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A pelada do tri

Roberto Solino

Eu não gosto de futebol. Quer dizer, não é bem que eu não goste: o problema é que eu não entendo muito bem
o futebol. Tipo acho que eu não saberia apontar o meia-esquerda dentro do campo, nem dizer se o time está
jogando numa formação 4-4-2 ou 2-4-4. Futebol eu só consigo ver como um todo, como a indústria que é.
Talvez seja por isso que os meus prognósticos costumam ser mais certeiros do que o dos meus amigos,
emocionalmente fissurados no “esporte bonito”, como o New York Times diz que a gente chama o futebol.

Mas, se hoje eu já entendo tão pouco de futebol, imagina como era há 30 anos, quando eu contava meros seis
anos de idade e morava no interior do Rio Grande do Norte, mais precisamente na cidadezinha de Currais
Novos. Terra da xelita, terra de que guardo lembranças agradáveis, como a minha primeira paixão, e outras
nem tanto, como as pavorosas tesouras que sustentavam o telhado da Escola de Nossa Senhora, tenebroso
cenário de minhas primeiras letras.

Pois foi ali, naquele tempo de descobertas, que eu tive o prazer de ser apresentado ao espetáculo de uma
vitória mundial do nosso futebol. Claro que eu não assisti aos jogos que levaram à final. Provavelmente nem
mesmo assisti à final que nos deu a Jules Rimet, mas a festa, essa está muito bem gravada em minha
desprivilegiada memória. Não de uma maneira linear, mas como uma colagem de imagens e sensações, onde
os carros e as ruas se sobressaem.

Tudo o que eu via era animação e folia. Os carros rodavam cheios de pessoas alegres, que se cumprimentavam
buzinando uns pros outros. As antenas dos automóveis enfeitadas de fitinhas verde-amarelas. Os para-brisas
com os odientos adesivos Ame-o ou deixe-o. O som-ambiente na cidade, verde e amarelo como tudo o mais,
era a música da seleção. Seja lá o que “noventa milhões em ação” quisesse dizer, era isso o que eu ouvia por
todo lado. “Pra frente, Brasil! Salve a seleção!”

Meu pai, biriteiro de carteirinha, rodava com seu fusquinha azul marinho pelos bares e casas de amigos.
Brindes e mais brindes, gente bêbada, feliz, cantando.

Nós, crianças, acompanhávamos aquilo tudo meio perdidos, inebriados pela corrente pra frente que parecia
unir a todos naquele dia. Eu, particularmente, compreendia que ali se comemorava uma vitória do Brasil num
jogo de futebol, onde um neguinho chamado Pelé fazia todos os gols. Mas, antecipando já o meu alheamento
da chamada paixão nacional, não fazia a mínima idéia de que aquelas jogadas que eu via na TV em branco e
preto dos bares se dessem num distante país chamado México.

Pra mim, aquela festa toda, aquelas fitas e bandeiras, aqueles foguetões e buzinadas estavam comemorando
uma daquelas peladas que eu um dia eu assistira (usando garrafas como ingresso) no estádio de futebol da
cidade. Que ficava bem ali, pertinho da Escola de Nossa Senhora.

Solino é cartunista, publicitário e graduado em jornalismo

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