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UNIEURO CENTRO UNIVERSITÁRIO

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

CURSO DE DIREITO

AGNES HEMSING LIMA REIS

ARBITRAGEM NO DIREITO TRABALHISTA E SUA RESTRIÇÃO


QUANTO AOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DO TRABALHO

Brasília

2012
1

AGNES HEMSING LIMA REIS

ARBITRAGEM NO DIREITO TRABALHISTA E SUA RESTRIÇÃO


QUANTO AOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DO TRABALHO

Monografia apresentada à banca


examinadora do Centro Universitário
Unieuro, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Almir Francisco
Gomes Filho

BRASÍLIA

2012
2

AGNES HEMSING LIMA REIS

ARBITRAGEM NO DIREITO TRABALHISTA E SUA RESTRIÇÃO QUANTO AOS


CONFLITOS INDIVIDUAIS DO TRABALHO

Monografia apresentada à banca


examinadora do Centro Universitário
Unieuro, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Almir Francisco
Gomes Filho

Aprovado em: ____ / ____ / ____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

Prof. Almir Francisco Gomes Filho

_____________________________________

Prof. Adelino Silva Neto


3

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos que me ajudaram,


direta ou indiretamente, na sua realização, em
especial a meu marido, Márcio Rodrigo Guerra
Reis, pela compreensão e estímulo dedicados, ao
longo de todos esses anos, a mim.
4

AGRADECIMENTOS

A Deus, por todas as bênçãos recebidas ao longo desse caminho, por


ter colocado pessoas maravilhosas em minha vida, que de alguma forma
contribuíram para formação do meu caráter e conhecimentos.
Aos amigos que me acompanharam em cada momento dessa jornada.
Aos meus pais, irmãs, marido, filha e sogra que, com muito carinho e
apoio, não mediram esforços para que eu chegasse ao final desta etapa de minha
vida.
A todos que sempre acreditaram que esse sonho era possível.
Ao meu orientador Almir Filho que, com muito carinho e dedicação, me
ajudou nessa caminhada.
5

RESUMO

Este trabalho tem como escopo uma explanação, de forma geral e


simplificada, do que vem a ser a arbitragem aplicada ao Direito Trabalhista
brasileiro. Para tanto, são abordados seu histórico, sua natureza jurídica e suas
classificações. Além disso, são elencadas opiniões doutrinárias acerca de sua
legalidade perante a Constituição Federal de 1988. Tem por objetivo mostrar ao
leitor que a jurisdição das decisões contratuais não fica a cargo, exclusivamente, do
Poder Judiciário. Busca-se demonstrar, que, quando desejado e acordado entre as
partes, pode ser utilizada uma forma alternativa como a arbitragem para dirimir
conflitos. Nesse contexto, são enfatizadas as vantagens da utilização dessa via, bem
como algumas de suas desvantagens. O trabalho foi desenvolvido com base em
extensa pesquisa doutrinária e jurisprudencial. Como resultado tem-se a
recomendação da adoção do instituto da arbitragem para a solução de litígios
trabalhistas, em especial quando se tratarem de causas coletivas. Quanto aos
litígios individuais, a questão não foi pacificada pela jurisprudência.
Palavras-chave: Arbitragem. Direito Trabalhista. Solução de conflitos. Forma
alternativa e voluntária.
6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 7
1 O DIREITO TRABALHISTA E SEUS CONFLITOS ..................................................... 8
1.1 JURISDIÇÃO ESTATAL E O PODER JUDICIÁRIO .................................................... 8
1.2 RELAÇÃO DE EMPREGO E RELAÇÃO DE TRABALHO ........................................... 9
1.3 CONFLITOS DO TRABALHO ................................................................................... 11
1.4 FORMAS DE SOLUÇÕES DE CONFLITOS TRABALHISTAS.................................. 12
1.4.1 Autotutela .................................................................................................................. 13
1.4.2 Autocomposição........................................................................................................ 13
1.4.3 Heterocomposição .................................................................................................... 15
2 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA ARBITRAGEM ........................................ 17
2.1 HISTÓRICO DA ARBITRAGEM ................................................................................ 17
2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS.......................................................................... 21
2.3 NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM ............................................................... 24
2.4 CLASSIFICAÇÃO DA ARBITRAGEM ....................................................................... 26
2.4.1 Quanto ao surgimento ............................................................................................... 26
2.4.2 Quanto à obrigatoriedade.......................................................................................... 27
2.4.3 Quanto à forma de aplicação .................................................................................... 28
2.4.4 Quanto ao espaço ..................................................................................................... 28
2.5 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA VIA ARBITRAL ............................................ 29
3 A ARBITRAGEM APLICADA AO DIREITO TRABALHISTA ...................................... 32
3.1 A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE ARBITRAGEM .......................................... 32
3.2 A ARBITRAGEM E A INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS........ 33
3.3 A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS COLETIVOS DO TRABALHO .......................... 34
3.4 A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DO TRABALHO ......................... 36
3.4.1 A proibição do uso da arbitragem pelo Tribunal Superior do Trabalho ...................... 37
3.4.2 Artigo 114 da Constituição Federal ........................................................................... 39
3.4.3 Disposições na CLT .................................................................................................. 39
3.4.4 A renúncia aos direitos trabalhistas ........................................................................... 40
CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 42
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 45
7

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo debater sobre a utilização do


instituto da arbitragem no Direito Trabalhista e sua restrição quanto aos conflitos
individuais do trabalho.
Buscando uma estruturação mais didática, optou-se por sua divisão em
três grandes seções. Inicialmente são apresentados conceitos básicos necessários à
correta compreensão do que seja o instituto da arbitragem. Para tanto, discorre-se
sobre as características da jurisdição estatal, as diferenças entre relação de
emprego e de trabalho, o que são conflitos do trabalho e quais as formas existentes
para solucioná-los.
Na sequência, a segunda seção trata da arbitragem propriamente dita.
Aqui o leitor tem a possibilidade de conhecer o histórico da arbitragem, uma forma
de solução de conflitos adotada antes mesmo da instituição jurisdicional estatal.
Além de conhecer seus conceitos e características, bem como sua natureza jurídica.
Ainda no escopo da segunda seção, são abordadas as diversas
classificações doutrinárias da arbitragem – quanto ao surgimento, obrigatoriedade,
forma de aplicação e espaço. Além disso, como ponto de maior destaque nesse
capítulo, são elencadas as vantagens e desvantagens da utilização da via arbitral
para a solução de litígios.
Por fim, a terceira seção apresenta o cerne desse trabalho, a aplicação
da arbitragem no campo do direito trabalhista brasileiro. Sem maiores divergências
são demonstrados argumentos que não só permitem, mas também recomendam,
sua utilização na solução de causas coletivas. Por outro lado, busca-se demonstrar
a indefinição – doutrinária e jurisprudencial – quanto sua utilização em causas
individuais.
8

1 O DIREITO TRABALHISTA E SEUS CONFLITOS

1.1 JURISDIÇÃO ESTATAL E O PODER JUDICIÁRIO

A Constituição da República Federativa do Brasil afirma que o Estado é


o responsável em garantir uma sociedade livre, justa e solidaria em defesa da paz,
da liberdade, da segurança, da igualdade e da justiça. Para ajudá-lo nessa tarefa,
foram estabelecidos três poderes independentes e harmônicos entre si, Legislativo,
Executivo e Judiciário.
O Legislativo tem como função principal criar as normas. O Executivo,
como já diz seu próprio nome, é o responsável em executar as normas criadas pelo
Legislativo. Por fim, o Judiciário tem como função principal garantir a aplicação e a
efetivação das leis ao caso concreto, com agilidade, efetividade e igualdade a todos.
No entanto, hoje em dia se questiona muito sobre a capacidade que o
Estado tem para atender as demandas judiciárias. É sabido, todavia, que o
Judiciário tornou-se impotente na realização de seus feitos, perdendo a eficácia e a
agilidade diante de tantas demandas. As vias judiciais estão entrando em colapso, e
o monopólio estatal piora ainda mais essa situação. Cria-se com isso uma crise,
pois, todos os dias, milhões de processos abarrotam os tribunais, transformando em
angústia os anseios de seus jurisdicionados, que esperam durante anos a solução
de simples conflitos.
Por conta da morosidade judiciária, muitas pessoas desistem de ter
seus direitos reconhecidos. Mesmo que haja uma informatização judicial ou até
mesmo um aumento do quadro de servidores desse poder, ainda sim, essas ações
não serão suficientes para atender, de forma eficiente, como determina nossa Carta
Magna, tudo que é demandado ao Judiciário. Em meio a esse contexto, o Estado
tem buscado meios alternativos para dotar a função jurisdicional de maior agilidade
e eficiência, de modo que o poder em comento não caia em descrédito e sem a
necessidade da edição de novas leis.
No intuito de corroborar o presente entendimento, lança-se âncoras ao
posicionamento exposto pela eminente doutrinadora Paula Carajelescov, adiante
transcrito.
9

Nesse contexto, LOURENO (1998.p.94) citado por CARAJELESCOV (2010.


p.23) ao comentar que o poder judiciário jamais foi com tal intensidade
solicitado como os dias atuais, afirma que o incremento no número de
delitos em razão da injustiça social e a complexidade das novas relações
sociais tem contribuído para a generalização dos conflitos e em,
consequência, para o transbordamento da justiça, instituição formal e
tradicional que não acompanha no ritmo desejado a evolução nas
sociedades. E por isso gera uma crise de confiança na população com
relação ao judiciário, o que, todavia, não é ignorado pelos magistrados, que
são os primeiros a desejar a alteração dessa situação para que possam
melhor cumprir suas missões sociais, destacando-se entre as soluções
apontadas nos meios jurídicos, a referente às formas alternativas de
1
solução de conflitos.

1.2 RELAÇÃO DE EMPREGO E RELAÇÃO DE TRABALHO

Praticamente todos os seres humanos precisam trabalhar para se


sustentarem. Porém, nem todos se encontram sob a égide das leis trabalhistas.
Nas relações de trabalho ocorrem, com muita frequência, conflitos que,
na maioria das vezes, só são resolvidos por via judicial. No entanto, existem
algumas distinções relevantes entre relação de emprego e relação de trabalho.
Quando se fala em relação de trabalho, se discute um vinculo amplo
com caráter genérico, que engloba todas as relações jurídicas laborais humanas
nelas existentes, que tem por objetivo uma obrigação de fazer. Ou seja, há um labor
humano pactuado.
A relação de emprego é uma das espécies que estão dentro do
universo da relação de trabalho, que é o gênero. São também espécies do gênero a
relação de trabalho, o trabalho autônomo, o trabalho avulso, o trabalho eventual, etc.
Quanto à relação de emprego, a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) não é explicita quanto a sua conceituação. Todavia, com base na definição de
empregado, disposta no art. 3º da referida lei – “Considera-se empregado toda
pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário” – é possível estabelecer um conceito para
relação de emprego. Dessa forma, podemos conceituá-la como a prestação de

1
CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho.
Curitiba:Juruá, 2010. P. 23.
10

serviço contínua, duradoura e remunerada, onde o empregado é subordinado ao


empregador.
Não obstante, relação de emprego é considerada, pelo ponto de vista
econômico-social, como uma das mais importantes espécies, pois em torno dela foi
construído o Direito do Trabalho.
Com observância aos artigos 2º e 3º da CLT, consegue-se identificar a
diferença entre empregado e empregador, ponto este muito importante para a
caracterização da relação de emprego:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste, e mediante
salário.

Para que um trabalhador urbano ou rural seja considerado empregado,


é essencial o preenchimento de cinco requisitos específicos:
a) Pessoa física: a CLT exige que para ser caracterizado como empregado a
pessoa tem que ser de natureza física ou natural.
b) Natureza não eventual: a atividade exercida pelo trabalhador tem que ter
uma natureza de continuidade e de caráter permanente, ou seja, o
trabalhador não pode ser eventual.
c) Pessoalidade: a relação de emprego tem caráter personalíssimo da
relação (intuitu personae). O trabalhador por ser pessoa física, não pode
fazer-se substituir por um terceiro, pois, ele foi escolhido para fazer o
serviço e essa obrigação é intransferível.
d) Subordinação: é o estado de obediência, de dependência e de sujeição às
regras impostas pelo empregador. Há uma hierarquia em face do poder,
um manda e o outro obedece.
e) Onerosidade: não há contrato de trabalho gratuito. Em todo contrato de
trabalho tem que haver uma contraprestação, seja ela em pecúnia ou
utilidade. São requisitos necessários para caracterização da relação de
emprego.
11

Segundo Vólia Bomfim, “empregado é toda pessoa física que preste


serviço a empregador (pessoa física ou jurídica) de forma não eventual, com
subordinação jurídica, mediante salário sem correr os riscos do negócio”.2
Presentes esses cinco requisitos, resta caracterizada a relação de
emprego. Diante da falta de algum desses elementos, é possível afirmar que se trata
apenas de uma relação de trabalho, que não é regida pelas leis trabalhistas que
regulam a relação de emprego.
Para Mauricio Godinho Delgado:
A caracterização da relação empregatícia é, portanto, procedimento
essencial ao direito do trabalho, á medida em que propiciará o encontro da
relação jurídica básica que deu origem e assegura desenvolvimento aos
princípios, regras e institutos jus trabalhistas e que é regulada por esse
ramo jurídico especial. É procedimento com reflexos no próprio Direito
processual do trabalho, uma vez que este abrange, essencialmente, as lides
principais e conexas em torno da relação de emprego.
3

1.3 CONFLITOS DO TRABALHO

Dentre os vários tipos de ações judiciais, uma das mais expressivas em


termos quantitativos é a trabalhista, que é aquela que surge para resolver os
chamados conflitos laborais.
Existem algumas distinções relevantes sobre conflitos trabalhistas.
Alguns doutrinadores vêm equivocadamente generalizando o significado dessas três
palavras: dissídio, conflito e controvérsia. Entretanto, tratam-se de palavras distintas,
cada uma com sua importância e significado.
Nascimento, citado por Paula Carajelescov, as distingue da seguinte
forma:
Conflito seria uma oposição de interesses verificada numa relação que
envolva duas ou mais pessoas; controvérsia seria um conflito sendo
encaminhado a uma solução, que pode ser tanto judicial quanto
extrajudicial, e dissídio, por sua vez, seria apenas o procedimento judicial de
solução de um conflito.
4

2
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo:Impetus, 2008.p.261.
3
DELGADO, Maurício Goldinho. Curso do Direito do Trabalho. São Paulo:LTr, 2008. P. 287.
4
CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho.
Curitiba:Juruá, 2010. P. 27.
12

Conflitos: são discordâncias de opiniões ou pretensões resistidas que


surgem das diferentes necessidades existentes entre empregados e empregadores.
Podem ser individuais ou coletivas. De uma maneira geral, os conflitos são vistos de
forma positiva, pois fazem parte da evolução humana, sendo até mesmo
necessários para um bom desenvolvimento da relação entre empregados e
empregadores.
Controvérsias: são debates e contestações feitas para que o conflito
chegue ao fim. Na verdade, é um conflito em sua fase de solução.
Dissídios: são ações ou reclamações trabalhistas que pleiteiam
interesses dos trabalhadores, com a finalidade de dirimir os conflitos trabalhistas.
Então pode-se dizer que o dissídio é uma espécie de conflito que foi interposto junto
ao Judiciário para apreciação.
É fato que os conflitos trabalhistas estão se modificando, a realidade
sócio-econômica vivida favorece que esses embates se intensifiquem cada vez
mais. As transformações sociais e econômicas trouxeram à tona um mercado livre,
competitivo, exigente e individualista de pessoas que sabem de seus direitos e
querem tê-los reconhecidos. Entretanto, a legislação não tem acompanhado essas
transformações, pois é antiga e se torna cada vez mais atrasada, não havendo
perspectivas de renovação, piorando ainda mais a solução dos conflitos trabalhistas.

1.4 FORMAS DE SOLUÇÕES DE CONFLITOS TRABALHISTAS

Conflitos existem desde que o homem passou a habitar a terra. Os


registros mais antigos sobre a humanidade mostram embates das mais diversas
formas, em que o homem sempre busca garantir o que é seu, melhorando seu meio.
E, com base nessas disputas, tanto sociais quanto econômicas, a vida humana se
desenvolveu, moldando-se conforme a necessidade de cada tempo. Na área
trabalhista não foi diferente. Houve significativas mudanças marcadas por
revoluções que buscavam garantir direitos e condições favoráveis aos
trabalhadores.
Hoje em dia os conflitos podem ser divididos em individuais e coletivos.
Os individuais surgem de interesses próprios de pessoas determinadas que
13

encontram suas pretensões resistidas. Os coletivos representam a divergência de


uma massa de trabalhadores indeterminados, onde todos estão em defesa de
direitos coletivos, ou seja, dados a todos, independente de divergir ou não.
Basicamente, os meios de soluções de conflitos se dividem em três
grupos: autotutela, autocomposição, heterocomposição.

1.4.1 Autotutela

Segundo Mauricio Godinho Delgado, a autotutela:


Ocorre quando o próprio sujeito busca afirmar, unilateralmente, seu
interesse, impondo-se à parte contestante e à própria comunidade que o
cerca, permitindo de certo modo, o exercício de coerção por um particular,
em defesa de seus interesses. É definida como crime, seja quando
praticada pelo particular (‘exercício arbitrário das próprias razões’, art.345
CP), seja pelo próprio Estado (‘exercício arbitrário ou abuso de poder’,
art.350 CP).
5

Como exposto acima, hoje em dia a autotutela é proibida, mas, em


alguns casos específicos em lei, ainda é utilizada. O direito de greve é um dos
principais institutos representativos da autotutela no direito do trabalho. Mauricio
Godinho Delgado diz que:
No direito do trabalho a greve constituiria importante exemplo da utilização
da autotutela na dinâmica de soluções de conflitos coletivos trabalhistas,
embora se reconheça que raramente, ela completa seu ciclo autotutelar,
impondo à contraparte toda a solução do conflito. Pois o que ocorre de
forma geral, é que funciona como simples meio de pressão, visando ao
alcance de mais favoráveis resultados na dinâmica negocial coletiva em
andamento ou a se iniciar.
6

1.4.2 Autocomposição

Ocorre quando as partes, em conjunto, encontram uma solução,


estando elas auxiliadas por um terceiro (estranho à lide) ou não. Não existe uma
imposição feita a uma das partes, como na autotutela, e sim um consenso entre elas

5
DELGADO, Maurício Goldinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. P. 1.444.
6
DELGADO, Maurício Goldinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. P. 1.444-1.445.
14

para a solução de um conflito. São exemplos de modalidades de autocomposição: a


conciliação (extrajudicial) e a mediação.

1.4.2.1 Conciliação (extrajudicial)

É um meio de solução de conflitos onde as partes são conduzidas e


aconselhadas por um conciliador que é um terceiro estranho à lide, escolhido pelos
interessados ou indicado por um terceiro para dirimir conflitos sem ter que buscar as
vias judiciais. Ele age de forma imparcial, ajudando a localizar o ponto controverso
da demanda até que as partes entrem em acordo de forma satisfatória e consensual.
O conciliador não entra no mérito da lide, ele não propõe soluções.
O conciliador coloca-se como coadjuvante das partes, assumindo papel
passivo, já que apenas incentiva as partes à composição do litígio,
aproximando os pontos de vista, aconselhando-as sobre as vantagens da
conciliação, mas sem entrar nas questões de mérito da lide.
7

1.4.2.2 Mediação

Também é uma forma de solução extrajudicial de conflitos. Nesse


caso, o mediador é um terceiro à lide, que tem por objetivo aproximar as partes para
a realização de acordos. Ao contrário do conciliador, o mediador entra nas questões
de mérito buscando o ponto controvertido. Tem a prerrogativa de formular propostas
que serão apresentadas às partes, ficando a critério dessas aceitar ou não.
Fregapani, citado por Carajelescov, conceitua que:
O mediador é o terceiro, imparcial e estranho à lide, que, com sua
capacidade de comunicação, utilizando métodos e formas de negociação,
busca um denominador comum entre as partes, com vista a aceleração de
um acordo que satisfaça ambos e termine a disputa. A principal atribuição
do mediador e a de facilitador, devendo propiciar às partes as condições
necessárias e suficientes a fim de que possam atingir a melhor solução para
o litígio que as envolve.
[...]
Na mediação, o terceiro mediador intervem quando os recursos das partes,
em termos de conhecimento, de persuasão e, em alguns casos, de violência
econômica não conseguiram chegar a uma solução, cabendo-lhe, então,

7
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Impetus, 2008.p 1277.
15

apresentar algo novo ou diferente às muitas possibilidades levadas em


conta pelas próprias partes, podendo estimular ou mesmo ajudar os
próprios interessados para que façam ofertas e propostas com base para
chegar a um acordo. Em suma, o mediador age como um elemento
catalisador, que acelera a composição.
8

Segundo Vólia Bomfim Cassar,


[...] a diferença entre o conciliador e o mediador está na forma de agir. O
conciliador é agente passivo na relação que está interferindo. Enquanto o
mediador pode opinar e propor soluções. È, pois, agente ativo sem,
contudo, ter poder de coação ou de coerção sobre as partes na tomada de
decisão. De acordo com esse raciocinio, o mediador pode propor soluções,
adentrar no mérito da lide.
9

1.4.3 Heterocomposição

Mauricio Godinho Delgado define heterocomposição como:


A heterocomposição ocorre quando o conflito é solucionado através da
intervenção de um agente exterior à relação conflituosa original. As partes
submetem a terceiro seu conflito, em busca de solução as ser por ele
firmada.
10

São exemplos dessa modalidade a solução jurisdicional, que é a forma


tradicional de solução de conflitos, imposta pelo Estado, por meio do Judiciário; e a
arbitragem.
Arbitragem é uma forma heterocompositiva de solução de litígios. As
partes delegam a um terceiro de confiança, e livremente indicados por elas, a
solução desses embates. Ocorre a subordinação voluntária de forma privada para
dirimir conflitos patrimoniais disponíveis sem ter que recorrer ao judiciário. Não há
intervenção direta do Estado no instituto da Arbitragem. Poderão, ainda, as partes
convencionarem livremente as regras de direito a serem aplicadas, desde que sejam
com base nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes, conforme preconiza
o § 2º, do art. 2º, da lei 9.307/96. Destaca-se também que a sentença arbitral, uma
vez proferida, não poderá ser recorrida, pois equipa-se à sentença judicial, sendo
desconstituída apenas por ação anulatória, conforme reza o art. 33 da lei 9.307/96.

8
CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho.
Curitiba:Juruá, 2010. P. 45.
9
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Impetus, 2008.p. 1278.
10
DELGADO, Maurício Goldinho. Curso do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. P. 1446.
16

Cabe ressaltar que esse agrupamento das soluções de controvérsia


em três grandes modalidades (autotutela, autocomposição e heterocomposição) não
é consensual na doutrina. Alguns doutrinadores, dentre eles a advogada Paula
Corina Santone Carajelescov, entendem que só existem duas modalidades, a
autocomposição e a heterocomposição, sendo a autotutela proibida no ordenamento
jurídico.
Outra distinção doutrinária é relacionada às modalidades de
autocomposição e heterocomposição. Alguns doutrinadores, como Mauricio Godinho
Delgado, propõem que a mediação e, de certo modo, a conciliação são também
meios heterocompositivos, pois as partes buscam um terceiro para ajudar a dirimir
seus conflitos.
17

2 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA ARBITRAGEM

2.1 HISTÓRICO DA ARBITRAGEM

“Não há pois, entre vós sábios, nem mesmo um, que possa
julgar entre seus irmãos?” 1.coríntios 6:5
Passagem bíblica Citada por Marcio Yoshida em seu livro, onde Jesus
Cristo incentiva os primeiros cristãos a submeterem suas disputas ao julgamento de
seus pares em detrimento dos magistrados romanos.11
Nesse mesmo livro, Platão (De Legibus. Livros 6-12) citado por Marcio
Yoshida, demonstra que, em tempos ainda mais remotos, existia a presença da
arbitragem:
Que os primeiros juízes sejam aqueles que o demandante e o demandado
tenham elegido, a quem o nome de árbitros convém mais que o de juízes;
que o mais sagrado dos tribunais (kyriotaton) seja aquele que as partes
mesmas tenham criado e eleito de comum acordo.
12

Fiusa, citado por Morgado, conceitua arbitragem “como meio de


solução de conflitos, é muito anterior à jurisdição estatal, figurando como a primeira
forma heterônoma de solução de conflito entre os homens. Os juízes da história
nada mais foram que árbitros”.13
Morgado, compartilhando ensinamento de José Cretella, explica que:
A origem da arbitragem estaria ligada à mitologia grega, mais precisamente
a uma disputa travada entre Atena, Hera e Afrodite, em torno de uma maçã
de ouro destinada pelos Deuses à mais bela. A função de árbitro teria sido
desempenhada por Paris que, subordinado por Afrodite, que prometera em
troca o amor de Helena, decidiu a seu favor, vindo depois a sequestrar
14
Helena, dando origem à Guerra de Troia.

Na antiguidade, as partes resolviam seus conflitos pelas próprias mãos,


ou seja, por elas mesmas, e a lei do mais forte prevalecia. Dava-se o nome de
autotutela.

11
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos
laborais.São Paulo:LTr, 2006. P. 18.
12
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos
laborais.São Paulo:LTr, 2006. P. 18.
13
MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos conflitos de Trabalho. São Paulo:LTr,1998. P. 24.
14
MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos conflitos de Trabalho. São Paulo:LTr,1998. P. 24.
18

Com o passar dos anos surgiu a necessidade de se buscar um meio


que fosse capaz de resolver os conflitos de forma pacífica, consensual e justa para
as partes. Foi a partir daí que entendeu-se a necessidade de buscar uma terceira
pessoa alheia ao conflito e que não tivesse interesse na causa para solucioná-la.
Surgiu assim a arbitragem.
No início, quem exercia esse papel de árbitro eram os sacerdotes, pois
acreditavam que eles eram pessoas santas, corretas, que tinham uma ligação direta
com as divindades e que suas vontades exprimiam os desejos vontades dos
Deuses. Posteriormente, a arbitragem passou a ser exercida pelos anciãos, pois
eram pessoas que já tinham uma certa vivência e sabedoria e que conheciam os
costumes. Sendo então as pessoas mais indicadas para dar uma solução justa a
todos.
O instituto da arbitragem se demonstra bem difundido no Direito
Romano, pois foi recepcionada amplamente pela maioria dos países da Europa e da
América latina. Vigorou em Roma antiga durante muito tempo, até o surgimento do
sistema processual legis actiones (ações da lei), período que vai de 754 a.C. até o
ano 149 a.C., que dava cumprimento a rituais rígidos, formalistas e legalistas
perante a um juiz. Logo em seguida surgiu o sistema processual per formulas
(período formulário), que vai do ano 149 a. C. até o século III da Era Cristã. Dava
poder ao julgador para decidir por equidade e aboliu as formalidades impostas pelo
legis actiones. Foi aos poucos se tornando o único sistema processual.
Esses sistemas possuíam regras especiais. Ambos apresentavam o
mesmo esquema procedimental, e eram compostos de duas fases: in iure e in
iuditio. A primeira fase, também chamada de in iure, desenvolve-se perante o pretor
(magistrado da Roma antiga), que autorizava ou não a ação. A segunda fase,
também chamada de in iuditio, ocorria perante o árbitro (um particular, sem ligação
alguma com o Estado) que, com base nas oitivas e a demonstração de provas pelas
partes, proferia sua sentença. Na fase per formulas todo o procedimento era feito de
forma oral, com exceção da fórmula que era escrita. As fórmulas eram uma espécie
de termos jurídicos resumindo a lide.
Um outro sistema utilizado, entre os anos 200 e 565 da era Cristã, foi o
sistema processual cognitio extraodinaria. Passou a ser adotado em todos os
conflitos até a total substituição do processo per formulas. Nesse período surgiram
os primeiros históricos da jurisdição estatal, se familiarizando com o processo judicial
19

moderno, onde a função jurisdicional passa a pertencer exclusivamente ao Estado e


se estabelece um único juiz para a causa, além de procedimentos escritos.
Paulatinamente, o poder do Estado sobre as relações particulares foi
se tornando público e absoluto. E, diante desse contexto, a arbitragem foi perdendo
sua força. Mas a arbitragem não desapareceu, pois as partes ainda continuaram,
através da celebração de um compromisso, a colocar seus conflitos à apreciação de
um árbitro particular.
As Ordenações Filipinas formam a base do sistema jurídico brasileiro.
A estrutura judiciária do Brasil colônia estava resumida nos poderes absolutos dos
donatários das capitanias hereditárias, incluindo os judiciais e policiais.15
Com a chegada de Tomé de Sousa, a administração judiciária ganhou
força e, aos poucos, os juízes foram se instalando em suas comarcas. Na medida
em que ia ocorrendo a colonização, o arcabouço judiciário ia se aperfeiçoando. O
Rei era o detentor da administração judiciária na justiça portuguesa. Aos juízes era
incumbido representar o Rei julgando os casos que lhe eram apresentados. Como
no modelo judiciário português, foi inserido no Brasil a figura do juiz da terra ou juiz
ordinário, escolhido na própria comunidade entre seus pares para julgar leis
especificas locais, e juízes de fora, bacharéis com saberes jurídicos que serviam
para garantir a aplicação das ordens do rei.
Marcio Yoshida demonstra em seu livro que no título XVI do terceiro
livro das Ordenações Filipinas, houve a regulamentação da arbitragem, com o
seguinte conteúdo:
Posto que as partes comprometam em algum juiz, ou juízes árbitros, e se
obriguem no compromisso star por sua determinação e sentença, e que
della não possam apellar, nem aggravar, e o que o contratio fizer pague à
outra parte certa pena, e ainda que no compromisso se diga, que paga a
pena, ou não paga, fique sempre a sentença dos árbitros firme e
valiosa;poderá a parte, que se sentir aggravada, sem embargo de tudo isto,
appelar de sua sentença para os superiores, sem pagar a dita pena; e se os
árbitros lhe denegarem a appelação façam-lha dar os juízes ordinários.
Porém, se os juízes da appelação confirmarem a sentença dos árbitros, de
que for appellado, pagará o appellante ao vencedor a pena conteúda no
compromisso, que não se pode escusar de a pagar , pois prometteu não vir
contra a sentença, e he achado que injustamente della appellou.
16

15
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos
laborais.São Paulo:LTr, 2006. P. 22-23.
16
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos
laborais.São Paulo:LTr, 2006. P.23.
20

Se as partes não concordassem com a solução dada pelo árbitro, elas


poderiam recorrer aos juízes ordinários (juízes da terra).
Havia, portanto, além dos juízes ordinários (juízes da terra) e dos juízes de
fora, os árbitros e os arbitradores, sendo estes últimos incumbidos de
resolver questões especificas que não envolvessem a interpretação da
matéria de Direito.
17

As Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil até após a proclamação


da independência, sendo a arbitragem disciplinada no Título XVI, do Livro II, sob o
título “Dos Juízes Árbitros”.
Logo após a proclamação da independência, no ano de 1824, nasceu a
primeira Constituição Brasileira, também chamada de Constituição Imperial. Foi
elaborada diante de um cenário conturbado, com a eclosão de diversos conflitos e
desentendimentos entre radicais e conservadores das assembleias constituintes. O
Imperador Dom Pedro I e o Conselho de Estado foram responsáveis pela
elaboração da Carta Magna, que foi outorgada no dia 25 de março de 1824. Nossa
Constituição Imperial instituiu varias mudanças, dentre elas a criação e a divisão dos
três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário; além da instituição de um quarto
poder, chamado Moderador, que tinha a competência de desfazer as decisões dos
outros poderes.
No campo da arbitragem, a Constituição Imperial, em seu art. 160,
trouxe a possibilidade das partes convencionarem a irrecorribilidade das sentenças
arbitrais:
Nas cíveis e penais civelmente intentadas, poderão as partes nomear juízes
árbitros. Suas sentenças serão executadas, poderão as partes nomear
juízes, se assim o convencionarem, as mesmas partes.

No art. 161 da mesma Constituição também é demonstrada a


atribuição da função conciliatória nos julgamentos, onde diz que “Sem se fazer
constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo
algum”. Trata-se de uma tentativa de utilização de um meio pacífico para resolver os
conflitos antes do processo judicial.
O Código Comercial promulgado pela Lei nº 556, de 25 de julho de
1850, instituiu a arbitragem obrigatória para determinados assuntos mercantis, como
é demonstrado nos seus artigos reproduzidos a seguir:

17
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. P. 24.
21

Art. 245 - Todas as questões que resultarem de contratos de locação


mercantil serão decididas em juízo arbitral.
[...]
Art. 294 - Todas as questões sociais que se suscitarem entre sócios durante
a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação ou partilha, serão
decididas em juízo arbitral.

Com o Regulamento nº 737 - editado no mesmo ano - foi retirada a


arbitragem obrigatória, revogando os artigos da Lei nº 556/1850. Esse mesmo
Regulamento passou a distinguir a arbitragem obrigatória da facultativa, em seu
Título VIII, Capítulo I, art. 411.
Art. 411. O Juízo arbitral ou é voluntario ou necessário:
§ 1º É voluntário, quando é instituído por compromisso das partes.
§ 2.º É necessário, nos casos dos arts. 245, 294, 348, 739, 783 e 846 do
Código Comercial, e em todos os mais, em que esta forma de Juízo é pelo
mesmo Código determinada.

Em 1867 entrou em vigor o Decreto nº 3.900, de 26 de julho, que


regulamentou o processo arbitral retirando por completo a validade da arbitragem
obrigatória. Já o Código Civil de 1916 trazia, na redação dos arts. 1.037 a 1.048, a
regulamentação da arbitragem voluntária:
Art. 1.037. As pessoa capazes de contratar poderão, em qualquer tempo,
louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros, que lhes resolvam as
pendências judiciais, ou extrajudiciais.

Por sua vez o Código de Processo Civil de 1939 regulamentou a


arbitragem em três capítulos, com 17 artigos, adotando a arbitragem em sua
modalidade facultativa. As partes poderiam colocar seus conflitos nas mãos de
árbitros, mediante compromisso, observados os requisitos em lei.
Só em 23 de setembro de 1996 a arbitragem ganhou um tratamento
jurídico especial, quando foi criada uma lei que cuidava especificamente do assunto.
A Lei de Arbitragem, nº 9.307, de 23/09/1996, que continua vigente até hoje, é
considerada como um avanço para o judiciário, pois é moderna e compatível com as
necessidades atuais da população.

2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

A arbitragem é uma forma alternativa e voluntária de solução de


conflitos relativos aos direitos patrimoniais disponíveis. Nela, as partes afastam a
22

intervenção estatal e resolvem seus conflitos de forma pacífica por meio de lei
especifica, onde se confere uma maior confidencialidade, informalidade e celeridade
no processo.
Marcio Yoshida, com esteio na conjunção dos arts. 1º,3º,13 e 18 da lei
nº 9.307/1996 conceitua arbitragem como:
Uma modalidade de solução de litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis, fixada através de cláusula compromissória e/ou compromisso
arbitral, que submete a qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das
partes, a prerrogativa de proferir decisão não sujeita a recurso ou
homologação pelo Poder Judiciário.
18

No ordenamento jurídico brasileiro, tem-se a convenção de arbitragem,


que é a forma pela qual as partes exercem sua escolha pela via arbitral. Trata-se do
gênero, sendo suas espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral,
conforme estabelece art. 3º da lei nº 9.307/1996.
A cláusula compromissória é a previsão feita em contrato, onde as
partes concordam em dirimir futuros e eventuais litígios pela arbitragem. Esta
cláusula é de caráter preventivo e vinculativo, pois, previne as partes caso haja
alguma divergência no decorrer do contrato e vincula sua resolução pela via arbitral.
O compromisso arbitral ocorre quando o conflito já está instaurado, e,
diante dela, os litigantes vão buscar a satisfação de seus direitos. Neste caso, as
partes têm total autonomia para escolher por qual via desejam ter seus litígios
resolvidos, se pela via judiciária ou pela via arbitral. Em optando pela via arbitral as
partes farão um compromisso arbitral.
A arbitragem é uma forma alternativa de resolução de conflitos, pois
não é algo impositivo e nem obrigatório, ficando a critério das partes a escolha de
qual meio usar para solucionar seus conflitos. Nela, as partes renunciam a
intervenção judicial e optam pela solução privada, deixando a cargo de um terceiro
de confiança (árbitro), ou de um colegiado, a solução de seus conflitos.
Direitos patrimoniais disponíveis são aqueles em que as partes podem
livremente usar, dispor, transacionar ou renunciar. Possuem valor econômico
agregado, podendo ser objeto de contrato estipulado entre as partes, assumindo
assim um caráter privado nas relações.
Como já é sabido, o judiciário está sobrecarregado com milhares de
demandas que chegam para serem resolvidas todos os dias. Nos tribunais
18
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. P.17.
23

trabalhistas, além da sobrecarga comum existente, ocorre também a pressão para


que se dê uma solução rápida aos litígios, pois, na maioria das vezes eles versam
sobre diferenças salariais e verbas rescisórias que envolvem a satisfação das
necessidades alimentares básicas.
O procedimento arbitral é considerado, via de regra, confidencial e
sigiloso, pois não é de interesse das partes a publicidade dos atos por diversos
motivos. A exposição pode ser considerada prejudicial, tendo em vista que pode
acarretar prejuízos comerciais, profissionais, morais etc. Já no Direito Civil, o sigilo
dos atos processuais é uma exceção, vez que impera o princípio da publicidade dos
atos praticados.
Também ressalta-se como uma das características desse
procedimento a informalidade, vez que as regras a serem seguidas são escolhidas
pelas próprias partes, transformando-o em um procedimento simplificado e
facilitando seu desenvolvimento. O procedimento arbitral não tem o mesmo
rigorismo que cerca os processos judiciais nos tribunais.
A arbitragem é regulamentada pela lei nº 9.307, de 23 de setembro de
1996, que disciplina as regras e procedimentos da justiça arbitral. É um importante
instrumento para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis de
pessoa capazes, buscando aliviar a carga dos tribunais nesses tipos de ações.
De forma bem sucinta falar-se-á sobre o procedimento arbitral que
consta na lei nº 9.307/1996, citando seus principais artigos para melhor
entendimento da matéria. Em suma, os artigos 1º ao 33 estabelecem que:
Todas as pessoas, capazes civilmente, poderão utilizar a arbitragem
para dirimir seus litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º).
A arbitragem poderá ser: i) de direito, onde as regras de direito são
livremente escolhidas para serem aplicadas na arbitragem, desde que não haja
violação aos bons costumes e à ordem pública; ii) de equidade, onde as partes
poderão convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de
direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio (art. 2º).
Por meio de cláusula compromissória ou compromisso arbitral, as
partes interessadas poderão submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral (art.
3º). A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar
inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira. (art. 4º, §
1º).
24

Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das
partes. No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com
imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição (art. 13).
Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas,
ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal
(art.17). O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita
a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (art. 18).
A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os
mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo
condenatória, constitui título executivo (art 31). Como consequência, caso a decisão
proferida pelo árbitro não venha a ser cumprida, pode-se exigir o seu cumprimento
por meio de ação de execução, pleiteada perante o judiciário.
A parte interessada só poderá pleitear a anulação da sentença arbitral
caso seja verificada a nulidade no processo arbitral em que se deu sentença (art.
33).
Na área trabalhista, a atuação da lei de arbitragem tem respaldo na
Constituição Federal, em seu art. 114, §1º, que preconiza que: “Frustrada a
negociação coletiva as partes poderão eleger árbitros”, e no art. 7º, da lei nº
7.783/1989, que informa que: “Observadas as condições previstas nesta lei, a
participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações
obrigacionais durante o período ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral
ou decisão da justiça do trabalho”.
A arbitragem aplicada no âmbito trabalhista é um grande avanço do
direito brasileiro, pois consubstancia uma forma rápida, pacífica e voluntária de se
solucionar conflitos, desafogando o judiciário e satisfazendo as demandas de forma
benéfica a todos que atuam no processo.

2.3 NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM

Existe bastante divergência em relação à natureza jurídica da


arbitragem. Três são as correntes que buscam definir sua natureza: contratual,
jurisdicional e mista.
25

Segundo a teoria contratual, a arbitragem é um instituto estabelecido


pela vontade das partes, que convencionam livremente as regras a serem seguidas.
Há um contrato privado feito pelas partes para estabelecer a melhor forma de
resolução de seus conflitos. Essa corrente também afirma que o árbitro não possui
nenhum vínculo estatal, não podendo ser alegado que o mesmo exerce função
pública, como ocorre com o juiz.
Nascimento, citado por Yoshida, afirma que: “o árbitro não é investido
do poder jurisdicional porque a sua autoridade para decidir é atribuída pela vontade
dos particulares cujos interesses são apreciados.”19
Pacheco, corroborando lição de Dantas, considera que: “o árbitro não
aplica autoritariamente o direito. Este não realiza o direito. Não tem poderes para
executar aquilo que havia decidido, ainda que em comum acordo com os que o
procuraram.” 20
Já para a teoria jurisdicional, a arbitragem possui um caráter jurídico e
estatal. O árbitro tem a função de julgar os litígios proferindo sentenças com força de
título executivo. E, de acordo com os arts. 17 e 31 da Lei de Arbitragem, essas
sentenças não estão sujeitas à homologação pelo Judiciário e produzem os mesmos
efeitos daquelas produzidas pelos órgãos estatais, o que confere o caráter público
dessa atividade julgadora. O árbitro, no exercício de sua função, equipara-se a
funcionário público para efeito de legislação penal. E por existir uma previsão legal
para resolução desses conflitos específicos, quem é adepto a essa corrente entende
que a lei de arbitragem é apenas uma prorrogação da justiça estatal.
Figueira, defensor da corrente jurisdicional e citado por Yoshida, ensina
que:
A extensão da jurisdição estatal para o árbitro privado resulta da
inexistência de qualquer óbice para que o Estado delegue aos juízes
privados parcela do poder que detém para dirimir conflitos, ressalvadas as
hipóteses vedadas por lei, seja de ordem pública, tendo em consideração a
natureza da lide ou a qualidade das pessoas (art 1º) seja por ausência de
vontade e convenção das partes litigantes (art 4º).
21

Martins, também citado por Yoshida, perfila no mesmo entendimento


desta corrente, para ele, o árbitro “se equipara ao juiz togado para todos os efeitos,

19
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. P. 70.
20
PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: Ltr, 2003.p.34.
21
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. P. 70-71.
26

até com mais responsabilidade funcional, é um dos braços do Estado na


administração da justiça, como ocorre por exemplo, no tribunal do júri”.22
A teoria mista é a junção da corrente contratual com a corrente
jurisdicional. Os doutrinadores adeptos desta terceira modalidade procuram conciliar
as outras duas vertentes, fundindo-as em uma só. Para eles, a arbitragem possui um
aspecto contratual na medida em que as partes convencionam um compromisso
arbitral, escolhendo a forma como será julgada a lide e como se sujeitará a tal
contrato. E, por outro lado, tem um caráter jurisdicional, por causa do papel exercido
pelo árbitro que se assemelha ao de um Juiz, pois suas sentenças tem força de titulo
executivo judicial e não estão sujeitas a recursos ou homologação pelo Judiciário.
Ademais, para o efeito desta Lei, o árbitro no exercício de sua função se equipara a
um funcionário público. O que só enfatiza o caráter público da lei.
Marcio Yoshida, em seu livro arbitragem trabalhista, expõe sua opinião
quando fala que:
A teoria mista parece-me que melhor compreende o instituto da arbitragem,
impondo ressaltar que as premissas para o enquadramento jurídico no
âmbito da dicotomia do direito público ou privado se revelam precárias e
insuficientes, diante da complexidade, da dimensão e da diversidade dos
fenômenos sociológicos e jurídicos hodiernos.
23

2.4 CLASSIFICAÇÃO DA ARBITRAGEM

2.4.1 Quanto ao surgimento

Na esfera arbitral existem duas possibilidades de se desenvolver o


procedimento arbitral: a institucional e a avulsa, esta última também conhecida como
“ad hoc”. Ambas possuem os mesmos princípios, requisitos, procedimentos e
características. Seus árbitros possuem as mesmas competências, atribuições e
confiabilidade. O que as diferencia é o tipo de instituição que será escolhida pelas
partes para desempenhar a arbitragem.

22
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. P.71.
23
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. P.73.
27

Na arbitragem institucional há a chamada Câmara de Arbitragem, que


é uma instituição aparelhada com normas, regras e regulamentos próprios. Sua
atribuição é somente a de resolver questões administrativas. Ela é quem dá suporte
aos procedimentos executados na arbitragem, propiciando condições para
agilização dos tramites, deixando a cargo do árbitro somente a atividade julgadora
do procedimento. Não há vinculação dos árbitros com a instituição, o que possibilita
a autonomia em suas decisões e jurisdição exclusiva.
A arbitragem avulsa, ou ad hoc, é conduzida por um árbitro que não é
vinculado a nenhuma instituição de auxilio para o desenvolvimento da arbitragem.
Toda a responsabilidade, formalidade e instrumentalidade do procedimento,
juntamente com as ações administrativas a serem tomadas, ficam por conta deste.
Toda sua estrutura é centralizada em uma só pessoa. Por outro lado, nesse tipo de
procedimento não há impedimento para a criação de uma equipe específica com a
incumbência de realizar os atos administrativos e cartoriais. Todavia, deve-se
ressaltar que tudo estará sob a responsabilidade do árbitro escolhido para dirimir o
conflito.
Ademais, na arbitragem avulsa, não se impossibilita a escolha pelas
partes de um colegiado, mas, é de extrema necessidade a organização e
delimitação das regras a serem seguidas para só então ser instaurada a arbitragem.

2.4.2 Quanto à obrigatoriedade

A arbitragem obrigatória é aquela resultante de imposição legal ou de


contrato prévio firmado entre as partes. Independe de vontade, sendo imperativa a
sua aplicação.
No Brasil, a arbitragem obrigatória não é aceita, pois, conforme reza o
art. 3º da lei nº 9.307/1996, sua utilização é facultada às partes. Nesse sentido,
optando por sua utilização, há a chamada cláusula compromissória, por meio da
qual as partes tornam prevento o juízo arbitral escolhido em convenção.
A arbitragem facultativa é aquela em que as partes livremente e de
comum acordo nomeiam o juízo arbitral para resolver suas desavenças, afastando a
28

jurisdição estatal e deixando a cargo de um particular a solução de seus conflitos. É


a definida pela lei nº 9.307/1996.

2.4.3 Quanto à forma de aplicação

As partes, ao elegerem como forma de resolução dos seus conflitos a


arbitragem, também têm a opção de expressar se desejam que o árbitro ao decidir a
causa se baseie no direito (estabelecido em leis, normas, regulamentos etc..), ou se
querem que a solução seja dada por equidade. Nesse último caso, o árbitro vai se
pautar no bom senso e nos costumes, analisando o caso específico e agindo da
forma que achar mais justo para ambas as partes, sem usar nenhuma lei como
base.
Quando é firmado um compromisso arbitral ou uma cláusula
compromissória, em geral, o árbitro se baseia nas normas de direito. Caso as partes
decidam que a solução será dada por equidade, elas devem fazer com que essa
opção conste expressamente dos autos.

2.4.4 Quanto ao espaço

Mauricio Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito do Trabalho,


define bem a arbitragem nacional.
A arbitragem nacional ocorre envolvendo sujeitos de um mesmo Estado e
sociedade, em torno de interesses essencialmente ali localizados, ou cuja
resolução não exija a participação de entes ou poderes estrangeiros,
consumando-se através de árbitros cujos poderes circunscrevem-se,
24
basicamente, às fronteiras do respectivo Estado.

Para uma arbitragem ser considerada internacional, ela tem que


ultrapassar as fronteiras brasileiras. Geralmente sua execução envolve mais de um
país, e um terceiro Estado é chamado para intervir na relação, para atuar como
árbitro. Trata-se de uma modalidade bastante difundida nas áreas do direito

24
DELGADO, Maurício Goldinho. Curso do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. P.1450 – 1451.
29

econômico e do comercial. Isso porque, nesses ramos do direito, há um grande


interesse em celebrar acordos de forma diplomática, sem conflitos.

2.5 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA VIA ARBITRAL

No decorrer dos anos, a arbitragem vem se desenvolvendo e


assumindo um importante papel na solução de conflitos. Sendo uma forma discreta
e extrajudicial de solução litígios, muitos a procuram para resolução de seus
problemas da melhor forma possível. A arbitragem não dá a impressão de que se
está iniciando uma batalha, como ocorre quando se aciona o judiciário. Ao contrário,
dá a sensação de um acordo pacífico, que visa resolver as questões levantadas da
melhor maneira para as partes.
No Direito do Trabalho, em especial, este instituto tem sido usado de
forma restrita e com muita cautela, observando sempre a especialidade e
particularidade do caso em questão.
A partir de agora identificar-se-ão algumas vantagens e desvantagens
da aplicação deste instituto, com ênfase na área trabalhista.
a) Confidencialidade/sigilo: na arbitragem, a publicidade dos atos não é
compulsória, diferente do que ocorre no judiciário, onde os atos tem a
obrigação de serem públicos. As informações podem permanecer restritas às
partes, árbitros e seus advogados. Por ser um procedimento mais simples e
menos formal, os envolvidos têm a liberdade de convencionar o sigilo das
informações relativas ao processo. Com isso, ficam resguardadas a
privacidade e a imagem, que por motivos pessoais, profissionais e até mesmo
comerciais, com a exposição do procedimento, poderiam ocasionar
precedentes negativos para ambas as partes.
b) Celeridade: a celeridade, no procedimento arbitral, é uma das maiores
vantagens à disposição das partes. Por ser um procedimento privado,
colocado à disposição dos litigantes, tem como característica a estipulação do
prazo final da demanda. Caso nada tenha sido convencionado, a própria lei
traz em seu bojo, no art. 23, a adoção do prazo máximo de seis meses,
contados da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro, para ser
30

prolatada a sentença. A arbitragem proíbe a excessiva interposição de


recursos, o que, de fato, causa lentidão e prorroga ainda mais o fim da
demanda. O único recurso permitido é o de equívoco no procedimento, não
podendo as partes recorrer alegando erro em relação à matéria. Na esfera
trabalhista, a agilidade na solução do litígio é de extrema importância, visto
que as causas versam sobre natureza alimentícia. Quando se pleiteia uma
ação na justiça trabalhista, a parte vivencia a agonia da espera de uma
resposta que não tem prazo certo para se definir, pois, notadamente, esta se
encontra sobrecarregada. Ademais, o prolongamento dos trâmites na justiça
trabalhista acarreta um dispêndio excessivo de gastos administrativos e
judiciais, o que gera cansaço e insatisfação entre as partes face ao direito
pleiteado.
c) Possibilidade de escolha dos árbitros: nesse caso, há uma imparcialidade em
relação aos jurisconsultos, alguns veem essa característica como uma
vantagem da arbitragem em relação ao judiciário. Outros a tem como uma
desvantagem, não concordando com a procedência e índole dos árbitros. Os
que a enxergam como uma das vantagens alegam que, na jurisdição estatal,
a decisão proferida nem sempre vem do juiz que instruiu o processo ouvindo
as partes e suas testemunhas, pois, na maioria dos casos, a decisão final fica
a cargo de um juiz substituto, que se utiliza de laudos de peritos para extrair a
sua sentença. Em caso de divergência dos laudos, o juiz escolhe aquele
enviado pelo perito de sua confiança, ficando as partes à mercê de pareceres
que podem não condizer com o alegado em audiência, pois não tiveram
contato algum com os litigantes. Já os que veem a possibilidade de escolha
dos árbitros pelas partes como uma desvantagem, alegam que deixar a
escolha dos árbitros pelos interessados pode ensejar uma falsa vantagem
para a parte hipossuficiente, já que o trabalhador não tem o conhecimento do
árbitro que seria adequado e a escolha ficaria a cargo do empresário, que
poderia optar por um árbitro favorável à sua lide. Sendo assim, esses
jurisconsultos vetam veemente a escolha do árbitro pelas partes por
afirmarem que, em sua maioria, os árbitros são corruptíveis e de pouca
confiança.
d) Maior informalidade: conforme art. 2º, § 1º, da lei nº 9.307/1996: “Poderão as
partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na
31

arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem
pública.” Essa previsão legal simplifica o procedimento arbitral, agilizando-o,
tornando-o menos formal, atendendo com melhor qualidade os anseios das
partes. O excesso de formalismo dificulta e atrasa a prestação jurisdicional,
ele tem seu valor, mas em determinados casos é desnecessário o rigorismo
do judiciário.
e) Propicia a paz e a conciliação: quando se fala em buscar seus direitos frente
ao Poder Judiciário, para muitos, isso já é motivo de se armarem para uma
guerra. A justiça estatal, com sua burocracia, formalidade, publicidade dos
atos e lentidão para solucionar os litígios, faz com que as partes travem uma
verdadeira batalha perante o tribunal. Neste contexto, a arbitragem ganha
vantagem a partir do momento em que ela preza pela conciliação e pelo
acordo em comum. A publicidade dos atos que geram uma exposição
desnecessária para os litigantes não é uma característica desse
procedimento, pois, ao convencionarem, os interessados podem acordar o
sigilo da demanda. Por isso, hoje em dia, muitas pessoas que não desejam
ver seus nomes em ações judiciais, principalmente trabalhistas, buscam esse
meio para resguardar sua imagem e privacidade. E, sendo um meio mais
atrativo para as partes, por causa dessas características especificas, a
arbitragem propicia com maior êxito a paz e a conciliação dos litigantes.
f) Onerosidade: o valor das despesas com a arbitragem é uma das maiores
desvantagens apontada pelos doutrinadores. Na arbitragem há uma
necessidade iminente de satisfação dos custos administrativos e de
pagamentos dos honorários, o que inviabiliza esse meio para causas de
pequeno porte, já que no judiciário esses custos, além de serem baixos, só
são cobrados ao final da demanda. Há doutrinadores que sugerem que estes
gastos sejam repassados aos sindicatos, pois o beneficio dessa espécie de
procedimento é muito vantajoso para ambas as partes.
32

3 A ARBITRAGEM APLICADA AO DIREITO TRABALHISTA

3.1 A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE ARBITRAGEM

A lei nº 9.307/1996 normatizou a arbitragem no Brasil. São 44 artigos


que tratam de regras gerais e procedimentos específicos a serem seguidos. A lei de
arbitragem foi considerada como um grande marco na história da arbitragem. Isso
porque passou a regulamentar uma pratica de jurisdição privada exercida há anos
pelos litigantes, mas também por dar a ela a segurança contratual da autonomia das
suas decisões perante o poder judiciário, além da eficácia de uma legislação
moderna e independente. Nesse sentido, Cahali ensina que:
A principal inovação, com relação ao regramento anterior, o de foi conferir à
jurisdição arbitral a independência que merece, dispensando a
homologação pelo poder judiciário da sentença arbitral. E para as sentenças
estrangeiras, bastará homologação do próprio laudo pelo superior Tribunal
de Justiça (art. 35 da lei nº 9.307/1996), dispensando para o
reconhecimento a homologação no judiciário de origem, como até então se
exigia.
25

A lei, pouco após sua promulgação e publicação, foi submetida a um


incidente de inconstitucionalidade, em função da homologação de uma sentença
arbitral proferida na Espanha (sentença nº SE 5.206/ES).
“O recurso é o caso piloto (leading case) sobre a matéria. Trata-se de uma
ação movida a partir de 1995. A empresa, de origem estrangeira, pretendia
homologar um laudo de sentença arbitral dada na Espanha, para que
tivesse efeitos no Brasil. A princípio, o pedido havia sido indeferido.
Entretanto, em 1996, foi promulgada a Lei nº 9.307, que dispensaria a
homologação desse laudo na justiça do país de origem. Durante o
julgamento do recurso, o ministro Moreira Alves levantou a questão da
constitucionalidade da nova lei.”
26

O incidente de inconstitucionalidade foi levantado com base no


argumento de que a lei de arbitragem feriria o principio jurídico expresso no inciso
XXXV, art. 5º, da Constituição Federal, segundo o qual: “A lei não excluirá da
apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.
De acordo com o Ministro José Carlos Moreira Alves, que suscitou a
questão, a lei de arbitragem dificultaria o acesso à justiça. Ao final da discussão, por

25
CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011. P. 78.
26
http://www.conjur.com.br/2001-dez-14/stf_declara_lei_arbitragem_constitucional
33

sete votos a quatro, os Ministros do Supremo Tribunal Federal declararam a


constitucionalidade da lei.
Nesse julgado, prevaleceu o entendimento de que a arbitragem é um
procedimento voluntário e facultativo, não obrigando as partes a exercê-la. Ademais,
seus árbitros gozam da presunção da boa fé, sendo habilitados para tanto.
Adicionalmente, ressalta-se que ela não exclui a apreciação da sentença pelo
judiciário, pois, se for provocado por vícios indicados na lei, caberá ação de nulidade
da sentença, levando à apreciação por aquele poder. Encerrando, desse modo,
qualquer dúvida quanto à constitucionalidade da lei.

3.2 A ARBITRAGEM E A INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS

A lei de arbitragem, em seu art. 1º, deixa claro que: “As pessoas
capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a
direitos patrimoniais disponíveis”. Para melhor compreensão desse artigo, faz
necessário o esclarecimento de alguns pontos.
Quando a legislação fala em pessoas capazes de contratar, entende-se
que estas possam transacionar, renunciar e, até mesmo, dispor de direitos que lhe
pertencem. Nesse mesmo artigo a lei impõe duas condições: i) que esses direitos
sejam de ordem patrimonial; ii) que sejam disponíveis para serem usados para tal
feito.
Mas, o que são direitos patrimoniais disponíveis? São aqueles em que
as partes podem livremente usar, dispor, transacionar ou renunciar. Possuem valor
econômico agregado, podendo ser objeto de contrato estipulado entre as partes,
assumindo, assim, um caráter privado nas relações.
A grande divergência ocorre quando se tenta definir, no âmbito do
direito trabalhista, quais são os direitos disponíveis, pois, em sua maioria, os direitos
trabalhistas seguem a regra da indisponibilidade. Para se usar a arbitragem no
direito laboral, faz-se necessário o discernimento de quais são esses direitos.
Como regra geral, as normas do direito trabalhista são de caráter
indisponível. Quase que em sua totalidade os assuntos pertinentes à matéria são
insuscetíveis de renúncia ou transação, ou seja, são normas cogentes cuja
34

aplicação independe da vontade das partes. Todavia, essa indisponibilidade não é


tão rígida e inflexível, existe um pequeno rol de normas trabalhistas que possibilitam
a livre manifestação de vontade das partes. Dessa forma, é possível afirmar que
existem, no ordenamento jurídico trabalhista, a indisponibilidade absoluta e a relativa
dos direitos.
Absoluta é a indisponibilidade de direitos que são tutelados pelo
Estado. São os que possuem normas de ordem pública que garantem um patamar
mínimo e civilizatório para toda sociedade e causam, consequentemente, nulidade
absoluta do ato ocorrendo sua indisponibilidade. Como exemplo de direitos
absolutamente indisponíveis, tem-se a obrigatoriedade da assinatura da carteira de
trabalho com o prazo de 48 horas para a sua execução. São direitos que, em
hipótese alguma, podem ser objeto de renúncia ou transação entre as partes.
Considerados indisponíveis relativamente, são os direitos individuais
mais simples, que não são protegidos pela ordem pública e que não se caracterizam
por um padrão geral a ser seguido. Sua renuncia ou transação não pode acarretar
nenhum prejuízo ao trabalhador e, para a consumação de tal feito, devem estar
presentes os requisitos necessários prescritos no art. 104 do Código Civil (agente
capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não
defesa em lei.) e sem vícios de consentimentos.
Temos como exemplo, o trabalhador que é contratado para receber um
salário fixo, igual ao mínimo estipulado em lei, e com o tempo passa a receber um
salário variável, consistindo na soma do mínimo com uma porcentagem sob sua
produção. Neste caso houve aceitação mútua entre empregado e empregador, não
acarretando nenhum prejuízo ao trabalhador.

3.3 A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS COLETIVOS DO TRABALHO

O direito coletivo do trabalho é o campo do Direito Trabalhista que


cuida das relações existentes entre empregados e empregadores. Tem como
objetivo proteger os interesses gerais e abstratos de um grupo, obtendo melhores
condições de trabalho e de remuneração para uma determinada classe em geral.
35

É encarregado de disciplinar o direito de greve dos trabalhadores, as


organizações sindicais, a representação dos trabalhadores na empresa etc. Ou seja,
abrange, de maneira ampla e geral, as relações de trabalho e tenta estabelecer
regras que possam ser usadas por todos, sem individualização.
A arbitragem é amplamente aceita no direito coletivo do trabalho para
resolver os conflitos advindos deste. É sempre uma forma opcional para solução dos
litígios, alcançando somente os direitos disponíveis e negociáveis. A Constituição
Federal, em seu art. 114, §§ 1º e 2º, autoriza o instituto da arbitragem para ser
utilizado de forma facultativa nos dissídios coletivos trabalhistas, tendo a seguinte
redação:
§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à
arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio
coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o
conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho,
bem como as convencionadas anteriormente.

No mesmo entendimento, o direito de greve é assegurado pelo art. 9º


da Carta Magna, com a seguinte redação: ”É assegurado o direito de greve,
competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
interesses que devam por meio dele defender”. A jurisprudência entende que, para
se deflagrar uma greve, deve-se antes buscar a negociação coletiva ou a
arbitragem, conforme explica a seguinte ementa:
O direito de greve assegurado pelo artigo nono, da Constituição de 5 de
outubro de 1988 é amplo, e não restrito, nem limitado. À greve deve
preceder sempre uma negociação coletiva e, eventualmente, a busca da
arbitragem. Inteligência e aplicação do art. 114, da Constituição Federal.
Acordão n. 2.012, proc. nº. 13/87, Tribunal Pleno, Relator Ministro Almir
Pazzianotto Pinto, publicado no Diário da Justiça de 10. 3. 89, p. 3089.
27

Amauri Mascaro, no livro de Márcio Yoshida, explica que:


Tanto a negociação coletiva como a busca da solução arbitral, devem ser,
obrigatoriamente, buscadas pelas partes antes de ingressar com a ação
judicial, em se tratando de dissídios coletivos de natureza econômica. Nos
de natureza Jurídica podem as partes ajuizar a ação independentemente
daquelas medidas, não significando, todavia, que sejam proibidas ou exista
qualquer incompatibilidade com essa modalidade de dissídios. Basta cuidar,
é natural, do objeto do dissídio, que deve ser revestir de cunho patrimonial
28
disponível.

27
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. p. 103.
28
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. p. 105.
36

A maioria dos jurisconsultos defende a aplicação da arbitragem nos


dissídios coletivos, uma vez que seus litigantes estão respaldados pelos sindicatos
de suas classes. Muitas das vezes a demora em solucionar um problema pode
gerar prejuízos enormes, o que tornaria mais vantajoso aos sindicatos arcar com os
custos do procedimento arbitral em função de uma de suas maiores vantagens, a
celeridade.
Não há duvida sobre efetividade e validade da lei de arbitragem no
direito coletivo do trabalho. Além de sua expressa recomendação pela Constituição
Federal de 1988, seu acesso é incentivado, sendo de grande utilidade para a
coletividade incluída nas negociações. Deve ser estimulada cada vez mais, pois sua
utilização implica em resolver com eficácia as frustrações de grupos de
trabalhadores de forma rápida, pacifica e ágil.

3.4 A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DO TRABALHO

O direito individual do trabalho é o campo do Direito Trabalhista


responsável por estudar o contrato individual do trabalhador, garantindo seu
cumprimento. Estabelece, ainda, regras e princípios, que protegem o trabalhador e
são aplicados nessa relação. Visa assegurar direitos e garantias mínimas,
analisando caso a caso individualmente, de uma forma única.
Discorrer-se-á, a seguir, sobre a aplicabilidade do instituto da
arbitragem nos conflitos advindos da relação individual de trabalho.
Por haver divergências quanto à aplicabilidade dessa via, aqui se
instaura um problema. Como já visto na seção 3.3 dessa monografia, a arbitragem
nos conflitos coletivos do trabalho é amplamente aceita pela doutrina. A grande
problemática se inicia quando resolvem utilizar este instituto para solucionar litígios
individuais de trabalhadores, já que a Constituição Federal faculta, de forma
expressa, sua utilização apenas nos dissídios coletivos e nada fala sobre os
individuais.
A doutrina e a jurisprudência não são pacíficas quanto a esse assunto.
Existem muitas divergências em relação aos doutrinadores, a própria lei não se
demonstra clara quanto a isso. Diante desse quadro, a seguir são elencados alguns
37

argumentos e objeções levantados pelos doutrinadores, que são de grande


relevância para o entendimento desse impasse.
Existem previsões legais que autorizam o uso da arbitragem nos
conflitos individuais do trabalho, tais como a lei complementar nº 75, de 20 de maio
de 1993, que em seu art. 83, inciso XI, atribui competência ao Ministério Público do
Trabalho (MPT) para atuar como árbitro nas causas trabalhistas, in verbis:
Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das
seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
[...]
XI - atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de
competência da Justiça do Trabalho.

Com o interesse em regulamentar essa lei, o MPT instituiu, por meio da


Resolução nº 32/1998, grupo de trabalho para normatização da atividade de
mediação e arbitragem. Como resultado, foi editada a Resolução nº 44/1999.29
Também na lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, que dispõe sobre
o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias,
há menção, em seu art. 23, § 1º, da arbitragem como meio de resolução de conflitos,
conforme reproduzido a seguir:
Art. 23. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão-de-
obra, Comissão Paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação
das normas a que se referem os arts. 18, 19 e 21 desta lei.
§ 1° Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas
finais.

3.4.1 A proibição do uso da arbitragem pelo Tribunal Superior do Trabalho

A faculdade que empregados e empregadores tinham para resolver


quaisquer litígios, desde que fossem patrimoniais e disponíveis, por meio da
arbitragem, foi negada pela Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST),
conforme acórdão exarado em 25 de março de 2009.
Referido acórdão foi proferido após a interposição de um recurso de
revista promovido por um ex-funcionário da Xerox Comércio e Indústria LTDA, que
tentava anular uma sentença arbitral que quitou suas verbas trabalhistas. Os
Ministros da Terceira Turma do TST, por unanimidade, acataram o recurso por

29
http://www.mpt.gov.br/camaraArquivos/CCR_9783_2011_190.pdf .
38

divergência jurisprudencial, invalidando o compromisso arbitral. A ementa do


acórdão dispõe o seguinte:
RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. INAPLICABILIDADE AO
DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO.
1. Não há dúvidas, diante da expressa dicção constitucional (CF, art. 114,
§§ 1º e 2º), de que a arbitragem é aplicável na esfera do Direito Coletivo do
Trabalho. O instituto encontra, nesse universo, a atuação das partes em
conflito valorizada pelo agregamento sindical.
2. Na esfera do Direito Individual do Trabalho, contudo, outro será o
ambiente: aqui, os partícipes da relação de emprego, empregados e
empregadores, em regra, não dispõem de igual poder para a manifestação
da própria vontade, exsurgindo a hipossuficiência do trabalhador (bastante
destacada quando se divisam em conjunção a globalização e tempo de
crise).
3. Esta constatação medra já nos esboços do que viria a ser o Direito do
Trabalho e deu gestação aos princípios que orientam o ramo jurídico. O
soerguer de desigualdade favorável ao trabalhador compõe a essência dos
princípios protetivo e da irrenunciabilidade, aqui se inserindo a
indisponibilidade que gravará a maioria dos direitos – inscritos, quase
sempre, em normas de ordem pública - que amparam a classe
trabalhadora.
4. A Lei nº 9.307/96 garante a arbitragem como veículo para se dirimir
“litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (art. 1º). A essência do
instituto está adstrita à composição que envolva direitos patrimoniais
disponíveis, já aí se inserindo óbice ao seu manejo no Direito Individual do
Trabalho (cabendo rememorar-se que a Constituição Federal a ele reservou
apenas o espaço do Direito Coletivo do Trabalho).
5. A desigualdade que se insere na etiologia das relações de trabalho
subordinado, reguladas pela CLT, condena até mesmo a possibilidade de
livre eleição da arbitragem (e, depois, de árbitro), como forma de
composição dos litígios trabalhistas, em confronto com o acesso ao
Judiciário Trabalhista, garantido pelo art. 5º, XXXV, do Texto Maior.
6. A vocação protetiva que dá suporte às normas trabalhistas e ao processo
que as instrumentaliza, a imanente indisponibilidade desses direitos e a
garantia constitucional de acesso a ramo judiciário especializado erigem
sólido anteparo à utilização da arbitragem no Direito Individual do Trabalho.
Recurso de revista conhecido e provido.
30

Por enquanto, resta mantido esse entendimento. Todavia, cumpre


ressaltar que esse não se encontra sumulado pelo TST. Ademais, a doutrina é
bastante divergente em relação a esse assunto, havendo correntes doutrinárias que
se perfilam a esse entendimento, enquanto outras defendem a validade da
arbitragem na solução dos conflitos individuais. A seguir são expostos os principais
argumentos destacados por essas doutrinas.

30
TST-ED-RR-79500-61-2006-5-05-0028 (1). Acórdão da Terceira Turma na integra.
39

3.4.2 Artigo 114 da Constituição Federal

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 114, § 1º, apesar de


admitir expressamente o uso da arbitragem nos conflitos coletivos trabalhistas, nada
fala sobre os conflitos individuais. Ou seja, o legislador não permitiu, nem tampouco
recomendou sua utilização. Essa abstenção de opinião, para muitos, já é objeto de
discussão.
Para Márcio Yoshida, o legislador não quis excluir a possibilidade da
aplicação da arbitragem nesse artigo, somente preocupou-se em limitar o uso da
arbitragem no direito coletivo do trabalho.
Não pretendeu o legislador constituinte, nos referidos preceitos, definir os
destinos da arbitragem dos conflitos individuais de trabalho e nem tampouco
fechar a questão quanto aos conflitos coletivos. Não há qualquer proibição,
além da óbvia limitação imposta pelo art.1º da lei da arbitragem, quanto à
utilização da arbitragem como substitutivo dos dissídios coletivos de
natureza jurídica. Nem tampouco proíbe-se a via arbitral para solucionar
conflitos individuais de trabalho. Nada obsta os sindicatos dos trabalhadores
e patronais pactuarem cláusula normativa prevendo que as dúvidas e
questões decorrentes da aplicação e da interpretação dos direitos e
obrigações negociados em determinada convenção coletiva de trabalho
sejam resolvidas pela via arbitral. Ausência da expressa previsão do uso da
arbitragem em conflitos coletivos de natureza jurídica não implica a sua
proibição.
31

É importante salientar que o simples fato da arbitragem nos conflitos


individuais do trabalho não estar prevista na Constituição Federal não impede sua
normatização. Caso contrário, não se permitiria o uso da arbitragem em outros
ramos do direito, pela simples falta de previsão constitucional.

3.4.3 Disposições na CLT

A CLT, seguindo os passos da Constituição Federal, também é omissa


quanto à arbitragem, nada dispondo em seu corpo sobre o assunto. No entanto,
podemos visualizar em alguns de seus artigos que o instituto da arbitragem pode ser
aplicado ao direito individual do trabalho. Seu art. 8º, por exemplo, estabelece que:
31
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006. p. 114.
40

Art. 8º. [...] na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme


o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e
normas gerais de direito... mas sempre de maneira que nenhum interesse
de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do
trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios
fundamentais deste.

Na mesma linha de raciocínio, o art. 769 da CLT ratifica o mesmo


entendimento: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte
subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível
com as normas deste Título”.
Sérgio Pinto Martins afirma que a lei nº 9.307/96 e a CLT não são
incompatíveis no que se refere aos seus princípios processuais. A matéria a ser
aplicada pela arbitragem é puramente processual e não comercial. Logo, é aplicável
a Lei n.º 9.307/96.32

3.4.4 A renúncia aos direitos trabalhistas

Os direitos trabalhistas, em regra, são irrenunciáveis. Esse tema é de


tamanha relevância para o direito trabalhista que foi elevado à condição de princípio:
da irrenunciabilidade. A renúncia é a desistência de um direito que lhe é garantido
por lei.
Esse princípio é bastante defendido por aqueles que não concordam
com a arbitragem nos dissídios individuais. Tem o condão de proibir qualquer
renúncia unilateral e individual pelas partes. Com sua aplicação, o Estado busca
resguardar os direitos e interesses dos hipossuficientes, garantindo-lhes a mínima
condição econômica e social.
Reforçando esse raciocínio, reza o art. 9º da CLT que “serão nulos de
pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a
aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

32
Martins, Sergio Pinto. Direito Processual do trabalho: doutrina e prática forense. São Paulo: Atlas,
2010.p.65.
41

Em que pese o exposto, esse princípio vem sendo relativizado em


alguns casos, mas sempre resguardando os direitos dos empregados para que
esses não sejam prejudicados, conforme preceitua o art. 468 da CLT.
Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas
condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não
resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de
nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Nesse sentido, quando se fala em renuncia dos direitos trabalhistas,


Sergio Pinto Martins explica que:
O trabalhador poderá renunciar a seus direitos se estiver em juízo, diante do
juiz do trabalho, pois esse caso não se pode dizer que o empregado esteja
sendo forçado a fazê-lo. Estando o trabalhador ainda na empresa é que não
se poderá falar em renúncia a direitos trabalhistas, pois poderá dar ensejo a
fraudes. É possível, ao trabalhador transigir, fazendo concessões
33
recíprocas, o que importa um ato bilateral.

A arbitragem nos conflitos individuais do trabalho, para alguns


doutrinadores, entraria nesse rol de direitos irrenunciáveis e seria indisponível para
ser aplicada como meio de solução de conflitos.
Por outro lado, para outros doutrinadores, direitos patrimoniais
disponíveis são diferentes de direitos irrenunciáveis. Nesse sentido, Sergio Pinto
Martins, em seu livro de processo do trabalho, afirma que:
Em se tratando da arbitragem nos conflitos individuais trabalhistas, esta não
tem o condão de renunciar direitos, o trabalhador não está renunciando,
alienando ou transacionando direitos quando submete o conflito a
arbitragem, mas apenas escolhe um terceiro para solucionar o litígio. O
árbitro irá dizer o direito do trabalhador. Se não há mais contrato de trabalho
entre empregado e empregador, não se pode falar que o trabalhador está
sofrendo pressão do empregador para renunciar as verbas trabalhistas,
principalmente diante do fato de que a controvérsia está sendo submetida
34
ao árbitro.

Ou seja, baseados no principio da irrenunciabilidade, os doutrinadores


divergem sobre a aplicação da arbitragem nos conflitos individuais do trabalho.
Acham que pode ocorrer posição desvantajosa dos trabalhadores em relação aos
seus empregadores. Nesse contexto, surge a possibilidade de que a utilização da
arbitragem seja mais um meio utilizado para burlar as normas trabalhistas, podendo
se tornar, futuramente, uma imposição ao trabalhador.

33
Martins, Sergio Pinto. Direito do trabalho: 25ª Edição. São Paulo: Atlas, 2009. P.62.
34
Martins, Sergio Pinto. Direito Processual do trabalho: doutrina e prática forense. São Paulo: Atlas,
2010.p. 65.
42

CONCLUSÃO

Nos dias atuais, o Estado tem sido bastante questionado acerca de sua
capacidade de resolver as demandas levadas ao judiciário. Isso porque, cada vez
mais, torna-se patente a impotência desse Poder na realização de sua missão,
perdendo a eficácia e a agilidade diante de tantas demandas.
Outro fato inconteste é que, dentre os vários tipos de ações judiciais,
uma das mais expressivas em termos quantitativos é a trabalhista, que é aquela que
surge para resolver os chamados conflitos laborais.
Trata-se de uma consequência das divergências ocorridas nas
relações de trabalho. No âmbito trabalhista, historicamente, essas só são dirimidas
após a intervenção estatal, ou seja, após uma decisão proferida por um juiz, o
representante do Estado.
Todavia, os conflitos não podem ser considerados como uma inovação
dos tempos modernos, existem desde que o homem passou a habitar a terra. Os
registros mais antigos sobre a humanidade mostram embates das mais diversas
formas, em que o homem sempre busca garantir o que é seu, melhorando seu meio.
Como corolário da existência dos conflitos, surgem as formas de
solucioná-los. Na antiguidade, as partes os resolviam pelas próprias mãos. Com o
passar dos anos surgiu a necessidade de se buscar um meio que fosse capaz de
resolver os conflitos de forma pacífica, consensual e justa para as partes. Surgiu
assim a arbitragem.
No ordenamento jurídico brasileiro, tem-se a lei nº 9.307/1996 como a
viga mestre de sua normatização. Para grande parte dos doutrinadores, a lei de
arbitragem foi considerada como um grande marco na história desse instituto.
Sob o ponto de vista teórico, a arbitragem é classificada, por parte
dominante da doutrina, como forma heterocompositiva de solução de litígios. Nela
ocorre a subordinação voluntária de forma privada para dirimir conflitos patrimoniais
disponíveis, sem que a atuação do Poder estatal judicante seja demandada.
No Direito do Trabalho, em especial, este instituto tem sido usado de
forma restrita e com muita cautela, observando sempre a especialidade e
particularidade do caso em questão.
43

No presente trabalho buscou-se demonstrar ao leitor as vantagens


(confidencialidade/sigilo, celeridade, possibilidade de escolha dos árbitros, maior
informalidade e propicia a paz) e a desvantagem (onerosidade) da aplicação deste
instituto, com ênfase na área trabalhista. É de suma importância o conhecimento
dessas características da arbitragem para que os litigantes possam sopesar a
conveniência de utilizá-la.
A questão da utilização prática da arbitragem no âmbito trabalhista é a
grande problemática analisada nesse trabalho.
Não resta dúvida sobre a efetividade e a validade da lei de arbitragem
no direito coletivo do trabalho. Além de sua expressa recomendação pela
Constituição Federal de 1988, seu acesso é incentivado, sendo de grande utilidade
para a coletividade incluída nas negociações.
A divergência se apresenta quando se analisa a aplicabilidade da
arbitragem no direito individual do trabalho. Para ser mais exato, quando resolvem
utilizar este instituto para solucionar litígios individuais de trabalhadores, já que a
Constituição Federal faculta, de forma expressa, sua utilização apenas nos dissídios
coletivos e nada fala sobre os individuais.
Há doutrinadores que não admitem o uso da arbitragem quando se
discutem direitos individuais do trabalho. Esses consideram que sua utilização
configura uma afronta ao art. 114, § 1º, da Carta Magna. Isso porque, nela, não há
referência expressa acerca do uso da arbitragem nos dissídios individuais. Nesse
mesmo entendimento, argumentam que a legislação ordinária, no caso a CLT,
também não dispõe a respeito do assunto, o que impediria sua utilização.
Essa corrente também alega que os direitos individuais são
indisponíveis, e que sua flexibilização é permitida apenas na área coletiva do
trabalho. Por fim, como reforço jurisprudencial a esse entendimento doutrinário, o
Tribunal Superior do Trabalho, em julgamento de recurso de revista proferido em
2009, proibiu o uso da arbitragem nas causas que envolvem direitos individuais do
trabalho, até que as comissões de dissídios individuais se manifestem sobre o caso.
Diametralmente, uma segunda corrente se perfila a favor do uso da
arbitragem no direito individual do trabalho. Não consideram esse instituto uma
afronta ao art. 114, §1º da Constituição Federal, nem tampouco consideram os
direitos trabalhistas totalmente indisponíveis, pois, perante o próprio Judiciário,
ocorrem algumas flexibilizações desses direitos.
44

Propugnam, ainda, que as vantagens desse instituto são imensas,


podendo trazer grandes avanços ao desenvolvimento da área trabalhista, evitando
os embates agressivos e formulando uma nova forma de se resolver os litígios.
De fato, algumas situações existentes no direito laboral realmente
merecem tratamento diferenciado, onde não se admite a ausência da atuação do
Estado. Todavia, não se entende como racional a exclusão radical da possibilidade
do uso da arbitragem em causas envolvendo direitos individuais. Isso porque sua
utilização, em determinadas situações, pode ser a solução para desafogar o
judiciário e atender com agilidade e eficácia os anseios dos litigantes.
45

REFERÊNCIAS

CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do


trabalho. Curitiba: Juruá, 2010.

DELGADO, Maurício Goldinho. Curso do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,


2008.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Impetus, 2008.

YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para solução dos


conflitos laborais. São Paulo: LTr, 2006.

MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos conflitos de Trabalho. São Paulo:


LTr,1998.

PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São


Paulo: Ltr, 2003.

CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do trabalho: doutrina e prática


forense.São Paulo: Atlas, 2010.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho: 25ª Edição. São Paulo: Atlas, 2009.

GURGEL, Maria Aparecia. Conflito de competência. Disponível em:


<http://www.mpt.gov.br/camaraArquivos/CCR_9783_2011_190.pdf> acesso em
02/06/2012.

TST-ED-RR-79500-61-2006-5-05-0028 (1) Acórdão da Terceira Turma na integra.

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