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Mele, Alfred, Surrounding Free Will – Philosophy, Psychology, Neuroscience, Oxford

University Press, New York, 2015, ISBN 978-0-19-933395-0

Surrounding Free Will é um livro organizado por Alfred R. Mele no âmbito do projecto
de Big Questions of Free Will, que apresenta uma visão multidisciplinar do livre-arbítrio,
enriquecida pela interacção entre neurocientistas, psicólogos e filósofos.
O tema do livre-arbítrio e, principalmente, o desenvolvimento de uma visão
multidisciplinar deste, é muito importante nos dias de hoje – até mesmo fundamental na
vida contemporânea – em virtude de, aparentemente, vivermos numa época de constante
alienação da nossa vontade, das nossas acções e intenções, para além de nos colocarmos
numa posição de desresponsabilização do rumo actual.
Este livro é constituído por uma introdução, onde Alfred R. Mele descreve o âmbito e a
organização deste; por catorze novos artigos sobre o livre-arbítrio, organizados em três
unidades principais, mediante a perspectiva explorada; e um léxico que facilitou a
colaboração com o projecto e pode ser muito útil para os leitores. Cada um dos artigos
apresenta uma bibliografia extensa e esclarecedora da investigação realizada.
A primeira unidade explora as perspectivas da psicologia (social, cognitiva e de
desenvolvimento) e da filosofia experimental e consiste nos cinco artigos iniciais,
relacionando os conceitos de escolha livre, escolha condicionada, consciência,
responsabilidade moral e legal, determinismo, responsable autonomy, meaning, auto-
controlo e Bypass Agency Hipothesis com o conceito do livre-arbítrio.
Na segunda unidade é apresentada a perspectiva da neurociência, que consiste nos cinco
artigos seguintes sobre o conceito de livre-arbítrio, afastando-o da metafísica e
correlacionando-o com conceitos como a consciência, fenomenologia, intuição, cognição,
picking, choosing, meaning, Readiness Potential, Intention, Conscious Willing e Action.
A terceira unidade explora a perspectiva da filosofia tradicional nos quatro artigos finais,
que relacionam os conceitos de tarefa, decisão, determinismo, consciência, auto-
consciência, leeway, source of incompatibilism, fate of incompatibilism, auto-
organização, auto-governação, omissão involuntária e acção negligente com o conceito
de livre-arbítrio.
O primeiro artigo The Origins and Development of Our Conception of Free Will, da
autoria de Gopnik e Kushnir, aponta uma nova perspectiva do livre-arbítrio, quando
procura perceber o que é que as crianças pensam sobre livre-arbítrio e como e porquê é
que as ideias sobre o livre-arbítrio surgem e mudam. O conceito de livre-arbítrio não é

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algo que nasce connosco, é um conceito desenvolvido a partir de uma certa idade (> 6
anos) e está muito relacionado com o desenvolvimento da criança. Os autores defendem
que a escolha só é livre se tivermos mais do que uma opção para escolher, sendo o livre-
arbítrio apenas possível nessa situação. Este foi o ponto de partida para perceber se as
crianças já têm uma consciência da diferença entre uma escolha livre e uma escolha
condicionada, sendo que as restrições podem ser físicas ou epistémicas.
O segundo artigo Free Will without Metaphysics, de Monroe e Malle, procura afastar a
metafisica do conceito de livre-arbítrio, mesmo tendo presente que todas as questões
colocadas por teólogos e filósofos têm por base a concepção popular do livre-arbítrio, que
o relaciona com a responsabilidade moral e a responsabilidade legal. Nesse sentido, é esta
concepção popular de livre-arbítrio que acaba por ser suspeita de ser uma ilusão, suspeita
de ser incompatível com o determinismo e de requerer a responsabilidade moral. Desta
feita, os autores abordam os pontos mais comuns de contestação desta concepção, de
forma a perceber em que tipo de situações o conceito de livre-arbítrio é aplicado, para
além de entender quais as crenças específicas sobre livre-arbítrio e se, efectivamente, o
livre-arbítrio necessita de um julgamento legal e moral ou se subsiste sem estes. Aos
poucos os autores vão desvendando muitos mitos e realidades da concepção popular de
livre-arbítrio, tornando muito complicado definir uma concepção comunitária de livre-
arbítrio. O que se percebe é que nesta concepção popular, o julgamento moral pressupõe
o livre-arbítrio, sendo necessário ter a capacidade de escolher livremente para haver lugar
à responsabilidade moral. O que leva às implicações sociais da ameaça ao livre-arbítrio.
Assim, a ideia que não temos capacidade de livre escolha leva à desresponsabilização.
O terceiro artigo Free Will: Belief and Reality, de Baumeister, Clark e Luguri, debruça-
se sobre as várias questões que põem em causa o livre-arbítrio, tendo no determinismo a
sua maior ameaça. O foco do determinismo assenta na produtividade e o livre-arbítrio
foca-se numa responsable autonomy. No determinismo não há lugar para a autonomia,
logo não há livre-arbítrio e o ser humano é apenas chamado a cumprir a tarefa. Desta
feita, concluem que o determinismo não é propriamente útil à vida diária, até porque nós
agimos depois de deliberar sobre as várias saídas possíveis. No entanto, os autores
defendem que as nossas decisões são livres sempre e quando a nossa liberdade não
prejudique a liberdade dos outros. Assim, as nossas acções devem ser justificáveis perante
a sociedade, reforçando o argumento que impõe a existência do livre-arbítrio apenas
dentro da cultura. Parece, por isso, impossível haver livre-arbítrio sem haver uma
organização pessoal. Se tivermos uma vida organizada, certas situações terão um

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significado na nossa vida diferente daquele que teriam numa vida de extrema
desorganização, o que relaciona o conceito de meaning com o de livre-arbítrio. Os autores
chegam à conclusão que o determinismo não tem qualquer influência no livre-arbítrio,
uma vez que os agentes humanos devem ser accountable e, assim, apontam a responsible
autonomy como um conceito fundamental no livre-arbítrio. Esta visão está dentro da
questão do auto-controle, do pensamento inteligente, da escolha racional, da iniciativa e
da capacidade de responsabilizar aqueles que não respeitam e quebram as regras da
sociedade, como consequência da crença no livre-arbítrio.
O quarto artigo Measuring and Manipulating Beliefs and Behaviors Associated with Free
Will: The Good, The Bad, and The Ugly, de Schooler, Nadelhoffer, Nahmias e Vohs, tenta
responder de que forma podemos medir e manipular as crenças e os comportamentos
associados ao livre-arbítrio. Os autores começam por dizer que o livre-arbítrio é
habitualmente considerado um fundamento da responsabilidade moral e legal, pois
permite responsabilizar quem quebra as regras da sociedade. A ideia da inexistência do
livre-arbítrio apenas permite que as pessoas sacudam a responsabilidade dos seus actos
em virtude de não terem livre-arbítrio. Desta feita, os autores procuram desenvolver um
novo instrumento psicométrico para medir as crenças sobre o livre-arbítrio, o
determinismo, o dualismo, o reduccionismo, a responsabilidade e o castigo, para gerar
novas e mais adequadas ferramentas para manipular as crenças e os comportamentos
sobre o livre-arbítrio e todos os conceitos relacionados. Para além disso, querem usar
estas novas ferramentas para explorar as crenças sobre o livre-arbítrio relacionando-o aos
comportamentos morais e imorais existentes na sociedade.
O quinto artigo Incompatibilism and “Bypassed” Agency, de Gunnar Björnsson,
apresenta inúmeros problemas à Bypass Hypothesis e interpretações alternativas dos
dados experimentais apresentados, que levam a uma forte motivação a rejeitar esta
hipótese e aceitar as interpretações alternativas e as interpretações que vão de acordo com
a Explanation Hypothesis. O autor conclui que a Explanation Hypothesis pode explicar a
correlação negativa entre Bypass e Responsibility judgements, o que encontra fundamento
na falha de encontrar uma hipótese alternativa, assim como na falta de uma correlação
entre Bypass e Throughpass judgements e na interacção entre crenças no determinismo e
Bypass e Responsability judgements.
Os pontos mais importantes desta primeira unidade de Surrounding Free Will consistem
na defesa de que o livre-arbítrio só pode existir dentro da cultura e numa situação em que
a escolha é livre, por existir mais do que uma opção de escolha. Para além disso, aponta

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também o livre-arbítrio como uma capacidade desenvolvida a partir de uma determinada
idade, em vez de ser uma característica inata. Tais pontos reforçam a conclusão de que o
determinismo não tem qualquer influência no livre-arbítrio, em virtude de a responsable
autonomy ser inerente à condição humana. Estes cinco artigos iniciais parecem ser
fundamentais para questionar a ideia de um determinismo desresponsabilizador e explicar
certos comportamentos morais e imorais existentes na sociedade através da exploração
das crenças sobre o livre-arbítrio.
O sexto artigo Naturalizing Free Will: Paths and Pitfalls, de Mylopoulos e Lau, é o
resultado escrito de um programa de investigação, que tem pelo menos três sub-
programas: Phenomenological Program, Intuitionist Program e Cognitive
Psychology/Neuroscience Program. No primeiro sub-programa tentam investigar a
fenomenologia do livre-arbítrio, através da investigação qualitativa na Psicologia e
utilizam o Talk-aloud Protocol, se bem que coloquem muitas reticências numa
fenomenologia que adopte um papel avaliativo do livre-arbítrio. No segundo sub-
programa os autores pretendem explorar sistematicamente intuições populares sobre o
livre-arbítrio, através de ferramentas utilizadas na investigação nas Ciências Sociais,
como por exemplo surveys e questionários, se bem que têm presente que as intuições têm
que estar sempre ligadas a uma rede de estados mentais inerente à mente humana. No
terceiro sub-programa viram-se para descobertas e modelos da neurociência e psicologia
cognitiva que acabam por fundamentar as teorias do livre-arbítrio, se bem que
questionando se a neurociência e a psicologia são capazes de definir o papel da
consciência nas nossas acções e se a consciência é necessária ao livre-arbítrio.
O sétimo artigo “Free Will”: Components and Processes, de Patrick Haggard, parte da
questão fundamental relacionada com a dificuldade em explicar o que é que causa
determinados comportamentos humanos. O autor entende que o livre-arbítrio é tão
simplesmente uma forma de responder o porquê de uma determinada pessoa ter feito uma
determinada coisa, sendo, por isso mesmo, uma acção flexível. E para que uma acção seja
flexível não pode ser especificada de uma forma rígida nem previsível. O autor refere que
os humanos aprendem o controlo voluntário numa fase muito inicial de desenvolvimento,
partindo de um bottom-up model e evoluem para um hierarchical processing, quando
desenvolvem o controlo voluntário das acções. Posto isto, o autor não defende que existe
de verdade livre-arbítrio consciente, se bem que se incline fortemente para essa
possibilidade. O que ele defende é que, no caso de existir, o livre-arbítrio consciente é
apreendido e não inato.

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O oitavo artigo Change of Intention in “Picking” Situations, de Furstenberg, Deouell e
Sompolinsky, procura distinguir dois conceitos, Picking e Choosing. Há uma diferença
de princípio entre estes dois conceitos. Esta necessidade de diferenciação vem de um
confronto inicial entre Proximal Intentions e Distal Intentions. No caso de Picking, os
autores concentram-se nas intenções proximais, ou seja, a intenção de fazer algo agora
em contraste de fazer algo a longo prazo. As intenções proximais são definidas aqui como
conscientes ou não conscientes no que se refere à preparação. No caso de um cenário de
picking, trata-se de uma decisão que não tem um peso significativo, voltando, assim, ao
conceito de meaning. No caso de choosing, trata-se de uma decisão que tem um
significado e por isso faz-nos pesar as várias alternativas. Esta distinção que é feita entre
picking e choosing e a consequente mudança de intenção é utilizada para questionar a
teoria de Libet, pois este defendia que não havia livre-arbítrio consciente porque havia
uma sinalização cerebral anterior à consciência referenciada pelos participantes. Isto vem
entroncar na ideia que a sinalização que surge no electroencefalograma pode ser
justificado pelo simples facto de dizerem aos participantes para carregar no botão quando
entenderem. Isso pode provocar pensamentos anteriores à decisão de carregar no botão,
ou seja, pode ser uma preparação para carregar no botão. Dentro da preparação para a
decisão, surgem pensamentos que acabam por provocar a sinalização. Por fim, os autores
apresentam vários estudos e conclusões que contrariam a teoria de Libet, desde conceitos
como aquilo que chamam de noisy inner state, que consistem em dúvidas, medos, crenças
que nos levam a questionar a acção e o momento de agir.
O nono artigo On Reporting the Onset of the Intention to Move, de Maoz, Mudrik, Rivlin,
Ross, Mamelak e Yaffe, aborda o movimento, muito utilizado por Libet para justificar a
não existência de livre-arbítrio. Os autores apresentam uma reflexão sobre Libet e os
Follow-up Experiments – Readiness Potential e Intention. Libet defende que há eventos
cerebrais anteriores a uma decisão consciente. Apresentam, assim, críticas aos
experimentos de Libet e ao Readiness Potential. Os autores criticam a utilização do
tempo. Quem decide o momento em que tomou consciência da decisão é quem a toma,
logo apresentará sempre algum desfasamento temporal. O que pretendem dizer é que
temos uma noção de tempo desfazada do tempo efectivo, mesmo que o evento aconteça
dentro da nossa cabeça. O que me parece é que estes experimentos de Libet ajudaram a
comprovar que existem eventos mentais anteriores a todas as decisões, sejam elas
proximais ou distais. Talvez, quem sabe, abrindo a possibilidade de existir um momento
deliberativo mesmo nas decisões proximais. No entanto, estes experimentos estão longe

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de comprovar a não existência de consciência no livre-arbítrio e, muito menos, a não
existência de livre-arbítrio.
O décimo artigo Dissecting the Readiness Potential: An Investigation of the Relationship
between Readiness Potential, Conscious Willing, and Action, de Alexander, Schlegel,
Sinnot-Armstrong, Roskies, Tse e Wheatley, tenta dissecar o conceito do Readiness
Potential, através de uma relação entre este e os conceitos de Conscious Willing e Action.
Abordam várias experiências que foram levadas a cabo ao longo dos tempos, baseados
no RP e LRP. Assim, os autores concluem que LRP associa um sinal neuronal ao
movimento. Por outro lado, RP é inconclusivo no que se refere à natureza dos processos
neuronais. Por isso, os autores entendem que os processos neuronais não são específicos
de uma acção particular. A seguir, discutem implicações das próprias descobertas para o
debate filosófico e científico surrounding free will, questionando, entre outras coisas, se
readiness potential é a assinatura da actividade neuronal que causa a vontade e/ou o
movimento.
A perspectiva da neurociência fundamenta algumas ideias da primeira unidade, como a
ideia que o livre-arbítrio é uma capacidade apreendida, se bem que lhes acrescente uma
consciência. Contraria também a ideia que o determinismo invalida a existência do livre-
arbítrio, ao questionar o conceito de Readiness Potential e a utilização do tempo nos
experimentos de Libet, que estão longe de ser um fundamento sustentável da teoria de
não existência do livre-arbítrio. No entanto, a ideia mais importante a reter desta
perspectiva está relacionada com a diferenciação de picking e de choosing, sendo este
último imbuído de meaning, contrariamente à primeira forma de escolha. Esta distinção
é assim a maior questão à teoria de Libet, apresentada nesta unidade.
O décimo-primeiro artigo Monkey Decision Making as a Model System for Human
Decision Making, de Adina L. Roskies, procura construir um modelo de decisão para o
humano através de uma correlação com o modelo de decisão dos macacos. A autora
começa por apontar objecções categorizadas na tarefa, em que ela considera que a tarefa
é apenas percepcional ou de categorização e não decisional e distingue as decisões That
(relacionadas com o estado das coisas e que não levam a nenhuma acção) das decisões
To (as que levam a uma acção). De seguida, aborda objecções ao nível do conteúdo, ou
seja, o conteúdo está errado, ao diferenciar decisões objectivas de decisões subjectivas,
decisões binárias de decisões com alternativas múltiplas, conteúdos perceptuais de
conteúdos proposicionais e, por fim, incorpora os valores nas decisões humanas. Em
terceiro lugar, apresenta uma objecção que defende que o modelo decisional dos macacos

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é inadequado aos humanos, uma vez que humanos e macacos são diferentes, começando
pelo facto dos humanos terem linguagem, consciência e auto-consciência, contrariamente
aos macacos. De seguida, a autora aborda o conceito da liberdade na tomada de decisão,
relacionando-o com o determinismo. Por fim, conclui que os macacos partilham com os
humanos brain homologies e performance characteristics numa vasta variedade de
tarefas relacionadas com a decisão, podendo as questões sobre o conteúdo serem
respondidas dentro da tarefa, se bem que as questões mais complicadas de responder
correspondem a diferenças de capacidade de linguagem e metacognição.
O décimo-segundo artigo The Problem of Determinism and Free Will is Not the Problem
of Determinism and Free Will, de Carolina Sartorio, aborda o problema do determinismo
e do livre-arbítrio, se bem que partindo do pressuposto que esse problema é inexistente
ou, pelo menos, o problema é diferente daquele que é apontado. O incompatibilismo do
determinismo com o livre-arbítrio é assente numa ideia que não é possível existir livre-
arbítrio num mundo determinista. A autora defende que os eventos acontecem não só pela
determinação à priori, se bem que também acontecem como resultado dos actos do ser
humano. Logo, o determinismo e o livre-arbítrio podem co-existir. Partindo do
pressuposto que o problema do determinismo e do livre-arbítrio não é o problema do
determinismo e do livre-arbítrio, a autora procura perceber qual é então o problema,
sugerindo factos através do Campbell’s case of Adam, como a existência de um passado,
a existência de um passado (quando ainda não existem seres racionais), a existência de
um tempo que está fora do nosso controlo. Assim, a autora aponta como maior ameaça
ao livre-arbítrio a existência de um passado que leva a que ajamos de uma determinada
forma. O que me parece que a autora pretende dizer é que a vida é complexa em virtude
de uma conjugação de um elemento quasi-deterministic e um elemento de falta de
controlo, que caracteriza os seres humanos. Desta feita, a evolução da vida humana e as
acções e decisões passadas do ser humano condicionam, de certa forma, o livre-arbítrio.
De seguida, procura distinguir entre Leeway e Source Incompatibilism. A primeira é
quando não temos forma de evitar uma determinada acção, ou seja, não temos escolha
sobre a acção, não sendo livre. Leeway defende que o determinismo retira a habilidade
para decidir, para decidir de forma diferente e que isto é incompatível com o livre-arbítrio.
E se falarmos de source incompatibilism que defende que se alguém não é a fonte genuína
de um acto, então esse acto não é livre. Neste caso, o determinismo renega a capacidade
de ser genuinamente a fonte dos nossos actos. Assim, se o determinismo for verdadeiro,
a história causal dos nossos actos depende de factores externos à nossa agência e fora do

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nosso controlo, mas determinam o que fazemos, sendo incompatível com o livre-arbítrio.
Por fim, a autora termina com os argumentos do fate of incompatibilism. Se o
determinismo é realmente verdadeiro, nós nunca seremos as principais fontes dos nossos
actos. Logo, o determinismo anula a liberdade e a responsabilidade fundamental da vida
humana.
O décimo-terceiro artigo On Being Someone, de J. T. Ismael, consiste numa tentativa de
responder à questão What am I em vez de Who am I. Nesse sentido, o autor fala sobre a
capacidade de se auto-governar, auto-organizar, ou seja, aborda os conceitos de grupos
simples, sistemas dinâmicos, sistemas de auto-organização, sistemas de auto-governação
e unidades (sintética, univocidade, dinâmica, diacrónica), fundamentando a sua posição
em Kant, no que se refere à unidade sintética e o sujeito perceptual, o julgamento e o
sujeito intencional. No final, tenta clarificar os pontos fundamentais no conceito de auto-
governação, se bem que acabe por relembrar Descartes, quando se virou reflexivamente
para ele mesmo, e conclui que a estrutura de auto-governação introduz o agente numa
situação sem o reificar, dando-nos a non-question-begging, non-humuncular account of
the “I” of “I do”. O ponto de vista reflexivo de Descartes leva a que um ser com uma
organização psíquica exemplificado por um sistema de auto-governação seja the thing
that judges when I judge, controlando o que eu faço.
O décimo-quarto artigo Negligent Action and Unwitting Omissions, de Randolph Clarke,
pretende sublinhar o papel da omissão involuntária no conceito da negligência. Inicia o
processo numa diferenciação de acções e omissões, tentando depois chamar à
responsabilidade pelas omissões, no caso de comportamentos negligentes e no caso do
agente estar completamente inconsciente dessas omissões. Procura apresentar uma
proposta que nos ajude a evitar uma conclusão radical. No entender do autor, a
responsabilidade por um erro provocado pela ignorância só existe se o agente for
responsável primeiramente pela ignorância. No final, o autor olha para várias
considerações que suportam esta conclusão radical, para perceber de que forma a sua
proposta se pode reforçar nessas considerações. A primeira consideração é Failure to
Advert, que consiste em não advertir para o perigo de uma determinada acção. Esta falha
na advertência pode ocorrer de uma forma voluntária ou involuntária. A segunda
consideração é Blameworthiness without Awareness, que consiste numa culpa sem
consciência. Será que quem tem culpa sem consciência pode dizer que foi livre na decisão
da acção? A terceira consideração é Culpable Ignorance, que consiste numa ignorância
culposa, que o autor põe em causa.

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A perspectiva da filosofia tradicional assenta na correlação entre o conceito de livre-
arbítrio e o determinismo, partindo do conceito de liberdade na tomada de decisão
humana. No entanto, o que me parece mais importante nesta unidade é mesmo a ideia que
a maior ameaça ao livre-arbítrio é a existência de um passado que condiciona a acção
humana, contrariamente ao incompatibilismo entre o livre-arbítrio e o determinismo. Esta
ideia de um passado condicionador é reforçada pelo ponto de vista reflexivo de uma
organização psíquica exemplificada por um sistema de auto-governação.
A riqueza multidisciplinar de Surrounding Free Will implica que poucas pessoas terão
interesse em todos os artigos, em virtude da diversidade temática dos artigos que
compõem este livro. Mesmo assim, parece-me claro que muitos filósofos e psicólogos
valorizarão a alta e fascinante qualidade deste volume dedicado ao livre-arbítrio.
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Descrição e Reflexão sobre a Metodologia de Investigação seguida
A decisão de qual trabalho desenvolver no âmbito da unidade curricular de Metodologia
de Investigação em Filosofia I (MIF) foi imediata e sem grande ponderação, confesso. O
primeiro passo foi escolher uma das três opções propostas pelo docente. Optei pela
redacção de uma recensão crítica de um livro recente de filosofia. O pensamento de Alfred
R. Mele sobre o livre-arbítrio mostrou-se perfeito, pois sempre me questionei sobre a
minha liberdade de escolha, decisão e acção.
O segundo passo assenta na pesquisa no catálogo online da Biblioteca da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto dos livros disponíveis de Alfred R. Mele sobre o livre-
arbítrio e a consulta de contra-capas, badanas e índices de livros, publicados desde 2015.
Surrounding Free Will pareceu-me o mais adequado, devido à visão alargada do tema.
O terceiro passo consistiu na leitura da introdução principal do livro, a qual me levou ao
site de Big Questions on Free Will Project, onde pude assistir a uma entrevista dada por
Alfred R. Mele, onde fala sobre o que fundamenta o projecto e este livro. Este foi o quarto
passo que dei nesta investigação.
Aqui parti para uma leitura da introdução de cada capítulo e respectiva conclusão. Neste
quinto passo pude gravar as considerações que me ficavam de cada um dos capítulos,
registando assim uma primeira ideia transversal. Este processo foi enriquecedor, porque
pude registar logo à partida as primeiras ideias-questões que me surgiram, algo que não
faria se já estivesse, de facto, a resumir os capítulos.
O sexto passo consistiu numa transcrição das informações recolhidas nas introduções e
nas conclusões e redacção de um rascunho desta recensão. Em seguida li o corpo de cada

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artigo, identificando citações, que poderiam enriquecer um resumo mais alargado do
mesmo. Assim, o sétimo passo foi a recolha de citações, que acabaram por ajudar,
também, a reescrever o rascunho inicial.
O processo de reedição foi o oitavo passo, do qual resultou um resumo alargado de mais
de 20 páginas, onde constam também várias citações do livro. Em virtude deste trabalho
ter como limite máximo as 10 páginas, nas quais esta descrição e reflexão sobre a
metodologia aplicada é incluída, decidi não usar citações na recensão crítica final e voltar
a resumir.
Assim, o nono passo foi a reestruturação da recensão crítica, que levou a uma redacção
mais concisa e significativa do conteúdo de Surrounding Free Will. Concluí esta
investigação com uma revisão minuciosa da recensão final e formatei-a mediante as
regras da Revista de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
As linhas orientadoras da Filosofia são aplicáveis a artigos com uma estrutura diferente
da de uma recensão crítica, no entanto consultei as recensões já publicadas na revista e
formatei-a de uma forma similar. Confesso que fiquei com dúvidas em relação a esta
situação, se bem que não me pareceu lógico dar a uma recensão crítica uma imagem de
artigo académico, com abstract em português e inglês. Por esse mesmo motivo, os meus
dados surgem no final desta reflexão.
Por fim, ao longo da investigação questionei várias vezes a minha escolha, principalmente
por achar que é um livro rico demais para reduzir a uma recensão crítica de apenas 10
páginas (oito, se acrescentarmos esta descrição e reflexão sobre a metodologia aplicada à
investigação). Mesmo assim, sinto-me realizada por esta oportunidade.

Cláudia Sofia Monsanto dos Santos


Estudante nº 201710631
Mestrado de Filosofia Contemporânea
Metodologia da Investigação em Filosofia I
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
15.jan.2018

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