás. Funcionários nos escritórios da sede em Brasília e no estado de
Paraíba se queixaram de que a reforma agrária deve ser executado de acordo com a lei e
com os princípios da agência, mas na prática eles (os funcionários) são fortemente
constrangidos, forçados a gastar seu tempo em responder às demandas dos movimentos
sociais e “apagando incêndios”, nas palavras de um.
Grande parte do contexto atual e da organização institucional, portanto, tem que ser
entendida como fruto de negociação constante entre interesses conflitantes que são
baseadas no entendimento normativo do direito(s) de um lado e estruturais jurídicas e
políticas pelo outro. Quanto E.P. Thompson (1993) argumentou em relação ao
desenvolvimento dos direitos de propriedade na Inglaterra, a trajetória da reforma
agrária tem sido definida pela luta entre a lei e a prática. O atual período de reforma
começou em mandatos de colonização legal na Amazônia, mas foi adaptado através de
uma prática habitual quando as pessoas nos projetos de colonização responderam às
suas novas situações com base nas suas economias morais tradicionais. A colonização
foi, então, re-moldada pela resistência quando pessoas deixaram a região de fronteira e
os novos movimentos sociais forjaram uma luta pela terra na oposição direta ao projeto
colonial da fortificação territorial. Estes projetos de oposição foram incorporados em
noções habituais de produção e reprodução social que se tornaram progressivamente (e
seletivamente) mais “duro” em termos jurídicos ou práticas institucionais: as ações
consideradas transgressões foram inicialmente condenadas e tratadas como atos
criminosos, mas tornaram-se agora características aceitadas da luta pela reforma agrária
no Brasil (Sigaud, 2005). Esse caminho da transgressão à institucionalização é, talvez,
em nenhuma parte mais dramática do que no caso das ocupações de terra.
Ocupações de terra são tecnicamente ilegais, mas na prática eles são apoiadas por
funcionários do Estado que vieram para ver as ocupações ou como um mal “necessário”
ou uma parte normal do processo, repleto de formulários a serem preenchidos e pessoas
designadas para negociar com os participantes. No estado nordestino da Paraíba, quando
atores da sociedade civil realizam uma ocupação, sua primeira ordem de trabalho é o de
informar os meios de comunicação e o INCRA através de rotas específicas de
comunicação. Como um líder do MST disse, “Primeiro, nós ocupamos a [propriedade],
então vamos negociar com o INCRA. Enviamos uma espécie de comunicação - o
movimento tem um sistema em todo o estado, e assim deixamos nossa Secretaria de
estado sabe, e eles preparam um boletim para a imprensa. Eles enviá-lo para o INCRA,
enviá-lo à autoridades, e que as pessoas saibam sobre a ocupação.”
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e muitas vezes eles [os sem-terra] procuram para ver o presidente do INCRA, e lá é
tudo daquela política também. Noventa por cento dos casos resolvem em paz.”
Mesmo como transgressões do MST tornam-se cada vez mais rotineiras e administradas
por mecanismos participativos que incluem a negociação e inovação institucional,
militantes do MST mantêm a autonomia formal das suas organizações e esfera de
influência. Ao fazer isso, eles mantêm a capacidade de protesto - algo que Brian
Wampler (2007) e Evelina Dagnino (2002) sugerem que é fundamental para o
aprofundamento democracia através da participação. Militantes do MST alegam que
eles são forçados a intervir (ou participar) no cumprimento de tantas atividades do
Estado porque o INCRA - como um líder estadual do MST disse - é “totalmente inútil”.
Um presidente dum assentamento do MST em Paraíba o colocou desta forma: “Olha, o
INCRA é o órgão que ‘regulariza’ as coisas, mas o INCRA não pode tomar decisões
para nós - somos-nos que tomamos as decisões.” Eu disse - mas o INCRA vem aqui? E
ele respondeu: “Ele pode até vir, mas a gente não permite. Então veja bem como é que
eu posso permitir que um funcionário do INCRA venha aqui, e diga que esse senhor que
mora aqui vizinho, ele deve ficar aqui. Não, quem deve decidir somos nós, porque
depois o funcionário vem aqui e diz não. Aí um cara com filho que fuma maconha n’é,
que briga n’é, que desacata, que rouba galinha aqui no fundo da minha casa. Aí o
INCRA vem aqui e diz: ‘Não mas ele tem direito.’ Vocês vêm aqui, chega no seu
carrinho, diz que ele tem direito, entrou dentro do seu carrinho de novo e vai embora,
aí quem ficou com o problema fomos nós que estamos aqui n’é. Nós é eu temo que
decidir que ele não fica, que ele vai embora n’é. Então a comunidade tem uma certa
autonomia n’é. Agora alguns assentamentos, aonde o pessoal não tem autonomia, o
INCRA vai e pinta e borda mesmo.. E [com esses assentamentos], há muita corrupção.”
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O MST e INCRA trabalham juntos em parte por causa da fraqueza institucional, mas
também porque isso permite eles a negociar a distribuição de terras. Através de sua
colaboração, transgressões tornaram-se prática aceitada.
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e na maioria das vezes eles parecem seguir adiante. Como disse um assentado, “Se eu
precisasse de alguma coisa. . .. E graças a Deus até hoje eu nunca precisei de nada,
mas se aconteceu alguma coisa, eu buscaria as pessoas que fazem parte da liderança
do assentamento. Eu diria a elhes que se não cuidasse do problema (se não tomasse
providencia), eu iria encontrar outra solução. Mas, primeiro, uma pessoa tem que ir
direto para eles, pelo menos é o que eles dizem: 'olha, coisas daqui trazem aqui, não vá
falando nas ruas, não fica dizendo isto ou aquilo, aqui e ali, que a coisa não está
resolvida. Coisas que acontecem aqui a comunidade vai se resolver na assembléia.”
Os líderes do movimento também muitas vezes determinam onde as pessoas vão viver
no assentamento - embora isso seja tecnicamente trabalho do INCRA. Como um
presidente de assentamento disse, “a gente fez um processo de sorteio n’é, desde daqui
da agrovila, que foi o que a gente fez primeiro, marcamo a agrovila, houve todo um
processo de discussão sobre a agrovila, sobre lote individual e tal, morara em agrovila
e não morar em lotes individuais, inclusive é, nós cometemos um erro com duas
famílias, que não queriam morar em agrovila e nós forçamos eles a morar em agrovila,
porque agente achou que se deixasse escolher, muita gente ia querer morar nos lotes e
não ia ter organização, aí a gente butemo o pé no bucho.” Funcionários do INCRA já
viraram a contar com movimentos sociais ou com os lideres das associações como as
canais entre eles e o assentamento. Como um assentado que havia sido vivendo em um
assentamento do MST por cinco anos, disse, os funcionários do INCRA raramente
visitam o assentamento, e quando o fazem “eles ficam lá em cima na parte da frente do
assentamento. Foi melhor quando tudo o que aconteceu costumava acontecer aqui em
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baixo, mas agora todos eles atendem lá em cima com [o líder do movimento]”.
Sem representação dos movimentos sociais, os assentados individuais têm que navegar
a paisagem institucional por si mesmo. E apenas os assentados com influência e
conexões políticas são capazes de lidar diretamente com os funcionários do INCRA
para resolver os seus problemas. Os dois exemplos seguintes são indicativos. No
primeiro exemplo, um homem que vivia perto dum assentamento recém-criado queria
ter acesso a um lote de terra que foi liberado pelo assentado original. Sem conexões com
o INCRA ou com o movimento, foi dito que o governo não poderia ajudá-lo, ele teria
que passar pela comunidade. O assentado descreveu o que aconteceu desta forma:
“Estive aqui durante quatro, cinco anos. Esta terra tem sido expropriada durante onze
anos, você sabe, mas no começo havia muita confusão (tumulto). E naquele tempo, eu
estava trabalhando na fábrica, e assim eu não tinha tempo para ficar aqui no
acampamento, eu tinha que trabalho, para dar a minha família para comer alguma
coisa, você sabe? E assim, depois eu comecei a passar por aqui. Esse foi o momento em
que o prefeito venceu a eleição e deu um emprego a minha esposa e as coisas ficaram
um pouco mais fáceis e eu saí da fábrica e disse: ´agora vou tentar de entrar naquele
assentamento e vou achar-me um pequeno pedaço de terra para trabalhar '. Aquele foi
quando este pedaço de terra apareceu, e eu tenho-me aqui. Isso foi há cinco anos.
Houve muita burocracia para eu receber meu nome registrado. Eu iria para o INCRA.
O INCRA diria que a comunidade teve que lidar com isso, e a comunidade diria que o
INCRA teve que lidar com isso, e as coisas andavam assim [por muito tempo]. E então
os meninos do assentamento disse, 'olha, faça algum tipo de petição',. . . o documento
ainda está por aqui. . . ´e ir de casa em casa e todo mundo que é contra você
[assumindo esta terra] não vai assinar a todos que apóiam vão assinar. E assim por no
final, eu tinha setenta e três assinaturas dos 104 assentados. . . O restante dos
assentados não eram contra mim, mas não houve tempo suficiente [para obter todas as
assinaturas]. . .”
Em um segundo caso, um ex-político e líder sindical foi capaz de usar sua influência
dentro do INCRA, não só para proteger suas terras contra as regras e sem “burocracia”,
mas também a ajudá-lo a comprar e alugar a terra de quatro outros assentados. Este
homem era um funcionário público, quando o assentamento foi criado e ele não estava
legalmente assentado, mas ele sentiu que mereceu favores especiais porque foi através
do seu apoio político que o assentamento foi criado. Ele tinha contratos negociados com
os quatro que incluía dois acordos de parceria e pagamentos mensais em dinheiro, que
foram todas violações do contrato que os assentados fazem quando recebem terra.
Quando eu o entrevistei este assentado em junho de 2008, ele foi descontente porque os
trabalhadores do INCRA estavam demorando muito para resolver um recente problema:
“Fui para o escritório do INCRA, porque eu tenho um pedaço de terra que alugo e está
com problemas. O marido dela [o dono] morreu e ela era uma viúva e seus filhos têm
trabalhos como [segurança privada] guardas. E assim, tivemos uma reunião e todos
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disseram que ela estava apenas usando a terra para manter seus animais. E assim eu
fui e falei com ela e eu aluguei sua terra para plantar cana e grãos. Ela concordou em
alugar para mim durante quatro anos assim eu poderia plantar e depois eu lhe daria de
volta para ela. E então ela foi e vendeu o terreno para outra pessoa que veio de fora
com o dinheiro. Ela vendeu o terreno e o tempo não se esgotou em nosso contrato! E
assim fui para o INCRA para que INCRA iria apoiar-me, porque se ela vendeu para
mim, já seria meu. Em vez de vender a uma pessoa de fora, ela deve vender para um
assentado para que eles pudessem colocar um filho lá. E para que haja esse problema
está acontecendo aqui. . .. O INCRA está em greve. Agora, assim que retornam a
trabalhar eu estou esperando que isso seja resolvido. . .. [As pessoas no INCRA] pediu-
me para o contrato de arrendamento e eu fiz uma cópia dele e disseram que depois da
greve que iria regularizar a situação.”
Conclusão
Quando militantes do MST e funcionários do INCRA negociam uns com os outros nas
margens do Estado e da sociedade, ambos afirmam que seu trabalho serve um bem
maior. Ambos os conjuntos dos atores se vêem como responsáveis ao «público» ou à
nação, ao invés de um ao outro ou às regras por si só. As regras jurídicas e institucionais
estabelecem o contexto para a maneira em que o trabalho dos dois grupos intervém, mas
as suas estratégias específicas são adaptadas para fazer o melhor com instituições fracas,
recursos escassos e uma política hierárquica.
Quando militantes do MST tomam decisões, eles também as fazem no nome da ‘nação’
ou ‘o público’, mesmo quando denunciam o direito ou o papel do INCRA para fazer
essas decisões por eles. Funcionários do Estado com o INCRA também empregou uma
nova linguagem sobre democracia e o bem maior: eles viram a terra e o dinheiro a ser
utilizado na reforma agrária como ‘dinheiro público’. Como um advogado na
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superintendência do Paraíba disse, “por alguma razão [os assentados] acham que
quando eles recebem o dinheiro que é público e não deles, que este dinheiro torna-se
deles e eles podem lidar com isso da mesma forma que fariam com seu próprio
dinheiro, mas não é do jeito que está.... O problema é que nós trazemos-lhes o dinheiro
que pertence ao conjunto da sociedade brasileira e assim, na verdade, nossas clientes
não são os Sem Terra, são todos eles no Brasil, todos eles que pagam seus impostos.”
As relações entre funcionários do governo, assentados da reforma agrária, e os líderes
dos movimentos sociais descrito neste artigo ressaltam mudanças importantes nas
relações entre o Estado e a sociedade no Brasil. Assim como os movimentos sociais têm
mudado suas abordagem para o Estado nos últimos trinta anos de governação
democrática na América Latina, o estado também foi transformado. As fronteiras
tradicionais entre o estado e a sociedade são menos obvias agora porque a sociedade
esta cada vez mais incorporada nãos negócios do Estado. No contexto de “Estados
fracos”, como Abers e Keck (2006) argumentam, movimentos sociais como o MST
pressionam o governo por mudanças políticas ou serviços políticos e se tornaram
necessárias para ativamente preencher a lacuna entre a intenção política e a realidade.
No caso de reforma agrária no Brasil, esta integração tem levado a um improvável caso
de participação democrática.
Incapaz de realizar a reforma por conta própria, agentes do Estado negociam respostas
pelo que foi visto anteriormente como atos transgressivos, como ocupações de terra.
Essas ocupações – e a resposta do Estado para eles - se tornaram tão comum que eles
agora fazem parte do quadro institucional para a reforma agrária. Estas novas relações
entre militantes do MST e funcionários do INCRA não necessariamente fornecem um
modelo para uma participação mais ampla. Grande parte da literatura sobre a
democracia participativa é voltada para recolhendo elementos em comum que ajudam a
tornar o trabalho mais participação, mas, neste caso, a falta de vontade do Estado para
financiar a reforma agrária e a necessidade de mobilização social não são objetivos
louváveis. Há lições a serem aprendidas, entretanto. Ao participar na execução da
distribuição de terras e de assentamento, o MST tem forçado o governo brasileiro a
“fazer o seu trabalho”, garantindo que os serviços prometidos (como o crédito de
investimento ou financiamento de infra-estrutura) são entregues e que existe uma maior
transparência em como as decisões são feitas dentro do Estado. As reuniões constantes
entre os militantes dos movimentos e os funcionários do INCRA também contribuem
para orientar a distribuição de recursos federais para as áreas e pessoas mais carentes, e
as prioridades de agência são mais informados sobre as perspectivas e as demandas de
sua população cliente. Em áreas onde o Estado brasileiro e movimentos sociais se
uniram para realizar o processo de agrária reforma, as ações e a prestação de contas do
Estado são melhoradas. Uma nova linguagem de responsabilidade cívica também
desenvolveu em que integrantes do MST e INCRA funcionários obedeçam a uma noção
de o público brasileiro que indiscutivelmente representa um ideal cívico e política da
democracia. Fora destas relações, no entanto, as pessoas que não são representados
pelos movimentos são forçadas a trabalhar dentro do sistema formal da democracia
representativa, e esta continua a ser um sistema embutido na política tradicional de
conexões pessoais e posição. Resta saber se as mudanças introduzidas pela participação
- alterações que incluem, tal como sugere Leonardo Avritzer, uma mudança na cultura
política e uma mudança na definição de “público” - vai se estender até esses domínios
atualmente excluídos.
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