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CEFAC

CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA


AUDIOLOGIA CLÍNICA

O FETO COMO SER OUVINTE

LORENE BUTKUS LINDNER

PORTO ALEGRE
1999
CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
AUDIOLOGIA CLÍNICA

O FETO COMO SER OUVINTE

Monografia de Conclusão do Curso de


Especialização em Audiologia Clínica.
Orientadora Mirian Goldenberg.

LORENE BUTKUS LINDNER


PORTO ALEGRE
1999
RESUMO

Este trabalho é uma revisão bibliográfica que traz informações à pais e


profissio-nais de áreas interessadas sobre as informações auditivas as quais o feto
tem acesso.
Iniciamos com o estudo embriológico do órgão auditivo, desde o tecido
ectodérmico que originam as porções externa e interna da orelha e do tecido
mesodérmico que originam os ossículos da orelha média e o osso que envolve a
orelha interna; até o momento da sua estrutura adulta.
Durante este estudo percebemos que as vias auditivas já estão maturadas a
partir do quinto mês de gestação. Sendo assim, seguimos estudando o que o feto
pode ouvir.
O bebê recém-nascido traz consigo uma memória auditiva de pelo menos quatro
meses. Esses sons vêm pelo fluído, mas são verdadeiros sinais auditivos.
O fluxo sangüíneo nos grandes vasos da mãe, as batidas de seu coração, seus
movimentos intestinais, sua voz, uma música e até ruídos compõem muitos dos sons.
Percebemos que os fetos podem responder à estes estímulos com sobressaltos,
rotação da cabeça e do tronco, além de um aumento da freqüência de batimentos
cardíacos. Após o nascimento também notamos que há uma memória auditiva quando
o feto gira o rosto para o lado da voz da sua mãe quando esta foi colocada junto a
outra voz feminina.
A reação dos pais frente as respostas do seu bebê também são abordados e
com todas estas informações, percebemos que talvez estes dados possam ajudar
numa detecção realmente precoce da perda auditiva.
Esta monografia é dedicada a todas
mães e aos profissionais que desejam
saber um pouquinho mais sobre este
futuro bebê.
Agradeço aos colegas que não
mediram esforços para este trabalho
tornar-se a realidade que é hoje.
Agradeço aos amigos que revisaram e
a minha mãe pelo eterno apoio.
“Uma única alma governa os dois
corpos... não raro, as coisas desejadas
pela mãe aparecem impressas nos
membros da criança que a mãe carrega
quando tem o desejo.”

Leonardo da Vinci; Quaderni


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 1

2 JUSTIFICATIVA ............................................................................................. 3

3 DISCUSSÃO TEÓRICA ................................................................................. 5


3.1 Embriologia da audição ............................................................................ 5
3.2 Estudos sobre a audição fetal .................................................................. 14
3.3 O que os fetos ouvem ............................................................................... 20
3.4 Reações fetais frente aos estímulos sonoros ........................................ 29
3.5 Reações dos pais frente às respostas dos seus bebês ........................ 31

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 33

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 37


1 INTRODUÇÃO

O feto humano tem um mundo vivo ao seu redor, repleto de atividades, ritmos

especiais, movimentos com objetivos, sensações sendo descobertas e com respostas

complexas às emoções e ações de sua mãe.

O som está sempre ali, para estimulá-lo a crescer, para mostrar-lhe que há algo

mais a descobrir e para fazer-lhe companhia.

A audição é um sentido que traz importantes informações para o

desenvolvimento humano, principalmente no que se refere aos aspectos lingüísticos e

psicossociais.

As vias auditivas já estão maturadas a partir do quinto mês de gestação,

possibilitando que o feto apresente reações aos sons durante este período. Para o

melhor desenvolvimento deste sentido tão importante, podemos e devemos estimulá-lo

desde então.
Porém, estas informações nem sempre estão presentes na vida dos pais e de

profissionais de áreas correlatas. Surgiu então, o interesse em realizar um trabalho, a

partir de uma revisão bibliográfica, que propicie aos pais e demais interessados,

conhecer mais sobre o desenvolvimento auditivo deste “ser” ainda em formação.

Abordaremos assuntos como a embriologia da audição, tipos de sons audíveis

pelo feto, assim como suas reações a estes sons, aspectos no desenvolvimento do

bebê decorrentes desta audição intra-útero e as reações dos seus pais.

Neste estudo, pretendemos tratar a normalidade e não a patologia, enfocando

os aspectos da prevenção.

Não podemos esquecer que a audição é um sentido de distância, importante

para o apego emocional do bebê e sua mãe.

Queremos despertar a curiosidade por este mundo auditivo que nos é

apresentado tão precocemente, convidando os pais a descobrir as capacidades do

seu bebê e possibilitando uma interação mãe-bebê saudável e muito prazeirosa.


2 JUSTIFICATIVA

Conhecendo o desenvolvimento da audição durante a vida intra-uterina,

percebemos a necessidade de orientar os pais e outros profissionais de áreas afins

de como este desenvolvimento se estabelece.

O nascimento de uma criança é sempre majestoso, cheio de novidades; mas

porque não curtir estas surpresas durante os nove meses de espera?

Sendo a comunicação, um dos grandes laços afetivos entre pais e filhos,

decidimos desvendar o mistério da audição intra-uterina.

O feto ainda não dá sinais evidentes de que está alerta aos sons (batimentos

cardíacos da mãe, vozes, líquidos internos, ...), mas sabemos que estes são aconteci-

mentos fisiológicos primordiais para o desenvolvimento auditivo do recém-nascido.

Percebemos, então, a importância de esclarecer aos pais estes fatos, para


que eles ajam com o seu futuro bebê, de forma a propiciar a estimulação intra-uterina e

assim, começar a criar este vínculo tão necessário.

Com este suporte, acreditamos que este laço será perfeitamente estabelecido,

contribuindo para uma gestação mais rica e um melhor desenvolvimento global do

bebê.
3 DISCUSSÃO TEÓRICA

Para começar o nosso estudo sobre a audição do feto, precisamos saber como

se dá o desenvolvimento e o processo maturacional do órgão auditivo.

3.1 Embriologia da audição.

Um dos primeiros desenvolvimentos organizacionais do embrião é a

diferenciação das células em três placas sobrepostas, chamadas camadas

germinativas. São conhecidas como ectoderma, mesoderma e endoderma. No início

essas células parecem iguais, mas apesar de todas serem originárias do mesmo ovo

fertilizado, mudanças químicas acontecem. O ectoderma é responsável pelo

desenvolvimento dos tecidos externos de revestimento, mas dá origem também ao

sistema nervoso e aos órgãos dos sentidos. O mesoderma está associado às

estruturas do esqueleto e circulação, aos rins e órgãos reprodutores. O endoderma

cria o tubo digestivo e os órgãos respiratórios.


Sendo assim, as porções externa e interna da orelha desenvolvem-se a partir
do tecido ectodérmico, enquanto os ossículos da orelha média e o osso que envolve a

orelha interna originam-se do tecido mesodérmico.

A orelha começa a se desenvolver durante a vida inicial do embrião.

O disco embrional sofre segmentação por uma estria primitiva por cerca de

vinte e cinco horas, o que leva ao desenvolvimento da ranhura primitiva. Esta

aprofunda-se, convertendo-se no buraco primitivo que, por sua vez, transforma-se na

ranhura nervosa e na dobra nervosa. Há então um alargamento do terminal cefálico da

estria primitiva que se destina a ser a cabeça do organismo. As dobras nervosas da

linha ectodérmica juntam-se para fechar a ranhura nervosa no que é conhecido como

tubo nervoso. É durante o estágio do tubo nervoso que se vêem os princípios da

orelha.

De acordo com Northern e Downs (1989), as demarcações iniciais da orelha no

embrião humano aparecem no começo da terceira semana como um espessamento

da superfície ectodérmica de cada lado do disco nervoso exposto, sendo este

espessamento chamado placóide ótico. Por volta do vigésimo terceiro dia cada

placóide se invagina e forma a depressão ótica. Em torno do trigésimo dia, as bordas

dessa depressão juntam-se e fundem-se para formar uma vesícula auditiva, ou

otocisto, o primórdio do labirinto membranoso. O otocisto logo perde a sua conexão

com o ectoderma superficial.


O otocisto prossegue sua diferenciação através de dobras, invaginações e

alongamentos tomando uma forma alongada que permite reconhecermos duas

regiões. Uma dorsal, ou porção ventricular, da qual surge o ducto endolinfático, e outra

ventral, ou porção sacular.

Por volta do meio da quinta semana crescem da porção utricular três

divertículos discóides, e as porções centrais das paredes desses divertículos

rapidamente se difundem e, a seguir, desaparecem. As porções periféricas não

difundidas dos divertículos transformam-se nos canais semicirculares.

Da porção sacular ventral do otocisto, cresce um divertículo tubular, o ducto

coclear, que se enrola para formar a cóclea. Por volta da sétima semana já completou-

se uma volta da futura cóclea, e durante a oitava e décima primeira semana

completam-se as duas voltas e meia da cóclea.

O mesênquima situado em torno do otocisto condensa-se e diferencia-se em

uma cápsula ótica cartilaginosa. À medida que o labirinto membranoso aumenta de

tamanho, aparecem vacúolos da cápsula ótica cartilaginosa que rapidamente

coalescem para constituir o espaço perilinfático. O labirinto membranoso fica, então,

suspenso em um líquido, a perilinfa, no espaço perilinfático. Este espaço relacionado

ao ducto coclear, desenvolve-se em duas dimensões, a rampa timpânica e a rampa

vestibular. A cápsula óptica cartilaginosa ossifica-se para formar o labirinto ósseo da

orelha interna.
O duto coclear continua a se prender à área vestibular por meio de um tubo

estreito conhecido como tubo de união. A divisão coclear do oitavo nervo acompanha

o alongamento e o volteamento do duto coclear e distribui suas fibras em leque ao

longo de todo o conduto.

Durante a sétima semana, as intrincadas circunvoluções do labirinto ótico

continuam a desenvolver-se e órgãos sensoriais terminais aparecem primeiramente

como espessamentos do epitélio no utrículo e no sáculo. Espessamentos epiteliais

semelhantes são encontrados nos terminais em ampola dos canais semicirculares

durante a oitava semana e no pavimento do duto coclear na décima segunda semana.

Esses espessamentos epiteliais diferenciam-se em dois tipos de células, ou seja,

células sensoriais com cílios em forma de cerdas e células de sustentação na

extremidade.

A maturação completa das células sensoriais e de sustentação não ocorre

antes do quinto mês, quando o duto coclear inteiro já apresenta considerável

crescimento e expansão.

O labirinto membranoso da orelha interna atinge sua configuração adulta total no

começo do terceiro mês. A essa altura, a cápsula ótica, que se insere em cartilagem,

começa a ossificar-se através de um sistema complexo de quatorze diferentes

ossificações endocondriais na porção petrosa do osso temporal.


A orelha interna é o único órgão sensorial a atingir completa diferenciação e

tamanho adulto à altura da metade do desenvolvimento fetal.

Devemos contudo, notar que a porção coclear é o último terminal da orelha

interna a apresentar diferenciação e maturação. Por isso, a cóclea está mais sujeita a

desvios de desenvolvimento, malformações e doenças que os órgãos terminais.

A orelha média é uma estrutura endodérmica.

A cavidade da orelha média inicia seu desenvolvimento na terceira semana,

quando o buraco auditivo insere-se na placa nervosa para tornar-se a vesícula auditiva.

A primeira bolsa faríngea expande-se em um recesso tubotimpânico alongado

que forma a cavidade timpânica e o antro, e a sua conexão com a faringe alonga-se

gradativamente para formar a trompa de Eustáquio.

Quando o embrião humano está na quarta semana, uma série de cinco ranhuras

branquiais ou guelras estão presentes. Essas ranhuras localizam-se nas regiões da

parte baixa da cabeça e do pescoço, no lado externo do embrião. Na parte interna

desenvolve-se uma série correspondente de bolsas faríngeas e as combinações

dessas estruturas são chamadas arcos. Uma das bolsas branquiais é realmente

perfurada para a parte externa da cabeça. Essa passagem vem a ser o


canal auditivo externo e a trompa de Eustáquio.

O tímpano forma uma barreira entre essas duas porções da passagem, que, de

outra maneira, ligaria a faringe ao exterior.

Durante o segundo mês, o recesso tubotimpânico aproxima-se da superfície

entre o primeiro e o segundo arcos branquiais como cartilagens de Meckel

(mandibular) ou de Reichert (hióide), respectivamente. Por volta da oitava semana, a

cavidade timpânica está presente na metade inferior da futura orelha média, enquanto

a metade superior está preenchida pelo mesênquima celular. Assim o primeiro arco

branquial forma a maior parte da estrutura material do martelo e da bigorna, enquanto

que o segundo arco branquial origina o processo lenticular da bigorna, a haste do

martelo e o estribo.

De acordo com Northern e Downs (1989), Moore (1974) esclarece, que a

extremidade dorsal da cartilagem do primeiro arco de cartilagem de Meckel, relaciona-

se intimamente com a orelha em desenvolvimento e se ossifica para formar dois

ossículos da orelha média, o martelo e a bigorna. A porção intermediária da cartilagem

regride, e seu pericôndrio forma o ligamento anterior do martelo e o ligamento

esfenomandibular. A extremidade dorsal da cartilagem do segundo arco, ou cartilagem

de Reichert ossifica-se para formar o estribo e o processo estilóide do osso temporal.


A própria cavidade da orelha média tem uma origem dual, com a área posterior

surgindo do segundo arco.

Por volta da metade da nona semana, a bigorna e o martelo já atingiram a forma

cartilaginosa total, semelhante à do adulto. O estribo cresce como uma estrutura

cartilaginosa até a décima quinta semana. Da décima quinta à décima sexta, começa

a ocorrer ossificações na superfície cartilaginosa do martelo e da bigorna, que se

completam por volta da trigésima segunda semana. O estribo não começa a

ossificação antes da décima oitava semana e continua a se desenvolver mesmo

depois da completa ossificação. O estribo desenvolve-se ainda pela vida afora.

Pela trigésima semana o desenvolvimento do tímpano propriamente dito está

quase completo. O antro da cavidade da orelha média pneumatiza-se da trigésima

quarta à trigésima quinta semana aproximadamente e o epitímpano pneumatiza-se

durante o último mês fetal.

As células aéreas do osso temporal desenvolvem-se como bolsos externos da

cavidade da orelha média durante a trigésima quarta semana. Na realidade, o ar não

entra na cavidade da orelha média antes da respiração inicial imediatamente quando

do nascimento.

O pavilhão auricular desenvolve-se durante a terceira ou quarta semana a


partir do primeiro e segundo arcos branquiais. Na verdade, o pavilhão auricular deriva

propriamente do segundo arco, e apenas o trago parece originar-se do primeiro arco

branquial. Isso acontece por volta do período em que a vesícula auditiva se forma na

orelha interna.

Durante a sexta semana, seis saliências ou espessamentos de tecidos formam-

se em ambos os lados da primeira ranhura branquial, dispostas três em cada lado. A

configuração definitiva do pavilhão auricular do adulto depende do desenvolvimento

desses seis centros de crescimento; logo, muitas formas diferentes de pavilhão

auricular estão dentro da grande variação possível dos padrões de normalidade. A

essa altura, as dobras mesenquimais do pavilhão auricular estão começando a

transformar-se em cartilagem. Da sétima à vigésima semana, o pavilhão auricular

continua a se desenvolver, deslocando-se lentamente no sentido de desenvolvimento

da mandíbula e da face, de sua posição ventro-medial inicial para a posição lateral. Na

vigésima semana o pavilhão auricular apresenta configuração adulta, mas continua a

crescer até que o indivíduo atinja nove anos de idade.

O meato auditivo externo deriva-se da primeira ranhura branquial da quarta à

quinta semana. A essa altura, o revestimento ectodérmico da primeira ranhura

branquial está em ligeiro contato com o revestimento endodérmico da primeira bolsa

faríngea. O tecido mesodérmico, contudo, logo se desenvolve entre as duas camadas,

separando a bolsa faríngea da ranhura branquial.


Na oitava semana, o meato auditivo emergente afunda em direção à cavidade

da orelha média e torna-se o terço externo do canal auditivo envolvido por cartilagem.

A ranhura ectodermal continua a aprofundar-se da superfície externa em direção à

cavidade timpânica até encontrar um adensamento de células epiteliais, chamado plug

meatal (tampão meatal), surgindo do ectoderma superficial.

O mesênquima desenvolve-se entre o plug meatal e as células epiteliais da

cavidade timpânica. Essas três camadas de tecido então tornam-se a membrana

timpânica, composta de fibras circulares internas, camada intermediária fibrosa de

tecido e camada externa de fibras radiais, antes da nona semana. O compacto plug

meatal, contudo, mantém fechado o canal auditivo externo até a vigésima primeira

semana. A essa altura, as estruturas da orelha interna e orelha média estão formadas

e ossificadas. O plug meatal desfaz-se formando o canal, onde a camada mais interna

do epitélio do plug meatal transforma-se na camada epitelial escamosa da membrana

timpânica.

Russo e Santos (1994) disseram que em geral, as etapas de respostas a sons

seguem um padrão de maturação. Fisiologicamente, a cóclea humana possui função

adulta normal após a vigésima semana de gestação, sendo que o feto reage a

estímulos sonoros intensos.

Ao nascer, o ser humano apresenta apenas audição do tipo reflexa; em

seguida, inicia-se o processo de aprendizagem e novas respostas ao som passam a


ser desenvolvidas, sendo estas dependentes de experiências auditivas. Assim que

estas experiências vão sendo adquiridas, ocorre a inibição das respostas reflexas.

Desta maneira, a audição puramente reflexa no nascimento passa a adquirir forma

mais sofisticada e complexa, que é denominada por Fry (1971) de “audição de

compreensão”, necessária à compreensão e produção da fala.

3.2 Estudos sobre a audição fetal.

Hall (1992) relata que o desenvolvimento do sistema auditivo que se inicia na

vida intra-uterina, encerra-se durante o primeiro ano de vida da criança. Existem assim,

duas fases de maturação neurológica. A primeira fase encerra-se por volta do sexto

mês de gestação, quando ocorre a maturação das vias auditivas periféricas (da orelha

externa até o nervo coclear). Na segunda fase, ocorre a maturação das vias auditivas

em todo sistema nervoso central. Tais informações são importantes no que se refere à

avaliação do recém-nascido.

Sabemos que no quinto mês de gestação, o feto já tem as estruturas da orelha

média e orelha interna formadas, sendo inclusive possível demonstrar suas funções

cocleares.

De acordo com Elliot e Elliot (1964), citado por Northern e Downs (1989), as

fibras do nervo auditivo começam a se mielinizar durante o sexto mês de gestação.


Johansson e colaboradores (1964) foram uns dos primeiros a relatar o teste de

audição fetal.

Eles usaram tons puros de alta freqüência colocados no abdômen da mãe

através de microfones e gravaram a freqüência cardíaca fetal em relação aos tons

após a vigésima semana de gestação.

A demonstração da audição fetal tem valor ao contradizer a teoria de que a

criança nasce como uma tábula rasa no que se refere à audição. O bebê recém-

nascido, na realidade, ouve sons por pelo menos quatro meses; sons que vêm pelo

fluído, mas, são verdadeiros sinais auditivos.

Klaus e Klaus (1989) em um estudo onde microfones minúsculos foram

colocados ao lado do feto dos seis aos sete meses e revelaram que os sons maternos

têm um volume levemente menor do que o de uma rua movimentada de uma cidade. O

fluxo sangüíneo nos grandes vasos da mãe, as batidas de seu coração e seu

movimento intestinal compõem muitos dos sons.

DeCasper e Fifer (1980), utilizando o padrão clássico de sucção com bebês

logo após o parto, colocaram fones de ouvido acima das orelhas do bebê e uma

chupeta não-nutritiva em sua boca. Um assistente segurou a chupeta frouxamente no

lugar, a chupeta foi ligada a um equipamento de programação e de gravação que

somente produzia ou a voz de sua mãe ou do próprio bebê.


Para cinco dos bebês selecionados ao acaso, os primeiros sons foram apenas

os da voz da mãe, em intervalos determinados, e então a voz da mãe de outro bebê.

Para outros cinco bebês, as condições foram opostas. Indicou-se uma preferência pela

voz materna, tendo-a o bebê produzido mais freqüentemente do que a voz não

materna. Estava evidente que o bebê aprendeu logo a obter acesso à voz da mãe,

visto que as propriedades temporais específicas de sucção foram necessárias para

produzir a voz materna.

Esses dados mostram que os recém-nascidos criados em grupos em berçários

que permitem o contato maternal mínimo, podem distinguir entre a fala de sua mãe e

de outras pessoas, e além disso, irão esforçar-se para produzir mais as vozes de suas

mães do que aquelas de outras mulheres. Esses autores afirmaram que as influências

pré-natais, intra-uterinas, podem ser um fator nesta aprendizagem inicial.

Pesquisadores japoneses fizeram um estudo em recém-nascidos que viviam

nas vizinhanças do Aeroporto Internacional de Osaka, um dos mais movimentados do

mundo. Se uma mulher grávida mudou-se para uma casa próxima da pista do

aeroporto antes dos seis meses e meio de gestação, seu recém-nascido de três dias

de vida despertava apenas cinco por cento do tempo quando um jato decolava. Mas se

uma mulher mudou-se para a mesma área após os sete meses de gestação, seu

recém-nascido de três dias despertava ou chorava cinqüenta e cinco por cento do

tempo na mesma ocorrência.


Experiências semelhantes com campainhas revelaram esta mesma capacidade

de “dessintonizar-se” ou “habituar-se”, como chamam os pesquisadores. Esta

capacidade mostra um nível de desenvolvimento altamente sofisticado no feto.

No entanto, com o intuito de ilustrar o trabalho, vamos mostrar que o ruído em

demasia durante a gestação também pode causar danos.

Ando e colaboradores (1977), compararam os níveis de lactogênio placentário

(H.P.L. - human placental lactogen) em mulheres moradoras em áreas ruidosas

próximas ao Aeroporto Internacional de Osaka, com moradoras de áreas mais

silenciosas. As mulheres estavam entre a 22ª e a 41ª semana de gravidez. O nível de

ruído nas áreas mais próximas ao aeroporto variava de 75 a 95 dBA. Os autores

constataram que entre as moradoras das áreas silenciosas (abaixo de 75 dBA), os

níveis de lactogênio placentário permaneceram dentro dos limites normais, enquanto

que entre as mulheres que residiam em áreas ruidosas os níveis eram mais baixos,

principalmente após a 30ª semana, diminuindo significativamente após a 36ª semana.

Os baixos níveis de lactogênio placentário foram associados ao baixo peso dos

recém-nascidos, cujas mães eram moradoras das regiões mais ruidosas.

Outra evidência de audição fetal vem da observação do feto através do ultrasom

enquanto ele está respondendo a sons secos e rápidos no lado de fora do abdômen

da mãe. Com vinte e oito semanas, um som seco externo produz uma
resposta imediata do olho. O piscar de olhos começa em alguns fetos antes da

vigésima sexta semana, e todos os bebês saudáveis já piscam com vinte e oito

semanas. Os pesquisadores ainda não podem dizer o quanto este movimento dos

olhos é uma resposta real ao som (click) e o quanto ele está relacionado à captação

das vibrações do som com outros órgãos sensoriais. Entretanto, as ondas cerebrais

de prematuros muito jovens revelam uma resposta definida ao som puro antes de vinte

e sete semanas.

Um obstetra francês investigou a audição pré-natal colocando um microfone

muito pequeno dentro do útero enquanto a mãe estava no trabalho de parto (após a

ruptura das membranas) e registrando a intensidade do som que chegava até o bebê

através do útero. Ele também observou uma variedade de respostas diferentes

(batimentos cardíacos e movimentos, por exemplo) que os bebês davam a diferentes

tipos de sons.

A maioria dos sons penetrava na parede uterina e abdominal. Nesta

experiência, ele podia ouvir claramente os sons inconfundíveis e níveis de vozes na

sala, os sons físicos internos da mãe e a Nona Sinfonia de Beethoven sendo tocada na

sala de parto.

Muitas pessoas têm se perguntado se esta capacidade de captar e responder

ao som durante a vida fetal não poderia influenciar preferências ou habilidades

musicais, bem como ser responsável pela resposta e familiaridade do bebê com a
voz de sua mãe.

Após conversarmos com uma talentosa violoncelista de treze anos que já se

apresentava com orquestras sinfônicas importantes e retrocedermos em sua história

pré-natal, descobrimos que sua mãe era uma musicista profissional e durante a gravi-

dez junto com a irmã tocava violino diariamente em um grupo de orquestra de câmara.

Muitos grandes compositores tiveram pais músicos. Naturalmente a experiência

da primeira infância poderia ser também o fator chave, sem mencionar as lições, o

trabalho duro e o talento.

Para descobrir se os bebês têm alguma memória do que ouvem no útero, o Dr.

DeCasper e seus colaboradores (1980) fizeram uma outra série de estudos curiosos.

Eles inicialmente fizeram gravações de cada uma de 16 mães enquanto elas

liam “O Gato no Chapéu”, do Dr. Seuss, e um poema chamado “O Rei, os Ratos e o

Queijo”. Durante as últimas seis semanas e meia de gravidez, cada uma das mães no

estudo foram solicitadas a ler em voz alta apenas uma dessas histórias infantis para o

seu feto, o que faziam duas vezes por dia. Assim cada feto teve um total de

aproximadamente cinco horas de tempo de escuta da mesma história lida

repetidamente até o nascimento.


Aos três dias de idade, foram colocados fones nos ouvidos dos bebês e as

gravações das duas histórias foram rodadas para eles. Os bebês ouviam uma história

quando sugavam rapidamente e a outra história quando sugavam vagarosamente.

Surpreendentemente, quinze dos dezesseis recém-nascidos sugavam rapidamente

para receber a história que tinham ouvido suas mães lerem continuamente quando

ainda eram fetos. Não muito diferente das solicitações de uma criança pequena para

ouvir continuamente uma história favorita.

3.3 O que os fetos ouvem.

No momento, várias pesquisas estão sendo feitas na França e nos Estados

Unidos com o objetivo de determinar a capacidade de aprendizado do feto, sobretudo

a partir de mensagens auditivas.

Anthony DeCasper (1980, 1984), da Universidade da Carolina do Norte,

mostrou que os bebês guardam em sua memória canções e histórias complexas que

lhes são repetidas nos três últimos meses de gravidez. Como observou a mãe citada,

os bebês reconhecem essas canções depois do nascimento, e reagem muito mais

atentamente àquelas que já conheciam. Parece que, de fato, os bebês tem memória.

DeCasper mostrou ainda que o recém-nascido tem reações diferentes ao ouvir

a voz de sua mãe e de outras mulheres. Estas pesquisas mostram que o


recém-nascido já tem experiências auditivas prévias e que é capaz de reconhecê-las.

Há exposição acústica suficiente no útero, para permitir tal desenvolvimento

precoce?

Bench (1968) mostrou que para um sinal de 72 dB encaminhado no útero numa

freqüência de 200 Hz há uma atenuação mínima do som (19 dB); um pouco mais a

500 Hz (24 dB); mais a 1.000 Hz (38 dB); e a maior a 2.000 Hz e 4.000 Hz (48 dB). As

duas últimas medidas não foram consideradas precisas visto que a força do sinal

aplicado não foi suficiente para superar a dissimulação dos sons internos que tinham

sido medidos a 72 dB e que correspondiam aos batimentos cardíacos da mãe. Deste

modo, as freqüências de 1.000 Hz e abaixo continham a voz materna que pôde ser

ouvida, quer de modo fraco, a partir do quinto mês de gestação, quando, como se tem

mostrado, a orelha fetal é capaz de analisar o som.

O estudo de Bench não foi feito dentro da bolsa amniótica intacta e, é claro, não

tratou estritamente com os sons disponíveis ao feto.

Porém, um estudo feito por Armitage e colaboradores (1980) mediu o nível de

som real dentro da cavidade amniótica de ovelhas grávidas por meio de hidrofones

dentro da cavidade, no meio do fluido, normal do feto. Esses pesquisadores

verificaram que embora os sons do sistema cardiovascular materno não fossem

notados, os sons da mãe, comendo, bebendo, ruminando, respirando e de seus


movimento musculares eram perceptíveis, visto que eram sons externos da mãe. Eles

verificaram que a atenuação de sons, medida em uma escala C de peso, alcançava

um mínimo de 37 dB logo abaixo de 1.000 Hz, porém era reduzida abaixo e acima

desta freqüência; com suas freqüências mais altas atenuadas em cerca de 20 dB até

a mais alta freqüência registrada (5.000 Hz). A atenuação oscilou, porém, a

conversação em níveis normais exteriores ao animal freqüentemente pôde, mas nem

sempre, ser entendida quando transmitida para dentro. Vozes elevadas eram quase

sempre distintas.

Se fizermos uma analogia deste padrão animal com o caso do feto humano,

então a voz da mãe e, mesmo, a do pai, poderiam ser ouvidos pelo feto.

A título de curiosidade mostraremos a pesquisa de Szmeja et al. (1979) que

dirigiram seus estudos para determinar o índice de isolação acústica das paredes

abdominais e uterinas em 44 mulheres. Devemos esclarecer que esta pesquisa queria

mostrar quais os riscos haveriam em uma gestante trabalhar exposta ao ruído.

Segundo os autores a atenuação das paredes abdominais e uterinas

funcionariam como uma proteção para a orelha interna do feto. Os maiores valores de

atenuação foram obtidos na faixa de freqüência de 1KHz a 5KHz, enquanto os

menores índices foram encontrados nas freqüências abaixo de 500hz e acima de

6KHz. Os valores constatados pelos autores nos primeiros meses de gravidez foram

maiores do que aqueles encontrados antes do parto. De acordo com os resultados


obtidos, os autores concluíram que o trabalho durante a gestação em locais com ruído

que não exceda 90 dBA, não seria nocivo à orelha do feto. Outras observações feitas

durante o estudo, tais como: mudanças no ritmo dos batimentos cardíacos e nos

movimentos do feto, demonstraram que estímulos de cerca de 100 dBNPS causavam

desconforto no feto. Além da exposição ao ruído no ambiente de trabalho, outros

fatores como as doenças maternas, o uso de medicação ototóxica e a vibração,

também deveriam ser levados em conta, pois ainda não é conhecido o quanto a orelha

do feto pode ser vulnerável ao trauma acústico.

O ruído excessivo durante a gestação não só pode causar uma redução no

peso do feto como também uma possível perda auditiva.

Lalande et al. (1986), realizaram um estudo exploratório para avaliar a

possibilidade de perda auditiva na criança, cuja mãe esteve exposta ao ruído durante a

gestação. Foram examinadas 131 crianças nascidas de mães que haviam trabalhado

em ambiente com nível de ruído variando de 65 a 95 dBA, por oito horas. O estudo

envolveu crianças com idade entre 4 e 7 anos, as quais foram submetidas à avaliação

audiológica. Os autores encontraram os seguintes resultados: a proporção de crianças

que apresentaram perda auditiva significativa (maior do que 10 dBNA) em 4KHz era

de 3 a 4 vezes maior quando as mães haviam sido expostas a níveis de ruído de 85 a

95 dBA (por oito horas, durante nove meses), quando comparada com crianças de

mães expostas a doses de ruído menores. Subdividindo essa classe de ruído, os

autores constataram que a porcentagem de


crianças que sofreram perda auditiva aumentou de 20,05% para 40% quando os níveis

de 90 a 95 dBA foram comparados aos níveis de 85 a 90 dBA. Os autores ainda

observaram que quando a exposição incluía um componente forte de baixa freqüência,

o risco de ter perda auditiva na freqüência de 4KHz aumentava de forma significante.

Um estudo similar ao de DeCasper e Fifer, porém utilizando a voz do pai em vez

da mãe, teria dado evidência definitiva para a audição fetal de vozes externas.

Um padrão animal relevante é o estudo de Gries e colaboradores (1980) que

transmitiram sinais padronizados para embriões de pintinhos através da casca do ovo

e verificaram que após o nascimento, os pintinhos agitavam seus bicos e piavam mais

freqüentemente aos sinais padronizados do que os pintinhos em um grupo de controle

não exposto. Os autores afirmaram que ocorreu uma “impressão” auditiva pré-natal.

Uma parte do mundo exterior que o bebê já conhece é o som das vozes de seus

pais. No caso de um bebê tranqüilo e esperto, Brazelton (1994) conseguiu comprovar

este fato com uma ida ao hospital. Ele segurou o bebê com a cabeça em uma das

mãos e as nádegas na outra, enquanto ele ficava olhando para o teto. Quando

Brazelton falava delicadamente com o bebê, este voltava sua cabeça para a sua voz e

começava a procurar o lugar de onde ela provinha. Ao descobrir o seu rosto e sua

boca, o bebê ficava radiante. Depois, Brazelton pedia a mãe que ficasse
do outro lado e fizesse o mesmo, ou seja, que também falasse delicadamente com o

bebê. Qualquer bebê escolhia a voz feminina, voltando-se para a mãe com uma

expressão alegre ao descobrir-lhe o rosto. Sempre que isto era feito, a mãe pegava o

seu bebê e o aconchegava em seus braços dizendo: “Você sabe quem eu sou e

conhece a minha voz, não é mesmo?” Essa reação do recém-nascido, previsível mas

poderosa, vinha a consolidar a relação entre mãe e filho.

Quando o pai estava presente, tentava fazer a mesma coisa com ele. Na

maioria dos casos (80%), o bebê voltava-se para o lado de onde vinha a voz do seu

pai, e não para o lado do pesquisador.

O que Brazelton não afirma é se o bebê percebe a ansiedade do pai por

chamar-lhe a atenção, ou se, de fato, reconhece a voz paterna. A reação dos pais era

idêntica à das mães - pegavam o bebê no colo e exclamavam: “Você já me conhecia!”

Ao dizerem isto, pareciam estar se referindo a um milagre.

Sabemos que os bebês respondem e interagem com seu ambiente desde o

momento do nascimento e que apresenta uma capacidade surpreendente de prestar

atenção, manter-se alerta e suprimir reflexos divergentes para poder concentrar-se e

que isso se dá quando estímulos positivos são utilizados.


Quando os estímulos apropriados são apresentados nos estados adequados,

mesmo o bebê mais prematuro dá evidência de trabalhar com um sistema nervoso


central intacto e adaptável.

Os estados de consciência são classificados segundo o nível de acessibilidade

da criança. Vão do sono profundo ao choro desesperado, passando pelo sono leve,

por um estado semiconsciente, por um estado de alerta e por um estado irrequieto.

Sabemos que é no estado de alerta que o bebê está mais receptivo à

estimulação e onde ele demonstra dar mais respostas a esta estimulação e isso se dá

também com o feto.

No estado calmo-alerta o feto está inativo, como se estivesse na escuta. Os

movimentos são mais suaves e mais organizados. Nesse estado, os fetos são

especialmente sensíveis aos estímulos externos.

Em suas pesquisas, Brazelton e sua equipe apresentaram diferentes estímulos

a fetos de seis a sete semanas de vida que se encontravam no estado calmo-alerta.

Usando uma campainha ruidosa, colocada a uma distância de mais ou menos

cinqüenta centímetros da parede abdominal, fizeram com que ela soasse brevemente

de seis a oito vezes. Isso provocou um conjunto previsível de reações nos oito fetos

que estudaram. O primeiro som da campainha fez com que eles saltassem, e seus

rostos pareciam tensos. O segundo som provocava menos sobressalto; por volta do

quarto som, os fetos não se assustavam mais, e ficavam


imóveis. Alguns apresentavam movimentos respiratórios espasmódicos nos seus

abdomens, mas nenhuma outra reação.

Quando a campainha era tocada pela quinta vez, quase sempre eles levavam

uma das mãos à boca, em geral para nela enfiarem o polegar ou outro dedo qualquer.

Em seguida, como se quisessem relaxar, davam as costas ao som. Acabavam todas

as reações.

Os pesquisadores imaginaram que esses fetos se haviam adaptado, ou

“habituado”, a esses estímulos negativos.

Depois disso, sacudiram um chocalho bem perto do abdômen de cada mãe.

Achavam que o útero era barulhento demais para que os fetos ouvissem esse som,

contudo, assim que começavam a sacudi-los, os fetos se voltavam para a direção dos

chocalhos, como se estivessem à espera de um novo sinal. Quando prosseguiam,

chocalhando discretamente os instrumentos, os fetos continuavam numa postura de

calma e atenção. Já estavam dando mostras da capacidade de atender aos estímulos

positivos e de se desligarem dos negativos.

Qual seria a classificação dos estados de consciência no feto, como eles

ocorrem e como identificá-los seriam assuntos que gostaria de abordar aqui. Isto não

será possível pois não tive acesso a nenhum trabalho que falasse a este respeito. Fica

então a proposta para novas pesquisas que esclareçam este assunto.


Querleu e colaboradores (1981) efetuaram medidas intra-uterinas reais em

humanos e demonstraram que o feto poderia ouvir a voz da mãe e outras vozes, que

eram perfeitamente audíveis mas deficientes de tom, porque as freqüências altas eram

absorvidas. Quando não há nenhuma deficiência fetal, o feto reage ao estímulo sonoro

através de uma mudança na freqüência cardíaca, freqüentemente associada com

movimentos.

Em 1982, Querleu e colaboradores fizeram observações mais cuidadosas em

sete pacientes durante o período de parto após a amniotomia, implantando hidrofones

e microfones na cavidade uterina. Quando a fala externa foi gravada através do útero,

dois observadores puderam reconhecer 64% dos fonemas das mães e 57% da fala

masculina do pai.

Dr. DeCasper (1980) descobriu que os bebês preferem a voz de suas mães à

vozes de outras mulheres, mas, no período imediato ao nascimento, não preferem a

voz do pai àquela de outro homem. O reconhecimento da voz dos pais vem um pouco

mais tarde.

A preferência pela voz da mãe pode ser o persistente resultado de ouvir

continuamente a voz da mãe durante a vida fetal, ou poderia possivelmente ser devido

ao fato de que, a níveis de conversação normal, as vozes masculinas são menos

facilmente distinguíveis através da parede uterina, devido ao seu tom mais grave.
Sabendo-se que o bebê quando nasce está apto a reconhecer a voz materna,

não seria possível dizer que quando isto não acontece em situações ideais de teste

que este bebê é suspeito de ter uma perda auditiva?

Meses antes do nascimento, a capacidade dos bebês de ouvir já é aguda e

bem desenvolvida. Eles podem distinguir entre tipos de sons (por exemplo, uma

campainha ou uma sineta), intensidade e altura, vozes diferentes, sons familiares e

estranhos, e podem até determinar a direção de onde o som está vindo.

Todos os estudos acima apoiam a hipótese de DeCasper e Fifer (1980) de que

uma grande quantidade de experiências auditivas antecederam a capacidade do

recém-nascido de preferir a voz da mãe a outras vozes. Porém, antes que tais

discriminações precoces possam ser feitas, o sistema auditivo do bebê deve ser pré-

adaptado as várias discriminações. Tais discriminações aparecem no recém-nascido

e, pressupondo uma orelha útil e sistema nervoso central, as mesmas capacidades

estariam presentes no feto de cinco meses. As discriminações inatas que auxiliam a

preferência pela voz da mãe requerem competências auditivas para discriminar ritmo,

entonação, variação de freqüência, acento (aspectos supra-segmentais da fala) e

componentes fonéticos da fala (aspectos lingüísticos).

3.4 Reações fetais frente aos estímulos sonoros.

A estimulação parece desempenhar papel importante na maturação dos


órgãos sensoriais. Esta maturação, aparentemente, se dá de modo mais ou menos

rápido segundo a maior quantidade ou a ausência de estímulos, respectivamente.

Por volta da vigésima sexta a vigésima oitava semana de gestação, um

estímulo sonoro induz um sobressalto ou uma rotação da cabeça e do tronco, além de

um aumento da freqüência de batimentos cardíacos.

Um som alto emitido próximo ao abdômen também causa um sobressalto, ao

passo que o bebê se volta na direção de um som brando.

Algumas mães relatam que seus bebês reagem de determinado modo a um

concerto de Bach - com movimentos suaves e rítmicos das pernas; e de modo

inteiramente diverso ao som do rock - com movimentos rápidos e espasmódicos.

Se conhecêssemos a média das reações que podem ser esperadas,

poderíamos estar atentos aos comportamentos incomuns assim que um feto começa a

dar demonstração de estresse. Se soubéssemos que não há nada de fisicamente

anormal com o feto, esta também não seria uma maneira de fazermos uma detecção

realmente precoce de perda auditiva?

Quando o feto estiver sendo enfraquecido pela desnutrição materna, por toxinas

ou por uma placenta deficiente, o seu comportamento vai refletir tudo isso, tornando-se

restrito. Um feto nessas condições não vai apresentar as mesmas


reações complexas aos estímulos auditivos, visuais e cinestésicos que normalmente

são apresentados por um feto saudável.

A avaliação da capacidade do feto de habituar-se a tais estímulos constitui uma

medida do bem-estar fetal; se o feto permanece respondendo sempre da mesma

maneira, ele pode estar sob tensão.

A habituação é uma reação protetora, uma vedação do sistema nervoso contra

um excesso de estímulos externos. Ela é essencial para a capacidade de

sobrevivência dos recém-nascidos, ajudando-os a lidar com solicitações

potencialmente sobrecarregantes ao seu sistema nervoso imaturo.

3.5 Reações dos pais frente às respostas dos seus bebês.

Hoje os pais sabem que o feto pode ouvir, e que reage aos estímulos que lhes

chegam das proximidades da mãe. Quando suas mulheres estão nos três últimos

meses de gravidez, muitos pais falam e contam para o seu bebê, numa tentativa de

tornarem-se mais próximos dele antes mesmo do nascimento.

Eis o que Brazelton (1994) ouviu de uma mãe, pianista por profissão: “Eu sabia

que a minha filha podia ouvir, pois parecia dançar ao ritmo da minha música. Eu só

não me dei conta de que ela também estava aprendendo com a experiência.
Nos últimos meses de gravidez, toquei inúmeras vezes um trecho de uma valsa de

Chopin, e, sempre que isso acontecia, o bebê parecia acalmar-se no útero. Depois

que nasceu, passei algum tempo sem poder tocar. Um dia aos três meses de idade,

ela estava deitada em seu berço, ao lado do meu piano. Comecei a tocar a valsa, e

ela continuou ali deitada de costas, olhando para um móbile. Quando cheguei

àquele trecho específico, ela passou a brincar e, parecendo surpresa, olhou para

mim como quem diz: ‘Essa eu já conheço’. Tive certeza de que ela estava se

lembrando, de que reconhecia o trecho ...” (p.19-20).

Klaus e Klaus (1989) relataram que os recém-nascidos preferem as vozes

agudas e que os pais parecem utilizá-los instintivamente logo após o parto, para

falarem com seus filhos.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabendo que a audição é um sentido muito importante para o desenvolvimento,

principalmente no que se refere aos aspectos lingüísticos e psicossociais, e que este

sentido tem sua função adulta normal após a vigésima semana de gestação, observei

a importância destas informações estarem disponíveis aos pais e profissionais de

áreas interessadas.

Se este sentido está pronto tão cedo porque não estimulá-lo desde já?

Para tanto, fiz uma revisão bibliográfica falando da embriologia da audição, dos

estudos que existem sobre a audição fetal, sobre o quê os fetos realmente ouvem e de

como eles reagem a estes sons e de como os pais reagem frente as respostas dadas

pelos seus bebês.

Alguns autores, como Brazelton, Northern e Downs, Klaus e Klaus, DeCasper e

Querleu foram fundamentais para a minha pesquisa.


As observações de mulheres grávidas juntam-se continuamente àquelas dos

pesquisadores. O feto, usando seus sentidos recém desenvolvidos, capta muitos

sinais internos e externos. Além disso, mulheres grávidas relatam que o feto responde

às suas emoções por uma mudança de atividade. Os obstetras têm observado

também que as mulheres com stress crônico terão fetos com batimentos cardíacos

mais rápidos e muito ativos. Por algum processo complicado, o feto pode ser afetado

pelas experiências emocionais de sua mãe. Conseqüentemente, a mãe e seu bebê

estão envolvidos em um diálogo muito antes de o bebê nascer. Seu nível de atividade

e estado emocional entrelaçam-se com os ciclos característicos do bebê em

gestação. À medida que ela se ajusta aos ritmos desta nova vida dentro dela, o feto já

está experimentando também o tempo de sua vida bem como o de seu pai e de outros

membros da família.

Embora as principais transformações no desenvolvimento da orelha ocorram no

útero da mãe, primeiramente como embrião e, mais tarde, como feto, um bebê torna-

se uma estrutura progressivamente mais complexa com o decorrer do tempo.

Através da realização do estudo do desenvolvimento auditivo normal a partir da

vida intra-uterina, podemos constatar a importância do conhecimento da capacidade

auditiva fetal.

Com a realização do trabalho descobri que além de o bebê reconhecer a voz da

mãe logo que nasce em decorrência do tempo que ouviu a sua voz durante a
gestação, ele também pode desenvolver uma memória auditiva para outros fatos,

como uma música, uma poesia, a voz do pai.

Ficou claro também que o estado emocional da mãe e o tipo de estimulação

recebida, implicariam num comportamento mais calmo ou mais agitado do bebê.

Relatei rapidamente que inclusive sons altos demais podem ser prejudiciais ao feto e

que mais estudos sobre este tema estão sendo realizados a fim de confirmar esta

suposição.

Em alguns exames pode-se ver a reação dos fetos frente a estimulação sonora.

Seria este um meio viável para que se faça uma detecção realmente precoce da perda

auditiva?

Gostaria de ter falado mais sobre os estados de consciência no feto, mas como

falei anteriormente, não tive acesso a estudos que abordassem este tema. Fica aqui a

sugestão de que novos estudos sejam feitos nesta área.

Além de todas estas descobertas o que mais me acrescentou

profissionalmente, foi aprender a realmente escutar o que as mães têm a dizer, pois

são elas quem mais sabem dos seus bebês e apesar de todos os estudos que

existem, ainda não inventaram nada melhor que o “instinto materno”.

E após as orientações que podemos passar, será extremamente gratificante


ver os pais com seus bebês conseguindo analisar e responder às reações que estes

darão aos estímulos sonoros; essa imensidão de surpresas que nos são reveladas tão

precocemente ...
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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