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Resumo: Nas últimas décadas houve um aumento substancial do interesse por biografias, tanto
do público leitor, como do mercado editorial. Dentro do campo da historiografia, as biografias
acompanharam o próprio desenvolvimento da disciplina e de seus métodos. Percebemos que com
o aumento de possibilidades de materiais utilizados pelos historiadores, a discussão sobre a
linguagem do historiador, as análises micro-históricas e também com um novo interesse pela
História Política e seus personagens, especialmente com a História Política Renovada, o
historiador tem se voltado para a utilização de biografias. Neste sentido, o interesse do historiador
deu-se tanto na utilização das biografias como fontes documentais, como na escrita de biografias
históricas. Assim, este artigo busca refletir sobre estas duas formas de inserção das biografias no
trabalho do historiador, seus desafios, possibilidades e formas de abordagem.
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Aproveitamos este artigo para agradecer a Profa. Dra. Margarida Maria de Carvalho (UNESP/Franca), orientadora
de doutorado da autora. Agradeço também ao Prof. Armando Alexandre dos Santos (Mestrando - UNESP/Franca),
por sua leitura atenta e criteriosa.
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1. Introdução
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Há um consenso entre os estudos de biografias de que, embora ela seja um gênero literário autônomo, ela é uma
criação helenística, mas não é inédita nesta fase. Desde muito tempo na história da Grécia encontramos múltiplos
ascendentes para as biografias. O Período Clássico aparece como berço da historiografia e contribuiu, assim, para o
surgimento da biografia. Mas a biografia surge nesta época como expressão de uma filosofia política e ética, como
busca de um modelo ideal para comunidade e seu chefe surge como consequência da falência da pólis democrática
(SILVA, 2004, p. 23).
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vez maior pelas biografias, isso faz parte de uma reflexão em relação ao tipo de texto que nós,
historiadores, produzimos, assim como faz parte de não apenas “atender as exigências herméticas
da Acadêmica, mas também para responder a uma exigência ou demanda social”. Ou seja, essa
atenção do historiador para as biografias pode conduzir-nos a pensar nossos métodos e
linguagens e também levar-nos a ocupar um espaço dentro das demandas do público leitor,
respeitando nossa prática e nossos métodos. A historiadora Mary Del Priore (2009, p. 14) ainda
nos deixa uma provocante pergunta: “Se ninguém contesta o talento de tantos romancistas e
jornalistas que se aventuram a escrever biografias históricas, por que recusar a pertença ao
domínio literário aos biógrafos que são historiadores de formação?”
Como podemos perceber, para além das questões de demanda social propriamente, o
retorno do interesse do historiador pelas biografias também pode estar ligado à própria discussão
sobre a linguagem do trabalho do historiador, tratada em trabalhos clássicos de nossa
historiografia, como as obras Como se escreve a história (1971), de Paul Veyne3, Meta-História
(1973), de Hayden White4 e A Escrita da História (1975), de Michel de Certeau5. Como
sabemos, na década de 1970 iniciou-se uma importante polêmica em torno da narrativa como
forma de escrita da história, o debate estendeu-se e tomou forma como discussão sobre a
especificidade ou não do discurso produzido pelo historiador. Um dos iniciadores dessa discussão
foi Veyne (2008), que afirmou que a história não era uma ciência, mas uma narrativa de eventos,
uma trama construída pelo historiador e que só existe enquanto linguagem, apontando para uma
linha divisória tênue entre história e romance. White (1995) afirmou que a narrativa histórica
possui uma natureza literária, articulada à imaginação do historiador, e declarou que não há
diferença essencial alguma entre o discurso literário e o discurso historiográfico. Como resposta
Certeau (2002) afirmou que a história e a literatura operam de formas diferentes, embora ambas
partam da realidade. Assim, Certeau (2002, p. 66-67) entende a história como prática científica
com operações específicas, porém com saber limitado pelo “lugar social” de onde se fala o
historiador, de onde se organizam os métodos, “se delineia uma topografia de interesses, que os
documentos e as questões, que lhe são propostas, se organizam” (CERTEAU, 2002, p. 67).
Acreditamos que não cabe nos objetivos deste trabalho fazer um debate entre biografia e
história e biografia e literatura, nem sobre a linguagem do historiador. Mas sabemos que “ao
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Estamos utilizando neste artigo uma edição de 2008 desta obra, mas a primeira edição é de 1971.
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Estamos utilizando neste artigo uma edição de 1995 desta obra, mas a primeira edição é de 1973.
5
Estamos utilizando neste artigo uma edição de 2002 desta obra, mas a primeira edição é de 1975.
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longo dos séculos alguns autores viram a biografia em oposição ou distinta da história”
(BORGES, 2006, p. 204) e que há discussões sobre a biografia enquanto gênero com estatuto
próprio ou forma de literatura. Na Antiguidade Romana, por exemplo, havia uma distinção clara
entre ambas as coisas. Em linhas gerais, a história deveria revelar em detalhes o que os
indivíduos faziam e a biografia deveria revelar que espécie de pessoa os indivíduos biografados
eram, delinear o caráter do biografado (CORASSIM, 1997, p. 105).
Nesse sentido, delimitamos que estamos considerando a biografia enquanto histórias de
vidas e/ou história de uma vida em determinado contexto e com sua dinâmica histórica. Também
estamos nos referindo aqui à biografia dentro do trabalho do historiador, com métodos e técnicas
da historiografia.
Buscando compreender trajetórias singulares dentro de um contexto, Benito Schimidt
(1997, p. 05) informa-nos que o interesse dos historiadores pelas biografias pode ser percebido
em diversas correntes historiográficas, como a Nova História Francesa, o grupo contemporâneo
de historiadores britânicos de inspiração marxista, a micro-história italiana, a psico-história, a
Nova História Cultural norte-americana, a atual historiografia alemã e também a historiografia
brasileira recente.
Mas devemos atentar para o fato de que na primeira metade do século XX houve um
desinteresse dos historiadores pela biografia, cujas razões podemos perceber na valorização de
uma historiografia marxista voltada para o papel das massas na História, pela rejeição da história
focada em indivíduos de alguns seguidores dos Annales e a diminuição do papel dos “heróis”,
além da ênfase de Fernand Braudel na história total, na longa duração e interesse historiográfico
pelas estruturas.
Pierre Levillain (2003, p. 141) situa nas décadas de 1960 e 1970 um retorno dos estudos
biográficos na França, fenômeno que veio junto com uma reabilitação dos estudos de História
Política. Levillain ainda cita que muitos consideraram que a historiografia dos Annales não se
interessava pelas biografias, mas, como bem observou Le Goff em 1981, isso é ignorar que
Lucien Febvre escreveu a obra Un destin: Martin Luther e que a grande tese de Braudel sobre
Filipe II e o Mediterrâneo6 é também uma biografia.
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Trata-se da obra: BRAUDEL, F. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na época de Filipe II. Lisboa:
Publicações Dom Quixote.
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Notamos que o interesse pela biografia tornou-se evidente dentro de uma ampla
renovação historiográfica que se consolidou nas últimas décadas sob a denominação de “Retorno
da História Política” ou “História Política Renovada”. Trata-se de uma renovação que ambiciona
trazer para a esfera das discussões sobre a pesquisa em História as questões políticas inerentes às
fontes históricas, em geral. Neste caso, as biografias dentro da História Política Renovada
buscam inserir a trajetória do indivíduo biografado dentro da política, sendo que as biografias são
uma forma especial de estudar essa esfera, pois as idéias políticas surgem dos indivíduos.
Ainda segundo Levillain (2003, p. 162), é no início dos anos de 1980 que os ensaios
sobre o gênero biográfico florescem de fato na História, os dicionários consagram-lhe verbetes e
organizam-se seminários sobre o tema. O fenômeno ultrapassou as fronteiras da França. Mas, a
que se deve esse retorno da biografia na historiografia? Para o autor em questão, as explicações
são muitas e apenas a questão do gosto pela biografia não bastaria para responder esta pergunta.
Em primeiro lugar viria a crise do marxismo, depois a libertação de uma história quantitativa e
serial que havia subjugado a história factual. Também podemos perceber, de acordo com
Levillain (2003, p. 167), o aumento das relações entre a História e o desenvolvimento das
Ciências Sociais e Naturais no século XX, em especial, a Biologia, a Sociologia, a Psicologia e a
Psicanálise. A Psicologia e a Psicanálise contribuíram para “renovação do individualismo”, que
pressupõe um enfoque voltado para o indivíduo no que diz respeito ao reconhecimento da
liberdade de escolha do homem, bem como o confronto entre ele e a sociedade no tocante à
fixação de valores, uma renovação do individualismo. Portanto, esse retorno parte de um
princípio de que existe autonomia do indivíduo na sociedade. É, para Levillain (2003, p.168), um
desafio contra o marxismo que tem como base o coletivismo metodológico.7
Como podemos perceber, a “rejeição” e o “retorno da biografia”, nas palavras de
Levillain (2003), acompanharam as transformações historiográficas.
Atualmente vivemos esse retorno das biografias. Há, assim, questões importantes que
necessitam de reflexão do historiador sobre as mesmas: existem limites entre biografia e história?
Quais os pontos em comum entre ambos os gêneros? Como o historiador pode fazer boas
7
Concordamos que esta afirmação de Levillain não seja inválida para algumas correntes do marxismo, mas não
devemos deixar de observar que há discussões no campo neomarxista, enfocando o indivíduo e seu papel histórico.
Sobre esta temática ver: MONTEIRO, Luís Gonzaga Mattos. Neomarxismo: indivíduo e subjetividade. São
Paulo/Florianópolis: EDUC/EDUFSC, 1995.
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biografias dentro de sua área de atuação? Quais os cuidados que o historiador deve tomar ao
tratar com biografias como fontes históricas?
Tentaremos neste texto apresentar os dois tipos de abordagens do historiador com
biografias, por meio de leituras de uma sólida bibliografia sobre o tema e de algumas reflexões
pessoais enquanto historiadora. Comecemos com aspectos do trabalho do historiador como
biógrafo.
3. O historiador biógrafo
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Em seus estudos sobre Voltaire, Talleyrand, La Fontaine e Catarina de Médicis. Voltaire, ou la royauté de l'esprit,
1966. Talleyrand, ou la sphinx incompris, 1971.La Fontaine, ou la vie est un conte, 1976. Catherine de Médicis, ou
la reine noire, 1986.
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Em seus estudos sobre São Luís e São Francisco, ambos editados no Brasil pela Editora Record: São Luis.
Biografia e São Francisco de Assis.
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Em suas biografias intelectuais sobre Paul Ricoeur e Michel de Certeau. Paul Ricoeur: Les sens de une vie, 1997 e
Michel de Certeau. Le marcheur blessé, 2002.
11
Na obra sobre a Condessa de Barral, Condessa de Barral: a paixão do Imperador, publicada pela Editora Objetiva.
Também na biografia O príncipe maldito, sobre Pedro Augusto de Saxe e Coburgo, Editora Objetiva.
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Em estudo sobre Oliveira Lima, Oliveira Lima e a Construção na Nacionalidade, publicado pela
EDUSC/FAPESP. Desta mesma historiadora temos a obra: MALATIAN, T. M. D. Luís de Orleans e Bragança,
peregrino de impérios. São Paulo: Alameda/FAPESP, 2010.
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Um ótimo exemplo desse tema são as biografias de Imperadores romanos escritas por Suetônio em As Vidas dos
Doze Césares, ora retratados de forma favorável e positivo, como são os casos de Vespasiano e Tito, ora retratados
em atitudes violentas, com más reputações, com comportamentos tirânicos, como é o caso do Imperador Domiciano.
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singularidade, mostrar como ele faz parte de um momento histórico e como podemos, por meio
de sua trajetória individual, compreender esse momento da história.
A análise biográfica permite, por esse enfoque, um enriquecimento de métodos e
perspectivas para os historiadores. Na ótica dessa concepção, o indivíduo é observado no interior
de uma rede complexa que envolve vínculos de amizade, condição social, pertencimento a grupos
filosófico-religiosos, região em que atuou etc. Assim, estaríamos focando a análise no biografado
como inserido num contexto cultural que o predispõe a adotar uma série de ideias e a tomar uma
série de atitudes que e repercutem na esfera política de sua vida, nas opções políticas que faz, etc.
Giovanni Levi (1996, p. 167) nos chamou a atenção para uma grande ambiguidade da biografia
atual, que seria o fato de recorrermos a ela ora para mostrar a irredutibilidade dos indivíduos a
sistemas normativos, considerando a experiência vivida, ora como forma de validar o
funcionamento de leis e regras sociais. Assim, o historiador preocupado com as biografias deve
refletir sobre as escalas de análise, assim como sobre relações entre regras e práticas, indivíduo e
superfície social em que age o indivíduo.
Nessa perspectiva, acreditamos que as biografias podem estar aliadas aos estudos sobre
a vida privada dos indivíduos, pois como indica Marc Ferro (apud PRIORE, 2009, p. 10) tais
estudos permitem dessacralizar os papéis estritamente públicos que esses personagens exerceram,
revelando as complexas relações entre vida privada e vida pública.
O biografado também não deve ser mais apresentado como herói, na encruzilhada de
fatos, mas como uma espécie de receptáculo de correntes de pensamento e de movimentos que a
narrativa de suas vidas torna mais palpáveis, deixando mais tangível a significação histórica geral
de uma vida individual
Segundo Levillain (2003 p. 165),
[...] a biografia reassume uma função a meio caminho entre o particular e o
coletivo, exercício apropriado para identificar uma figura num meio, examinar o
sentido adquirido por uma educação distribuída a outros segundo os mesmos
modelos, analisar as relações entre desígnio pessoal e forças convergentes ou
concorrentes, fazer o balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios.
Nesse sentido, a escolha do biografado tem importância fundamental, pois ele deve ser
alguém que responda às questões que lhe são colocadas sobre seu momento histórico. Escolha
difícil e momento de grande reflexão do historiador, escolha que pode estar, muitas vezes,
pautada na própria disponibilidade de materiais sobre o biografado, já que fazer a história de
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homens das camadas populares pode ser impossibilitado pela ausência de documentação, por
mais que suas vidas pudessem conter respostas às questões consideradas importantes para sua
época.14 Além disso, não devemos esquecer daqueles documentos que podem estar disponíveis
em acervos privados de acesso desconhecido ou dificultado pelos que cuidam da documentação,
que podem ou não ser os membros da família da pessoa a ser biografada. A existência e acesso à
documentação é, portanto, a primeira preocupação do historiador que pretende escrever uma
biografia.
Outras dificuldades aparecem ao longo do trabalho do historiador com seu biografado,
como qual tipo de aspecto da vida desse biografado escolher para seu enfoque principal (aspecto
político, inserção cultural, social, intelectual), podendo ainda optar por uma biografia que
englobe aspectos gerais cronologicamente expostos.
Também se deve ter cuidado com a normatização ou não do biografado dentro do
sistema em que ele se encontra. Dentre tais dificuldades vale destacarmos também a chamada
ilusão biográfica, da qual tratou Pierre Bourdieu (1996). A preocupação de Bourdieu ao falar da
ilusão biográfica era achar uma teoria para a escrita de biografias. O autor parecia se preocupar
com os tipos de biografias modernas que são, em geral, escritas ou como autobiografias ou como
estudos feitos a partir de longas entrevistas. Bourdieu acentuou que a narrativa biográfica tem
como objetivo encontrar um sentido, indicar uma sequência lógica, estabelecer relações
inteligíveis. A biografia, para Bourdieu, é uma ilusão no sentido de que o seu autor, seja o
biógrafo ou o próprio biografado, dão uma sequência aos fatos e os ordenam conforme o que
acham significativo, criando um sentido artificial à vida. Assim, segundo Bourdieu (1996, p. 75):
Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como a
narrativa coerente de uma sequência significativa coordenada de eventos, talvez
seja ceder a uma ilusão retórica, a uma representação comum da existência que
toda tradição literária não deixou e não deixa de reforçar.
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Lembremos que não é comum encontrar uma documentação tão rica sobre um personagem que não é da elite como
o caso do moleiro Menocchio trabalhado por Carlo Ginzburg na obra O queijo e os vermes (Cia. das Letras). Embora
esse trabalho não trate de uma biografia, ele é precursor no trato do historiador com micro-análises e análises de
trajetórias individuais para a compreensão de um problema inserido em um contexto, além de vermos nele o
desenvolvimento da análise histórica de sujeitos que rompem com visões normatizadoras e da quebra da dicotomia
forçada entre erudito e popular.
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cair nessa armadilha da ilusão no sentido de uma vida, buscando a descontinuidade do real. O
pesquisador, ao se deparar diante da perspectiva de uma biografia, não deve tentar compreender
uma vida como uma série única e por si só suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outra
ligação.
Podemos pensar também na dificuldade, que despertou nossa atenção na leitura de Vavy
Pacheco Borges (2006, p. 214), no que diz respeito aos diferentes tipos de biografias que os
estudiosos têm esquematizado. Dentre eles estaria o tipo mais completo que, segundo a autora, é
quando o biógrafo “mergulha na alma do biografado” por meio de uma variedade enorme de
documentos como cartas, memórias, objetos pessoais, entrevistas na mídia, etc. A dificuldade
estaria, nesse caso, no trabalho do historiador com diferentes tipos de fontes documentais e a
necessidade de conhecimento sobre como interpretar cada uma delas, já que cada tipo de
documento requer estudos e métodos próprios de análise. Além disso, haverá ali documentos que
trazem olhares de outras pessoas sobre o biografado, outros documentos que trazem olhares do
próprio biografado sobre si mesmo, olhares institucionais etc., além do olhar do historiador
intérprete. Portanto, o historiador estaria lidando com discursos e criando outro discurso sobre
seu biografado. Metodologicamente, como historiador, isso precisa estar claro para este
profissional e, talvez, seja interessante ser exposto aos leitores no resultado final da biografia.
Em relação à subjetividade do historiador ao tratar com as biografias, concordamos com
Alexandre Francisco Solano (2010, p. 09), para quem:
[...] diante da variedade e formas de compor uma biografia, o escritor deve
inventar sua própria forma de dizer sobre o outro. Sem se esquecer, é claro, que,
ao falar sobre outra pessoa, está fazendo referência direta a si mesmo: sujeitos
esmiuçados em cacos, como parte integrante de um vitral, que dá ao sol distintas
passagens e aos observadores, colocados diante dele, inúmeras cores, imagens e
interpretações.
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Como os trabalhos de Maria Aparecida de Oliveira Silva sobre Plutarco, entre seus artigos, capítulos de livros e
livros destacamos a obra Plutarco Historiador (2006), lançada pela EDUSP.
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Sobre as mudanças do caráter do gênero biográfico, sugerimos a leitura de DOSSE, F. O Desafio Biográfico.
Escrever uma Vida. São Paulo: EDUSP, 2009.
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Orieux ainda ironiza que o sonho de todos os biógrafos é ter um quarto de hora com seu
biografado, mas um quarto de hora poderia mudar anos de pesquisa, pois o biografado pode não
ser nada daquilo que o biógrafo o imagina e desenha.
Juan Ruiz-Werner (1973, p. 11) ainda nos lembra que toda biografia trás latente a
subjetividade do biógrafo:
A aparição da subjetividade é, com efeito, o momento inicial de onde pode brotar
a biografia. O fazer patente da própria existência, o perceber nosso viver pessoal, é
o ponto de arranque que nos capacita a entender as vidas alheias. Só quando o
homem volve para si, atrás de sua compreensão, pode compreender o próximo.
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5. Considerações finais
Como percebemos ao longo de nossas leituras resumidas e refletidas nas linhas acima,
há um campo grande de abordagens e possibilidades para o trabalho do historiador com
biografias, mas há cuidados importantes a serem tomados e dificuldades enormes a serem
enfrentadas.
Consideramos ainda que a biografia do historiador deva se aliar à concepção atual sobre
o trabalho historiográfico em si, que é considerado interpretativo e não ausente de subjetividades
do historiador, mais, obviamente, do que possíveis visões da biografia ligada à verdade. Assim,
concordamos com Jacques Le Goff (2001, p. 08), que afirma na Introdução de sua biografia de
São Francisco, que o São Francisco ali apresentado é o seu São Francisco, uma vez que a
intenção do historiador não é a verdade, mas, talvez, a verossimilhança.
Subjetividade e inserção social também são conceitos fundamentais, para nós, para a
análise da biografia como documento histórico. Nesse caso, referimo-nos à subjetividade e
trajetória do biógrafo, na análise do historiador, o que motiva a escolha do personagem
biografado, a maneira como ele é mostrado e as possíveis razões para isso.
Além disso, sabemos que a biografia na Antiguidade Clássica, como também nas
hagiografias clássicas, servia, de maneira geral, para dar exemplos morais à sociedade leitora.
Nesse sentido, resta-nos a tarefa de refletir para o que tem servido a biografia atualmente e qual o
caráter da entrada do historiador nesse campo. Longe de querer pontuar um caráter pragmático
para a história e para sua escrita, cabe ao historiador pensar no que e como trabalhar biografias
contribui em sua tarefa. Assim, além de abordar novos materiais de pesquisa antes relegados ao
passado e ligados a uma ideia metódico-positivista de “história dos grandes homens”, ao
trabalhar com biografias históricas, o historiador pode e deve participar diretamente dos debates
atuais sobre a linguagem da historiografia, refletindo e produzindo mais material sobre o que
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fazemos quando produzimos história, e participando das atuais discussões sobre a história como
narrativa e as tensões da relação entre história e literatura.
6. Referências
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p. 125-141.
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Campinas: Papirus, 1996, p. 74-82.
DEL PRIORE, Mary. Biografia: quando o indivíduo encontra a História. Topoi, v.10, n. 19,
2009, p. 7-16. Disponível
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DOSSE, F. O Desafio Biográfico. Escrever uma Vida. São Paulo: EDUSP, 2009.
LEVI, G. Usos da Biografia. In: AMADO, J. FERREIRA, M. M. Usos e abusos da história oral.
Rio de Janeiro: FGV, 1996.
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VEYNE, P. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. 4ª ed., Brasília: Editora
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