Você está na página 1de 17

ANÁLISE DAS COMPOSIÇÕES MUSICAIS SUGERIDAS EM

PRÁTICAS PARA A MEDITAÇÃO LIVRE


SEGUNDA SEMANA

TEXTOS, OPINIÕES E FIGURAS TOTALMENTE COPIADOS DA INTERNET, COM SUAS RESPECTIVAS


REFERÊNCIAS DE ORIGEM ATRAVÉS DE LINKS

COMPOSITORES E PEÇAS ANALISADAS:

VIVALVI – AS QUATRO ESTAÇÕES


RIMSKY-KORSAKOV – SCHEHERAZAD
BEETHOVEN – SINFONIA NO. 6, PASTORAL
DVORAK – SINFONIA NO. 9, DO NOVO MUNDO
Vivaldi: A Primavera
Por Amancio Cueto Jr., em Análise de obra

Rosalba Carriera: Primavera

Não se sabe o que surgiu primeiro, se a música ou os sonetos. O fato é que, desde que As Quatro Estações de
Antonio Vivaldi surgiram, os concertos vêm acompanhados de quatro sonetos que descrevem muito bem a
música e cada uma das estações.
Não há provas de que os sonetos tenham sido escritos pelo próprio Vivaldi. Marc Pincherle, grande estudioso da
vida do compositor, acreditava que os sonetos teriam sido escritos por um fã, depois dos concertos já estarem
compostos – ou seja, primeiro surgiu a música, e depois surgiram os sonetos. O próprio Vivaldi dá a entender isso
numa carta escrita após a publicação dos concertos (mais informações no próximo post).
As partituras dos quatro concertos trazem aqui e ali indicações do que a música estaria retratando, para que os
próprios músicos possam saber se aquele trecho retrata “pássaros”, “o cachorro”, um “vento horripilante” e
assim por diante. Como “partitura” é um mistério insondável para muitos ouvintes, nós de Euterpe mostraremos
estas indicações para vocês usando a própria música. Bom divertimento!
Ah sim, eu resgatei os sonetos originais em italiano e refiz eu mesmo a tradução para o português (aliás, algumas
traduções que eu encontrei aí pela internet são assim, de gente que aprendeu italiano com as novelas da Globo).
Soneto
La Primavera A Primavera
Giunt’è la Primavera e festosetti Chegada é a Primavera e festejando
La salutan gl’augei con lieto canto, A saúdam os pássaros com alegre canto,
E i fonti allo spirar de’Zeffiretti E as fontes ao expirar dos Zéfiros (*)
Con dolce mormorio scorrono intanto: Com doce murmúrio correm entanto:
Vengon’ coprendo l’aer di nero amanto Vem [um temporal] cobrindo o ar com negro manto
E lampi, e tuoni ad annuntiarla eletti E relâmpagos e trovões eleitos a anunciá-la
Indi tacendo questi, gl’augelletti; Logo que eles se calam, os passarinhos
Tornan’ di nuovo al lor canoro incanto: Tornam de novo ao sonoro encanto.
E quindi sul fiorito ameno prato Então sobre o florido e ameno prado,
Al caro mormorio di fronde e piante Ao caro murmúrio das folhas e plantas
Dorme’l caprar col fido can’ à lato. Dorme o pastor com fiel cão ao lado.
Di pastoral zampogna al suon festante Da pastoral gaita de foles ao som festejante,
Danzan ninfe e pastor nel tetto amato Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado
Di primavera all’apparir brillante. Da primavera surgindo brilhante.
(*) Zéfiro, na mitologia grega, é o vento do oeste. É o mais suave dos ventos e é considerado o “mensageiro da
primavera”. Zeffiretti, no italiano, é o plural e diminutivo de Zéfiro, algo como Zefirinhos… ou seja, a mais leve das
brisas.
Concerto para violino, cordas e contínuo Op.8 nº1 RV.269 em Mi Maior – “Primavera”
1º mov.: Allegro
Chegou a Primavera, diz a indicação na partitura para este refrão que voltará várias vezes no decorrer do
movimento.
Três violinos solos fazem o Canto dos pássaros saudando em festa a chegada da primavera.
Aqui, o Murmúrio das fontes ao soprar de suaves brisas (segundo o soneto, é a respiração dos “Zefirinhos”).
Trovões anunciam um temporal, que logo passa.
E o Canto dos pássaros retorna após a passagem da chuva.
2º mov.: Largo
Enquanto os violinos nos embalam com o Murmúrio de folhas e plantas, a viola interpreta O cão que ladra,
latindo de duas em duas notas até o final do movimento.
O violino solo representa O pastor que dorme sobre o florido e ameno prado.

3º mov.: Allegro
E o concerto fecha com uma Dança pastoral. Curiosamente, o acompanhamento de notas longas lembra
exatamente os baixos das gaitas de fole, citados no poema.
Este post pertence à série “Vivaldi: As Quatro Estações”:
1. A Primavera
2. O Verão
3. O Outono
4. O Inverno
- See more at: http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/vivaldi-a-primavera#sthash.HiBkKxMp.dpuf
Vivaldi: O Verão
Por Amancio Cueto Jr., em Análise de obra

Rosalba Carriera: Verão

As Quatro Estações, na verdade, são os 4 primeiros concertos de uma série de 12, publicados em Amsterdam em
1725 como Opus 8 e sob o título Il Cimento dell’Armonia e dell’Invenzione, em italiano, A Disputa da Harmonia e
da Invenção. Com este título, Vivaldi queria apresentar obras inovadoras e experimentais em diversos aspectos,
contrapondo a sua criatividade (a “invenção”) com o tradicionalismo da escrita musical (a “harmonia”).
À primeira vista, a inovação que mais salta aos olhos é o caráter programático não só dos quatro primeiros
concertos mas também de mais 3 outros: o nº5 RV.253 La Tempesta di Mare (A tempestade do mar), o nº6 RV.
180 Il Piacere (O prazer) e o nº10 RV.362 La caccia (A caça). Estes, porém, não trazem nenhuma outra indicação
na partitura explicitando seu conteúdo, muito menos sonetos anexados.
A primeira edição do Opus 8 traz uma dedicatória ao Conde Wenzel von Morzin, a quem Vivaldi endereçou uma
carta provavelmente com uma cópia da publicação. Nesta carta, as seguintes linhas são bem reveladoras:
Não se surpreenda se, entre estes poucos e fracos concertos, Vossa Excelência encontre As Quatro Estações,
as quais têm por tanto tempo desfrutado da amável generosidade de Vossa Excelência. Mas acredite, eu
considerei imprimi-las porque, apesar de serem as mesmas, eu acrescentei a elas, além dos sonetos, uma
indicação muito clara de todas as coisas que nelas se explicam, assim eu estou certo de que elas parecerão
novas para você.
Ou seja, (1) os concertos já eram conhecidos antes de sua publicação, e (2) as indicações da partitura foram
adicionadas posteriormente.
Soneto
L’Estate O Verão
Sotto dura staggion dal sole accesa Sob a dura estação de sol aceso
Langue l’uom, langue ‘l gregge, ed arde il pino; Definha homem, definha rebanho e arde o pinho;
Scioglie il cucco la voce, e tosto intesa Solta o cuco a voz, e logo com ele
Canta la tortorella e ‘l gardelino. Canta a rolinha e o pintassilgo.
Zèfiro dolce spira, ma contesa Zéfiro doce expira mas, desafiado,
Muove Borea improviso al suo vicino; Surge Bóreas (*) de repente ao seu lado;
E piange il pastorel, perche sospesa E chora o pastor, porque decerto
Teme fiera borasca, e ‘l suo destino; Teme feroz tempestade e seu destino.
Toglie alle membre lasse il suo riposo Rouba dos membros cansados o seu repouso,
Il timore de’ Lampi, e tuoni fieri O temor dos relâmpagos e trovões ferozes
E de mosche, e mosconi il stuol furioso. E de moscas e moscões o zumzum furioso.
Ah, che purtroppo i suoi timor son veri! Ah, que pena, seus temores eram verdadeiros!
Tuona e fulmina il ciel e grandioso: Troveja e fulmina o céu e majestoso
Tronca il capo alle spiche e a’ grani alteri. Quebra o topo das espigas e danifica os grãos.
(*) Já falamos de Zéfiro no post da Primavera. Bóreas é seu irmão, o vento do norte, frio e violento.
Concerto para violino, cordas e contínuo Op.8 nº2 RV.315 em Sol menor – “Verão”
1º mov.: Allegro non molto – Allegro
A falta de movimentação da música sugere a Languidez devida ao calor do verão.
Este é O cuco. Alguns podem estranhar, dizendo que um cuco cantaria “cu-co”, mas se você tirar as notas
repetidas do violino (as agudas) e ouvir só as que são diferentes, você ouvirá o “cu-co”.
Esta é A rolinha, que acompanha o canto do cuco agora no violoncelo.
Fácil, é O pintassilgo!
Lembram dos zeffiretti da Primavera? Olha os Doces zéfiros aqui, sussurando suavemente, até que…
… desafiado, surge o Vento Borea no violino solo. Nos demais violinos, apenas Ventos; na viola, Ventos
impetuosos e, no baixo contínuo, Ventos diversos.
A melodia triste retrata O pranto do camponês, temeroso pela tormenta que sem dúvida irá desabar.
2º mov.: Adagio
Se o violino solo representa o camponês tentando descansar, os demais violinos fazem o zumzum das Moscas e
moscões que o importunam.
Olha lá os Trovões anunciando o temporal. Assim segue o movimento lento, alternando as duas passagens.
3º mov.: Presto
Salve-se quem puder, é o Temporal de verão!
Este post pertence à série “Vivaldi: As Quatro Estações”:
1. A Primavera
2. O Verão
3. O Outono
4. O Inverno
- See more at: http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/vivaldi-o-verao#sthash.9P3YDJw8.dpuf
Vivaldi: O Outono
Por Amancio Cueto Jr., em Análise de obra, Teoria da música

Rosalba Carriera: Outono

Antes de Vivaldi não havia um modelo para o concerto solista, e cada compositor escrevia de acordo com seu
próprio estilo. Os mais comuns recaíam no formato da sonata da chiesa (movimentos lentos e rápidos alternados,
às vezes incluindo uma fuga) ou na sonata da camera (prelúdio e sequência de danças). Vivaldi seguiu o modelo
de Albinoni com um movimento lento central e dois agitados nos extremos, e esse esquema rápido-lento-rápido
acabou “pegando” e ficando como definitivo em concertos.
Outra grande contribuição de Vivaldi para o gênero foi a consolidação do formato de ritornello. O ritornello é
simplesmente um refrão, um tema principal que é exposto pela orquestra no início e no final do movimento, mas
que retorna várias outras vezes em parte ou por completo, às vezes na tonalidade principal, às vezes numa
tonalidade secundária. Entre cada aparição do ritornello, há episódios onde o solista ganha destaque executando
passagens virtuosísticas.
Vivaldi escreveu aproximadamente 450 concertos, sendo mais de 200 só para violino solo. Todos os concertos do
Opus 8, incluindo As Quatro Estações, foram escritos para violino solo, cordas e baixo contínuo (apesar de que
hoje em dia, pela popularidade da obra, é super fácil encontrar gravações com as orquestrações mais variadas,
como por exemplo nesse divertidíssimo vídeo do grupo I Barocchisti).
Soneto
L’Autunno O Outono
Celebra il vilanel con balli e canti Celebra o camponês com danças e cantos
Del felice raccolto il bel piacere Da feliz colheita o belo prazer
E del liquor di Bacco accesi tanti E pelo licor de Baco um tanto aceso (*)
Finiscono col sonno il lor godere. Termina com sono a sua diversão.
Fà ch’ogn’uno tralasci e balli e canti Faz cada um renunciar danças e cantos
L’aria che temperata dà piacere, O clima moderado que é prazeroso,
E la staggion ch’invita tanti e tanti E a estação que convida tantos e tantos
D’ un dolcissimo sonno al bel godere. De um dulcíssimo sono a desfrutar.
I cacciator alla nov’alba a caccia O caçador na alvorada sai à caça
Con corni, schioppi, e canni escono fuore Com trompas, espingardas e cães
Fugge la belva, e seguono la traccia; Foge a fera, e seguem-lhe o rastro;
Già sbigottita, e lassa al gran rumore Já apavorada, e cansada do grande rumor
De’Schioppi e canni, ferita minaccia De espingardas e cães, ferida ameaça
Languida di fuggir, ma oppressa muore. Debilitada de fugir, mas oprimida morre.
(*) (Pra não perder o costume das notas sobre mitologia) Baco é o Deus do vinho, ok?
Concerto para violino, cordas e contínuo Op.8 nº3 RV.293 em Fá Maior – “Outono”
1º mov.: Allegro – Larghetto – Allegro assai
Outono é tradicionalmente a época da colheita, e para celebrá-la, temos a Dança e canto dos camponeses.
O violino imita os deslizes e os risos alegres do camponês exagerando no vinho, ou seja, O ébrio.
E depois de muito vinho… eis O ébrio que dorme. Os mais atenciosos irão reparar que a melodia do violino se
assemelha ao barulho de alguém roncando.
2º mov.: Adagio molto
Fim de festa, Os ébrios adormecidos se juntam para tirar uma soneca.
3º mov.: Allegro
O concerto termina descrevendo com detalhes A caçada, com o violino solo imitando o som de trompas de caça.
E os caçadores encontram A fera que foge.
Aqui a partitura indica Espingardas e cães, sem detalhar quem é a espingarda e quem é o cão. Tomando por base
o cão do pastor da Primavera, acredito que as notas separadas sejam os latidos dos cães, e as notas repetidas em
furor o barulho das espingardas. Mas também poderia ser o contrário…
Ao final, A fera fugindo morre, para alegria do caçador.
Este post pertence à série “Vivaldi: As Quatro Estações”:
1. A Primavera
2. O Verão
3. O Outono
4. O Inverno
- See more at: http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/vivaldi-o-outono#sthash.sJfb6JDT.dpuf
Vivaldi: O Inverno
Por Amancio Cueto Jr., em Análise de obra, História da música

Rosalba Carriera: Inverno

Musicólogos ainda hoje discutem a origem da palavra concerto. Uns dizem que vem do latim concertatum, do
verbo concertare, que significa competir ou lutar; já outros dizem que vem de consertum, do verbo conserere, que
significa entrelaçar, fazer nó. A discussão é boa, pois se alguns concertos lembram um diálogo musical
entrelaçado, outros parecem uma grande disputa entre as partes.
A origem do concerto remonta ao final do século XVII, quando orquestras de cordas passaram a executar sonatas
para instrumentos solos. Aproveitando a novidade, compositores italianos começaram a explorar o contraste
entre solos e tuttis. Se alguns preferiram trabalhar com um grupo de músicos solistas (o que originou o concerto
grosso), outros preferiram dar maior destaque ao solista do primeiro violino. Rapidamente outros instrumentos
foram convidados a fazer parte da brincadeira, e já no início do século XVIII era comum encontrar concertos para
flautas, oboés, violoncelos e fagotes.
O modelo de concerto que Vivaldi ajudou a construir ficou conhecido como Concerto Italiano, ou concerto
all’italiana, e acabou sendo copiado até por não-italianos, como Bach e Händel. Bach inclusive fez várias
transcrições de concertos de Vivaldi para cravo, justamente para poder aprender o estilo, e aplicou-o com
sucesso em várias de suas obras, como por exemplo nos Concertos de Brandenburgo ou no Concerto Italiano
BWV.971.
Mas vamos voltar ao Vivaldi, porque só falta um concerto para terminar a série das Quatro Estações!
Soneto
L’Inverno O Inverno
Agghiacciato tremar tra nevi algenti Tremer congelado em meio a neve fria
Al severo spirar d’orrido vento, Ao rigoroso expirar do horrível vento,
Correr battendo i piedi ogni momento; correr batendo os pés a todo momento;
E pel soverchio gel batter i denti; E pelo excessivo frio bater os dentes;
Passar al foco i dì quieti e contenti Passar os dias calmos e felizes ao fogo
Mentre la pioggio fuor bagna ben cento Enquanto a chuva lá fora molha a tudo
Caminar sopra il ghiaccio, e a passo lento Caminhar sobre o gelo, e devagar
Per timor di cader girsene intenti; Por temor de cair nesse intento;
Gir forte sdruzziolar, cader a terra Andar rápido e escorregar, cair no chão
Di nuovo ir sopra ‘l giaccio e correr forte De novo andar sobre o gelo e correr rápido
Sin ch’il giaccio si rompe, e si disserra; Sem que o gelo se rompa e se dissolva;
Sentir uscir dalle ferrate porte Ouvir sair das fechadas portas
Scirocco, Borea, e tutti i venti in guerra Siroco (*), Bóreas e todos os ventos em guerra
Quest’è ‘l verno, ma tal, che gioia apporte. Este é o inverno, mas tal que alegria traz.
(*) Falamos sobre Bóreas no post do Verão. Siroco é vento sudeste que sobe do Saara, responsável por
tempestades no Mediterrâneo e que atinge o sul da Europa trazendo frio e umidade.
Concerto para violino, cordas e contínuo Op.8 nº4 RV.297 em Fá menor – “Inverno”
1º mov.: Allegro non molto
As notas repetidas representam o Tremer congelado do frio…
… que é trazido pelo Horrível vento de inverno.
Para esquentar o corpo, é necessário Correr e bater os pés pelo frio.
Mesmo assim, o corpo continua a Bater os dentes involuntariamente.
2º mov.: Largo
Esta é A chuva caindo lá fora (conseguem ouvir os pingos?).
3º mov.: Allegro
Eis o violino tentando Caminhar sobre o gelo.
Para isto, é necessário Caminhar devagar e com cuidado.
Confiante, ele começa a Andar rápido e escorregar (o “escorregar” é o mais descritivo de todos).
E é inevitável Cair no chão.
Agora o violino solo precisa Correr rápido sobre o Gelo, este último representado pelas notas longas nos
primeiros e segundos violinos.
Ele precisa ser rápido e cuidadoso Sem que o gelo se rompa.
O vento Siroco sopra suave, até dar de frente com…
… O vento Bóreas e todos os ventos (Bóreas é o vento frio do norte, lembram?).
Este post pertence à série “Vivaldi: As Quatro Estações”:
1. A Primavera
2. O Verão
3. O Outono
4. O Inverno
- See more at: http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/vivaldi-o-inverno#sthash.S2VEcGun.dpuf
Rimsky-Korsakov: Scheherazade
Por Amancio Cueto Jr., em Análise de obra

Mariano Fortuny: Odalisque

Em 1888, o compositor russo Nikolai Rimsky-Korsakov decidiu escrever uma peça sinfônica baseada nas histórias
das Mil e Uma Noites. Nascia assim uma de suas obras mais famosas, a suíte sinfônica Scheherazade Op.35.
Suíte sinfônica ou Poema sinfônico?
(Pergunta bem pertinente!) Suíte sinfônica é uma série de movimentos reunidos em torno de uma tema central,
uma ideia extra-musical; já o poema sinfônico é uma obra de um movimento só que conta uma estória através da
música. Quadros de uma Exposição de Mussorgsky é uma suíte sinfônica que descreve uma visita a uma exposição
de dez quadros (a ideia central extra-musical); já A Bruxa do Meio-Dia de Dvorák é um poema sinfônico que conta
uma estória com personagens e tem começo, meio e fim. Os dois gêneros podem ter pontos em comum, mas
suas diferenças são bem relevantes ao analisarmos Scheherazade.

John Frederick Lewis: As Mil e Uma Noites

A intenção de Rimsky-Korsakov era escrever uma peça que lembrasse as Mil e Uma Noites, mas não que contasse
a estória do livro. Tanto que a ideia inicial era batizar os movimentos de Prelúdio, Balada, Adagio e Finale, para
que o ouvinte tivesse a impressão de estar ouvindo vários contos orientais sem necessariamente relacionar a
música com nenhuma estória específica. Foi ideia do amigo Anatoly Lyadov dar títulos aos movimentos, porém
Rimsky-Korsakov manteve-os vagos para que o ouvinte não se apegasse demais às descrições. Posteriormente o
compositor removeu os títulos, mas aí já era tarde e eles já haviam caído no gosto popular.
Então Scheherazade não conta uma estória?
Não – ou pelo menos não da forma linear como lemos nos livros. A obra soa como se, após a leitura do livro,
houvéssemos sonhado com os personagens e, neste mundo onírico e exótico, todas as estórias tivessem se
misturado, personagens houvessem se fundido e os relatos perdessem a ordem cronológica. Vamos conferir tudo
isso na música, e então ficará mais fácil de entender por que Scheherazade é uma suíte sinfônica e não um poema
sinfônico.
Rimsky-Korsakov preparou o seguinte texto para o programa de estréia da obra:
O Sultão Shahryar, convencido da falsidade e da infidelidade das mulheres, promete casar com uma nova
esposa e executá-la no dia seguinte até que não existam mais candidatas. Mas a Sultana Scheherazade salva
sua própria vida entretendo-o com contos que ela mesma conta durante mil e uma noites, deixando cada
estória incompleta até a noite seguinte. Movido pela curiosidade, o Sultão adia constantemente a
execução, e por fim abandona completamente seu plano cruel.
Muitas maravilhas Scheherazade relatou a ele, citando os versos dos poetas e as palavras das canções,
tecendo conto dentro de conto e estória dentro de estória.
1. O Mar e o Navio de Simbad
A obra inicia descrevendo o personagem do Sultão obediente à sua terrível promessa:
Então Scheherazade se oferece para casar com o Sultão. Durante a noite de núpcias, ela cai no choro e diz ao
marido que tem uma irmã mais nova, e que gostaria de se despedir dela. Sultão manda chamá-la, e a irmã,
previamente instruída por Scheherazade, diz (assim como dirá também nas noites seguintes): “Por Deus,
maninha, se não estiver dormindo, conte uma daquelas suas belas estórias”. E, após a autorização do marido,
Scheherazade começa a narrar seus contos:

Ilustração de Rene Bull para o livro das Mil e Uma Noites

Uma das estórias narradas por Scheherazade foi a de Simbad, o marujo, um homem que se tornou muito rico
após sete viagens marítimas que ele passa a contar em detalhes. Todas as sete viagens seguem um mesmo
padrão: Simbad sai a navegar e seu navio afunda; os náufragos (ou às vezes apenas Simbad) vão parar numa terra
estranha, onde vivem aventuras das mais fantásticas; ao final, Simbad descobre um grande tesouro ou é
recompensado por alguém, e então retorna para casa são e salvo… e ainda mais rico.
Rimsky-Korsakov foi oficial da marinha russa por muitos anos, e assim soube como ninguém pintar o mar em
sons. Violoncelos sugerem o balançar do navio, e os pizzicatos soam como respingos da água do mar:
O mar desempenha um papel de “vilão” nas estórias de Simbad, e talvez por esse motivo a nossa Scheherazade
musical o descreva utilizando o mesma tema do Sultão, o vilão de sua própria história. Compare os dois temas:
A narrativa de Simbad se estende por várias noites, e por isso ouvimos de tempos em tempos a voz da
Scheherazade no violino solo retomando a estória. Repare que o tema é o mesmo, ele só está acelerado:
No geral, o formato do movimento é um simples ABC-A’B'C’-A”B”C”, sem entrar nos detalhes da estória de
Simbad. É dessa forma que Rimsky-Korsakov faz a música lembrar as Mil e Uma Noites, e não contar as estórias,
justificando assim o título de “suíte sinfônica” ao invés de “poema sinfônico”.

2. O conto do Príncipe Kalender


Passemos para o segundo movimento onde, na noite seguinte, a irmã diz novamente: “Por Deus, maninha, se não
estiver dormindo, conte uma daquelas suas belas estórias”. Ao que Scheherazade (sempre) responde, “com muito
gosto e honra”:
Muitos pensam que Kalender é um nome próprio, o nome do príncipe do conto. Porém kalandar (às vezes
grafado como qalandar, kalendar ou calender) é um tipo de dervixe, uma espécie de monge muçulmano que faz
voto de pobreza e leva a vida como mendigo errante. Então o título ficaria mais claro para nós, ocidentais, se
fosse “o conto do príncipe mendigo”.
Georges Gasté: Portrait d’homme

Não li ainda todas as estórias das Mil e Uma Noites, mas há pelo menos três estórias de príncipes calênderes
dentro de uma estória maior, “O carregador e as três jovens de Bagdad”. Os três dervixes são cegos do olho
esquerdo, e cada um conta sua própria história ao serem questionados de como perderam o olho. As narrativas
são complexas demais para serem resumidas aqui (e também os detalhes são irrelevantes para a análise da suíte
sinfônica), mas quem tiver mais curiosidade pode ler um resumo clicando aqui (em inglês) ou, melhor, adquirindo
o Livro das Mil e Uma Noites. Recomendo a recente tradução para o português (porém ainda incompleta) de
Mamede Mustafa Jarouche; o conto dos três dervixes está presente já no volume 1.
Impossível saber qual das três estórias serviu de base para Rimsky-Korsakov escrever este movimento.
Provavelmente não seja nenhuma delas, já que a ideia era apenas sugerir contos orientais. De qualquer forma, eis
o que nós poderíamos chamar de “tema do Príncipe Kalender”:
No primeiro movimento, vimos o vilão da estória ser descrito com o tema do Sultão; aqui o tema do herói
compartilha um trecho com o tema da Scheherazade, repare:
O tema é repetido quatro vezes com diferentes orquestrações, quando então os baixos, primeiro em pizzicato e
depois com arco, nos apresentam a algum tipo de inimigo do príncipe; compare como seu tema é parecido com o
tema do Sultão:
Trombones e trompetes parecem chamar seus exércitos para a guerra (e realmente há uma guerra na estória do
primeiro príncipe calênder):
Por duas vezes o Príncipe Kalender aparece no meio da guerra, em trechos que ora parecem recitativos, ora
cadências:

Selo húngaro mostrando Simbad e o pássaro Roca

E quando começamos a encontrar um paralelo entre a estória e a música, Rimsky-Korsakov nos dá um banho de
água fria. No trecho abaixo, o próprio compositor descreveu o motivo do piccolo como “um esboço do pássaro de
Simbad, a Roca”:
A roca (ou roque) é um pássaro mitológico que está presente na segunda e na quinta viagem de Simbad, aquele
mesmo do primeiro movimento. Mas a roca também aparece na estória do terceiro príncipe calênder. Ou seja…
esqueça as estórias e curta a música! O formato geral do movimento é um ABCBA com introdução, sendo que na
última seção A o tema do Príncipe Kalender é novamente repetido quatro vezes com diferentes orquestrações.

3. O jovem príncipe e a jovem princesa


Há muitas estórias de amor de príncipes e princesas nas Mil e Uma Noites. Uma das fontes consultadas diz que
este movimento foi baseado no conto do príncipe Kamar al-Zanna e da princesa Budur, mas o roteiro da música é
tão genérico que pode se encaixar perfeitamente em qualquer outra estória romântica. Veja: era uma vez um
príncipe…

George Barbier: Sheherazade

… que conhece uma linda princesa… (seria ela uma dançarina?)


Scheherazade faz mistério e adia o final da estória para a noite seguinte. Será que eles ficarão juntos?
Enfim os jovens se entregam à magia do amor:
Casaram e viveram felizes para sempre (pelo menos até o final do terceiro movimento). Fim.
Há algumas curiosidades musicais que precisam ser citadas. A princesa é inicialmente nos apresentada em Si
bemol, mas no epílogo da estória seu tema reaparece na mesma tonalidade do tema do príncipe, Sol Maior. Fica
claro que eles casaram, não?
Não ficou claro? E que tal esta passagem nos compassos finais, onde o príncipe dança com a princesa? Compare
com o tema original do príncipe:
Interessante perceber, tal como o tema do Príncipe Kalender, o tema do jovem príncipe também possui um
trecho derivado do tema da Scheherazade, repare:

4. Festival de Bagdad. O Mar. O navio se choca contra um rochedo encimado por um guerreiro de bronze
Depois de centenas de noites, encontramos um Sultão irritado com todas essas estórias que não tem um fim:
Scheherazade se sente desafiada e passa a contar uma enorme estória juntando todos os personagens anteriores:
E a essa estória ela dá o nome de Festival de Bagdad:
Bem, esta é a versão do compositor para o que aconteceu na milésima primeira noite. Como leitor, ainda não
encontrei no livro nenhuma estória com este título, ou que contivesse todos os personagens numa estória só (o
que beiraria ao impossível). Assim, Rimsky-Korsakov deixa a cargo do ouvinte imaginar um conto com todos estes
personagens. Aqui, o Príncipe Kalender:
Aqui, a jovem princesa do terceiro movimento (estaria ela sendo disputada pelos dois príncipes?):
O jovem príncipe:
Até mesmo os chamados de guerra do segundo movimento foram lembrados:

Alfred Britcher: Grand Summer, Grand Manan


E para encerrar o festival, Scheherazade (a musical) narra uma passagem da estória do terceiro príncipe calênder,
onde este acaba perdido no mar e seu navio avista à distância uma “montanha magnética” amaldiçoada. No topo
da montanha existe uma estátua de bronze retratando um cavaleiro montado sobre um cavalo, e enquanto o
cavaleiro não for derrubado, todos os que avistarem a montanha se afogarão, pois o magnetismo da montanha
atrai os pregos das embarcações e estas, desmontadas, são arremessadas às rochas. Por isso ouvimos novamente
o tema do mar, revolto como nunca:
O navio se desmonta e é arremessado às rochas. Note aqui como o compositor descreve o navio afundando:
No livro, o terceiro príncipe calênder sobrevive ao naufrágio e derruba o cavaleiro de bronze, libertando o mundo
da maldição. Na música, porém, Scheherazade encerra sua última estória por aqui mesmo:
Comovido, o Sultão chora. Após mil e uma noites de estórias, ele desiste de matar a esposa:
E viveram felizes para sempre!
- See more at: http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/rimsky-korsakov-scheherazade#sthash.kv0pbGDE.dpuf
(1808) BEETHOVEN Sinfonia n. 6 "Pastoral"
Sinfonia Pastorella
Pastoral-Sinfonie oder Erinnerungen an das Landleben, Mehr Ausdruck der Empfindung als Mahlerei
(Sinfonia Pastoral ou memórias da vida no campo, mais a expressão de sentimentos que pintura descritiva)
Compositor: Ludwig van Beethoven
Número de catálogo: Opus 68
Data da composição: 1808
Estréia: 22 de dezembro de 1808 — Theater an der Wien, Viena, regência do autor

Beethoven já havia mudado radicalmente o escopo de uma Sinfonia ao escrever a sua Terceira, a “Eroica”, em
1804. Nela, uma Sinfonia deixava de ser a simples busca estética da beleza para encampar uma ideia, uma
filosofia — naquele caso, a homenagem à figura revolucionária do General Napoleão Bonaparte. E tudo iria
mudar ainda mais com a Quinta, a poderosa obra rítmica que enuncia-se com o famoso “tam-tam-tam-taaaam”.
Com a Quinta, ainda que não haja um homenageado, ou um programa, consolida-se a verve da Sinfonia
Romântica, visceral, ansiosa por alcançar as inquietações do ouvinte.
Mas a “Pastoral” iria ainda mais fundo no que tange à expressão do autor de algo íntimo: nela, Beethoven retrata
seu amor pela Natureza e descreve — numa obra programática — sua relação com o campo. A narrativa supõe
um observador, expediente inovador que Mahler irá sabiamente explorar quase um século depois.
Segundo o próprio Beethoven, a obra se subdivide em 5 momentos distribuídos em 3 grandes partes:

I. Erwachen heiterer Empfindungen bei der Ankunft auf dem Lande ou O despertar dos sentimentos alegres com a
chegada ao campo, em Allegro ma non troppo.
É o início da jornada. Beethoven nos coloca em contato com a Natureza, com melodias solares e enternecedoras.
É um choque saber que esta obra foi composta em simultâneo com a Quinta Sinfonia, tão diferente e tão oposta!
Como quem olha à volta, encantado com o que vê, o observador avança, ouve pássaros, sente a brisa, alegra-se.
Note-se que, como bem adverte o subtítulo da obra, “mais expressão que pintura”, tudo é subentendido, não
sendo nenhuma dessas sonoridades claramente imitativa.

II. Szene am Bach ou Cena à beira do riacho, em Andante molto moto. O movimento lento, como pedia a tradição
de Haydn, vem como evocação pura. A Natureza “fala” pelas vozes da orquestra. Ouve-se o ondulado caminho
das águas — num estilo que lembra Bach, que não seria de estranhar se o bach, riacho, usado no descritivo
subtítulo do movimento, não fosse uma descarada homenagem ao grande compositor (embora eu nunca tenha
lido nenhuma referência a esse respeito em nenhum dos biógrafos ou comentaristas clássicos).
A partir daqui, as próximas 3 partes são tocadas sem interrupção, como um único grande movimento.

III. Lustiges Zusammensein der Landleute ou A alegre reunião dos camponeses, em Allegro. Cumprindo as funções
de Scherzo, lembra canções populares, os sentimentos mais simples, a alegria da gente mais genuína e
desarmada. De repente instala-se um clima de suspense e algo se anuncia...

IV. Gewitter, Sturm ou simplesmente Tempestade, em Allegro. Com um ímpeto somente comparável a momentos
da sua irmã bi-vitelina Quinta, essa Tempestade excede a expectativa por uma tradução musical dessa força da
Natureza. Os ventos, os raios e trovões, o temor despertado, está tudo ali. Aos poucos a chuva vai dissipando-se e
pode-se ouvir os pingos últimos, que gotejam das folhas altas. Aos poucos, a tormenta saiu de cena e vai dando
lugar à música do final.

V. Hirtengesang — Frohe und dankbare Gefühle nach dem Sturm ou Canto dos pastores — Sentimentos de alegria
e gratidão depois da tempestade, em Allegretto. Beethoven estabelece aprazível atmosfera, num dos finales mais
jubilosos e pacificadores já escritos. A alegria dos pastores e seu “hino em ação de graças” pelo fim da
tempestade é de força inconteste, ao mesmo tempo doce, expressão de felicidade e grandiosidade. Aqui pode se
sentir ainda mais o contraste desta com a Sinfonia criada ao mesmo tempo, a Quinta, de final tão contundente e
vencedor. Na “Pastoral”, o sentimento também será de vitória, mas num cântico mais envolvente, bem menos
conflituoso. Beethoven faz nascer o sol, dentro de cada um que ouve essa obra; faz-nos lembrar que somos parte
da Natureza, tocando-nos no ponto mais essencial a essa compreensão: o sentimento.

Colado de <http://guiadosclassicos.blogspot.com.br/2013/05/1808-beethoven-sinfonia-n-6-pastoral.html>
Antonin Dvořák (1841 – 1904) - Sinfonia Nº 9, “Novo Mundo”
Compositor de origem tcheca, Dvořák é outro nome bastante expressivo do romantismo, com forte tendência
nacionalista. Em suas obras encontramos várias citações de melodias da Morávia, Boêmia e de demais regiões da
República Tcheca. As Danças Eslavas para piano a quatro mãos são algumas das obras mais significativas do
repertório de Dvořák, especialmente pelo forte teor nacionalista expressado pelas melodias folclóricas e pelos
ritmos das danças típicas. São equivalentes às Danças Húngaras de Brahms (1833 – 1897), compositor alemão e
um dos pilares do romantismo tardio, cuja obra citada também reflete o mesmo espírito nacionalista.
Em meados de 1892, Dvořák esteve a trabalho nos Estados Unidos, e desse contato resultou sua sinfonia mais
famosa, a de número 9, ou como é popularmente conhecida: Sinfonia do Novo Mundo. Assim que pisou em solo
americano, Dvořák ficou deslumbrado com o novo mundo que se erguia à sua frente, com a nova cultura e os
novos sons e ritmos que ecoavam pelas ruas do até então desconhecido ambiente. Esses aspectos influenciaram
diretamente na sonoridade de sua sinfonia e foram os responsáveis pelo americanismo perceptível na obra.
Porém, ao ouvirmos a sinfonia, também notamos certa insistência por parte das melodias de canções eslavas
querendo ora sobrepor, ora se envolver com o espírito americano ali presente. Isso pode ser reflexo da saudade
que acometia o compositor ao se lembrar de sua terra natal durante a viagem aos Estados Unidos, ao mesmo
tempo em que se apaixonava pelo novo mundo que, aos poucos, ia conhecendo. Boa parte da narrativa
dramática da obra é proveniente do embate entre o deslumbre do novo mundo e a saudade da terra natal, onde
ora o êxtase dá lugar à nostalgia, ora se sobrepõe ou funde-se a ela, refletindo um diálogo íntimo do próprio
compositor diante de tal situação.

Dario Rodrigues Silva

Colado de <http://www.sinfonicaderibeirao.com.br/pagina_extra.php?id=97>

----------

A música de Dvorak, além de sedutora, possui harmonias e melodias tão memoráveis que chega a ser quase
impossível assistir um concerto dele e não sair cantando o tema principal da obra. A sinfonia n.9 "Do novo
Mundo" não é nenhuma exceção e pode ser considerada como uma das maiores e mais populares obras
sinfônicas já escritas.

Sempre que algum amigo que começa a se interessar por música erudita me pergunta "O que seria legal eu
ouvir"? A primeira coisa que me vem à cabeça não é, de maneira alguma, a 5ª de Beethoven ou o Lago dos Cisneis
de Tchaikovsky, e sim a Sinfonia n.9 de Dvorak.

A meu ver, a Sinfonia "Do novo Mundo" é tão completa que consegue representar a pureza, simplicidade e
grandiosidade do ser humano em seus quatro maravilhosos movimentos. Ela é inspirada na música dos índios
americanos e também na literatura americana (velhas lendas americanas nativas do poema épico de Longfellow
"A Canção de Hiawatha.)

Ela foi composta em 1893, na estadia de dois anos e meio do compositor nos EUA como diretor do Conservatório
Nacional de Nova Iorque e foi executada pela primeira vez em 1895 pela Orquestra Filarmônica de Nova Iorque
no Carnegie Hall. Tanto nas apresentações em Nova Iorque quanto em Boston e em Vienna, o fim do 2º e 4º
movimento foi marcado pelo entusiasmo do público, que foi a loucuras e ovacionou o compositor. Ele mesmo diz
em uma de suas cartas à seu editor em Berlim:

"O sucesso da Sinfonia foi magnífica! Os jornais dizem que nunca um compositorr teve tamanho triunfo [...] o
público aplaudiu tanto que me senti como um rei em meu camarote"

-O Significado do título "Do novo Mundo"


Como Dvorak sempre foi um compositor muito nacionalista e ligado ao seu país, é bem provável que esse título
represente a Sinfonia como uma espécie de mensagem que Dvorak mandou DO novo mundo (Eua) para sua terra
Natal (Rep. Tcheca), contando suas impressões e experiências nessa nova terra.

-A verdadeira origem dos temas da Sinfonia n.9 "Do novo Mundo"


Na nota de programa do concerto de estréia da Sinfonia, estava escrito que "Em sua chegada á America, Dvorak
sentiu-se profundamente impressionado pelas condições e espírito desse país [...] Percebeu que as obras que
criava eram essencialmente diferentes das que havia composto em seu país natal. Estavam claramente
influenciadas pelas novas circunstâncias e pela vida nova."

Apesar de muitos afirmarem que a Sinfonia é composta por temas afro-americanos e de índios, o compositor
deixou claro em uma de suas entrevistas, a verdadeira origem dos temas:

“Eu acredito que a música dos afro-americanos e índios são praticamente idênticas. De qualquer maneira, eu
estudei cuidadosamente um certo número de melodias dos índios que um amigo me mostrou e aos poucos fui
entrando no espírito da música. É esse espírito o qual eu tentei reproduzir na minha sinfonia. Na verdade, eu não
usei nenhuma dessas melodias, eu simplesmente escrevi temas originais usando a peculiaridade da música dos
índios como base, e os desenvolvi por meio de todos os recursos do ritmo, da harmonia, do contraponto e das
cores da orquestra moderna."

É interessante lembrar que a relação entre o "povo branco" e o índio nunca foi das melhores. Seja no Brasil, ou
seja na América do Norte, os índios chegaram a ser explorados, enganados, massacrados e sua cultura quase
"destruída". A expansão americana ainda aumentou muito depois de 1840 (devido à modernização do transporte)
e a diferença entre os costumes do branco e o índio eram cada vez mais evidentes.

Apesar de existir um pequeno preconceito contra índios e afro americanos no fim do sec XIX , o compositor, como
um fervoroso nacionalista, muitas vezes encorajava seus alunos americanos a se inspirar com a música indígena e
com a literatura americana, para que eles conseguissem cultivar uma música bem particular e Nacionalista (é
importante reforçar que Dvorak sempre foi muito “original” em suas composições e até nas suas obras mais
folclóricas ele fazia questão de criar melodias totalmente de sua autoria, porém usando aquele “espírito”
folclórico.)

Acho maravilhoso o compositor "reviver" um pouco da cultura (música) indígena no fim do sec. XIX e fazer com
que a sua sinfonia (uma mistura do espírito indígena, negro, americano e Tcheco) fosse apreciada por toda a
eternidade.

Chega até a ser engraçado se pararmos para pensar que na estreia da obra, a elite americana (sim, aquela mesma
que pode ter explorado os índios ou até mesmo escravos negros nas décadas passadas) aplaudiram de pé e
ovacionaram uma composição, que tinha como base essa cultura pura e genial dos indígenas e afro-americanos!!
(Meu deus, essa obra pode até ser considerada como um incrível apelo contra o preconceito)

Abraço a todos,

John Blanch

Colado de <http://concertosincero.blogspot.com.br/2009/09/nova-visao-dvorak-e-sinfonia-n9-do-novo.html>

----------

Você também pode gostar