Resumo
A ocorrência de “jogo de planilha” nos contratos administrativos relativos a obras públicas tem se
tornado rotina, embora nem sempre seja imputável ou significativa. O tema “jogo de planilha” tem
sido muito pouco explorado em trabalhos publicados em nosso país, além de possuir diversos
pontos polêmicos que necessitam de maiores esclarecimentos. Discutem-se conceitos e procura-se
embasar a metodologia proposta através de legislação pertinente. É apresentada uma metodologia,
elaborada para utilização na esfera criminal, inclusive com formulação matemática e parâmetros
objetivos iniciais, para cálculo do valor a ser imputado como superfaturamento devido
exclusivamente ao “jogo de planilha”. Apresentam-se ainda, de modo a viabilizar um melhor
entendimento do fenômeno, exemplos práticos relativos à obra e situações hipotéticas.
Palavras-chave: Obras Públicas; Orçamento; Superfaturamento; Jogo de Planilha.
1. Introdução
As obras públicas no Brasil exigem a aplicação de um grande volume de recursos financeiros.
Segundo a Agência Câmara, o investimento previsto para o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), integrante do Orçamento Geral da União (OGU) para o ano de 2010, é de
R$ 29,9 bilhões, equivalente a 4,6% (quatro vírgula seis por cento) do PIB projetado de R$ 3,32
trilhões.
Levantamentos realizados pelo Serviço de Perícias de Engenharia Legal e Meio Ambiente
(SEPEMA), ligado à Divisão de Perícias (DPER) do Instituto Nacional de Criminalística (INC), por
sua vez pertencente à Diretoria Técnico-Científica (DITEC) do Departamento de Polícia Federal
(DPF), com base nos trabalhos periciais da área de engenharia civil desenvolvidos nos últimos anos,
aponta o superfaturamento, donde temos o “jogo de planilha” como uma de suas parcelas, fato
recorrente nas obras objeto de investigações policiais, cujo percentual médio seria da ordem de 30%
(trinta por cento). Esse valor significativo vem demonstrar a grande importância do fenômeno e a
necessidade de maior controle e acompanhamento das obras públicas em nosso país.
Os agentes públicos responsáveis pela defesa dos interesses da Administração, na imensa maioria
das vezes, não têm conhecimento do tema “jogo de planilha”, bem como seus diversos aspectos
polêmicos, desconhecendo, por consequência, a correta forma para celebração dos termos aditivos
contratuais, tão comuns nos contratos administrativos.
Além disso, são ainda muito raros os trabalhos publicados especificamente sobre “jogo de
planilha”, motivo pelo qual o autor visa dar sua contribuição, haja vista participar de equipe que já
se debruçou exaustivamente sobre o tema nos últimos três anos, tendo sido inclusive produzida
normatização interna que atualmente encontra-se em vigência no âmbito do Departamento de
Polícia Federal (DPF), regulamentando os trabalhos periciais lá desenvolvidos.
Este trabalho iniciou-se com uma pesquisa bibliográfica sobre temas correlatos ao tema principal,
como contrato administrativo, orçamento, projeto básico, equilíbrio econômico-financeiro, CLAIM
2.4. CLAIM
CLAIM é uma palavra em inglês cujo significado enquanto substantivo é “reivindicação, solicitação,
reclamação, direito, afirmação, alegação”, segundo o dicionário português-inglês / inglês-português
OXFORD Escolar (2007, p. 358).
No trabalho intitulado “Prevenção, Identificação e Registro de CLAIMs”, esse termo é definido
como “um pedido legítimo de ressarcimento de custos adicionais (um pagamento adicional), em
virtude de uma alteração em relação aos termos iniciais do contrato” (Almeida Junior, 2006, p. 1).
Bernardes (2007, p. 21), em sua obra específica sobre a matéria, propõe um “instrumento técnico e
jurídico, de comprovada eficácia, para encaminhamento das questões relativas ao reequilíbrio
econômico-financeiro dos contratos de empreitada de obras públicas”, denominado por ele como
revisão pericial de custos de obras públicas.
2.4. Superfaturamento
Existem poucos trabalhos técnicos específicos sobre o tema de superfaturamento, e menos ainda
sobre a parcela de “jogo de planilha”. No VI SINAOP – Seminário Nacional de Auditoria de Obras
Públicas, realizado em Florianópolis/SC no ano de 2001, temos um dos artigos pioneiros sobre
superfaturamento, onde é apresentado seu conceito como a emissão de uma nota discriminada de
um produto ou serviço, cujo preço é superior ao praticado no mercado (Rocha, 2001, p. 3). Naquela
oportunidade, foi apresentada proposta de metodologia para a construção de intervalos de
confiança, baseados em modelo probabilístico, para definição das tolerâncias nas análises de
auditorias para caracterização de superfaturamento com base científica. A proposta era lastreada em
inferência estatística aplicável aos materiais de construção com o cálculo do valor pericial
utilizando o limite superior.
Apesar de ser uma proposta fundamentada, entendo que a mesma não prosperou, especialmente na
área de perícias, pela grande dificuldade da aplicação dos critérios estatísticos que demandam
pesquisa com significativa quantidade de dados amostrais, tendo em vista tratarem-se de obras
pretéritas. Ainda que fossem obtidos os dados necessários, o longo tempo de resposta tornaria a
relação custo/benefício inviável economicamente na grande maioria dos casos. Além disso, temos
que a utilização do limite superior vai de encontro à legislação atualmente em vigor, considerando
também que o objeivo da Adminsitração é obter o menor preço exequível.
O mesmo autor elaborou posteriormente outro artigo, onde mantinha a mesma definição para
superfaturamento e se atinha à questão dos preços, embora considerasse os pagamentos indevidos
como englobando também as quantidades e especificações que apresentassem incompatibilidades
Segundo se pode depreender dos trabalhos localizados sobre superfaturamento, existe clara
vinculação aos preços acima dos padrões de mercado, o que coaduna com a definição clássica
constante inclusive dos dicionários. Segundo o dicionário MICHAELIS
(michaelis.uol.com.br/moderno/português), superfaturamento, sinônimo de sobrefaturamento, é
“Fraude contra o fisco, caracterizada pela diferença a mais entre o preço da fatura e o preço de
mercado”.
O autor do presente artigo pretende, em conjunto com os demais peritos criminais engenheiros do
Departamento de Polícia Federal (DPF), quando da elaboração do “Manual de Cálculo do
Superfaturamento e outros Danos ao Erário”, desenvolvido para uso interno no âmbito da esfera
criminal, ampliar esse conceito visando aplicação na área da engenharia.
Assim, foi elaborado um conceito de superfaturamento composto de diversas parcelas, bem como
uma metodologia de cálculo que permitisse a análise individual de cada uma delas de forma
independente das demais, permitindo conclusões parciais e o cálculo do valor global mediante
simples soma aritmética. Isso proporciona um maior entendimento por parte dos destinatários dos
laudos periciais, os quais geralmente são leigos posto que, em sua maioria, bacharéis em direito.
Segue transcrição do conceito proposto para superfaturamento, naquele documento considerado
também sinônimo de dano ao erário:
Dano ao erário ou superfaturamento em obras de engenharia – prejuízo aos cofres públicos
caracterizado por:
a) medição de quantidades superiores às efetivamente executadas;
b) pagamento de obras, bens e serviços por preços manifestamente superiores à tendência
central (mediana ou média) praticada pelo mercado ou incompatíveis com os fixados pelos
órgãos oficiais competentes, bem como pela prática de preços unitários acima dessa
tendência central (mediana ou média) de mercado;
c) deficiência na execução de obras e serviços de engenharia que resulte em diminuição da
qualidade, vida útil ou segurança;
d) quebra do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em desfavor da
Administração por meio da alteração de quantitativos e/ou preços (jogo de planilha) durante
a execução da obra;
e) alteração de cláusulas financeiras gerando recebimentos contratuais antecipados,
distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual ou
reajustamentos irregulares; e
f) superdimensionamento ou subdimensionamento de quantidades e/ou qualidades de
materiais ou serviços, além ou aquém das necessárias segundo práticas e normas de
engenharia vigentes à época do projeto.
O autor entende que na esfera pública a situação é ainda mais exigente, havendo que ser
devidamente firmado e publicado o termo aditivo contratual, com todas as informações necessárias
ao perfeito entendimento das alterações promovidas, o que infelizmente nem sempre ocorre de fato.
Ainda que haja o termo aditivo, o § 1o da alínea “d”, inciso II, artigo 65 da Lei 8.666/93, determina
que as alterações do contrato administrativo, para as situações lá previstas, devem manter as
mesmas condições iniciais:
§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos
ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por
cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou
de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.
Portanto, entendo que o desconto original, caso exista, deve ser mantido para os termos aditivos,
ressalvadas as situações excepcionais previstas legalmente.
Um dos melhores trabalhos sobre “jogo de planilha” localizados pelo autor, o qual possui alto grau
de profundidade, foi a tese de mestrado defendida em 2006 por Marcos Vinicius Campiteli, servidor
do TCU, intitulada “Medidas para Evitar o Superfaturamento Decorrente dos Jogos de Planilha em
Obras Públicas”. Essa tese pode ser considerada um marco sobre o assunto, o qual ainda é muito
pouco explorado em trabalhos publicados, bem como possui diversos aspectos polêmicos.
Campiteli (2006, p. 37/38) define “jogo deplanilha”como:
O “jogo de planilha”, também conhecido por “jogo de preços”, é um artifício utilizado por
licitantes que a partir de projetos básicos deficitários e/ou por informações privilegiadas,
conseguem saber antecipadamente quais os serviços que terão o quantitativo aumentado,
Há outra definição para jogo de planilha, classificada como o tipo clássico, conforme Kresch (2008,
p.1):
[...] um grande aumento nos quantitativos exatamente daqueles itens cujos preços unitários
estavam acima dos de mercado, e uma redução dos quantitativos dos itens cujos preços
estavam abaixo dos de mercado, gerando um desequilíbrio econômico-financeiro em
desfavor do órgão contratante.
Esse mesmo autor descreve alguns casos de “jogo de planilha” como acréscimo de itens com
sobrepreço unitário, redução ou eliminação de quantitativos de itens com subpreço e acréscimo de
serviços novos, inclusive com apresentação dos métodos da limitação dos preços dos quantitativos
excedentes, do balanço, do desconto, do desconto localizado e ainda do método da segunda
colocada na licitação.
No manual desenvolvido pelo DPF, como já citado, temos diversas definições, sendo todas muito
importantes em função da necessária padronização de conceitos, inclusive a seguinte que é o objeto
principal desse trabalho:
Jogo de planilha – ocorrência de alterações quantitativas na planilha contratual, através de
acréscimos, decréscimos, supressões ou inclusões de serviços e materiais, bem como de
variações de preços nas medições, que modifiquem o ponto de equilíbrio econômico-
financeiro, sem justificativa adequada, causando dano ao erário. Também pode ocorrer
entre contratos de uma mesma obra.
Assim, pelo próprio conceito de “jogo de planilha” elaborado, temos as possibilidades de ocorrência
desse fenômeno devido à:
− Acréscimo de quantidades de itens originais com sobrepreços;
− Decréscimo ou supressão de quantidades de itens originais com subpreços;
− Alteração de preços originais em termos aditivos;
− Inclusão de itens novos com sobrepreços.
Essas diversas possibilidades foram exploradas mediante exemplos constantes do anexo, através da
utilização de planilhas orçamentárias e de modo a garantir o perfeito entendimento do fenômeno.
De maneira didática, exponho a ocorrência de cada possibilidade individualmente, ressaltando que
na prática é grande a possibilidade de ocorrem em conjunto e de forma aleatória, isto é, podem
ocorrer diversas combinações delas em cada caso concreto, como o exemplo final que é uma
mistura dos casos individuais apresentados inicialmente.
O “Jogo de Planilha” pode ocorrer principalmente nos seguintes casos:
− Celebração de termos aditivos de acréscimos, supressões ou inclusões de serviços e materiais;
Gostaria de explicar que os casos de paralisação ou abandono da obra podem causar “jogo de
planilha” quando os preços dos serviços iniciais estiverem altos e os preços dos serviços finais
estiverem baixos. Após a execução de determinado percentual da obra, a empresa já teria auferido
lucro maior que o pretendido inicialmente, o que a leva a abandoná-la, ficando o contrato
desequilibrado até aquele momento. Em caso de rescisão contratual, o agente público tem o dever
de analisar a execução físico-financeira do contrato visando promover seu reequilíbrio, sendo o caso
de retenção das garantias contratuais ou até mesmo devolução de parte dos pagamentos já recebidos
pela empresa executora da obra.
O superfaturamento por desequilíbrio econômico-financeiro ou “jogo de planilha” ocorre quando há
o rompimento desse equilíbrio inicial do contrato em desfavor da Administração por meio da
alteração das cláusulas de serviço (mudanças de quantitativos, trocas de serviços, etc.) e/ou das
cláusulas financeiras (mudanças de preços dos serviços, prazos de pagamento, reajustamentos, etc.)
durante a execução da obra.
O artigo 92 da Lei 8.666/93 tipifica como crime, aplicável ao agente público, conduta que
consideramos como “jogo de planilha”:
Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive
prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos
celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação
ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da
ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei:
Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. (grifo nosso)
Já o artigo 96 da Lei 8.666/93 tipifica como crime, aplicável tanto ao agente público como ao
contratado, conduta considerada “jogo de planilha”:
Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou
venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:
I - elevando arbitrariamente os preços;
II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;
III - entregando uma mercadoria por outra;
IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;
V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução
do contrato:
Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (grifo nosso)
A Lei nº 12.017 de 12/08/2009, mais conhecida como Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2010,
em seu artigo 112, mais especificamente nos §§ 5º e 6º, prevê:
§ 5º Deverá constar do projeto básico a que se refere o art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666, de
1993, inclusive de suas eventuais alterações, a anotação de responsabilidade técnica e
declaração expressa do autor das planilhas orçamentárias, quanto à compatibilidade dos
quantitativos e dos custos constantes de referidas planilhas com os quantitativos do projeto
de engenharia e os custos do SINAPI, nos termos deste artigo.
Ora, tais previsões legais caracterizam redundância em relação às outras previsões legais já
existentes, como as Leis 6.496/77 e 8.666/93. No caso do citado § 5º, a exigência do registro de
Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) é a mesma prevista na Lei Federal nº 6.496, de
07/12/1977, sendo obrigatório para serviços técnicos de engenharia, caso em que se enquadram os
orçamentos.
A novidade fica por conta da exigência de declaração expressa do orçamentista quanto à
compatibilidade dos quantitativos e dos custos constantes das planilhas dos órgáos licitantes, a qual
contém os quantitativos de serviços dos projetos de engenharia e os custos advindos do Sistema
Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI), mantido pela Caixa
Econômica Federal (CEF) em conjunto com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
A parcela relativa aos quantitativos é intuitiva, uma vez que é o próprio objeto do trabalho
desenvolvido, e os custos do SINAPI são exigidos pela própria LDO, desde 2003, para as obras
públicas.
Quanto ao § 6º acima, aborda a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, normalmente
quebrado em desfavor da Administração via “jogo de planilha”, causado pelos aditamentos que
modifiquem a planilha orçamentária.
O artigo 65 da Lei 8.666/93, em seu inciso II, alínea “d”, já prevê exatamente esse mesmo
instrumento, o que corrobora meu entendimento pessoal de que, desde a publicação da citada lei em
1993, existe a possibilidade de se punir a ocorrência de superfaturamento, especialmente o “jogo de
planilha”.
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas
justificativas, nos seguintes casos:
...
II - por acordo das partes:
...
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do
contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou
fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do
contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de
conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou,
ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea
econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).
Com isso, percebe-se que, à exceção das situações previstas acima, as demais alterações deverão
configurar “jogo de planilha” caso sejam em desfavor da Administração. Nesse ponto, cabe
ressaltar que podem ocorrer variações normais de obra, que, dependendo de sua relevância, não
deverão ser considerados como “jogo de planilha”, embora eventualmente possam não atender aos
requisitos ora tratados.
Importante chamarmos a atenção para o fato de que o “jogo de planilha” pode ocorrer mesmo
quando o valor global final do contrato fica abaixo do valor médio de mercado. Caso a condição de
equilíbrio econômico-financeiro seja alterada, durante a execução do contrato, de forma a causar
Em qualquer das hipóteses acima, cabe lembrar que a conclusão deverá ser em termos globais e os
cálculos são realizados em termos unitários de serviços. Com isto, podemos ter a necessidade de
adequações em alguns serviços objeto de aditamento de modo a assegurar a manutenção do
equilíbrio econômico–financeiro do contrato após as alterações promovidas. As adequações
necessárias estarão em desacordo com as orientações acima e deverão atingir o menor número
possível de itens aditados.
Em casos de sobrepreço final, recorda-se que caso haja supressão de itens com subpreço em
quantidades significativas para alterar o equilíbrio econômico-financeiro a ponto de elevar uma
situação inicialmente inferior a 10% (dez por cento) para um patamar superior a 10% (dez por
cento), deve-se imputar essa parcela integralmente, restando esclarecimentos e justificativas por
parte do contratado na esfera judicial.
Assim, promovendo-se as alterações de contrato na forma da lei e sem elevação do sobrepreço final
a patamares superiores a 10% (dez por cento), a parcela de superfaturamento por jogo de planilha
deve ser desconsiderada.
Em casos de subpreço final, pode-se diminuir sobremaneira o desconto original, a princípio gerando
uma parcela de superfaturamento devido ao “jogo de planilha” que deveria ser calculada e somada
com as demais. Todavia, se esses acréscimos, decréscimos, inclusões e supressões forem cobertos
pela condicionante da alínea "a", do inciso I do Artigo nº 65 da Lei nº 8.666/93 citada, seus efeitos
no cálculo do superfaturamento por “jogo de planilha” devem ser desconsiderados.
Além dessas exceções, existe outra no caso em que parte ou todo o percentual calculado como
“jogo de planilha” for considerado oriundo de ajustes corriqueiros nas quantidades finais da obra.
Não se deve considerar essa parcela no superfaturamento desde que sua ocorrência não altere
significativamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Preocupado em estabelecer um critério de tolerância, o Tribunal de Contas do DF estabeleceu como
limite o percentual de 10% (dez por cento) para variação nas quantidades (Lei nº 1.371, de 13 de
janeiro de 1997). Acima deste valor, existe a obrigatoriedade da apresentação de justificativa por
parte do responsável técnico pelo projeto básico.
Mais tolerante foi o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA), em sua
Resolução nº 361/91, que considerou aceitável o percentual de tolerância de 15% (quinze por
cento), conforme explícito no artigo 30:
Devemos atentar para o fato de que essa orientação se refere ao custo global da obra, o que nos
remete não apenas aos quantitativos como também às variações de custos, haja vista que os custos
de serviços advêm da multiplicação de ambos. Assim, o percentual de 15% (quinze por cento) deve
contemplar esses dois aspectos.
Podemos ir mais além, pois caso se tenha levado acabo o procedimento licitatório com base no
projeto executivo, teríamos então um menor percentual de tolerância posto que, com melhor
detalhamento do projeto, aumenta a precisão dos custos.
Assim, como orientação, recomenda-se desconsiderar a parcela de jogo de planilha causada por
acréscimos e supressões de quantidades de até 10% (dez por cento), considerados aqui o tipo de
serviço e o levantamento de campo realizado. Gostaríamos de lembrar que as análises são realizadas
para cada serviço individualmente e existem alguns deles que não admitem tolerância, como por
exemplo, janelas ou portas, cuja imprecisão pode ser considerada nula.
O Perito poderá, a seu critério, estabelecer outros limites de acordo com a natureza dos vários tipos
de serviços envolvidos. Ressalta-se que é fundamental não proceder a uma análise puramente
matemática, sendo necessário contextualizá-la nos aspectos construtivos e de relevância envolvidos.
O valor monetário calculado nas análises mais detalhadas, caso positivo e menor que a divergência
de preços global inicial, poderá ser, em função da relevância dos itens e demais aspectos porventura
observados, considerado como divergência significativa devida aos preços iniciais. Caso esse valor
seja maior que a divergência de preços global inicial, esta última é que deverá ser considerada como
divergência significativa devida aos preços iniciais.
O ponto de equilíbrio econômico-financeiro (PE) é o percentual obtido, seja positivo ou negativo,
da razão entre a divergência devido ao preço global inicial (Dpi) e o valor de referência do contrato
inicial (VRc), calculado pela seguinte fórmula:
PE = Dpi / VRc
onde:
Djp – Divergência devida ao jogo de planilha
Qpe – Quantidade de serviços considerados pelos peritos como executados
Qc – Quantidades previstas no contrato inicial
Pm – Preço unitário do serviço medido ou pago
Cabe ressaltar que não devem ser computadas no cálculo da divergência devida ao jogo de planilha
(Djp) aquelas decorrentes de alterações tecnicamente aceitáveis e legalmente justificadas, a
exemplo do disposto na alínea "a", do inciso I do Art. nº 65 da Lei 8.666/93, salvo o caso em que
tais alterações aumentem o sobrepreço original.
Se a divergência devida ao “jogo de planilha” for positiva e relevante, deve constar no Laudo que
foi caracterizada a ocorrência de “jogo de planilha”, devendo ser apresentadas as parcelas
decorrentes da divergência devida ao sobrepreço global inicial e da divergência devida ao “jogo de
planilha” separadamente.
Caso a divergência devida ao “jogo de planilha” for negativa ou irrelevante, deve constar no Laudo
que não foi caracterizada a ocorrência de “jogo de planilha”. Entretanto, seu valor monetário deve
ser computado no cálculo da divergência devida ao preço global final, havendo redução do
potencial dano ao erário causado pelo sobrepreço global inicial.
onde:
Djp – Divergência devida ao jogo de planilha
Qpe – Quantidade de serviços considerados pelos peritos como executados
Qc – Quantidades previstas no contrato inicial
Pm – Preço unitário do serviço medido ou pago
Pr – Preço unitário de referência
Pc – Preço unitário previsto no contrato inicial
PE – Ponto de equilíbrio econômico-financeiro do contrato
4. Conclusão
A principal contribuição desse trabalho é a apresentação de metodologia para cálculo do
superfaturamento devido exclusivamente ao “jogo de planilha”, desenvolvida para utilização na
esfera criminal pelo grupo de peritos de Engenharia Civil do DPF, com base em alguns critérios
objetivos iniciais. Esse autor acredita que os valores iniciais propostos tiveram apresentadas suas
origens de modo a justificar sua adoção, porém encontrando-se abertos para posteriores discussões
enquanto assunto controverso, sobre o qual ainda não existe consenso.
Foram apresentados diversos conceitos, os quais foram discutidos mediante apresentação de autores
conhecidos no meio técnico e fundamentação na legislação vigente, com vistas à estruturação da
metodologia apresentada. Os métodos adotados nos casos de sobrepreço ou subpreço originais, a
saber, do balanço e do desconto respectivamente, são considerados mais adequados a cada um deles
do ponto de vista teórico, conforme já apresentado.
Como resultado das análises realizadas nos exemplos do anexo e fruto de anos de experiência na
área de perícias criminais, pode-se afirmar que a ocorrência de “jogo de planilha” independe do
valor absoluto ou mesmo do percentual relativo, havendo que se ater à intenção de causar o dano
através dos termos aditivos firmados ou da simples alteração durante a execução da obra sem a
devida formalização. Nesse ponto é essencial a experiência e o conhecimento técnico do perito, haja
vista que ele realizou todas as análises e cálculos, conhece todas as informações do caso, dentre elas
as justificativas técnicas caso existam, e, com base em sua autonomia, pode melhor decidir acerca
da efetiva ocorrência do “jogo de planilha”.
Pode-se perceber que existem diversas formas de ocorrência de “jogo de planilha”, como acréscimo
de quantidades de itens originais com preços altos, decréscimo de quantidades de itens originais
com preços baixos, supressão de itens originais com preços baixos, alteração de preços originais
para preços mais altos e inclusão de itens novos com preços altos. Essas hipóteses costumam
ocorrer também em conjunto, existindo diversas combinações possíveis.
A obra selecionada para apresentação dos exemplos foi um caso real de perícia realizada pelo autor,
em determinada época e região com considerável lapso temporal decorrido, que se tratava da
Outra conclusão é que pode ocorrer “jogo de planilha” mesmo em ambiente de subpreço, através da
perda do desconto original. Não há que se argumentar preço global abaixo do preço médio de
mercado, pois ainda deveria estar mais, de modo a garantir a vantagem auferida pela Administração
Pública com o evento licitatório e manter o equilíbrio econômico-financeiro original do contrato,
conforme exigido pela legislação vigente.
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jun 2010.