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Apresenta ção
A percepção da espécie humana como força capaz de impactar significativamente a superfície da Terra
e seus processos vitais levou importantes cientistas a propor a hipótese do antropoceno. Embora não
haja consenso sobre ela, nem sobre o início dessa era geológica, assumo como ponto de partida que em
meados do século 20 a Terra já estava em pleno antropoceno. Isso deveria provocar enorme mudança
em nosso método de análise de conjuntura, que até então podia desconsiderar as relações entre a
espécie e o ambiente por não afetarem significativamente os processos históricos das sociedades
humanas. Tal mudança metodológica, porém, ainda não ocorreu, apesar de algumas tentativas nesse
sentido. A proposta aqui apresentada é mais uma tentativa de ampliar o horizonte temporal e espacial
da análise de conjuntura, para nela incluir as relações entre a nossa espécie e o Planeta em que vivemos.
A expansão europeia por meio do sistema-mundo regido pelo mercado cada vez mais submetido ao
capital dá início ao processo de destruição ambiental, cultural e humana (escravismo) que vai culminar
na globaliza ção atual. A revolução industrial em meados do século 18 acelera aquele processo com o
uso de energias fósseis, a produção de materiais artificiais (como plástico, concreto, alumínio etc) que a
natureza não consegue reciclar, e a energia nuclear e seus resíduos. Em 1945 o crescimento econômico
acelera-se em todo o mundo, até a crise de 1974. É nessa época que se constitui a juventude como
categoria social distinta das demais por seu padrão de consumo e sua liberdade (porque seu ingresso na
idade adulta é adiado). A partir de então diminui o ritmo, mas não o crescimento absoluto da produção,
hoje consumida por 7,4 bilhões de pessoas. (Para efeito de comparação, outras espécies de grandes
mamíferos são as domesticadas: bovinos, ovinos e caprinos que perfazem menos de 4 bilhões de
cabeças). Atravessamos hoje a 6ªgrande extinção de espécies da Terra.
É conveniente fazer essa brevíssima história da nossa espécie, porque temos muita dificuldade de
perceber nossa temporalidade. Para nós, dois séculos é o tempo que o indivíduo normalmente
consegue perceber (três gerações antes e três gerações depois dele); já a temporalidade da Terra se
mede em milênios. O que para Terra é ritmo acelerado, para nós parece ser lentíssimo, quase
estagnado. Por isso temos dificuldade de perceber fenômenos evidentes como:
A catástrofe ambiental afetará principalmente as populações mais pobres e mais vulneráveis, como
mulheres, crianças e jovens. Para o sistema capitalista, porém, ela abrirá a oportunidade de sua
renovação pela destruição criativa. (É a “doutrina do choque ”de que fala Naomi Klein). Preventivamente,
a economia verde é apresentada como solução: a pretexto de evitar o aumento dos danos ambientais
pelo mecanismo da precificação (quem causar danos pagará por eles) ela abre o caminho para a
privatização de bens comuns (como a água, florestas e conhecimentos tradicionais) fazendo deles
objeto de aplica ção do capital e assim concentrando a riqueza.
Nesse contexto situa-se a crise de época que analisaremos no item seguinte. Antes, porém, devemos
destacar dois componentes da atual crise do sistema-mundo: o clima de guerra e o impasse ecológico da
economia global.
· A história das transições no interior do sistema-mundo mostra que elas só se tornam viáveis ao
substituir as formas de produção vigentes por novas formas capazes de dar mais vigor ao capital. É o
que os economistas chamam de “ , que combina destruição –e sua forma mais
destruição criativa”
eficaz é a guerra –e criatividade na geração da nova forma de produção. Assim foi, por exemplo, a
criação da bolsa de valores em Amsterdam, a revolução industrial na Inglaterra, e o new deal nos EUA.
O problema é que o advento das armas nucleares multiplica tanto a capacidade destrutiva da guerra
que ela ameaça a própria sobrevivência da espécie humana. Não é sem motivo que o papa Francisco
refere-se à atualidade como a da Terceira Guerra Mundial “ em capítulos”. São guerras localizadas,
ditas de baixa intensidade porque envolvem pequenas potências (p. ex. Qatar, Coreia do Norte, Síria,
Ucrânia, Irã) mas respaldadas pelas grandes potências. A política externa de Trump só faz aumentar o
risco de expans ão dessas guerras. Além delas, uma nova forma é a guerra de 4ª geração que visa
destruir o inimigo por meio de aparelhos de informação, do Judiciário, do Ministério Público e de
acordos multilaterais (contra as drogas, o terrorismo, a corrupção, ou em defesa de Direitos Humanos
ou da Democracia). A criação da Agência Nacional de Segurança dos EUA após os atentados de 11/set.
2001 possibilitou o controle das informa ções que circulam por internet colocando-as a serviço de sua
Política Externa. (Denúncia de Snowden e Assange). O uso da informação (inclusive a pós-verdade e
os fake news) permite a destruição do inimigo quase sem intervenção das Forças Armadas.
· O impasse ecológico reside numa evidência incontestável: a economia capitalista do sistema-
mundo só produz resultados positivos quando cresce. O problema é que o crescimento econômico
atual ultrapassou os limites de reposição da Terra. E ela não cresce. A tecnociência promete encontrar
saída, mas até agora tem devorado as matérias-primas do Planeta, transformando-as em objeto de
compra e venda, e nada indica que parará de fazê-lo enquanto não esgotar todos os recursos
potenciais (como o petróleo do pré-sal ou do Ártico, as minas da Amazônia ou as fontes hídricas do
Cerrado). Diante dessa realidade, toda proje ção de futuro torna-se uma grande interrogação porque
uma catástrofe clim ática destruiria não somente o modo de produção e consumo capitalista como
grande parte da espécie humana. E a Laudato si’ de Francisco ainda é voz que clama no deserto, sem o
respaldo massivo dos cristãos.
É gigantesca a quantidade de informa ções hoje difundidas no mundo por meio da internet e outros
meios de comunicação de massa, mas o excesso de informações resulta em anula ção da informação e
pode piorar a qualidade do conhecimento. Embora a produção científica, cada vez mais especializada,
desvende os segredos da natureza e da história humana, ela é incompreensível para o grande público,
que se torna dependente das interpreta ções oferecidas pela mídia. Quem é incapaz de distinguir
informações falsas das verdadeiras, ingenuamente consome fake-news e produtos da propaganda. Por
isso fala-se hoje da pós-verdade: diante de informações as mais diversas, a pessoa tender a aceitar
como verdadeiro aquilo que corrobora sua opinião. A complexidade das modernas sociedades só
reforça essa dificuldade de discernir. A experiência do indivíduo –que ignora a complexa teia de
relações envolvidas na produção e distribuição dos bens que consome –mostra que tudo que ele
necessita encontra-se no mercado e que tendo dinheiro suficiente terá tudo que desejar. É a forma
atual de aliena ção: ignora-se os processos de funcionamento dos sistemas social, econômico, político e
ecológico, mas essa ignorância não faz diferença na vida cotidiana. Cabe aqui referência especial à
juventude: criada no ambiente virtual da internet, tende a considera-lo como se natural fosse. Daísua
dócil aceitação do pensamento liberal embutido na propaganda e difundido pelas redes sociais de forma
atraente (até um Bolsonaro faz sucesso).
Esse pragmatismo do pensamento, que vê o mercado como algo tão natural quanto a lei da gravidade
(já dizia Delfim Netto), representa o triunfo do pensamento liberal que justifica o modo de produção e
consumo capitalista. Seus valores –progresso, liberdade individual, competitividade, intocabilidade da
propriedade e dos contratos, eficiência etc – continuam a dominar o imaginário/ideário ocidental
moderno. Em contrapartida, valores contestatários de justi ça social, socialismo, democracia, igualdade,
humanismo e outros já não mais ameaçam a ordem estabelecida. A própria religião, relegada ao foro
privado, nada mais tem a dizer diante desse mundo ordenado pela lógica do capital. As vozes proféticas
não ganham repercussão, enquanto fazem sucesso as religiões que prometem prosperidade, curas e
proteção individual.
O processo golpista teve seu início durante as mobiliza ções sociais de junho de 2013, quando a resposta
negativa do Governo às demandas populares abriu o caminho para os grupos organizados para derrubá-
lo assumirem a voz das ruas. É relevante o papel da grande mídia e de ONGs tipo MBL e Vem pra ruaque
contam com financiamento externo (entre outros, o bilionário brasileiro Jorge. P. Lemann). A crise
econômica artificialmente estimulada em 2014/16 para desestabilizar o governo Dilma, incapacitada de
encontrar uma saída resposta eficaz, foi o estopim do processo que culminou com o impeachment em
abril de 2016. Foi então usado o método da guerra de 4ªgeração, já referida[2].
É preciso destacar que o golpe teve por objetivo romper o pacto social que gerou a ordem
constitucional de 1988 para dar resiliência ao projeto elitista das classes dominantes. Vejamos
brevemente o que é isso.
Apesar disso, pode-se perceber a emergência de várias propostas no sentido de desfazer os danos
sociais e políticos causados pelo golpe de 2016 e estabelecer uma nova ordem social que faça justiça às
classes e setores sociais oprimidos. Aponto aqui três delas:
· plano popular de emergência , da Frente Brasil Popular, com 76 propostas de políticas públicas
distribuídas em 10 campos de ação;
· referendo revogatório das medidas abusivas posteriores ao impeachment;
· eleição livre e democrática de constituinte soberana, para redigir nova Constituição.
Não há dúvidas de que as três merecem consideração, porque de forma diferente encaminham soluções
concretas para o problema da desordem institucional pós-golpe. Sua fragilidade reside no fato de que o
golpe não foi uma simples troca de governo, mas sim a retomada do poder absoluto pelos
representantes das classes dominantes e submissas às grandes corporações internacionais. Ele só pode
ser derrubado por um amplo consenso nacional (que foi rompido e nada indica que possa ser refeito,
dado o clima de ódio social) ou por uma insurreição popular (que não está no horizonte). Aliás, pode-se
perguntar se alguém ou algum grupo teria poder convocatório para liderar uma insurreição que
revertesse inteiramente a atual correlação de forças. Tudo isso nos obriga a
prever longo tempo para criar laços sociais que resultem em força política popular.
6. Com os pés no chão da História, olhar para frente
Toda essa análise da realidade nacional, considerada em seu contexto planetário e sistêmico, só tem
sentido para quem luta por um mundo onde reinem a Justiça, a Paz e a integridade da Casa Comum , na
medida em que descortina o horizonte para a ação política libertadora. Por isso, termino a análise
apontando os caminhos que hoje vislumbro como viáveis, os novos obstáculos a superar e a necessidade
de elaborar-se uma nova compreens ão do mundo.
· Para as comunidades cristãs fica uma questão: a Fé que está baseia nossa Esperança é ingenuidade?
Ou temos razões para afirmar nossas convicções na possibilidade de uma civiliza ção planetária, justa e
pacífica?
Juiz de Fora, 23 de novembro de 2017
[1] ARRIGHI, Giovanni: O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo; Contraponto e
UNESP, 1996
[2] A guerra de 4ªgeração visa destruir o inimigo por meio de aparelhos de informação, do Judiciário, do
Ministério Público e de acordos multilaterais (contra as drogas, o terrorismo, a corrupção ou em defesa
de Direitos Humanos e da Democracia). A criação da Agência Nacional de Segurança dos EUA após os
atentados de 11/set. 2001 possibilitou o controle das informações que circulam por internet colocando-
as a serviço de sua Política Externa. (Denúncia de Snowden e Assange). O uso da informação (inclusive a
pós-verdade e os fake news ) permite a destruição do inimigo sem o uso das Forças Armadas.