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DOSSIÊ “GRAMSCIREVISTA

E APOLÍTICA”
DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 15-30 NOV. 2007

CROCE, GRAMSCI E A “AUTONOMIA DA POLÍTICA”

Álvaro Bianchi

RESUMO

Na reflexão que Gramsci desenvolveu nos Quaderni del carcere, o tema da autonomia da política ocupa uma
importante posição. Foi com base nessa reflexão que Gramsci desenvolveu sua pesquisa a respeito de
política e da possibilidade de uma ciência política. Segundo Benedetto Croce, cabia a Nicolau Maquiavel
o mérito de ter afirmado pela primeira vez a autonomia da política. Para Croce, essa autonomia permitia
estabelecer uma distinção radical entre ética e política e entre “filosofia da política” e “ciência empírica
da política”. Gramsci tomou criticamente a reflexão croceana como ponto de partida de sua leitura de
Maquiavel. O reconhecimento da autonomia da política implicava que esta não poderia ser reduzida à
religião ou à ética. Como campo do conhecimento e como atividade, a ciência política e a política tinham
regras próprias, que as distinguiam de outras formas do conhecimento e da atividade humana. Mas tal
“autonomia” não implicava, para o marxista sardo, uma separação radical entre política e moral. Por essa
razão, Gramsci encontrava em Maquiavel um precursor da filosofia da práxis em sentido pleno, ou seja, o
criador de uma “ciência-ação revolucionária”.
PALAVRAS-CHAVE: Gramsci; Croce; Maquiavel; autonomia da política; ciência; filosofia.

I. INTRODUÇÃO política parece ser indicado por uma nota despre-


tensiosa. Trata-se de uma observação a respeito
É absolutamente surpreendente que Antonio
do poder e da oposição, creditada a Léon Blum e
Gramsci tenha sido apresentado ao público do pós-
inscrita no Primo Quaderno: “La ‘formula’ di
guerra primeiramente como um “teórico da cul-
Léon Blum. Le pouvoir est tentant. Mais seule
tura”. E mais surpreendente é a persistência des-
l’opposition est confortable” (Q 1, § 40, p. 29)2.
sa imagem. Certamente, há em sua obra e, parti-
Se esse é um momento-chave, é porque inaugura
cularmente, nos Quaderni del carcere uma abor-
essa reflexão e não porque, a partir dele, esta já
dagem consistente da cultura, especialmente da
apareça como acabada ou madura. Temas impor-
cultura italiana. Nos diversos planos de trabalho
tantes do pensamento gramsciano aparecerão no
que antecederam o início da redação dos Quaderni,
mesmo Quaderno, em notas seguintes a esse pa-
essa questão aparecia de modo persistente. E,
rágrafo, particularmente no parágrafo 43 (“Riviste
mesmo após o início da redação, ela permaneceu.
tipo”) e no 44 (“Direzione politica di classe pri-
Mas a questão que a partir de determinado mo-
ma e dopo l’andata al governo”). Mas esses pa-
mento passou a organizar o empenho gramsciano
rágrafos parecem definir apenas um conjunto de
foi outra: a política.
problemas de pesquisa e hipóteses de trabalho.
No projeto original dos Quaderni, exposto em
A impostação desses problemas nessas impor-
uma carta escrita em março de 1927, Gramsci
tantes notas era claramente histórica e remetia de
apenas indiretamente se refere à política, plane-
modo recorrente ao desenvolvimento italiano e à
jando, por outro lado, dedicar-se principalmente a
dificuldade de afirmação de uma unidade nacional
uma história dos intelectuais italianos e a questões
no Risorgimento. A localização da segunda versão
da cultura (cf. GRAMSCI, 1973, p. 58-59)1. E,
dos parágrafos 43 e 44 no interior dos cadernos
nas primeiras páginas que redigirá, a partir de 1929,
os temas privilegiados diziam respeito à história
italiana e a sua cultura. O momento no qual pare- 2 Para facilitar a leitura e a comparação entre diferentes
ce ocorrer a explosão da reflexão propriamente edições, citamos os Quaderni del carcere sempre a partir
de sua edição crítica (GRAMSCI, 1977), adotando a
seguinte nomenclatura: Q xx, § yy, p. zz, em que Q indica
1 Sobre os diferentes projetos dos Quaderni, ver Frosini a edição crítica, xx o número do caderno, yy o parágrafo e
(2003) e Bianchi (2007b). zz a página).

Recebido em 15 de agosto de 2007.


Aprovado em 25 de agosto de 2007.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 15-30, nov. 2007
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20, 24 e, principalmente, 19 reforçava essa ênfa- De um modo geral, a busca desses resultados
se. Foi a partir desses problemas e após aquela unifica as diferentes fases do pensamento
primeira formulação que Gramsci parece ter iden- croceano3. Os meios intelectuais mobilizados para
tificado a necessidade de uma reflexão mais siste- a realização desse objetivo variaram, entretanto,
mática sobre a atividade política e aquilo que de- no tempo. Tal empreendimento começou, ou pelo
nominava “ciência política” ou “ciência da políti- menos ganhou corpo, com a aproximação de
ca”. Nessa reflexão, a disputa sobre o legado de Benedetto Croce ao marxismo. Não é exato afir-
Maquiavel que o marxista sardo estabeleceu com mar que Croce foi marxista ou mesmo socialista,
Benedetto Croce ocupava uma posição estratégica. muito embora tenha mantido com ambos um in-
tenso diálogo crítico durante toda a sua vida4. A
II. O LUGAR DA POLÍTICA NA FILOSOFIA DO
relação do crítico napolitano com o marxismo não
ESPÍRITO DE BENEDETTO CROCE
se desenvolveu de modo linear e é possível identi-
O lugar de Croce na cultura italiana da primei- ficar ao menos duas fases nela. Nessa primeira, à
ra metade do século XX é singular. Tendo feito qual é feita referência agora, Croce inseriu-se no
sua carreira à margem do sistema universitário, o debate da época e no movimento revisionista que
crítico napolitano exerceu uma função hegemônica afirmava a “crise do marxismo”.
no ambiente cultural italiano que só poderia en-
Como parte dessa vertente revisionista, Croce
contrar paralelo no lugar que Goethe ocupou na
atribuiu, nos ensaios reunidos em Materialismo
Alemanha do século XIX (cf. HUGHES, 1979, p.
storico ed economia marxistica, obra publicada
201; GARIN, 1996, p. 3-4; BELLAMY, 1987, p.
em 18995, um valor positivo a certos aspectos da
72). Para tal, utilizou a revista La Critica e a edi-
teoria marxista, ao mesmo tempo em que procu-
tora Laterza para saturar a vida cultural da penín-
rou corrigir aqueles que seriam os principais
sula com um único ponto de vista: o renascimento
senões dessa teoria. No prefácio da primeira edi-
cultural da Itália e o conseqüente aniquilamento
ção dessa obra, afirmava que, assim como Georges
dos vestígios do pensamento do século XVIII ainda
Sorel, seu objetivo era “livrar o núcleo são e realis-
existentes, particularmente do positivismo (cf.
ta do pensamento de Marx dos adornos metafísicos
JACOBITTI, 1980, p. 69-70).
e literários de seu autor e das exegeses e deduções
Não é exagero falar de saturação cultural. En- pouco cautelosas da escola” (1927, p. IX).
tre 1882, data de seus primeiros textos juvenis,
Esse empreendimento intelectual era interpre-
até 1952, quando de sua morte, Croce publicou
tado como uma missão libertadora e revivificadora,
cerca de 30 mil páginas e acompanhou
pois tratava-se de libertar o marxismo das mãos
criteriosamente as freqüentes reedições dos 72
dos marxistas e dar-lhe nova vida, embora com
volumes de sua obra. A esse grande número de
pretensões mais modestas. Era no âmbito desse
escritos seria necessário acrescentar seus cader-
empreendimento que o crítico napolitano definia
nos de viagem e o enorme epistolário que mante-
que o materialismo histórico não era nem uma fi-
ve com alguns dos principais expoentes do ambi-
ente literário de sua época (cf. BADALONI &
MUSCETTA, 1990, p. 15-33). O resultado foi um 3 Para uma discussão das diferentes fases do pensamento
colossal empreendimento intelectual com vistas à croceano, ver Badaloni e Muscetta (1990, p. 62-75).
reconfiguração desse ambiente literário e o exer- 4 Com base naquilo que o próprio Croce escreveu, é pos-
cício pleno de sua hegemonia cultural nele. Com sível dizer que ele não se reconheceria na afirmação feita
plena consciência do alcance desse empreendi- por Finocchiaro de que seu pensamento teria sido marxista
mento, o próprio Croce considerava ter contribu- (2002, p. 10). Opinião mais matizada é sustentada por
ído de modo decisivo para afirmar na Itália: “O Hughes (1979, p. 82-89). Segundo Badaloni: “Ainda que
renovado conceito de filosofia em sua tradição não tenha sido socialista ou marxista, Croce, assim como
Gentile, necessitou do marxismo para dar uma base racio-
especulativa e dialética e não mais positivista e
nal a sua atividade de crítico e historiador” (BADALONI
classificatória, a ampla visão da história, a união & MUSCETTA, 1990, p. 62).
da erudição com o filosofar, o sentido vivíssimo 5 Os ensaios foram publicados originalmente entre 1895 e
da poesia e da arte em seu próprio caráter original
1899, em periódicos italianos e na revista francesa Devenir
e com isso a via aberta ao reconhecimento em sociale, dirigida por Georges Sorel. Eles são o resultado do
sua positividade e autonomia de todas as catego- diálogo crítico de Croce com Antonio Labriola, a quem a
rias ideais” (CROCE, 1947b, p. 86). obra foi dedicada.

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losofia da história nem um novo método nição era ponto essencial (cf. GARIN, 1996, p.
historiográfico, mas apenas “um cânone de inter- 3-31). Assim, o ponto de partida da exposição –
pretação histórica”, que aconselhava a “dirigir a literalmente, pois isso era afirmado no primeiro
atenção ao chamado substrato econômico da so- parágrafo de sua Estetica, – não podia deixar de
ciedade, para compreender melhor suas configu- ser uma afirmação de tipo esquemático e
rações e vicissitudes” (CROCE, 1927, p. 79; cf. classificatório. Nele, Croce diferenciava as duas
tb. 1946a, p. 47). formas que o conhecimento adquiria: “conheci-
mento intuitivo ou conhecimento lógico; conhe-
Para ser bem-sucedida, essa valorização do
cimento pela fantasia e conhecimento pelo inte-
marxismo como “cânone de interpretação” tinha
lecto; conhecimento do individual ou conhecimen-
de acertar as contas com a noção de luta de clas-
to do universal” (CROCE, 1946a, p. 3). Tais for-
ses. Pois era como pensamento que chama a aten-
mas do conhecimento corresponderiam, respec-
ção para o “substrato econômico” que o marxis-
tivamente, à Estética e à Lógica, que, embora fos-
mo poderia perder seu caráter revolucionário e
sem diversas, não se encontravam separadas.
não como pensamento que chama a atenção para
Muito embora a forma estética fosse independen-
o caráter permanente do antagonismo social. Se-
te da forma intelectiva e, nesse sentido, poderia
gundo Croce, a história seria uma luta de classes
ser considerada a forma primeira, o contrário não
apenas quando existissem classes sociais (fato
poderia ser dito. A inteligência necessitaria expres-
sobre o qual Engels já havia chamado a atenção),
sar-se e, por essa razão, não poderia existir sem a
quando existissem interesses antagônicos e quan-
estética (idem, p. 23).
do as classes fossem conscientes desse antago-
nismo. Mas nem sempre existiriam esses interes- As formas intuitiva (Estética) e intelectiva (Ló-
ses antagônicos, assim como se existissem não gica) esgotavam, para Croce, todo o domínio te-
seriam necessariamente conscientes. Assim, o órico do espírito, mas seu conhecimento pleno
enunciado de que “a história é luta de classes” tam- exigiria o estabelecimento das relações existentes
bém, segundo Croce, deveria ser reduzido ao “va- entre o espírito teórico e o espírito prático. Com a
lor de cânone e de orientação que reconhecemos forma teórica, o homem compreenderia as coisas
em geral na concepção materialista” (idem, p. 85). e se apropriaria delas por meio do intelecto, com
a prática as transformaria e criaria (idem, p. 54).
Marx foi, para Croce, uma ferramenta para a
A forma ou atividade prática seria, desse modo,
crítica da filosofia positivista predominante na Itália
correspondente à vontade. O argumento de Croce
e um meio para a elaboração de sua filosofia do
não deixava de ser tautológico, uma vez que defi-
espírito, concebida por meio da distinção entre as
nia a vontade como “a atividade do espírito [...]
diferentes formas que definiam a maneira a partir
produtora não de conhecimento, mas de ações”
da qual o espírito operava de modo universal. Em
(idem, p. 53). Repetir-se-ia, quanto a essas duas
sua memória, apresentada no ano de 1900 na Aca-
formas teóricas e práticas, a mesma relação que
demia Pontaniana de Napoli, intitulada Tesi
já havia sido estabelecida entre a atividade estética
fondamental di un’estetica come scienza
e a atividade intelectiva. A forma teórica seria a
dell’espressione e linguistica generale, Croce
forma primeira e independente e a forma prática
elaborou uma primeira versão de seu sistema filo-
não poderia sem ela existir. Isso não significava
sófico. Esse texto, revisado e ampliado, passou a
que o homem prático necessitasse de um sistema
integrar, em 1907, o livro Estetica come scienza
filosófico elaborado para operar, e sim de intuições
dell’espressione e linguistica generale (CROCE,
e conceitos que lhe permitissem orientar sua ação.
1946a), primeiro dos quatro volumes de Croce
dedicados à Filosofia dello Spirito6. O primeiro grau da atividade prática seria, para
Croce, a atividade meramente útil ou econômica e
O procedimento filosófico padrão de Croce era
o segundo, a atividade moral: “A Economia é como
um percurso no qual distinção-classificação-defi-
a Estética da vida prática; a Moral, como a Lógi-
ca” (idem, p. 61). O conceito de atividade econô-
6 Os outros volumes são Logica come scienza del concetto mica recebia tratamento detalhado. Croce procu-
puro, publicado originalmente em 1908 (CROCE, 1947); rava superar a confusão existente entre os con-
Filosofia della pratica: Economia ed etica, de 1908 ceitos de útil e egoísmo. Uma vez que o egoísmo
(CROCE, 1923); e Teoria e storia della storiografia, de é imoral, a confusão colocaria a Economia em
1915 (CROCE, 2001). uma posição não distinta, mas antagônica à Ética.

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Mas mesmo o homem mais escrupuloso deveria Tendo assentado com sua Estetica os pressu-
conduzir sua vida por um sentido de utilidade se postos da filosofia do espírito, Croce não deixou
não desejasse operar sem sentido algum. de debater-se com os limites do próprio sistema,
sem chegar a resolver a tensão existente entre uma
O autor da Estetica procurava resolver a ques-
classificação formal e apriorística das formas do
tão do mesmo modo como havia estabelecido a
espírito e uma análise efetiva da experiência hu-
relação entre Estética e Lógica. O altruísta que pro-
mana (cf. GARIN, 1996, p. 21). A tensão mani-
cura um fim moral não poderia deixar de procurá-
festava-se no interior da própria obra croceana
lo utilmente (economicamente), mobilizando os
entre o esquematismo classificatório dos quatro
meios acessíveis com vistas à obtenção do fim al-
volumes que reuniam sua Filosofia dello spirito e
mejado. Já que apenas o indivíduo poderia ser o
a riqueza da análise presente nos volumes de seus
ator da ação, um fim racional (moral) só poderia
Scritti di storia letteraria e politica. Os proble-
ser desejado como um fim particular. A atividade
mas mais graves apareciam justamente nas esfe-
econômica encontrar-se-ia implicada na atividade
ras nas quais essa experiência assumia a forma de
ética, mas a recíproca não seria verdadeira. A ativi-
atividade prática, o âmbito daquilo que esse autor
dade econômica seria, assim, primeira e indepen-
chamou de “filosofia da prática”, os domínios da
dente com relação à atividade ética (idem, p. 63).
Economia e da Ética (cf. CROCE, 1923; cf. tb.
A atividade complexa do pensamento era as- MARTELLI, 2001, p. 118-121).
sim decomposta em quatro graus: a individualida-
No mesmo ano em que Croce escreveu a pri-
de e universalidade teoréticas, referentes à intui-
meira versão de sua filosofia do espírito, nas Tesi
ção e expressão do individual (Estética) e à con-
fondamentali, de 1900, redigiu também duas car-
cepção do universal (Lógica), respectivamente; e
tas que tinham por destinatário Vilfredo Pareto,
a individualidade e a universalidade práticas, cor-
discutindo com este o “princípio econômico”,
respondentes às volições do particular (Economia)
cartas essas que integram a obra Materialismo
e às volições do universal (Ética). A relação entre
storico ed economia marxistica (CROCE, 1927,
esses diferentes momentos ou graus do espírito
p. 225-247). Essas cartas não faziam parte da
seria uma relação de implicação regressiva. Croce
primeira edição dessa obra, publicada um ano an-
resumia assim sua teoria das formas do espírito:
tes, mas passaram a integrar a edição seguinte, de
“Neste esboço sumário que fizemos do conjunto
1906. Além da importância para a reconstrução
da filosofia do espírito em seus momentos funda-
do percurso que levou Croce a sua filosofia do
mentais, o espírito é concebido, então, como per-
espírito, essas cartas, na posição que ocupam em
correndo quatro momentos ou graus, dispostos
Materialismo storico..., revelam que aquilo que
de modo que a atividade teórica esteja para a prá-
este denominava de Economia era ponto nodal de
tica como o primeiro grau teórico está ao segun-
seu inicial afastamento da obra de Marx.
do teórico e o primeiro prático ao segundo práti-
co. Os quatro momentos se implicam regressiva- Na carta de 15 de maio de 1900 a Pareto, a
mente por seu caráter concreto: o conceito não relação existente entre os domínios da Economia e
pode estar sem expressão, o útil sem uma e o da Ética era abordada. Nessa missiva, o fato eco-
outro, e a moralidade sem os três graus que o nômico era definido como “a atividade prática do
precedem” (idem, p. 68). homem enquanto se considere em si, independen-
temente de toda determinação moral ou imoral”
Os inúmeros problemas da formulação de uma
(CROCE, 1927, p. 236). Estabelecendo a autono-
filosofia do espírito não se encontravam, entre-
mia do útil e distinguindo a ação econômica de uma
tanto, resolvidos, coisa que as sucessivas revi-
moralidade concebida em sua pureza categorial,
sões dos três primeiros volumes que compunham
Croce enunciava nessas cartas as bases para sua
sua investigação e o acréscimo de um quarto de-
filosofia da prática (cf. BONETTI, 2000, p. 13).
dicado à história iriam demonstrar. A tentativa de
restringir toda a ação humana àquelas quatro for- O preço desse enunciado era, entretanto, eleva-
mas implicava na exclusão do âmbito do “espíri- do. Um conceito tão laxo de fato econômico trazia
to” de toda atividade que não pudesse ser nelas como conseqüência a subsunção pelo econômico
enquadradas ou na redução arbitrária de tais ativi- de toda atividade com vistas a transformar de al-
dades a uma das formas previamente definidas. gum modo o ambiente e, portanto, implicava uma
redução do direito e da política a meras expressões

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da atividade econômica. Essa expansão conceitual (CROCE, 1994, p. 203), uma unidade que se ve-
configurava um surpreendente economicismo. rificava na medida em que ambas eram “momen-
Depois de criticar primeiro a operação levada a cabo tos necessários da vida espiritual” (CROCE, 1993,
por Achille Loria e, depois, a suposta transforma- p. 241). Mas o nexo indicava também o sentido
ção por parte de Marx da economia em um “deus no qual se processava a unificação. A consciência
oculto”, Croce paradoxalmente subsumiu na eco- ética e moral e a consciência econômica e política
nomia parte da superestrutura. partilhariam a mesma forma prática, mas seguin-
do o modo de implicação dos diferentes graus do
Na Estetica, esse procedimento de subsunção
espírito, a econômica e a política, como ações
se manifestava no tratamento dispensado ao direi-
geradas pelo sentido de utilidade, resolver-se-iam
to: “o direito é uma fórmula (oral ou escrita, aqui
na eticidade.
pouco importa), na qual é fixada uma relação eco-
nômica desejada por um indivíduo ou uma coletivi- Assim como nas implicações regressivas dos
dade” (CROCE, 1946a, p. 69). Em Filosofia della diferentes graus do espírito, o “espírito ético en-
pratica, o tema era retomado e tratado de modo contra, pois, na política a premissa de sua ativida-
detalhado, preservando a formulação inicial em seus de e, por sua vez, seu instrumento, quase um corpo
pontos mais importantes: o pertencimento do direi- ao qual infunde uma alma renovada e utiliza para
to à esfera da atividade prática, a distinção entre seus fins” (CROCE, 1994, p. 266). A anteriorida-
moral e direito e a redução do Direito à Economia de da política com relação à moral tornaria possí-
(cf. CROCE, 1923, p. 307-390). vel que esta servisse de “instrumento à vida mo-
ral” (idem, p. 267). Embora expressasse essa re-
Do mesmo modo, para Benedetto Croce, a ação
lação entre os distintos por meio de uma lingua-
política era aquela guiada pelo sentido da utilida-
gem hegeliana, o empreendimento croceano era
de, ou seja, era a ação dirigida por um fim consi-
antidialético, uma vez que o nexo existente entre
derado útil pelo agente e desse modo era
os diferentes graus do espírito não constituía uma
reconduzida para o âmbito da Economia. O crité-
relação dialética de mútua interpenetração e reci-
rio que permitiria avaliar uma ação política seria,
procidade, e sim de implicação unilateral do nível
desse modo, um critério de eficácia. Dirigida com
superior no inferior (cf. FONTANA, 1993, p. 60).
vistas à obtenção de um fim útil, tal ação não po-
deria ser qualificada como moral ou imoral, e sim Se a forma discursiva era de inspiração clara-
apenas como eficaz ou ineficaz (CROCE, 1994, mente hegeliana, as conclusões às quais chegava
p. 250-251). Definida desse modo, tornava-se afastavam o filósofo napolitano do alemão. Com-
possível distinguir a política da ação moral e éti- preender o Estado e a moral era, para Croce, um
ca, aquela ação dirigida com vistas à realização do problema teórico da alçada da filosofia. Diferen-
bem. Não se tratava, entretanto, de afirmar a tes seriam as questões que diriam respeito às ori-
moralidade ou imoralidade da política, e sim sua entações da ação política. Estas seriam questões
amoralidade. práticas e diriam respeito ao político e não ao filó-
sofo. O problema político, assim como todo pro-
A distinção entre filosofia e política implicava,
blema prático, deveria ser considerado como um
também, uma especialização ou especificação dos
empreendimento criativo e, portanto, pessoal e
sujeitos. A distinção das formas espirituais encon-
individual. Croce rompia decididamente nesse
trava, nos indivíduos singulares, a especificidade
ponto com Hegel, para afirmar na política o pri-
de suas vocações (cf. BOBBIO, 1955, p. 102). A
mado do indivíduo sobre o Estado.
demarcação que Croce levava a cabo entre essas
formas encontrava, dessa maneira, sedes fisica- A afirmação da autonomia da política implica-
mente separadas: “o filósofo” e o “homem da po- va não apenas a distinção entre ética e política
lítica”, aos quais continuamente fazia referência. acima analisada, mas também uma distinção entre
a “filosofia da política” e a “ciência empírica da
A separação física entre essas formas não dei-
política”. Retomando a idéia de uma identidade
xava de colocar um problema que ele tentava re-
entre filosofia e história, afirmada em sua Logica
solver no âmbito do espírito. Embora estabele-
come scienza del concetto puro (CROCE, 1947a),
cesse a distinção entre moral e política, Croce
afirmava que a finalidade da filosofia da política
assegurava formalmente o nexo existente entre
era a explicação da história da atividade política
elas. A distinção significaria, para ele, não uma
“em sua dupla forma de história econômica e
separação, mas uma “unidade concreta e viva”

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CROCE, GRAMSCI E A “AUTONOMIA DA POLÍTICA”

meramente política e de história ético-política ou “pseudoconceitos” e classificações (CROCE,


moral” (CROCE, 1994, p. 281). A ciência da po- 1994, p. 288)8. O âmbito que o filósofo napolitano
lítica, por sua vez, teria o objetivo de fixar o co- atribuía à ciência empírica da política estava mui-
nhecimento de modo a torná-lo rapidamente aces- to longe, desse modo, daquele que Mosca procu-
sível ao espírito com vistas à ação ou a novas rava determinar. Para Croce, a ciência empírica
indagações. O procedimento que permitiria à ci- da política teria apenas um valor restrito a sua
ência empírica da política atingir seus objetivos “utilidade instrumental” (idem). Reconhecido esse
deveria ser a redução da multiplicidade histórica a valor instrumental, impedir-se-ia que a ciência da
um pequeno número de “tipos e classes”, ou seja, política degenerasse em filosofemas abstratos e
“os fatos considerados em seu conteúdo abstrato princípios absolutos, contaminando tanto a filo-
[...] e despojados de sua vida própria, dada pela sofia como a historiografia.
forma espiritual, quer dizer, pela individualidade”
Essa restrição do âmbito de atuação e da vali-
(idem, p. 282).
dade da ciência política reforçava a distinção que
O juízo de Croce a respeito da ciência empírica Croce levava a cabo entre teoria e prática, filoso-
da política não era, evidentemente, positivo, como, fia e política. Tal distinção, na ênfase que recebia,
aliás, não o era para qualquer “ciência empírica”. permitia-lhe recomendar aos filósofos que não
Argumentava que, ao retomar o material critica- perturbassem a política com uma filosofia ino-
mente elaborado pela filosofia e pela crítica histó- portuna. Por essa razão, chegou a denunciar o
rica, a ciência empírica da política esvaziaria o “cretinismo filosófico” e a “fixação filosófica”,
conteúdo vivo desse material e seu significado. assim como Marx havia feito com o cretinismo
Esse juízo negativo tinha também um caráter parlamentar (CROCE, 1993, p. 281; cf. tb.
metodológico: ele serviria para prevenir a filosofia BOBBIO, 1955, p. 105). Mas a distinção também
da contaminação por parte de uma vulgar filoso- permitia “preservar o juízo histórico da contami-
fia prática7. Seria, assim, possível evitar uma iden- nação da prática política, que lhe retira amplitude
tificação entre a verdade lógica e a verdade políti- e imparcialidade” (CROCE, 1994, p. 290).
ca, erro este que poderia ter como conseqüência
Uma vez desenvolvida essa distinção entre a
uma absolutização do pensamento prático. Mas
política e a moral na primeira seção de seus Elementi
esse juízo negativo também serviria para alertar
di politica, Croce passava em revista, na seção
contra a transformação de caprichos e paixões
seguinte, a história da filosofia da política, de modo
individuais em teoremas “da ciência mecânica que
a tornar sua filosofia da política o ponto de culmi-
tomou por objeto o Estado e a sociedade” (idem,
nância de toda a filosofia da política precedente9.
p. 286). Esse último erro consistiria em um apa-
O ponto de partida para tal não era, senão,
gamento das fronteiras entre filosofia e práxis,
acreditando ter a ação política uma determinação
conceitual universal, quando, na verdade, tal ação 8 Para Croce, o conceito puro é omni e ultra-representati-
só poderia encontrar sua verdade na sua plena in-
vo e não se refere a esta ou aquela representação particular
dividualidade (cf. ZARONE, 1990, p. 189). ou a este ou aquele grupo de representações. Os
Levando em conta o ambiente intelectual de pseudoconceitos, por sua vez, seriam representações ge-
rais que simulariam uma falsa universalidade. As ciências
sua época e, particularmente, o contexto italiano, empíricas operariam a partir de tais pseudoconceitos (cf.
chama a atenção essa recusa da ciência política CROCE, 1947, p. 13-36, & BONETTI, 2000, p. 18-22). A
que se colocava na contramão do empreendimen- solução elaborada por Croce permitia-lhe romper o nó górdio
to levado a cabo por Gaetano Mosca e Vilfredo existente entre a Kulturwissenschaften e a
Pareto, entre outros. Ao contrário desses autores, Naturwissenschaften com um golpe de caneta, expelindo
empenhados na demonstração da possibilidade de arbitrariamente todas as noções científicas do campo do
conhecimento puro (cf. GARIN, 1996, p. 23).
um conhecimento científico da política, o autor
9 Os Elementi di politica, publicados originalmente em
de Etica e politica colocava em dúvida o potenci-
al de uma ciência que procedesse por meio de 1925, passaram, em 1930, a integrar a obra Etica e politica,
juntamente com os Frammenti di etica, escritos em 1922. A
primeira seção dos Elementi di politica intitulava-se “Politica
‘in nuce’” e a segunda, à qual é feita referência, era “Storia
7 Quando a prática é objeto da filosofia, esta é uma “filo- della filosofia della politica”. Para a história dessa obra, ver
sofia da prática”. Quando a prática é o objetivo da filoso- a minuciosa nota de Giuseppe Galasso em Croce (1994, p.
fia, esta é uma mera “filosofia prática”. 423-486).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 15-30 NOV. 2007

Maquiavel, considerado um expoente da “política napolitano, “Maquiavel é historiador enquanto se


pura” e símbolo de uma profunda crise no desen- esforça pra compreender o curso dos acontecimen-
volvimento da ciência. Segundo o filósofo tos e é político, ou pelo menos publicista, quando
napolitano, “Maquiavel descobriu a necessidade e apresenta ou acaricia seu ideal de um príncipe fun-
a autonomia da política, que está além – ou melhor, dador de um forte Estado nacional e o faz refletir
aquém –, do bem e do mal moral, que tem leis na história que narra [...]. Maquiavel pertence, en-
contra as quais é inútil rebelar-se, que não pode ser tão, por uma vertente à história do pensamento do
exorcizada nem expulsa do mundo com água ben- Renascimento e, por outra, à história da prática do
ta” (CROCE, 1994, p. 292)10. Renascimento” (CROCE, 2001, p. 189-190).
A afirmação de Maquiavel como descobridor A afirmação de Maquiavel como descobridor
da autonomia da política que foi discutida até aqui da autonomia da política ressaltava seu papel como
tornou-se célebre e fez de Croce um dos expoen- filósofo do Renascimento e não como político
tes da moderna maquiavelística, apesar de ter de- dessa época histórica. Embora estivesse em cons-
dicado ao florentino apenas pequenos artigos e tante diálogo com a interpretação de Francesco
páginas esparsas, encontradas, principalmente, em De Sanctis, Croce afastava-se das conclusões
Etica e politica e em Storia della età barocca in desse historiador do Risorgimento. Em sua mo-
Italia (cf. COCHRANE, 1961, p. 115-116; numental Storia della letteratura italiana, De
MEDICI, 1990, p. 166). Ao afirmar que o secre- Sanctis atribuía ao secretário florentino a função
tário florentino inaugurava a “autonomia da políti- de “consciência e pensamento do século”, “ao
ca”, o filósofo napolitano apresentava Maquiavel mesmo tempo a mais profunda negação do
como um precursor da distinção entre as diferen- medievo e a afirmação mais clara dos novos tem-
tes esferas do espírito. pos” (DE SANCTIS, 1968, p. 454). Essa dupla
função – negativa e positiva –, que havia sido le-
Contrariamente àqueles que liam Il Principe
vada a cabo pela Reforma protestante no restante
como um manual de política prática, Croce des-
da Europa, teria assumido, na Itália, uma forma
tacava que o conceito de “autonomia da política”
diferente. De Sanctis afirmava, então, que na pe-
presente nele era um “conceito profundamente fi-
nínsula “Lutero foi Nicolau Maquiavel” (idem).
losófico e representa a verdadeira e própria fun-
Como homem do Renascimento, o Maquiavel de
dação da filosofia política” (idem). O conteúdo
De Sanctis foi também um reformador.
propriamente filosófico do discurso do florentino
era revalorizado em detrimento daquilo que Croce Esse caráter dual de Maquiavel também era
considerava ser a casuística e o preceptismo po- destacado por Croce. O secretário florentino, afir-
lítico que caracterizava o pensamento dos mava em Etica e politica, era comumente identi-
maquiavelianos. Maquiavel não poderia ser consi- ficado com o Renascimento. Mas ele pertenceria,
derado, desse modo, o fundador de uma “ciência também, ao movimento da Reforma e ao seu de-
empírica da política”, como muitos pensaram. Ele sejo, dentro e fora da Itália, de “conhecer o ho-
era, na verdade, o fundador da moderna filosofia mem e pesquisar o problema de sua alma [ani-
da política. ma]” (CROCE, 1993, p. 292). O sentido a partir
do qual Maquiavel era identificado com o espírito
Essa leitura antimaquiaveliana da obra de
da Reforma diferia, entretanto, daquele afirmado
Maquiavel era possível porque Croce separava as
por De Sanctis. Para Croce, o secretário florentino
tendências práticas e políticas, ou seja, afastava a
era um reformador da filosofia e não da socieda-
política em ato da reflexão a respeito dessas prá-
de de sua época. Por essa razão, poderia estar
ticas e políticas, apartava a esfera da filosofia da
inserido em um movimento de pesquisa do “pro-
esfera da política. Procedimento semelhante era
blema da alma”, do espírito humano. Maquiavel
levado a cabo na separação entre a historiografia
assumia, desse modo, o lugar de precursor da fi-
e a história em ato. O exemplo dado por Croce a
losofia do espírito.
esse respeito em Teoria e storia della storiografia
era, justamente, o de Maquiavel. Para o filósofo III. GRAMSCI E A BUSCA DE UM “REALISMO
POPULAR”
10 A abordagem croceana já havia sido antecipada, embora Se, para Croce, Maquiavel era o precursor de
de forma muito sumária, em Filosofia della pratica sua filosofia do espírito, para Gramsci, o secretá-
(CROCE, 1923, p. 266-268). rio florentino era um caminho para a crítica dessa

21
CROCE, GRAMSCI E A “AUTONOMIA DA POLÍTICA”

filosofia e para a reelaboração de uma filosofia da ta-se de notas referentes ao caráter histórico da obra
práxis. A importância da pesquisa sobre o de Maquiavel e o pertencimento a seu próprio pre-
florentino tornava-se evidente já no primeiro dos sente (Q 1, § 10, p. 8-9 e Q 2, § 31, p. 189 e § 41,
cadernos redigidos por Gramsci na prisão, muito p. 196-197) e à sua posição de intelectual cosmopo-
embora esta não fizesse parte do índice que colo- lita (Q 1, § 150, p. 133).
cou em seu início. Esse era, entretanto, um dos
As notas presentes no Quaderno 2 são mais
temas enumerados tanto na coleção de argumen-
ou menos contemporâneas daquelas inscritas no
to dos “Saggi principali”, redigida provavelmen-
Quaderno 4 e que fazem parte do conjunto que
te entre os meses de novembro e dezembro de
recebeu o subtítulo de Appunti di Filosofia I, re-
1930 (cf. FRANCIONI, 1984, p. 142), como dos
digido, provavelmente, entre maio e outubro de
temas elencados nos “Raggruppamenti di maté-
1930 (cf. FRANCIONI, 1984, p. 141). Mas a
ria”, escritos, supostamente, entre março e abril
abordagem do Quaderno 4 já não era apenas his-
de 1932 (idem, p. 85-93), ambos antepostos ao
tórica. Em seu interior, o estudo da obra de
Quaderno 8 e linhas de orientação para a pesquisa
Maquiavel e de seus comentadores passava a fa-
que seria levada a cabo.
zer parte de uma pesquisa mais abrangente sobre
A respeito das notas sobre Maquiavel, Leonar- o conceito de política e a atividade política no
do Paggi destacou que é possível identificar dois âmbito de uma filosofia da práxis. Os títulos que
grandes temas, que, embora interconectados, apre- Gramsci antepunha a seus parágrafos já permi-
sentam-se de modo formalmente distinto: 1) uma tem perceber esse deslocamento: “Machiavellismo
pesquisa sobre a interpretação marxista da obra de e marxismo” (Q 4, § 4, p. 425), “Machiavelli e
Maquiavel; 2) a tradução para o marxismo de al- Marx” (Q 4, § 8, p. 430) e “Marx e Machiavelli”
guns conceitos presentes na obra de Maquiavel (Q 4, § 10, p. 432).
(PAGGI, 1984, p. 387; cf. tb. FINOCCHIARO,
O lugar de Maquiavel nesse projeto gramsciano
2002, p. 125-126). À observação de Paggi, é ne-
de reflexão sobre a teoria e a atividade política é
cessário acrescentar que Gramsci começava sua
inegável. Rita Medici (1990, p. 188) alertou que
investigação no Primo Quaderno no âmbito de uma
esse lugar parece contraditório com aquela rei-
reflexão sobre a interpretação da obra de Maquiavel,
vindicação feita pelo próprio Gramsci, retomando
ressaltando o tempo que lhe era próprio e a neces-
uma tese de Antonio Labriola a respeito da inde-
sidade de tratá-la de modo histórico (Q 1, § 10, p.
pendência da filosofia da práxis e a recusa de toda
8-9). A pesquisa a respeito de Maquiavel e a “auto-
tentativa de completá-la com outras doutrinas (cf.
nomia do fato político” própria daquele segundo
LABRIOLA, 2000, p. 216, Q 4, § 3, p. 422). Se
bloco temático apontado por Paggi aparecerá ape-
Gramsci pôde atribuir esse papel a Maquiavel sem
nas mais tarde, no Quaderno 4, § 5611.
que isso se constituísse em uma antinomia, foi
O tratamento dado a Maquiavel nos Quaderni porque viu no secretário florentino uma “primeira
acompanhou essa transformação gradual do progra- figura da filosofia da práxis” (LEFORT, 1986). É
ma de pesquisa e as novas ênfases que ele foi adqui- por isso que, nas notas intituladas “Marx e
rindo. Nos diferentes planos de trabalho escritos por Machiavelli”, ambos os autores não apareciam
Gramsci, Maquiavel apareceu primeiro naquele elenco opostos um ao outro, nem como complementa-
de “Saggi principale”, redigido no final de 1930 e res, e sim como autores que partilhavam um mes-
concentrado na história dos intelectuais italianos. Os mo lugar12.
parágrafos referentes ao secretário florentino que
Tal lugar parece ser justificado no início do
podem ser encontrados nos cadernos 1 e 2 parecem
Quaderno 4, em uma pequena nota de oito linhas,
inserir-se claramente dentro dessa perspectiva. Tra-
intitulada “Machiavellismo e marxismo”. Refletin-
do provavelmente a respeito da interminável que-
rela dos intérpretes de Maquiavel referente aos
11 Segundo Francioni, esse parágrafo data de novembro de objetivos de Il Príncipe – a quem ensinava
1930 (1984, p. 141). Era concomitante, portanto, daquelas
discussões organizadas por Gramsci sobre a política co-
munista na Itália e na União Soviética que tiveram lugar na
prisão, discussões essas que assinalaram um giro político
12 Nas notas intituladas “Croce e Marx”, pelo contrário,
no interior dos Quaderni (cf. a narrativa de um dos partici-
pantes: LISA, 1981). ambos são colocados em oposição.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 15-30 NOV. 2007

Maquiavel? –, escrevia o marxista sardo: “Dupla No primeiro dos pontos enumerados na cita-
interpretação de Maquiavel: por parte dos homens ção, Gramsci retomava explicitamente a idéia de
de Estado tirânicos que desejam conservar e au- “autonomia da política” da leitura que Benedetto
mentar sua dominação e por parte daquelas ten- Croce fez da obra do florentino. A influência des-
dências liberais que querem modificar as formas sa leitura croceana sobre a reflexão de Gramsci
de governo. [...] Croce escreve que isso demons- nos Quaderni del carcere é inegável. As referên-
tra a validade objetiva das posições de Maquiavel, cias são por demais explícitas para serem recusa-
o que é justíssimo” (Q 4, p. 425). das. Levando em consideração essas referências,
Finocchiaro (2002, p. 133) afirma simplesmente
Entretanto, nem todas as posições de Maquiavel
que o marxista sardo “aceita” de Croce essa tese
poderiam ser consideradas portadoras de uma
fundamental. Na verdade, embora ele tenha
“validade objetiva”. Aquelas às quais Gramsci atri-
aceitado a expressão e faça uso corrente dela nos
bui esse estatuto são as que poderiam ser integra-
Quaderni, não fez o mesmo com seu conteúdo.
das no âmbito da filosofia da práxis como cânones
Os fundamentos e os resultados dessa tese eram,
de interpretação. Por outro lado, a caracterização
para Croce e Gramsci, diferentes (MEDICI, 1990,
maquiaveliana a respeito da natureza humana de-
p. 167), senão contrapostos (cf. FONTANA,
veria ser claramente rejeitada. Segundo o autor
1993, p. 7 e 52-73, & FROSINI, 2003, p. 164).
dos Quaderni, a inovação fundamental introduzida
por Marx na ciência política e histórica, quando Para Gramsci, a afirmação de uma “autono-
comparado com Maquiavel, foi a crítica à idéia de mia da política” implicava o reconhecimento de
uma “natureza humana” fixa e imutável (Q 4, § 8, que a política não poderia ser reduzida à religião
p. 430-431). ou à ética. Como campo do conhecimento e como
atividade, ou seja, como ciência e prática, teoria e
A rejeição dessa idéia permitiria conceber uma
práxis, a ciência política e a política tinham regras
ciência política que, em seu conteúdo concreto,
próprias que as distinguiam de outras formas do
identificar-se-ia com uma ciência histórica.
conhecimento e da atividade humanas. Mas tal
Maquiavel pensou a política como uma prática que
“autonomia” parece não implicar, na obra de
se afirma em um tempo circular no qual a regula-
Gramsci, uma separação radical entre política e
ridade da natureza humana garantiria a constância
moral. Por essa razão, Gramsci encontrava em
dos ciclos históricos. A acuidade do florentino para
Maquiavel um precursor da filosofia da práxis em
a história justificava-se pelo seu efeito demons-
sentido pleno, ou seja, o criador de uma “ciência-
trativo daquilo que poderia vir a ser. Daí sua insis-
ação revolucionária” (cf. MARTELLI, 1996, p.
tência na necessidade de articular “uma longa ex-
170).
periência das coisas modernas e um contínuo es-
tudo das antigas” (MACHIAVELLI, 1971, p. 257). A questão dizia respeito, portanto, à “relação
dialética” que a “autonomia da política” poderia
A recusa de uma natureza humana fixa permi-
ter com outras formas históricas. A fórmula
tia a Gramsci livrar-se de uma concepção cíclica
croceana era inteiramente insuficiente, senão equi-
do tempo sem, com isso, abrir mão daquela im-
vocada. A relação da política com a arte, a moral e
portante sensibilidade histórica. Também para o
a filosofia seria uma relação indeterminada de mera
sardo, a experiência contemporânea e o estudo da
implicação, como sugeria a “dialética dos distin-
história forneciam a chave para a inteligibilidade
tos”? Gramsci rejeitava claramente essa
do presente. Libertado o pensamento de Maquiavel
indeterminação e afirmava que a arte, a moral e a
das amarras que lhe eram impostas por aquela idéia
filosofia “serviam” à política, podendo reduzir-se
de natureza humana, revelava-se seu núcleo ra-
a um momento desta, mas afirmar o contrário seria
cional. Esse núcleo, segundo Gramsci, era: “1) A
um equívoco. Desse modo, afirmava a “priorida-
afirmação de que a política é uma atividade inde-
de do fato político-econômico, isto é, a ‘estrutu-
pendente e autônoma que tem seus princípios e
ra’ como ponto de referência e de ‘causação’
suas leis diversas daquelas da moral e da religião
dialética, não mecânica das superestruturas”
em geral [...]; 2) o conteúdo prático e imediato da
(Q 4, § 56, p. 503).
arte da política estudado e afirmado com objetivi-
dade realista, em dependência da primeira afirma- Estabelecer o nexo estrutura-superestrutura era,
ção” (Q 4, § 8, p. 431). também, definir o conceito da política no âmbito

23
CROCE, GRAMSCI E A “AUTONOMIA DA POLÍTICA”

da filosofia da práxis. Essa era, para o autor dos tes, Frosini argumentou que, para o filósofo
Quaderni, a primeira questão a resolver em um napolitano, a afirmação maquiaveliana da autono-
tratamento da obra de Maquiavel. A definição não mia da política era uma descoberta de valor filo-
dizia respeito apenas ao lugar que uma filosofia da sófico, enquanto para Gramsci, essa dimensão
política deveria ter no âmbito da filosofia da práxis. filosófica poderia ser afirmada porque implicava
Se a política é práxis, então essa era uma questão um revolucionamento de toda a concepção do
facilmente resolvida: a filosofia da práxis política mundo e uma reinterpretação também da moral e
era a própria filosofia da práxis. da filosofia. Assim, Gramsci “subverte a perspec-
tiva croceana, na medida em que avista na própria
A reflexão a respeito de Maquiavel, que a prin-
política a descoberta in nuce de uma inteira nova
cípio encontrava-se de modo esparso nos
filosofia” (FROSINI, 2003, p. 164).
Quaderni, ganhou ritmo e intensidade no interior
do importante Quaderno 8, em um conjunto de Croce, como já visto, fundamentava sua con-
notas escritas entre janeiro e abril de 1932 e de- cepção da política a partir da distinção das diver-
pois reescritas, em sua maioria no Quaderno 13, sas formas do espírito e a definia como um mo-
entre maio de 1932 e os primeiros meses de 1934 mento da prática autônomo e independente das
(cf. FRANCIONI, 1984, p. 142 e 144)13. A abor- demais formas, ainda que relacionando-se com
dagem corrente dessas notas tende a destacar a elas mediante o nexo circular dos distintos.
metáfora do “moderno príncipe”, presente já no § Gramsci procurava desenvolver esse conceito em
1 do Quaderno 13, e o lugar do partido político sentido contraposto àquele do filósofo napolitano
no processo de constituição de um novo Estado. em uma passagem rica de significados: “Onde tudo
De modo apropriado, Rita Medici chamou a aten- é prática, em uma filosofia da práxis, a distinção
ção para a escassez de referências a essa temática não será entre momentos do Espírito absoluto,
nos Quaderni (MEDICI, 2000, p. 162)14. Tal mas entre estrutura e superestrutura, tratar-se-á
temática é, sem dúvida, de grande importância, de fixar a posição dialética da atividade política
mas ela não fornece um critério interno de unida- como distinção nas superestruturas, e se poderá
de da abordagem gramsciana de Maquiavel. dizer que a atividade política é, justamente, o pri-
meiro momento ou primeiro grau das superestru-
A questão que pode fornecer um critério de
turas, é o momento no qual todas as superestru-
unidade era colocada por Gramsci, originalmente
turas encontram-se ainda na fase imediata de mera
no Quaderno 8: qual o lugar da atividade política
afirmação voluntária, indistinta e elementar”
na filosofia da práxis? A própria impostação do
(idem).
problema já marcava distância daquela assumida
por Croce na medida em que o marxista sardo A partir dessa definição, torna-se compreensí-
indicava, já na pergunta que fazia, a unidade entre vel a identidade entre história e política, bem como
filosofia e política (Q 8, § 61, p. 977)15. Apontan- a afirmação de que “toda a vida é política”. Toda a
do as diferenças existentes entre os dois intérpre- práxis humana carrega em si uma dimensão polí-
tica, muito embora essa dimensão não preencha
todo o seu conteúdo. Se a história é conflito, não
13 Maquiavel foi citado em todos os cadernos anteriores
há como negar que todo conflito é, também, em
maior ou menor medida, explícita ou implicita-
ao 8, com exceção do 7. Mas, neles, nunca dedicou mais do
que três parágrafos ao florentino. No Quaderno 8, ao in- mente, política. O conceito de distinção,
vés, é possível encontrar referências nos §§ 21, 37, 43, 44, reelaborado no âmbito da filosofia da práxis, per-
48, 56, 58, 61, 78, 84, 86, 114, 132, 162 e 163. mitia conceber todo o sistema de superestruturas
14 De fato, no Quaderno especial dedicado a Maquiavel como “(sistema de) distinções políticas” (idem).
só há duas referências ao “príncipe moderno” (Q 13, § 1, p. Tratava-se, então, para Gramsci, de retomar
1558 e § 21, p. 1601-1602).
essa “autonomia” da política fundada por
15 Depois de subsumir a interpretação gramsciana da “au-
Maquiavel, procurando, a partir dessa definição,
tonomia da política” na filosofia do espírito croceana, construir uma ciência da política como forma da
Finocchiaro acusa Gramsci de confundir atividade política
filosofia da práxis, que tivesse como método uma
com ciência política (cf. FINOCCHIARO, 2002, p. 124).
Só faria sentido afirmar tal confusão se Gramsci tivesse “objetividade realista”. A retomada do princípio da
aceitado a separação entre política e filosofia, coisa que “verità effettuale della cosa”, com o qual
sempre rejeitou. Maquiavel pretendia abordar a política como ela é

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 15-30 NOV. 2007

e não a sua imaginação e, desse modo, orientar 298): tratava-se de uma parte necessária, momento
uma prática política eficaz, assumia uma posição fundamental no qual todo o “dever ser”
estratégica nesse empreendimento16. Ao adotar a condensava-se em um chamado à ação política
expressão “realtà effettuale” (realidade efetiva) ao concreta.
invés daquela que originalmente aparecia em
A afirmação da validade objetiva de Maquiavel
Maquiavel, Gramsci destacava de modo ainda mais
não implicava uma neutralidade perante os meios
intenso seu conteúdo objetivo e realista.
e os fins. Se o realismo tiver por objetivo a defini-
Era esse princípio cognoscitivo, partilhado tanto ção dos meios eficazes para a obtenção de um
pelo marxismo como por Maquiavel, o que per- determinado fim, é possível considerar que ele é
mitia ao autor dos Quaderni considerar este últi- uma técnica política. Mesmo a partir dessa defi-
mo como uma prefiguração do marxismo (cf. nição, o realismo não poderia ser identificado com
LEFORT, 1986, p. 245). Ao recusar o projeto in- um cinismo vulgar, uma vez que os meios não
telectual de construir de modo idealizado um mo- seriam justificados pelos fins e sim pela sua eficá-
delo de Estado e ao assumir como objeto a ação cia. A “verdade efetiva das coisas” encerraria, pois,
política imediata, o secretário florentino estava, um critério de causalidade eficiente. Os meios
também, recusando todo traço de idealismo válidos seriam apenas aqueles considerados ca-
metafísico. Seu pensamento político era, desse pazes de produzir os resultados desejados.
modo, materialista e histórico. Segundo Gramsci,
Como técnica política, o realismo não exclui-
“[Maquiavel] em sua crítica do presente, expres-
ria, a priori, nenhuma finalidade. Mas o realismo
sou conceitos gerais que se apresentam de forma
que é comum a Maquiavel e a Marx não diz res-
aforística e não-sistemática e uma concepção de
peito a uma técnica e sim a um princípio
mundo original que se poderia, também essa, cha-
cognoscitivo. Como tal, o realismo considera que
mar de ‘filosofia da práxis’ ou ‘neo-humanismo’
a realidade empírica é o resultado da atividade
na media em que não reconhece elementos
humana e, por essa razão, acessível ao conheci-
transcendentais ou imanentistas (em sentido
mento. Tal realismo não exclui toda utopia, desde
metafísico), mas se baseia completamente sobre
que esta assuma um caráter concreto, sendo o
a ação concreta do homem que pela sua necessi-
resultado de uma análise paciente e rigorosa do
dade histórica opera e transforma a realidade” (Q
real. A condição de legitimidade histórica está no
5, § 127, p. 657).
fato do dever ser estar inscrito previamente no
A atribuição ao pensamento do secretário ser. O futuro deita raízes no presente e apenas
florentino de uma marca fortemente realista era nessa condição ele se torna um futuro “previsí-
própria da ciência política italiana do início do sé- vel”.
culo XX e essencial no fenômeno do
Foi sobre esse ponto que Gramsci chamou a
“maquiavelismo” ou do “retorno a Maquiavel” que
atenção em uma nota presente primeiramente no
caracterizava a reflexão sobre a política no con-
Quaderno 8 (§ 84) e, depois, transcrita para o
texto da Primeira Guerra Mundial (cf. MEDICI,
Quaderno 13 (§ 16), acentuando o caráter super-
1990, p. 14). O realismo de Maquiavel era, entre-
ficial e mecânico de um realismo vulgar. A nota
tanto, problematizado nos Quaderni. A interpreta-
contestava a preferência que o líder reformista
ção do marxista sardo ia além da tradicional análi-
Paolo Treves tinha pelo realismo moderado de
se que via em Il Principe uma reflexão sobre a
Francesco Guicciardini, em detrimento do realis-
política como ela é e percebia, nesse texto, uma
mo engajado de Maquiavel. Tal preferência era
reflexão articulada a respeito do ser e do dever ser
fortemente afim à moderação do intérprete, que,
da política. Compreende-se, assim, a importância
desse modo, justificava sua própria posição polí-
que Gramsci atribuía ao epílogo de Il Príncipe,
tica. Em sua resposta, Gramsci distinguia o “di-
no qual exortava-se a “tomar a Itália e libertá-la
plomata” (Guicciardini) do “político” e o “cientis-
dos bárbaros” (MACHIAVELLI, 1971, p. 296-
ta da política” do “político em ato”. O diplomata e
o cientista da política poderiam ter como horizon-
16 “Porém, sendo minha intenção escrever algo útil para te uma realidade efetiva já constituída. Mas
quem me ler, parece-me mais conveniente procurar a ver- Maquiavel não era um mero cientista e sim um
dade efetiva das coisas [verità effettuale della cosa] do que homem de partido, “um político em ato” e, como
a imaginação desta” (MACHIAVELLI, 1971, XV, p. 280). tal, tinha por objetivo “criar novas relações de for-

25
CROCE, GRAMSCI E A “AUTONOMIA DA POLÍTICA”

ças e por isso não pode deixar de ocupar-se do A pretensão de uma objetividade absoluta, en-
dever ser” (Q 13, § 16, p. 1577). cerrada na suposta autonomia do conhecimento
da realidade efetiva perante todo projeto de trans-
Ser e dever ser guardariam assim uma íntima
formação dessa realidade, elimina do ato do co-
relação. O político em ato, tal como Maquiavel,
nhecimento o sujeito deste. Entretanto, a realida-
deveria ser capaz de ler a realidade efetiva, a rela-
de efetiva pode ser conhecida apenas por um su-
ção de forças existentes e em contínuo movimen-
jeito real. Daí a ênfase de Gramsci na posição
to. Mas os objetivos dessa leitura não são a con-
ocupada por Maquiavel. Para isso, o secretário
servação e a estabilização dessas forças, nem a
florentino não poderia ser considerado apenas um
acomodação a elas, como um realismo vulgar – o
“cientista da política”. Como “político em ato” ele
de Treves, por exemplo – poderia dar a entender.
deveria ser compreendido como o sujeito teórico
A posição do secretário florentino, segundo
e prático de um projeto de transformação da rea-
Gramsci, avizinhava-se da filosofia da práxis na
lidade.
medida em que também ele procurou construir
um “realismo popular” (Q 14, § 33, p. 1691). Para O interesse que Gramsci manifestou nos
esse realismo popular, a leitura da realidade efeti- Quaderni del carcere a respeito da obra de
va tem por objetivo encontrar, nessa realidade, as Maquiavel deve ser interpretado como constitutivo
possibilidades de transformação realmente efeti- de um desenvolvimento crítico e uma nova
vas. Não se trata, pois, de conservar, estabilizar problematização do tema da vontade (cf. MEDICI,
ou acomodar-se, trata-se de transformar o mun- 2000, p. 66). O caráter fundamental de Il Principe,
do. O realismo popular é, assim, capaz de revelar de Maquiavel, estava, para Gramsci, na fusão da
uma realidade que é igual a si própria, mas que ciência política e da ideologia política na forma
contém, ao mesmo tempo, aquilo que lhe é dife- dramática do “mito”, bem como na relação de
rente. É por essa razão que, segundo Gramsci, unidade que se estabelece nessa obra entre uma
“Aplicar a vontade à criação de um novo equilí- racionalidade universalizada e uma “vontade cole-
brio das forças realmente existentes e operantes, tiva” particularizada personificada na figura do
fundando-se sobre aquela determinada força que condottiero. Assim, segundo o marxista sardo, “O
se considera progressiva, e potencializando-a para processo de formação de uma determinada von-
fazê-la triunfar é, sempre, mover-se no terreno tade coletiva, para um determinado fim político, é
da realidade efetiva, mas para dominá-la e superá- representado não por meio de investigações e clas-
la (ou contribuir para tal). O ‘dever ser’ é, por- sificações pedantes de princípios e critérios de um
tanto, concreto, é a única interpretação realista e método de ação, mas como qualidades, traços
historicista da realidade, é a única história em ato característicos, deveres, necessidades de uma
e filosofia em ato, a única política” (Q 13, §16, p. pessoa concreta, o que põe em movimento a fan-
1578). tasia artística de quem se quer convencer e dá
uma forma mais concreta às paixões políticas”
Comparando o realismo de Maquiavel com
(Q 13, § 1, p. 1555).
aquele de Marx, Claude Lefort argumentou que a
conhecida Tese 11 Ad Feuerbach – “Os filósofos Gramsci propunha, a respeito de Il Principe,
apenas interpretaram [interpretiert] o mundo de uma chave de interpretação baseada no conceito
forma diferente, o mundo de diversos modos, o soreliano de mito, como uma criação da “fantasia
que importa é mudá-lo [verändern]” (LABICA, concreta” que atuaria sobre um povo para des-
1990, p. 25 e 35) – implicaria um chamado à ação, pertar e organizar sua vontade coletiva com vis-
mas nada acrescentaria ao conhecimento da reali- tas à construção de um novo Estado (idem, p.
dade (LEFORT, 1990, p. 188). A interpretação do 1556). Daí, afirmava Gramsci, o caráter de “ma-
filósofo francês parece separar teoria e prática de nifesto político” da obra do secretário florentino17.
uma maneira estranha a Marx e, principalmente, Torna-se interessante a comparação entre o mito
estranha à compreensão de Gramsci a respeito. maquiaveliano e aquele soreliano feita por Gramsci.
Se a “realidade é práxis”, como indica o próprio
Lefort (idem), então o sentido da práxis dá senti- 17 A analogia com o Manifesto Comunista é óbvia e é
do à realidade que se quer conhecer, bem como possível que o marxista sardo tivesse em mente aquela
fornece o ponto de vista a partir do qual é levada passagem na qual Benedetto Croce afirmava ter sido Marx
a cabo essa prática cognoscente. o “Maquiavel do proletariado” (CROCE, 1927, p. 112).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 15-30 NOV. 2007

Segundo Sorel, um mito permitiria representar a negação, sem uma implícita construção, afirma-
ação imediata “sob a forma de imagens de bata- ção, e não num sentido ‘metafísico’, mas pratica-
lhas que asseguram o triunfo de sua causa” (1930, mente, isto é, politicamente, como programa de
p. 32). Esse conjunto de imagens permitiria “em partido” (idem, p. 1557).
bloco e unicamente por meio da intuição” evocar
Detrás da espontaneidade do sindicalismo re-
“a massa de sentimentos que correspondem às
volucionário, não haveria senão um puro
diversas manifestações da guerra travada pelo
mecanicismo, “um máximo de determinismo, por
socialismo contra a sociedade moderna” (idem,
trás do idealismo um materialismo absoluto”, ou
p. 173; cf. tb. p. 182). Como “construções de um
seja, vulgar (idem). Daí que o sindicalismo teóri-
futuro indeterminado no tempo” (idem, p. 177),
co e o anarquismo pudessem ser assemelhados
tais mitos teriam a capacidade de, ao mesmo tem-
ao liberalismo. Mas o liberalismo é um programa
po, despertar a esperança e a mobilização neces-
teórico das classes dominantes, destinado a “mu-
sária para sua realização. O escritor francês con-
dar, quando triunfa, o pessoal dirigente de um
siderava que “a greve geral dos sindicalistas e a
Estado e o programa econômico do próprio Esta-
revolução catastrófica de Marx são mitos” (idem,
do” (Q 13, § 18, p. 1590) e, portanto, é um pro-
p. 32). Mas afirmava claramente sua predileção
grama com vistas a preservar uma situação de
pelo mito dos sindicalistas: “As greves engendra-
dominação de classes imprimindo uma nova dire-
ram no proletariado os sentimentos mais nobres,
ção e atualizando a organização estatal. O
profundos e motivadores que ele possui; a greve
sindicalismo revolucionário, por sua vez, refere-
geral agrupa todos esses sentimentos numa ima-
se ao grupo social subalterno (a classe trabalha-
gem de conjunto e, por sua aproximação, atribui a
dora) que, com essa teoria, “é impedido de tor-
cada um deles seu máximo de intensidade. Re-
nar-se dominante, de desenvolver-se para além da
correndo a lembranças pungentes de conflitos
fase econômico-corporativa, para elevar-se à fase
particulares, dá um colorido intenso a todos os
de hegemonia ético-política na sociedade civil e
detalhes da composição apresentada à consciên-
dominante no Estado” (idem, p. 1590).
cia. Obtemos, assim, essa intuição do socialismo
que a linguagem não podia oferecer de maneira Em Maquiavel, pelo contrário, a práxis políti-
perfeitamente clara – e a obtemos num conjunto ca assumia um caráter positivo e construtivo,
percebido instantaneamente” (idem, p. 182). consubstanciado na fundação de um “novo Esta-
do” e “novas estruturas nacionais e sociais” (idem,
Era esse estatuto que Sorel atribuía à greve
p. 1556 e 1558). O “mito” não seria, desse modo,
geral que motivava a crítica de Gramsci. Segun-
o momento do irracional, mas a mediação parti-
do o marxista sardo, a realização máxima da práxis
cular da própria práxis política que permitiria a
política na concepção de Sorel estava circunscri-
criação de uma nova ordem. A constituição de uma
ta a um momento econômico-corporativo, mo-
nova ordem e das dificuldades desse processo era
mento “negativo e preliminar”, consubstanciado
tema recorrente em Maquiavel (cf. MEDICI, 2000,
na greve geral na qual predominava o impulso ir-
p. 141-142). Em Il Principe, afirmava o secretá-
racional e “arbitrário”, a pura espontaneidade (Q
rio florentino que não havia coisa “mais difícil de
13, § 1, p. 1556-1557). O mito soreliano teria uma
se fazer, mais duvidosa de se alcançar ou mais
capacidade de dissolver o existente, de negá-lo.
perigosa de se manejar do que ser o introdutor de
Mas essa negação do presente não seria dialética.
uma nova ordem” (MACHIAVELLI, 1971, p. 265).
Ela não produziria uma nova síntese.
E, no mesmo sentido, nos Discorsi sulla prima
Faltava à concepção de Sorel um momento deca di Tito Livio, escrevia que encontrar “méto-
“construtivo”. Abandonada a vontade coletiva, a dos e ordens novas” era tão perigoso quanto a
sua “fase primitiva e elementar de sua mera for- descoberta de mares e terras desconhecidas (idem,
mação”, esta logo se desagregaria em uma p. 76).
multiplicidade disforme de vontades particulares.
Para Gramsci, a construção de uma nova or-
Faltaria o elemento capaz de soldar essas vonta-
dem exigia esse caráter positivo e construtivo do
des, transformando-as em força histórica criado-
mito-príncipe, o que lhe permitia atribuir a
ra. O mito soreliano poderia, desse modo, esti-
Maquiavel um “jacobinismo precoce”, identifican-
mular a destruição das “relações morais e jurídi-
do nesse “jacobinismo” o “germe (mais ou me-
cas existentes”, mas era incapaz de ser um “pro-
nos fecundo) de sua concepção da revolução na-
dutor de realidades”: “não pode existir destruição,

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CROCE, GRAMSCI E A “AUTONOMIA DA POLÍTICA”

cional” (Q 13, § 1, p. 1560). Se Maquiavel era corrente de que a ciência política italiana tem iní-
precocemente jacobino, os partidários de cio com a publicação dos Elementi di scienza
Robespierre eram, por sua vez, “‘encarnação ca- politica, de Gaetano Mosca, em 1898 (cf.
tegórica’ do Príncipe de Maquiavel”. Era, entre- BOBBIO, 2002, p. 285), não oculta o fato de que
tanto, a aversão ao jacobinismo que afastava Sorel Mosca é expressão de uma tradição maquiaveliana
da política e tornava sua concepção de “mito” fortemente arraigada na cultura de seu país. O
abstrata18. Contrariamente, para o marxista sardo, mesmo poderia ser dito a respeito de Vilfredo
os jacobinos eram expressão de um moderno Pareto. O próprio Gramsci aponta para a impor-
maquiavelismo e um exemplo de “como se for- tância que teve o maquiavelismo e o
mou concretamente e atuou uma vontade coleti- antimaquiavelismo para o desenvolvimento da ci-
va”, compreendendo essa vontade “em seu senti- ência política na Itália e o impacto da proposição
do geral e mais moderno, a vontade como cons- de Croce sobre a “autonomia do momento políti-
ciência operosa da necessidade histórica, como co-econômico” nascida no âmbito de uma inves-
protagonista de um drama histórico real e efeti- tigação sobre o secretário florentino (Q 10/II, §
vo” (idem, p. 1559). Era esse o conteúdo do 41, p. 1315).
jacobinismo partilhado por Gramsci.
O desenvolvimento do maquiavelismo e do
IV. CONCLUSÃO: UMA CIÊNCIA POLÍTICA antimaquiavelismo na tradição italiana não foi, cer-
ITALIANA tamente, linear e o processo de constituição de
uma ciência política na península esteve marcado
A reflexão sobre a política ocupa um lugar cen-
por essa trajetória. Croce, já foi visto, subestima-
tral na obra de Gramsci. Isso não causa estranhe-
va a contribuição de Maquiavel à “arte” da políti-
za. Militante político e participante ativo dos gran-
ca. E o próprio Mosca recusava a idéia de que
des acontecimentos da história italiana no final dos
Maquiavel tivesse “sido o fundador de uma ver-
anos 1910 e da década seguinte, o marxista sardo
dadeira ciência política”, uma vez que teriam fal-
desenvolveu na prisão temas que foram em grande
tado ao florentino os conhecimentos que apenas
parte motivados por essa experiência. Mas o lugar
o desenvolvimento da crítica histórica teria per-
ocupado pela ciência política em Gramsci, sim, é
mitido (MOSCA & BOUTHOUL, 1958, p. 115).
surpreendente. São muito conhecidas as críticas
Mas se Maquiavel não poderia, segundo o autor
que dirigiu à tentativa de Nicolai Bukharin de trans-
dos Elementi di scienza politica, ser reconhecido
formar o marxismo em uma sociologia. Essas não
como o fundador da ciência política, ele não dei-
deixavam de ser críticas à própria sociologia como
xava de ter méritos, uma vez que foi capaz de ver
modalidade de prática científica. Por que razão
“que em todas as sociedades humanas existem
Gramsci rejeitava a tentativa de fazer um “manual
tendências políticas constantes e que estas po-
de sociologia”, mas pretendia produzir uma “expo-
dem ser encontradas estudando-se a história dos
sição elementar de ciência política, compreendida
diferentes povos” (idem, p. 116). Estabelecer as
como um conjunto de cânones práticos de pesqui-
regularidades históricas por meio da análise histó-
sa” (Q 8, § 16, p. 964)?
rica comparada era o projeto teórico do próprio
As raízes do projeto gramsciano de pesquisa a Mosca em seus Elementi.
respeito da “ciência política” devem ser procura-
O foco desse projeto de uma ciência política
das no desenvolvimento de uma longa tradição que
no final do século XIX e no início do XX estava
remonta a Maquiavel e que deita raízes na confor-
posto na Itália não nas instituições, mas na ação
mação da ciência política na Itália. A afirmação
política e nos processos políticos. Mesmo
quando a ciência política era definida como
ciência do Estado, parecendo aproximar-se da
18 Gramsci partilhou essa aversão em sua juventude (cf. Staatswissenschaft alemã ou da Political Science
LOSURDO, 1997, p. 26). Rita Medici ressaltou que o estadunidense, tratava-se não apenas do Estado
antijacobinismo juvenil de Gramsci devia-se não apenas à enquanto instituição, mas, principalmente, do con-
influência de Croce e Gentile, ressaltada por Losurdo, mas
também à de Sorel (MEDICI, 2000, p. 70). No mesmo
junto de atividades que têm por objetivo o Estado.
sentido, ver Del Roio (2005, p. 37-39). Para um tratamen- Para Mosca, a “ciência política tem o dever não
to abrangente da evolução do pensamento de Gramsci a de justificar este ou aquele Estado existente, mas
respeito do jacobinismo, ver Medici (2004). de explicar como os Estados nascem, organizam-

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se e declinam” (BOBBIO, 2002, p. 197). O objeto bém obtém o consenso ativo dos governados”
de pesquisa assumido pela ciência política italiana (Q 15, § 10, p. 1765)19. A ciência política de
aproximava-se, desse modo, daquele explicitado Gramsci era, desse modo, uma reconstrução crí-
por Nicolau Maquiavel na conhecida carta a tica da ciência política italiana. Sua compreensão
Francesco Vettori, na qual apresentava sua obra exige, portanto, um retorno a suas fontes e ao
Il Principe: “O que é um principado, de que espé- contexto intelectual no qual essa reflexão foi pro-
cie são, como são conquistados, como são man- duzida. Ficaria claro, desse modo, por que
tidos, e por que se perdem” (MACHIAVELLI, Gramsci não poderia ser reduzido a um “teórico
1971, p. 1160). da cultura”, bem como o lugar central ocupado
pela política em sua reflexão.
Era nessa perspectiva caracteristicamente ita-
liana que Gramsci se colocava quando afirmava,
a partir de uma concepção ampliada do Estado, 19 A bibliografia sobre o conceito de Estado em Gramsci é
que “ciência política significa ciência do Estado e
enorme e não é aqui lugar para desenvolver o tema. Por essa
Estado é todo o complexo de atividades práticas e razão, permito-me remeter a um ensaio de minha autoria no
teóricas com as quais a classe dirigente não ape- qual o tema e essa bibliografia são discutidos: Bianchi
nas justifica e mantém seu domínio como tam- (2007a).

Álvaro Bianchi (albianchi@terra.com.br) é Professor do Departamento de Ciência Política da Universi-


dade Estadual de Campinas (Unicamp), Diretor do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) e Secretário
de Redação da revista Outubro.

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