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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS E INTERVENÇÃO EM

VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR

A VIOLÊNCIA ESTRUTURAL E A DEPENDÊNCIA DO CRACK

CÍNTIA SALDANHA LERSCH

SÃO BORJA/RS
2013

0
A VIOLÊNCIA ESTRUTURAL E A DEPENDÊNCIA DO CRACK

Cíntia Saldanha Lersch1


Elisangela Maia Pessoa2

RESUMO:
As transformações do mundo do trabalho vem historicamente gerando crises constantes, que
podem inclusive estimular a violência estrutural que rebate na vida dos sujeitos de diversas
formas, uma destas manifestações ocorre por meio do abuso de drogas. O presente artigo tem
a pretensão de expor de forma sucinta conceitos sobre a violência estrutural, seus
rebatimentos em outras formas de violência e relacioná-las com dependentes de Crack
enfatizando o papel do profissional do Serviço Social a partir de pesquisa documental e
observação participante realizada no Hospital Ivan Goulart no Município de São Borja - RS.
Fica evidente que a violência estrutural contribui para o acirramento das vulnerabilidades dos
usuários de Crack e de suas famílias, as quais elaboram estratégias de acesso a serviços e de
sobrevivência diante de um cenário cada dia mais excludente e estigmatizante. Verificou-se
que o Assistente Social depara-se com um desafio a ser superado cotidianamente, tendo a
necessidade de capacitação contínua para poder efetivar estratégias de enfrentamento à
violência estrutural e seus rebatimentos nos usuários de crack que cumprem a desintoxicação
nesta instituição.

Palavras Chave: Violência estrutural, Dependência de Crack, Serviço Social

Violence and structural dependence on Crack

ABSTRACT:
The changing world of work has historically generating constant crises , which may even
stimulate the structural violence that bounces on subjects' lives in many ways, one of these
events occurs through drug abuse . This article purports to expose briefly the concepts of
structural violence and its reverberations in other forms of violence and relate them dependent
Crack emphasizing the role of professional social work from documentary research and
participant observation conducted in Ivan Goulart hospital in São Borja - RS . It is evident
that the structural violence contributes to the worsening of the vulnerabilities of Crack users
and their families, which design strategies for accessing services and facing a survival
increasingly exclusionary and stigmatizing setting. It was found that the social worker is faced
with a daily challenge to be overcome, and the need for continuous training in order to carry
out strategies to deal with structural violence and its aftermaths in crack users who comply
with detox in this institution.

Keywords: Structural Violence, Crack Addiction, Social Services

Introdução:

1
Assistente Social, graduada na 1ª turma de Serviço Social da Unipampa - São Borja, atualmente trabalha como
assistente social no Hospital Ivan Goulart.
2
Professora orientadora.

1
Um estudo mais apurado sobre o perfil de usuários de Crack 3 no Brasil constata que a
população usuária desta substância se concentra em maior número na população mais
vulnerável social e economicamente, ou seja, a prevalência desta droga ocorre nas classes
sociais de menor poder aquisitivo (DUALIB, RIBEIRO, LARANJEIRA, 2010, p. 16).
Diversas discussões sobre o tema estão sendo realizadas, visto que uma das consequências da
dependência do Crack seria um aumento considerável da violência nas ruas (ABEAD, 2013 p.
3). O Crack trouxe visibilidade para a temática “drogas”, visto que as políticas voltadas a
usuários de drogas eram precárias e andavam a passos lentos (COSTA, 2010).
A violência se manifesta de diversas formas na vida cotidiana, entretanto, em alguns
casos, deparamo-nos com o conformismo e a naturalização deste fenômeno. Dentre as
manifestações está a exclusão social, a qual priva de participação e representação uma parcela
da sociedade que não possui qualquer possibilidade de expectativas quanto aos seus direitos
garantidos.
Quando se focam indivíduos dependentes de crack observa-se ampliação das formas
de violência e problemas sociais supramencionados. Essa precarização das condições sociais é
agravada diante do desfavorecimento econômico de uma população que na maior parte se
configura em sobrantes4. Alencar e Granemann (2009) parafraseiam Mèzarós, o qual expõe
que a classe trabalhadora mundial se expressa no desemprego crônico e na redução
significativa do padrão de vida dos trabalhadores em ocupações de tempo integral.
Essa tendência estrutural se configura em uma forma de violência, que se caracteriza
em um sistema desigual produtor de exclusão social. A violência estrutural rebate de tal forma
na vida dos sujeitos que uma camada da população sem oportunidades e objetivos busca no
mundo das drogas a idealização de um mundo utópico, o dos prazeres efêmeros e sem limites.
Entretanto, tais atos ocasionam um maior processo de exclusão e consequências desastrosas
para o processo biopsicossocial destes sujeitos. Assim, para compreender os rebatimentos da
violência estrutural nos dependentes de crack, há necessidade de compreensão quanto à forma
como ela permeia as relações sociais e se apresenta na vida destes sujeitos.
As reflexões realizadas no artigo foram obtidas por meio de pesquisa realizada no
período de Maio de 2013 a Setembro de 2013, que teve por objetivo analisar o impacto da

3
O interesse da autora em discorrer sobre o Crack não desmerece a atenção a quaisquer outras drogas lícitas ou
ilícitas, visto que o álcool e tabaco são os lideres em consumo e consequências na vida dos sujeitos. Entretanto,
segundo pesquisas, o envolvimento com o crack se concentra, em sua maioria, na população mais excluída, o
que clama um maior aprofundamento do Serviço Social desta temática para possibilitar a construção de políticas
mais abrangentes para dar conta desta realidade.
4
Sobrantes, segundo Castel (1997), são os trabalhadores que vivem de biscates, excluído das formas de trabalho
formal, necessitando aceitar qualquer tipo de trabalho precário para garantir sua sobrevivência.

2
violência estrutural na vida dos usuários de crack que estão em tratamento para
desintoxicação no Hospital Ivan Goulart com vistas a oferecer subsídios na elaboração de
melhorias nos serviços prestados pelo profissional do Serviço Social desta instituição. Ainda
buscou avaliar a forma de ingresso em busca de tratamento no hospital, identificar a inserção
no mercado de trabalho destes sujeitos e verificar as formas de violência que rebatem na vida
familiar como consequência da violência estrutural.
Este estudo teve como aporte teórico do método dialético-crítico por ser o mais
conveniente para a realidade social (DEMO, 1989, p. 88) a qual é processual e em contínuo
movimento. Os dados coletados dos pacientes da Ala Recomeçar 5 usuários de crack foram
obtidos por meio de pesquisa qualitativa com observação participante 6. Segundo Richardson
(2008), a observação participante consiste no contato direto do pesquisador com o fenômeno
observado. Destaca-se que a pesquisa qualitativa, segundo Oliveira (2008, p.41) é um
processo de “reflexão e apreensão da realidade, o qual se utiliza de métodos e técnicas que
possibilitam a compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou
segundo sua estruturação”.
Optou-se pela pesquisa documental (prontuários, estudos sociais e entrevistas
realizadas pelo assistente social da Ala Recomeçar) e pesquisa bibliográfica (livros e artigos),
as quais, segundo Marconi e Lakatos (2006) seriam o primeiro passo de qualquer pesquisa
científica. A amostra foi constituída por 10 sujeitos usuários de crack que passaram por
desintoxicação na Ala Recomeçar. A análise ocorreu por análise de conteúdo, sendo que a
coleta de dados foi realizada com auxílio de roteiro norteador.
O presente artigo aborda, em seu primeiro item, a violência estrutural enquanto
estimulante ao consumo de drogas; apresenta no segundo item, o percurso metodológico e os
resultados da pesquisa documental e bibliográfica e de observação participante com dez
sujeitos dependentes de Crack que cumpriram desintoxicação no Hospital Ivan Goulart no
município de São Borja a partir do espaço sócio ocupacional do profissional do Serviço Social
diante do atendimento e intervenção destes sujeitos.

1 - A violência estrutural enquanto estimulante ao consumo de drogas

No Brasil o consumo e abuso de crack teve um crescimento significativo, estima-se


que mais de 1,2 milhões de brasileiros são usuários desta droga (PECHANSKY, 2010 p. 12).

5
Unidade de tratamento de saúde mental do Hospital Ivan Goulart de São Borja-RS
6
Uma vez que a pesquisadora é assistente social da instituição, intervém junto aos sujeitos pesquisados.

3
O poder destrutivo é superior ao da maioria das drogas ilícitas devido ao fácil acesso, alta
letalidade e precocidade do primeiro uso. A alta letalidade desta substância advém de várias
frentes, das consequências físicas: intoxicação, danos psíquicos, infecção por DSTs devido a
comportamento sexual de risco exacerbado pelo uso da droga ou para poder obtê-la, e maior
risco de overdose. E as consequências sociais: violência intra e extrafamiliar, furtos,
homicídios, prostituição para financiar o vício, entre outros episódios de violência. Segundo
Netto apud Nitahara (2012, p. 3),

[...] o Brasil é o maior consumidor de crack e o segundo de cocaína, atrás apenas dos
Estados Unidos. “Como perfil, nós temos como usuários homens adultos jovens, de
baixa escolaridade e baixa faixa de renda, com família desestruturada e
envolvimento em atividades ilegais. Cerca de 45% das pessoas experimentam a
cocaína antes dos 18 anos e os usuários começam com drogas lícitas, como cigarro e
álcool, até chegar ao crack.”

A precocidade do primeiro uso seria o primeiro contato com esta substância,


considerando que os sujeitos cada vez mais jovens vêm aderindo ao consumo de crack. O uso
desta droga na população de crianças e adolescentes moradores de rua, segundo os dados do
Relatório brasileiro sobre drogas 2009, chega ao número de 15% a 26%, (variando entre os
estados) em um universo de 1,2% de uma população usuária desta substância no Brasil, o que
é um dado alarmante e preocupante, visto que esta forma de manifestação, uso precoce de
drogas, tem sua gênese e reprodução nas diversas formas de violência e mais uma vez
comprova a vitimação destes sujeitos.
Neste sentido, relacionar o consumo de drogas enquanto resultante de manifestações
de violência sofridas – embora não seja o único motivo – por diversos sujeitos pode ser a
chave de intervenções profissionais que compreendam a totalidade de atendimento de alguns
dependentes. São diversos os fatores fundantes e perpetuadores da violência, tais como os
econômicos, sociais, biológicos, culturais e psicológicos. Porém não há com dar conta da
totalidade dos processos de produção da violência tentando determinar tipologias. Entretanto,
a violência estrutural tem sua gênese no sistema capitalista que em sua constituição necessita
da desigualdade, ou seja, a riqueza que é socialmente produzida é individualmente apropriada.
Minayo (1994, p. 2) conceitua violência estrutural como:

[...] aquela que oferece um marco à violência do comportamento e se aplica tanto às


estruturas organizadas e institucionalizadas da família como aos sistemas
econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de grupos, classes,
nações e indivíduos, aos quais são negadas conquistas da sociedade, tornando-os
mais vulneráveis que outros ao sofrimento e à morte.

4
Minayo (1994) ainda expõe outro fato sobre a naturalização e ocultação da violência
em determinadas estruturas sendo expressa na opressão dos indivíduos pela via da injustiça e
exploração, provocando assim constitutivamente e inerentemente outra forma de violência, a
social. O inter-relacionamento destas duas formas de violência se expressa nas dimensões
raça-etnia, gênero e geração contribuindo para o caminho da violência interpessoal, a qual se
concretiza como violência intra e extrafamiliar. A violência impressa na dimensão raça-etnia
se define no preconceito que pode ser

[...] social, étnico e racial denota uma predisposição psicológica de um indivíduo


contra o outro que não lhe é igual em termos econômicos (condições sociais
distintas às suas), fenotípicos (cor da pele, tipos de cabelos, formas faciais e demais
atributos visualmente identificáveis que denunciem, de alguma forma a origem
familiar) ou culturais (língua falada, dialetos ou sotaques, modo de trajar, religião,
forma de organização da família, identidade territorial e dimensões a estas
assemelhadas). Embora nem sempre isso ocorra, estes planos econômicos,
fenotípicos e culturais podem estar mesclados, se reforçando mutuamente
(PAIXÃO ET AL, 2010, p. 20-21).

Sendo assim, o preconceito é estimulado mediante a competitividade e a crença na


superioridade de um indivíduo perante outro incentivado por motivos econômicos, políticos,
sociais e culturais. Segundo Paixão (2010), a discriminação social, étnica e racial se acentua
em três planos, no plano econômico, no dos direitos sociais e no plano legal.
No plano econômico se evidencia a desigualdade entre os grupos étnicos e raciais no
acesso a bens e serviços, tais como emprego, crédito, moradia, educação e qualificação. No
plano dos direitos sociais a discriminação ocorre nas dificuldades de acesso a bens e serviços
de uso coletivo e políticas com condicionalidades. No plano legal as práticas discriminatórias
se expressam institucionalmente integrando o corpo de leis da nação tais como a forma de
como o Estado legitima a violência por meio de seus instrumentos coercitivos como polícia,
exército e presídios, no intuito de manter a ordem e a paz na sociedade (CAVALLI, 2009;
PAIXÃO, 2010).
Desta forma, a violência discriminatória étnico-racial se expressa na ideologia racista a
qual tenta justificar moralmente o preconceito, a discriminação, a desigualdade verificadas
entre as pessoas fenotípica e culturalmente diferentes (PAIXÃO, 2010, p. 21). No caso da
população negra observa-se a violência discriminatória e racial no acesso desigual à riqueza
socialmente produzida, ao estabelecer as relações afetivas, no mercado de trabalho, no acesso
e permanência na escola, dentre outras desigualdades sociais (EURICO, 2013, p. 295-296).
No que tange a violência de gênero, Saffiotti (2001, p. 01, 02) explana que mulheres,
crianças e adolescentes de ambos os sexos são as principais vítimas desta forma de violência,

5
pois o homem historicamente desempenhando o poder patriarcal acredita que tem o direito de
punir qualquer forma do que ele acredita ser uma irregularidade. Entretanto esta violência
também pode ser de mulher para homem, ou de mulher para mulher, exprimindo a relação
exploração-dominação, pois a violência resulta, segundo a autora supramencionada, de três
hierarquias/contradições – de gênero, de etnia e de classe, que contam com importantes
apoiadores que legitimam este poder de geração a geração.
A violência geracional é perpetrada pela família, a qual a reproduz histórica e
culturalmente trazendo diversos aspectos coercitivos e de desigualdade como naturais. Para
Oliveira e Tavares, 2013 p. 08, no contexto geracional, enquanto uns se vão outros chegam
para a continuidade da transmissão do histórico cultural, são os novos grupos sociais e etários
que compartilham de uma herança, transmitindo assim as desigualdades, conceitos e
preconceitos viabilizando diversas formas de violência a partir deste contexto.
Estas últimas formas de manifestação da violência, a étnico-racial, a de gênero e a
geracional, são sempre mais evidenciadas pelas suas consequências nos sujeitos mais
vulneráveis, como mulheres, crianças, idosos e adolescentes, que são expostos a contextos
destituídos de proteção para as necessidades mais elementares, gerando o que, segundo
Minayo (1994, p.3), seria a violência da delinquência:

É aquela que se revela nas ações fora da lei socialmente reconhecida. A análise deste
tipo de ação necessita passar pela compreensão da violência estrutural, que não só
confronta os indivíduos uns com os outros, mas também os corrompe e os
impulsiona ao delito. A desigualdade, a alienação do trabalho e nas relações, o
menosprezo de valores e normas em função do lucro, o consumismo, o culto a força
e o machismo são alguns dos fatores que contribuem para a expansão da
delinquência. Portanto, sadismos, sequestros, guerra entre quadrilhas, delitos sobre
ação do álcool e drogas, roubos e furtos devem ser compreendidos dentro do marco
referencial da violência estrutural, dentro de especificidades históricas (grifo meu).

Portanto, de acordo com a autora, a delinquência tem como marco referencial a


violência estrutural, e dentro deste contexto salientamos o uso e abuso de drogas como forma
de rebeldia e resistência das diversas formas de vulnerabilidade que rebatem na vida dos
sujeitos. No caso dos dependentes de Crack fica evidente a vulnerabilidade social e
econômica, segundo pesquisas, assim, a violência e todas as formas de manifestação
permeiam com mais amplitude a vida destes sujeitos que já eram vulneráveis e excluídos e
com a drogadição intensificam ainda mais este processo.
Esta exclusão se expressa na invisibilidade a qual estes sujeitos vivenciam em um
processo do não existir (Turck, 2011 p. 01) e de silenciamentos (PRADO ET. AL. 2013 p. 31)
que se estabelecem e se sustentam nas relações de dominação e subordinação, as quais

6
diversas minorias oprimidas sofrem. Esta construção de invisibilidade e silenciamentos é
demarcada pelo conflito capital x trabalho que é legitimado pelo Estado para atender os
interesses do capital.
Da mesma forma, esta exclusão se exprime na falta de participação política, civil e
social destes sujeitos, pois como vivenciam um mundo de alienação a qual o próprio sistema
proporciona, este processo é intensificado nos usuários de crack. A grande proporção de
usuários é vulnerável econômica e socialmente, com baixa escolaridade e acesso precário a
serviços de saúde, assistência, habitação, dentre outras políticas. Fomentar a participação
destes sujeitos no seu seguimento representativo, na forma de Conselho Municipal sobre
Drogas, é primordial, pois os conselhos são instrumentos de representação, expressão e
participação nas decisões que dizem respeito aos seus interesses e direitos. Gohn (2011 p.
89;92) explicita que

[...] se efetivamente representativos, poderão imprimir um novo formato às políticas


sociais, pois se relacionam ao processo de formação das políticas e tomadas de
decisões. Com os conselhos, gera-se uma nova institucionalidade pública. Eles
criam uma nova esfera-social pública ou pública não estatal. Trata-se de um novo
padrão de relações entre Estado e sociedade, porque eles viabilizam a participação
de seguimentos sociais e possibilitam à população o acesso aos espaços nos quais
tomam as decisões políticas.

Sendo assim, os grupos tradicionalmente excluídos como os negros, as mulheres,


pessoas com deficiência, os índios, as crianças e os adolescentes e, no caso do tema central
deste trabalho, os usuários de drogas poderão contribuir na escolha de ações, serviços,
investimentos e políticas que possibilitarão os enfrentamentos das demandas de cada
representatividade supramencionada.
Os conselhos deveriam agir no intuito de diminuir as distâncias e aproximar as
diferenças, compreendendo seus limites e possibilidades, uma vez que, atualmente, se faz
necessária uma ruptura com práticas excludentes nas relações sociais, éticas, culturais,
políticas e econômicas facilitadoras da ocultação da exploração do trabalho, da violência e da
negação de direitos (GOHN, 2011). Entretanto, na população usuária de crack, observa-se
dificuldade no acesso à rede de saúde básica as quais deveriam promover acolhimento e
orientação a estes usuários, não obstante, ocasionam fragilidades e rupturas pelo despreparo
das equipes (SAUDE, 2013).
As consequências destas precarizações nos serviços somados às diversas outras formas
de violência as quais estes sujeitos vivenciam se somatizam com o consumismo exacerbado
incentivado pela mídia, a qual sobrepõe o “ter” em razão do “ser”, reproduzindo e

7
legitimando as novas configurações do capital. No processo de necessidade de dar
visibilidade, ser aceito nos grupos em razão da aparência faz parte de estratégias de
pertencimento (CALDAS, 1995, p.123) as quais são intrinsecamente ligadas à lógica de
mercado.
Esta lógica excludente e perversa da violência estrutural se manifesta ainda pela
cobrança da mídia e sociedade pelo acesso a bens de consumo em um país onde o
desemprego, a desigualdade cada vez estão maiores. Esta precarização proporciona tensões e
rupturas nas relações familiares, pois os pais não conseguem oferecer à prole os bens que a
mídia força em afirmar que são necessários para a existência plena (HUGGET, 2005, p. 17).
Neste conflito se toma como alternativa de renda o tráfico que proporciona, de certa forma,
dinheiro fácil e possibilidade de acesso a bens de consumo. Esta atividade ilegal se legitima
pelo ideário da culpabilização do sujeito pela sua situação social e não de um sistema que
violenta e exclui grande parcela da população como forma de perpetuação de seu ideário.
A violência estrutural atinge os sujeitos não necessariamente de forma direta –
exclusão do mercado de trabalho e falta de acesso a suprimento de necessidades básicas – mas
no cotidiano social e relacional dos indivíduos. Uma vez não estando inseridos socialmente no
que se considera moralmente apropriado, agravados pela exclusão do acesso a serviços,
passam sofrer bullying social.
Neste processo desafiador e dual da violência estrutural e seus rebatimentos nos
usuários de crack, varias profissões são chamadas a intervir e trazer respostas imediatas e
mediatas para a realidade destas violações de direitos. Nesta conjuntura está o Serviço Social,
profissão a qual em seu projeto ético político traz o compromisso com a luta pelos direitos de
cidadania.

2 – Craque x vulnerabilidade: desafiando os princípios éticos do Serviço Social.

Por meio deste estudo observou-se que a forma de ingresso dos pacientes usuários de
crack que cumpriram desintoxicação na Ala Recomeçar do Hospital Ivan Goulart: foram em
90% internações compulsórias e 10% voluntárias. Entretanto, em conversas informais com os
sujeitos da pesquisa, cinco deles informaram que vieram de forma voluntária para tratamento,
contudo, a família realizou o pedido de internação por via da justiça devido a não haver a
disponibilidade de vagas no hospital geral7. A Lei 10.216 em seu artigo 6º explicita os tipos de
7
No caso do Hospital Ivan Goulart, seriam nove leitos SUS e as internações voluntárias estariam sendo
prejudicadas devido ao alto índice de pedidos de internações compulsórias no município e neste acesso desigual
as famílias tomaram como alternativa o pedido de internação compulsória.

8
internação psiquiátrica destacando “[...] II - internação involuntária: aquela que se dá sem o
consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela
determinada pela Justiça [...]” (BRASIL, 2011, p. 2).
A medida de internação via justiça, ou internação compulsória, está sendo utilizada em
larga escala como recurso para as consequências advindas do uso do crack. Entretanto ela
vem sendo utilizada de forma equivocada, pois, como foi mencionando anteriormente, de
acordo com a pesquisa, ela está sendo empregada como ferramenta de acesso a serviços
públicos que deveriam dar conta da demanda existente e das particularidades apresentadas por
cada região. O que se observa é que, quanto mais vulnerabilizada é a população o direito ao
acesso aos serviços parte do princípio da necessidade de judicialização do mesmo, onde numa
sociedade de classes o direito para ter efetividade se converte em ordenamento jurídico e se
recorre à força física para poder ter acesso a serviços (Guerra, 2011, p. 34). Nos
questionamentos informais realizados pela pesquisa, a resposta foi unânime dos sujeitos em
terem utilizado e esgotado os recursos em meio aberto, no caso, o CAPS AD do município
como alternativa de tratamento.
Quatro8 dos dez sujeitos da pesquisa informaram estarem em tratamento para
desintoxicação de forma compulsória e contra a vontade, e demonstraram muita resistência
em dar continuidade no cuidado à saúde no pós-tratamento. A revolta e rebeldia foram
bastante evidentes, o que fragilizava bastante o acesso da equipe no acolhimento e cuidado,
causando uma série de transtornos desde a convivência com os outros internos até a aceitação
da família nas visitas. Entender que a internação compulsória promove resultados positivos na
recuperação da dependência é entender um mundo pela metade, como se estes sujeitos
usassem drogas por usar e não para anestesiar os vazios deixados pela inacessibilidade a bens
e serviços, tais como moradia, assistência, serviços de saúde e educação e diversas de outras
formas de violência. Conforme Brites (2013, p.2):

[...] A internação compulsória não vai resolver o problema do consumo de drogas


(especialmente do crack) no país porque esta “solução” não se pauta na articulação
intersetorial das políticas sociais. Esse modelo proposto pelo governo e apoiado pela
mídia ignora as determinações que dizem respeito ao modo como o indivíduo se
relaciona com a droga, ao contexto sociocultural desse uso e à própria droga.

Deve-se ter um olhar apurado e crítico quanto à utilização destes serviços, para que
não seja reproduzida a política higienista, demonstrando a violência estrutural na limpeza das
ruas e violação dos direitos de autonomia conforme preconiza a Lei 8.080 que versa sobre a

8
Destacando-se que são nove internações judiciais e apenas uma voluntária.

9
preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral. É
imprescindível clareza de que a internação para desintoxicação não responde a complexidade
do tema drogadição e não exime a rede de saúde, educação, habitação e assistência de todas as
demais responsabilidades que rebatem deste sistema desigual e excludente que é o
capitalismo.
Estes sujeitos estão revivendo processos de violência estrutural, pois conforme Brites
(2013, p. 2,3) a internação compulsória para usuários de crack retira do usuário ou dependente
de drogas sua autonomia, não dando nenhuma chance dos sujeitos recusá-la ou participarem
de uma abordagem que lhes promova a escolha pelo melhor método de tratamento, se assim o
quiserem. Da mesma forma, estes sujeitos sofrem a violência de não terem garantido o direito
ao acesso a tratamento de saúde público, gratuito e de qualidade e quando têm de utilizar de
artifícios jurídicos para acessarem aos serviços. No caso da instituição pesquisada ela possui
somente nove leitos SUS, o que se torna insuficiente devido à demanda apresentada de
usuários problemáticos de drogas que necessitam deste serviço.
As internações involuntárias e compulsórias proporcionam violência psicológica, pois
estes sujeitos sofrem controle de suas escolhas, ações e comportamentos por meio da
intimidação e isolamento (SANTINON, 2013, p. 3) sem que haja a chance de diálogo e
escolha do que o sujeito julgue ser o melhor para ele. Segundo Brites (2013, p. 3),
É preciso desmistificar a afirmação de que o usuário de drogas é incapaz de tomar
decisões conscientes. Isso pode ser parcialmente verdadeiro no momento do efeito
agudo da droga. Entretanto, sabemos que há momentos de lucidez e consciência, e
isso tem que ser reconhecido por parte da equipe de atendimento que está lá para
oferecer algum tipo de resposta. Resposta essa que tem que atender as necessidades
do usuário, e não a um entendimento de uma equipe que não leva em consideração
o que a pessoa dependente quer, as suas necessidades e o que ela quer fazer em
relação ao uso de drogas. Portanto, a internação compulsória é uma medida que
viola direitos, que não enfrenta o aumento do consumo de drogas, que deixa de fora
várias determinações importantes que fazem com que o uso de drogas seja
problemático e traga danos sociais à saúde. É uma medida falaciosa.

Em relação ao meio de subsistência dos sujeitos da pesquisa, 100% da amostra vivem


de trabalho informal, ou “bicos” 9, e 30% já tiveram trabalho formal. Entretanto, com as
complicações advindas com o uso de crack perderam os empregos. Esta população pesquisada
pode estar incluída no que Castel (1997) denominou de sobrantes, ou seja, sujeitos que não
têm lugar na sociedade, que não são integrados, e talvez, não sejam integráveis, pois estar
integrado, como afirma o autor, é pertencer a relações que tenham utilidade social, relações de
interdependência – como no caso de um operário que, embora explorado, pode lutar pelos

9
Neste processo de subsistência está incluído o trafico de drogas.

10
seus direitos –, desta forma os sobrantes não são sequer explorados10. A metade dos sujeitos
pesquisados tinha como principal fonte de subsistência o tráfico de drogas, primeiramente
para sustentarem seus vícios e uma parcela mínima (20%) trazia o produto de seu trabalho
para a subsistência de sua família. Na pesquisa também se evidenciou a baixa escolaridade:
70% dos sujeitos estudaram até o 6º ano do ensino fundamental, e afirmam que pararam os
estudos devido ao uso de drogas e suas consequências.
De acordo com a pesquisa as formas de violência que rebatem na vida destes sujeitos
centram-se principalmente na violência estrutural. Nove dos dez sujeitos da pesquisa já
haviam cometido delito, e seis haviam cumprido pena em regime prisional e apenas um destes
sujeitos não havia cometido nenhum delito. Quatro destes sujeitos haviam cumprido pena por
tráfico e dois por assalto para obter recursos para comprar drogas. A inacessibilidade a bens e
serviços proporciona revolta que alimenta a busca por práticas de risco como o tráfico e
crimes diversos, os quais, mesmo com todas as consequências que apresentam na vida dos
sujeitos, são alternativas de renda à população mais desfavorecida. O estudo precário, a
exclusão do mundo do trabalho e do consumo, a violência intrafamiliar, dentre outros fatores,
provocam situações que levam à criminalidade. Depois de cumpridas as medidas restritivas de
liberdade, que são violentas por natureza, ainda sofrem o preconceito por serem ex-apenados,
dificultando ainda mais suas relações com a sociedade. Evidencia-se que segundo Germano
(1998, p. 13-14):

[...] as políticas neoliberais [...] atacam direitos e garantias sociais, incrementam o


desemprego, instalam a vulnerabilidade e consideram a desigualdade como valor
positivo. Acentuam a individualização instalando um mundo darwiniano de luta de
todos contra todos no qual os mais “competentes” serão vitoriosos (

Nesta sociedade, vítima da violência estrutural, possibilitou-se o desenvolvimento do


tráfico de drogas como um mercado paralelo devido à deterioração da qualidade de vida da
população, aumento do custo de vida, desigualdade e vulnerabilização (RODRIGUES, 2007
apud ARAÚJO, 1997, p. 252). O crescimento deste mercado atraiu tanto consumidores como
trabalhadores, promovendo uma maior precarização na vida destes sujeitos que ficam à mercê
de violências de vários matizes, dentre elas a do sistema carcerário. Quando questionados
sobre suas trajetórias relacionais com a família, 80% dos sujeitos sofreram violência
intrafamiliar e 90% deles provocaram algum tipo de violência, e 10% mencionaram não ter
sofrido violência intrafamiliar e 10% explanam que não cometeram nenhum tipo de violência
contra seus familiares.
10
Explorados pelas relações de produção do mercado.

11
Dentre as violências sofridas foram evidenciadas a violência física e psicológica onde
a maioria exemplificou a dificuldade de relacionamento com os pais e/ou cuidadores. Em
relação à violência provocada, a violência física e psicológica também foi evidente. Três
sujeitos da amostra respondiam processo pela Lei Maria da Penha. Quando questionados os
motivos que levaram à violência contra familiares eles quase de forma unânime responderam
sobre a dificuldade de estabelecer relações saudáveis pelas lembranças das violências sofridas
na infância e, do mesmo modo, da violência perpetrada para obtenção de drogas11.
A contribuição do Assistente Social para o enfrentamento e fortalecimento dos
usuários de Crack que cumprem desintoxicação nas unidades de saúde mental dos hospitais
gerais se materializa primeiramente na acolhida. O acolhimento pressupõe uma escuta
qualificada que estabelece uma relação cidadã e humanizada, a qual define o encaminhamento
adequado das demandas identificadas (BRASIL, 2004, p.15, 16). É a partir deste processo
que se estabelece o primeiro vínculo o qual visa garantir a integralidade no atendimento e a
intersetorialidade para continuidade do processo de cuidado dos sujeitos. A garantia da
integralidade se expressa na interdisciplinaridade necessária para não haver a fragmentação
das atividades desempenhadas pela equipe.
O Serviço Social da instituição pesquisada faz o acolhimento dos sujeitos que
internam na unidade de saúde mental, no caso dos sujeitos da pesquisa, 100% deles foram
recebidos pelo Serviço Social. Foi observada uma maior dificuldade na acolhida dos sujeitos
da amostra, por estes estarem em sua maioria ainda sob o efeito da abstinência do crack e
revoltados quanto ao meio de acesso, ou seja, por meio da internação compulsória. Desta
forma uma maior atenção é dispensada aos sujeitos no intuito de proporcionar um vínculo
melhor e com menor sofrimento.
Em 40% dos sujeitos da pesquisa que estavam internados contra sua vontade e de
forma compulsória não apresentaram resultados satisfatórios, ou seja, não aceitaram a
continuidade de seus processos de cuidado na rede de atenção psicossocial e voltaram ao uso
problemático do crack no primeiro dia após a alta hospitalar. Esta medida é causadora de
revolta e completamente contrária ao código de ética do assistente social, o qual em seu 1º e
2º princípio pressupõe o

I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a


ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo
[...] (BRASIL, 2012, p. 23).

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Na maior parte dos relatos dos familiares que não dispunham ou não queriam dar dinheiro para compra de
drogas eram as principais vítimas de violência física e verbal.

12
O resgate de vínculos e a apreensão da realidade dos familiares pelo Serviço Social é o
segundo momento. A pesquisa demonstra que 80% dos sujeitos ainda moravam com a família
mesmo com os laços fragilizados e 20% não tinham mais vínculo familiar. As fragilidades
apresentadas eram advindas em sua maioria dos furtos ocasionados pelos usuários aos
familiares no intuito de conseguirem recursos para compra de drogas e da violência a que
eram expostos tanto pelos usuários de crack ou pelos traficantes que os abordavam cobrando
as dívidas dos usuários.
É neste panorama que o Serviço Social é chamado a intervir, o qual Iamamoto (2010)
parafraseia Weil (1979, p. 349) quando chama o resgate de vínculos de “enraizamento”.
Segundo ela, o enraizamento envolve o estreitamento dos laços de convívio familiar e requer
considerar as relações sociais que moldam um tipo de socialização, investindo no combate a
todo tipo de preconceitos, violências desigualdades enquanto sujeitos de direitos
(IAMAMOTO, 2010, p. 265).
A apreensão da realidade realizada pelo Serviço Social possibilita o conhecimento das
condições objetivas e subjetivas dos sujeitos envolvidos. No caso da pesquisa, a apreensão era
realizada com os usuários e familiares. Foi evidenciado um acirramento da vulnerabilidade
econômica de 90% dos sujeitos da pesquisa e de seus familiares. Como resposta o Serviço
Social realizou encaminhamentos à rede de sócio atendimento, CRAS e CREAS, mapeando
as necessidades e localizando o serviço mais próximo de cada família.
No Plano Integrado de enfrentamento Crack e outras Drogas são previstas a expansão
dos serviços socioassistenciais e a articulação com a saúde, visto que a política de assistência
social tem a sua centralidade na família. Neste processo há a possibilidade de assistência às
famílias em situação de vulnerabilidade e agravo desta expressão, devido às consequências
sociais provocadas por usuários abusivos de drogas pertencentes a estas famílias. Enquanto o
usuário de drogas está em tratamento na rede de saúde, a família recebe a atenção necessária
para se fortalecer e estabelecer um vínculo mais saudável no retorno de seu ente ao lar
(BRASIL, 2010, p. 1).
A pesquisa demonstra que o Serviço Social participa de grupo de apoio e orientação
familiar e para usuários de drogas que se realiza uma vez por semana no auditório da
instituição. Neste processo há a possibilidade de uma maior participação dos familiares no
processo de conhecimento, cuidado e entendimento do processo de drogadição, como também
do conhecimento da rede de atenção psicossocial e assistencial disponível no município para
dar continuidade no processo de cuidado na pós-alta hospitalar. Do mesmo modo, a

13
continuidade do cuidado se estabelece na interligação da rede por meio de reuniões mensais e
de elaboração conjunta de estratégias de enfrentamento com as equipes multiprofissionais que
compõem a rede de atendimento assistencial e psicossocial. Os encontros semanais por meio
do grupo de apoio buscam fomentar nos participantes a reflexão sobre temas variados, o
acesso a direitos e a socialização de experiências vivenciadas. Grupo se define

como um conjunto de pessoas, ligadas no tempo e espaço, articuladas por sua mútua
representação interna, que se propõem explícita ou implicitamente a uma tarefa,
interatuando para isto em uma rede de papéis, com o estabelecimento de vínculos
entre si. O sujeito social se constitui na relação com o outro. A organização de todo
grupo é a um só tempo "objetiva" e "subjetiva", envolvendo racionalidade e
afetividade. A aprendizagem se relaciona aos objetivos racionais do grupo tanto
quanto às suas ansiedades, medos e prazeres (PICHON RIVIÈRE, 1998 apud
AFONSO, SILVA, ABADE, 2009).

O Serviço Social, apropriando-se deste instrumento, grupos de apoio, possibilita a


mobilização por meio da coletividade, estimulando uma rede de fortalecimento e
empoderamento dos sujeitos por meio de suas próprias histórias na conquista da autoestima,
no acesso aos direitos de autonomia e cidadania.
Em relação à articulação a rede de cuidado, seja assistencial ou psicossocial, é de
extrema relevância o trabalho integrado, pois promove um olhar amplo aos sujeitos na sua
dimensão biopsicossocial, facilita o acesso a serviços e direitos. Enfim, fazendo valer os
princípios e diretrizes do SUS os quais propõem a integralidade, universalidade e equidade
por meio da troca de saberes e experiências, baseando-se na saúde mental e coletiva, respeito
aos princípios da reforma psiquiátrica e toda a normativa pertinente à Saúde Mental brasileira.

Considerações finais:

O discurso de que o sujeito social é o culpado pela sua situação de vulnerabilidade


ainda ressoa quase uníssono pelo ideário neoliberal. Não restam dúvidas de que, sob essa
lógica, o Estado legitima os interesses do capital financeiro em detrimento de investimentos
em políticas públicas, prejudicando e restringindo direitos e acessos à população.
O processo histórico em relação à drogadição sempre foi voltado à lógica de
estigmatização e criminalização dos sujeitos. Somente a partir da década de noventa,
coincidentemente na época de surgimento do crack no Brasil, é que se tomaram medidas para
construção de legislações e políticas públicas voltadas a essa população, culminando, dentre
elas, na Lei 11343/2006 a qual representa um avanço nas garantias e humanização dos

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serviços, quando diferencia usuário de traficante, possibilitando aos usuários o acesso a
tratamento em vez de restrição da liberdade como outrora.
A partir dos resultados percebeu-se que a internação compulsória não traz retornos
positivos, pois é geradora de revoltas e conflitos que não contribuem para melhorias na
qualidade de vida destes sujeitos. Fica evidente que a compulsória tornou-se, em muitos
casos, um instrumento de manutenção da “ordem e da paz” pela ordem dominante,
legitimando a violência como forma de tratamento. Neste contexto, o Serviço Social deve
responder aos princípios e valores da profissão de modo que não os contrarie:

[...] temos que dizer “não” não somente para a internação compulsória, mas para
qualquer medida autoritária que viole direitos, expressão da desigualdade produzida
nessa sociedade, e assegurar respostas críticas fundadas teórica e eticamente em
nossa compreensão sobre esta realidade. A droga, o crack, entra como mercadoria,
como elemento a mais dessa realidade desigual e dessa face contemporânea da
barbárie (BRITES, 2013, p. 8).

Cabe ao Serviço Social propor à rede de atendimento psicossocial e ao sistema


judiciário do município propostas alternativas à restrição de liberdade de escolha que é a
compulsória, e em conjunto elaborar e efetivar a política de redução de danos, a qual favorece
aos sujeitos a opção de escolha para as melhores alternativas de cuidado à saúde e a garantia
dos direitos de autonomia destes sujeitos.
Observou-se que as consequências da violência estrutural como a falta de
oportunidades, de acesso ao mercado formal de trabalho, a baixa escolaridade, o tráfico como
alternativa de renda, e os diversos tipos de violência que permeiam e rebatem na vida dos
sujeitos da pesquisa é que contribuem para a necessidade de busca por prazeres ilusórios e
fictícios que a mercadoria “Crack” traz para vida destes sujeitos, de modo que estes usuários
possuem poucas alternativas de superação para estes fatores supramencionados e ficam à
mercê de outros tipos de violência não menos excludentes e perversos dispostos em nossa
ordem social.
Diante de todas as observações, questões e reflexões realizadas até aqui, pode-se dizer
que o principal desafio do Serviço Social é a consolidação dos princípios éticos de liberdade e
autonomia que vão contra toda a lógica dominante. Estabelecer diálogo com a rede de
atendimento psicossocial e do poder judiciário para estabelecimento de alternativas de
tratamento em meio aberto seria uma das alternativas.
Sendo assim, a luta contra o crack e outras drogas pressupõe a mesma batalha contra
outros tipos de vulnerabilidade: trabalho escravo, prostituição, violências, falta de acesso às

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mínimas condições de sobrevivência, dentre outros – a batalha contra essa lógica excludente
na forma de qualificação, criação e ampliação dos serviços existentes. Da mesma forma, no
rompimento do silêncio que foi perpetuado por longa data, dando visibilidade a estas
temáticas por meio de pesquisas as quais fomentem projetos e políticas que possam ser
efetivadas.

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