Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR
SÃO BORJA/RS
2013
0
A VIOLÊNCIA ESTRUTURAL E A DEPENDÊNCIA DO CRACK
RESUMO:
As transformações do mundo do trabalho vem historicamente gerando crises constantes, que
podem inclusive estimular a violência estrutural que rebate na vida dos sujeitos de diversas
formas, uma destas manifestações ocorre por meio do abuso de drogas. O presente artigo tem
a pretensão de expor de forma sucinta conceitos sobre a violência estrutural, seus
rebatimentos em outras formas de violência e relacioná-las com dependentes de Crack
enfatizando o papel do profissional do Serviço Social a partir de pesquisa documental e
observação participante realizada no Hospital Ivan Goulart no Município de São Borja - RS.
Fica evidente que a violência estrutural contribui para o acirramento das vulnerabilidades dos
usuários de Crack e de suas famílias, as quais elaboram estratégias de acesso a serviços e de
sobrevivência diante de um cenário cada dia mais excludente e estigmatizante. Verificou-se
que o Assistente Social depara-se com um desafio a ser superado cotidianamente, tendo a
necessidade de capacitação contínua para poder efetivar estratégias de enfrentamento à
violência estrutural e seus rebatimentos nos usuários de crack que cumprem a desintoxicação
nesta instituição.
ABSTRACT:
The changing world of work has historically generating constant crises , which may even
stimulate the structural violence that bounces on subjects' lives in many ways, one of these
events occurs through drug abuse . This article purports to expose briefly the concepts of
structural violence and its reverberations in other forms of violence and relate them dependent
Crack emphasizing the role of professional social work from documentary research and
participant observation conducted in Ivan Goulart hospital in São Borja - RS . It is evident
that the structural violence contributes to the worsening of the vulnerabilities of Crack users
and their families, which design strategies for accessing services and facing a survival
increasingly exclusionary and stigmatizing setting. It was found that the social worker is faced
with a daily challenge to be overcome, and the need for continuous training in order to carry
out strategies to deal with structural violence and its aftermaths in crack users who comply
with detox in this institution.
Introdução:
1
Assistente Social, graduada na 1ª turma de Serviço Social da Unipampa - São Borja, atualmente trabalha como
assistente social no Hospital Ivan Goulart.
2
Professora orientadora.
1
Um estudo mais apurado sobre o perfil de usuários de Crack 3 no Brasil constata que a
população usuária desta substância se concentra em maior número na população mais
vulnerável social e economicamente, ou seja, a prevalência desta droga ocorre nas classes
sociais de menor poder aquisitivo (DUALIB, RIBEIRO, LARANJEIRA, 2010, p. 16).
Diversas discussões sobre o tema estão sendo realizadas, visto que uma das consequências da
dependência do Crack seria um aumento considerável da violência nas ruas (ABEAD, 2013 p.
3). O Crack trouxe visibilidade para a temática “drogas”, visto que as políticas voltadas a
usuários de drogas eram precárias e andavam a passos lentos (COSTA, 2010).
A violência se manifesta de diversas formas na vida cotidiana, entretanto, em alguns
casos, deparamo-nos com o conformismo e a naturalização deste fenômeno. Dentre as
manifestações está a exclusão social, a qual priva de participação e representação uma parcela
da sociedade que não possui qualquer possibilidade de expectativas quanto aos seus direitos
garantidos.
Quando se focam indivíduos dependentes de crack observa-se ampliação das formas
de violência e problemas sociais supramencionados. Essa precarização das condições sociais é
agravada diante do desfavorecimento econômico de uma população que na maior parte se
configura em sobrantes4. Alencar e Granemann (2009) parafraseiam Mèzarós, o qual expõe
que a classe trabalhadora mundial se expressa no desemprego crônico e na redução
significativa do padrão de vida dos trabalhadores em ocupações de tempo integral.
Essa tendência estrutural se configura em uma forma de violência, que se caracteriza
em um sistema desigual produtor de exclusão social. A violência estrutural rebate de tal forma
na vida dos sujeitos que uma camada da população sem oportunidades e objetivos busca no
mundo das drogas a idealização de um mundo utópico, o dos prazeres efêmeros e sem limites.
Entretanto, tais atos ocasionam um maior processo de exclusão e consequências desastrosas
para o processo biopsicossocial destes sujeitos. Assim, para compreender os rebatimentos da
violência estrutural nos dependentes de crack, há necessidade de compreensão quanto à forma
como ela permeia as relações sociais e se apresenta na vida destes sujeitos.
As reflexões realizadas no artigo foram obtidas por meio de pesquisa realizada no
período de Maio de 2013 a Setembro de 2013, que teve por objetivo analisar o impacto da
3
O interesse da autora em discorrer sobre o Crack não desmerece a atenção a quaisquer outras drogas lícitas ou
ilícitas, visto que o álcool e tabaco são os lideres em consumo e consequências na vida dos sujeitos. Entretanto,
segundo pesquisas, o envolvimento com o crack se concentra, em sua maioria, na população mais excluída, o
que clama um maior aprofundamento do Serviço Social desta temática para possibilitar a construção de políticas
mais abrangentes para dar conta desta realidade.
4
Sobrantes, segundo Castel (1997), são os trabalhadores que vivem de biscates, excluído das formas de trabalho
formal, necessitando aceitar qualquer tipo de trabalho precário para garantir sua sobrevivência.
2
violência estrutural na vida dos usuários de crack que estão em tratamento para
desintoxicação no Hospital Ivan Goulart com vistas a oferecer subsídios na elaboração de
melhorias nos serviços prestados pelo profissional do Serviço Social desta instituição. Ainda
buscou avaliar a forma de ingresso em busca de tratamento no hospital, identificar a inserção
no mercado de trabalho destes sujeitos e verificar as formas de violência que rebatem na vida
familiar como consequência da violência estrutural.
Este estudo teve como aporte teórico do método dialético-crítico por ser o mais
conveniente para a realidade social (DEMO, 1989, p. 88) a qual é processual e em contínuo
movimento. Os dados coletados dos pacientes da Ala Recomeçar 5 usuários de crack foram
obtidos por meio de pesquisa qualitativa com observação participante 6. Segundo Richardson
(2008), a observação participante consiste no contato direto do pesquisador com o fenômeno
observado. Destaca-se que a pesquisa qualitativa, segundo Oliveira (2008, p.41) é um
processo de “reflexão e apreensão da realidade, o qual se utiliza de métodos e técnicas que
possibilitam a compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou
segundo sua estruturação”.
Optou-se pela pesquisa documental (prontuários, estudos sociais e entrevistas
realizadas pelo assistente social da Ala Recomeçar) e pesquisa bibliográfica (livros e artigos),
as quais, segundo Marconi e Lakatos (2006) seriam o primeiro passo de qualquer pesquisa
científica. A amostra foi constituída por 10 sujeitos usuários de crack que passaram por
desintoxicação na Ala Recomeçar. A análise ocorreu por análise de conteúdo, sendo que a
coleta de dados foi realizada com auxílio de roteiro norteador.
O presente artigo aborda, em seu primeiro item, a violência estrutural enquanto
estimulante ao consumo de drogas; apresenta no segundo item, o percurso metodológico e os
resultados da pesquisa documental e bibliográfica e de observação participante com dez
sujeitos dependentes de Crack que cumpriram desintoxicação no Hospital Ivan Goulart no
município de São Borja a partir do espaço sócio ocupacional do profissional do Serviço Social
diante do atendimento e intervenção destes sujeitos.
5
Unidade de tratamento de saúde mental do Hospital Ivan Goulart de São Borja-RS
6
Uma vez que a pesquisadora é assistente social da instituição, intervém junto aos sujeitos pesquisados.
3
O poder destrutivo é superior ao da maioria das drogas ilícitas devido ao fácil acesso, alta
letalidade e precocidade do primeiro uso. A alta letalidade desta substância advém de várias
frentes, das consequências físicas: intoxicação, danos psíquicos, infecção por DSTs devido a
comportamento sexual de risco exacerbado pelo uso da droga ou para poder obtê-la, e maior
risco de overdose. E as consequências sociais: violência intra e extrafamiliar, furtos,
homicídios, prostituição para financiar o vício, entre outros episódios de violência. Segundo
Netto apud Nitahara (2012, p. 3),
[...] o Brasil é o maior consumidor de crack e o segundo de cocaína, atrás apenas dos
Estados Unidos. “Como perfil, nós temos como usuários homens adultos jovens, de
baixa escolaridade e baixa faixa de renda, com família desestruturada e
envolvimento em atividades ilegais. Cerca de 45% das pessoas experimentam a
cocaína antes dos 18 anos e os usuários começam com drogas lícitas, como cigarro e
álcool, até chegar ao crack.”
4
Minayo (1994) ainda expõe outro fato sobre a naturalização e ocultação da violência
em determinadas estruturas sendo expressa na opressão dos indivíduos pela via da injustiça e
exploração, provocando assim constitutivamente e inerentemente outra forma de violência, a
social. O inter-relacionamento destas duas formas de violência se expressa nas dimensões
raça-etnia, gênero e geração contribuindo para o caminho da violência interpessoal, a qual se
concretiza como violência intra e extrafamiliar. A violência impressa na dimensão raça-etnia
se define no preconceito que pode ser
5
pois o homem historicamente desempenhando o poder patriarcal acredita que tem o direito de
punir qualquer forma do que ele acredita ser uma irregularidade. Entretanto esta violência
também pode ser de mulher para homem, ou de mulher para mulher, exprimindo a relação
exploração-dominação, pois a violência resulta, segundo a autora supramencionada, de três
hierarquias/contradições – de gênero, de etnia e de classe, que contam com importantes
apoiadores que legitimam este poder de geração a geração.
A violência geracional é perpetrada pela família, a qual a reproduz histórica e
culturalmente trazendo diversos aspectos coercitivos e de desigualdade como naturais. Para
Oliveira e Tavares, 2013 p. 08, no contexto geracional, enquanto uns se vão outros chegam
para a continuidade da transmissão do histórico cultural, são os novos grupos sociais e etários
que compartilham de uma herança, transmitindo assim as desigualdades, conceitos e
preconceitos viabilizando diversas formas de violência a partir deste contexto.
Estas últimas formas de manifestação da violência, a étnico-racial, a de gênero e a
geracional, são sempre mais evidenciadas pelas suas consequências nos sujeitos mais
vulneráveis, como mulheres, crianças, idosos e adolescentes, que são expostos a contextos
destituídos de proteção para as necessidades mais elementares, gerando o que, segundo
Minayo (1994, p.3), seria a violência da delinquência:
É aquela que se revela nas ações fora da lei socialmente reconhecida. A análise deste
tipo de ação necessita passar pela compreensão da violência estrutural, que não só
confronta os indivíduos uns com os outros, mas também os corrompe e os
impulsiona ao delito. A desigualdade, a alienação do trabalho e nas relações, o
menosprezo de valores e normas em função do lucro, o consumismo, o culto a força
e o machismo são alguns dos fatores que contribuem para a expansão da
delinquência. Portanto, sadismos, sequestros, guerra entre quadrilhas, delitos sobre
ação do álcool e drogas, roubos e furtos devem ser compreendidos dentro do marco
referencial da violência estrutural, dentro de especificidades históricas (grifo meu).
6
diversas minorias oprimidas sofrem. Esta construção de invisibilidade e silenciamentos é
demarcada pelo conflito capital x trabalho que é legitimado pelo Estado para atender os
interesses do capital.
Da mesma forma, esta exclusão se exprime na falta de participação política, civil e
social destes sujeitos, pois como vivenciam um mundo de alienação a qual o próprio sistema
proporciona, este processo é intensificado nos usuários de crack. A grande proporção de
usuários é vulnerável econômica e socialmente, com baixa escolaridade e acesso precário a
serviços de saúde, assistência, habitação, dentre outras políticas. Fomentar a participação
destes sujeitos no seu seguimento representativo, na forma de Conselho Municipal sobre
Drogas, é primordial, pois os conselhos são instrumentos de representação, expressão e
participação nas decisões que dizem respeito aos seus interesses e direitos. Gohn (2011 p.
89;92) explicita que
7
legitimando as novas configurações do capital. No processo de necessidade de dar
visibilidade, ser aceito nos grupos em razão da aparência faz parte de estratégias de
pertencimento (CALDAS, 1995, p.123) as quais são intrinsecamente ligadas à lógica de
mercado.
Esta lógica excludente e perversa da violência estrutural se manifesta ainda pela
cobrança da mídia e sociedade pelo acesso a bens de consumo em um país onde o
desemprego, a desigualdade cada vez estão maiores. Esta precarização proporciona tensões e
rupturas nas relações familiares, pois os pais não conseguem oferecer à prole os bens que a
mídia força em afirmar que são necessários para a existência plena (HUGGET, 2005, p. 17).
Neste conflito se toma como alternativa de renda o tráfico que proporciona, de certa forma,
dinheiro fácil e possibilidade de acesso a bens de consumo. Esta atividade ilegal se legitima
pelo ideário da culpabilização do sujeito pela sua situação social e não de um sistema que
violenta e exclui grande parcela da população como forma de perpetuação de seu ideário.
A violência estrutural atinge os sujeitos não necessariamente de forma direta –
exclusão do mercado de trabalho e falta de acesso a suprimento de necessidades básicas – mas
no cotidiano social e relacional dos indivíduos. Uma vez não estando inseridos socialmente no
que se considera moralmente apropriado, agravados pela exclusão do acesso a serviços,
passam sofrer bullying social.
Neste processo desafiador e dual da violência estrutural e seus rebatimentos nos
usuários de crack, varias profissões são chamadas a intervir e trazer respostas imediatas e
mediatas para a realidade destas violações de direitos. Nesta conjuntura está o Serviço Social,
profissão a qual em seu projeto ético político traz o compromisso com a luta pelos direitos de
cidadania.
Por meio deste estudo observou-se que a forma de ingresso dos pacientes usuários de
crack que cumpriram desintoxicação na Ala Recomeçar do Hospital Ivan Goulart: foram em
90% internações compulsórias e 10% voluntárias. Entretanto, em conversas informais com os
sujeitos da pesquisa, cinco deles informaram que vieram de forma voluntária para tratamento,
contudo, a família realizou o pedido de internação por via da justiça devido a não haver a
disponibilidade de vagas no hospital geral7. A Lei 10.216 em seu artigo 6º explicita os tipos de
7
No caso do Hospital Ivan Goulart, seriam nove leitos SUS e as internações voluntárias estariam sendo
prejudicadas devido ao alto índice de pedidos de internações compulsórias no município e neste acesso desigual
as famílias tomaram como alternativa o pedido de internação compulsória.
8
internação psiquiátrica destacando “[...] II - internação involuntária: aquela que se dá sem o
consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela
determinada pela Justiça [...]” (BRASIL, 2011, p. 2).
A medida de internação via justiça, ou internação compulsória, está sendo utilizada em
larga escala como recurso para as consequências advindas do uso do crack. Entretanto ela
vem sendo utilizada de forma equivocada, pois, como foi mencionando anteriormente, de
acordo com a pesquisa, ela está sendo empregada como ferramenta de acesso a serviços
públicos que deveriam dar conta da demanda existente e das particularidades apresentadas por
cada região. O que se observa é que, quanto mais vulnerabilizada é a população o direito ao
acesso aos serviços parte do princípio da necessidade de judicialização do mesmo, onde numa
sociedade de classes o direito para ter efetividade se converte em ordenamento jurídico e se
recorre à força física para poder ter acesso a serviços (Guerra, 2011, p. 34). Nos
questionamentos informais realizados pela pesquisa, a resposta foi unânime dos sujeitos em
terem utilizado e esgotado os recursos em meio aberto, no caso, o CAPS AD do município
como alternativa de tratamento.
Quatro8 dos dez sujeitos da pesquisa informaram estarem em tratamento para
desintoxicação de forma compulsória e contra a vontade, e demonstraram muita resistência
em dar continuidade no cuidado à saúde no pós-tratamento. A revolta e rebeldia foram
bastante evidentes, o que fragilizava bastante o acesso da equipe no acolhimento e cuidado,
causando uma série de transtornos desde a convivência com os outros internos até a aceitação
da família nas visitas. Entender que a internação compulsória promove resultados positivos na
recuperação da dependência é entender um mundo pela metade, como se estes sujeitos
usassem drogas por usar e não para anestesiar os vazios deixados pela inacessibilidade a bens
e serviços, tais como moradia, assistência, serviços de saúde e educação e diversas de outras
formas de violência. Conforme Brites (2013, p.2):
Deve-se ter um olhar apurado e crítico quanto à utilização destes serviços, para que
não seja reproduzida a política higienista, demonstrando a violência estrutural na limpeza das
ruas e violação dos direitos de autonomia conforme preconiza a Lei 8.080 que versa sobre a
8
Destacando-se que são nove internações judiciais e apenas uma voluntária.
9
preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral. É
imprescindível clareza de que a internação para desintoxicação não responde a complexidade
do tema drogadição e não exime a rede de saúde, educação, habitação e assistência de todas as
demais responsabilidades que rebatem deste sistema desigual e excludente que é o
capitalismo.
Estes sujeitos estão revivendo processos de violência estrutural, pois conforme Brites
(2013, p. 2,3) a internação compulsória para usuários de crack retira do usuário ou dependente
de drogas sua autonomia, não dando nenhuma chance dos sujeitos recusá-la ou participarem
de uma abordagem que lhes promova a escolha pelo melhor método de tratamento, se assim o
quiserem. Da mesma forma, estes sujeitos sofrem a violência de não terem garantido o direito
ao acesso a tratamento de saúde público, gratuito e de qualidade e quando têm de utilizar de
artifícios jurídicos para acessarem aos serviços. No caso da instituição pesquisada ela possui
somente nove leitos SUS, o que se torna insuficiente devido à demanda apresentada de
usuários problemáticos de drogas que necessitam deste serviço.
As internações involuntárias e compulsórias proporcionam violência psicológica, pois
estes sujeitos sofrem controle de suas escolhas, ações e comportamentos por meio da
intimidação e isolamento (SANTINON, 2013, p. 3) sem que haja a chance de diálogo e
escolha do que o sujeito julgue ser o melhor para ele. Segundo Brites (2013, p. 3),
É preciso desmistificar a afirmação de que o usuário de drogas é incapaz de tomar
decisões conscientes. Isso pode ser parcialmente verdadeiro no momento do efeito
agudo da droga. Entretanto, sabemos que há momentos de lucidez e consciência, e
isso tem que ser reconhecido por parte da equipe de atendimento que está lá para
oferecer algum tipo de resposta. Resposta essa que tem que atender as necessidades
do usuário, e não a um entendimento de uma equipe que não leva em consideração
o que a pessoa dependente quer, as suas necessidades e o que ela quer fazer em
relação ao uso de drogas. Portanto, a internação compulsória é uma medida que
viola direitos, que não enfrenta o aumento do consumo de drogas, que deixa de fora
várias determinações importantes que fazem com que o uso de drogas seja
problemático e traga danos sociais à saúde. É uma medida falaciosa.
9
Neste processo de subsistência está incluído o trafico de drogas.
10
seus direitos –, desta forma os sobrantes não são sequer explorados10. A metade dos sujeitos
pesquisados tinha como principal fonte de subsistência o tráfico de drogas, primeiramente
para sustentarem seus vícios e uma parcela mínima (20%) trazia o produto de seu trabalho
para a subsistência de sua família. Na pesquisa também se evidenciou a baixa escolaridade:
70% dos sujeitos estudaram até o 6º ano do ensino fundamental, e afirmam que pararam os
estudos devido ao uso de drogas e suas consequências.
De acordo com a pesquisa as formas de violência que rebatem na vida destes sujeitos
centram-se principalmente na violência estrutural. Nove dos dez sujeitos da pesquisa já
haviam cometido delito, e seis haviam cumprido pena em regime prisional e apenas um destes
sujeitos não havia cometido nenhum delito. Quatro destes sujeitos haviam cumprido pena por
tráfico e dois por assalto para obter recursos para comprar drogas. A inacessibilidade a bens e
serviços proporciona revolta que alimenta a busca por práticas de risco como o tráfico e
crimes diversos, os quais, mesmo com todas as consequências que apresentam na vida dos
sujeitos, são alternativas de renda à população mais desfavorecida. O estudo precário, a
exclusão do mundo do trabalho e do consumo, a violência intrafamiliar, dentre outros fatores,
provocam situações que levam à criminalidade. Depois de cumpridas as medidas restritivas de
liberdade, que são violentas por natureza, ainda sofrem o preconceito por serem ex-apenados,
dificultando ainda mais suas relações com a sociedade. Evidencia-se que segundo Germano
(1998, p. 13-14):
11
Dentre as violências sofridas foram evidenciadas a violência física e psicológica onde
a maioria exemplificou a dificuldade de relacionamento com os pais e/ou cuidadores. Em
relação à violência provocada, a violência física e psicológica também foi evidente. Três
sujeitos da amostra respondiam processo pela Lei Maria da Penha. Quando questionados os
motivos que levaram à violência contra familiares eles quase de forma unânime responderam
sobre a dificuldade de estabelecer relações saudáveis pelas lembranças das violências sofridas
na infância e, do mesmo modo, da violência perpetrada para obtenção de drogas11.
A contribuição do Assistente Social para o enfrentamento e fortalecimento dos
usuários de Crack que cumprem desintoxicação nas unidades de saúde mental dos hospitais
gerais se materializa primeiramente na acolhida. O acolhimento pressupõe uma escuta
qualificada que estabelece uma relação cidadã e humanizada, a qual define o encaminhamento
adequado das demandas identificadas (BRASIL, 2004, p.15, 16). É a partir deste processo
que se estabelece o primeiro vínculo o qual visa garantir a integralidade no atendimento e a
intersetorialidade para continuidade do processo de cuidado dos sujeitos. A garantia da
integralidade se expressa na interdisciplinaridade necessária para não haver a fragmentação
das atividades desempenhadas pela equipe.
O Serviço Social da instituição pesquisada faz o acolhimento dos sujeitos que
internam na unidade de saúde mental, no caso dos sujeitos da pesquisa, 100% deles foram
recebidos pelo Serviço Social. Foi observada uma maior dificuldade na acolhida dos sujeitos
da amostra, por estes estarem em sua maioria ainda sob o efeito da abstinência do crack e
revoltados quanto ao meio de acesso, ou seja, por meio da internação compulsória. Desta
forma uma maior atenção é dispensada aos sujeitos no intuito de proporcionar um vínculo
melhor e com menor sofrimento.
Em 40% dos sujeitos da pesquisa que estavam internados contra sua vontade e de
forma compulsória não apresentaram resultados satisfatórios, ou seja, não aceitaram a
continuidade de seus processos de cuidado na rede de atenção psicossocial e voltaram ao uso
problemático do crack no primeiro dia após a alta hospitalar. Esta medida é causadora de
revolta e completamente contrária ao código de ética do assistente social, o qual em seu 1º e
2º princípio pressupõe o
11
Na maior parte dos relatos dos familiares que não dispunham ou não queriam dar dinheiro para compra de
drogas eram as principais vítimas de violência física e verbal.
12
O resgate de vínculos e a apreensão da realidade dos familiares pelo Serviço Social é o
segundo momento. A pesquisa demonstra que 80% dos sujeitos ainda moravam com a família
mesmo com os laços fragilizados e 20% não tinham mais vínculo familiar. As fragilidades
apresentadas eram advindas em sua maioria dos furtos ocasionados pelos usuários aos
familiares no intuito de conseguirem recursos para compra de drogas e da violência a que
eram expostos tanto pelos usuários de crack ou pelos traficantes que os abordavam cobrando
as dívidas dos usuários.
É neste panorama que o Serviço Social é chamado a intervir, o qual Iamamoto (2010)
parafraseia Weil (1979, p. 349) quando chama o resgate de vínculos de “enraizamento”.
Segundo ela, o enraizamento envolve o estreitamento dos laços de convívio familiar e requer
considerar as relações sociais que moldam um tipo de socialização, investindo no combate a
todo tipo de preconceitos, violências desigualdades enquanto sujeitos de direitos
(IAMAMOTO, 2010, p. 265).
A apreensão da realidade realizada pelo Serviço Social possibilita o conhecimento das
condições objetivas e subjetivas dos sujeitos envolvidos. No caso da pesquisa, a apreensão era
realizada com os usuários e familiares. Foi evidenciado um acirramento da vulnerabilidade
econômica de 90% dos sujeitos da pesquisa e de seus familiares. Como resposta o Serviço
Social realizou encaminhamentos à rede de sócio atendimento, CRAS e CREAS, mapeando
as necessidades e localizando o serviço mais próximo de cada família.
No Plano Integrado de enfrentamento Crack e outras Drogas são previstas a expansão
dos serviços socioassistenciais e a articulação com a saúde, visto que a política de assistência
social tem a sua centralidade na família. Neste processo há a possibilidade de assistência às
famílias em situação de vulnerabilidade e agravo desta expressão, devido às consequências
sociais provocadas por usuários abusivos de drogas pertencentes a estas famílias. Enquanto o
usuário de drogas está em tratamento na rede de saúde, a família recebe a atenção necessária
para se fortalecer e estabelecer um vínculo mais saudável no retorno de seu ente ao lar
(BRASIL, 2010, p. 1).
A pesquisa demonstra que o Serviço Social participa de grupo de apoio e orientação
familiar e para usuários de drogas que se realiza uma vez por semana no auditório da
instituição. Neste processo há a possibilidade de uma maior participação dos familiares no
processo de conhecimento, cuidado e entendimento do processo de drogadição, como também
do conhecimento da rede de atenção psicossocial e assistencial disponível no município para
dar continuidade no processo de cuidado na pós-alta hospitalar. Do mesmo modo, a
13
continuidade do cuidado se estabelece na interligação da rede por meio de reuniões mensais e
de elaboração conjunta de estratégias de enfrentamento com as equipes multiprofissionais que
compõem a rede de atendimento assistencial e psicossocial. Os encontros semanais por meio
do grupo de apoio buscam fomentar nos participantes a reflexão sobre temas variados, o
acesso a direitos e a socialização de experiências vivenciadas. Grupo se define
como um conjunto de pessoas, ligadas no tempo e espaço, articuladas por sua mútua
representação interna, que se propõem explícita ou implicitamente a uma tarefa,
interatuando para isto em uma rede de papéis, com o estabelecimento de vínculos
entre si. O sujeito social se constitui na relação com o outro. A organização de todo
grupo é a um só tempo "objetiva" e "subjetiva", envolvendo racionalidade e
afetividade. A aprendizagem se relaciona aos objetivos racionais do grupo tanto
quanto às suas ansiedades, medos e prazeres (PICHON RIVIÈRE, 1998 apud
AFONSO, SILVA, ABADE, 2009).
Considerações finais:
14
serviços, quando diferencia usuário de traficante, possibilitando aos usuários o acesso a
tratamento em vez de restrição da liberdade como outrora.
A partir dos resultados percebeu-se que a internação compulsória não traz retornos
positivos, pois é geradora de revoltas e conflitos que não contribuem para melhorias na
qualidade de vida destes sujeitos. Fica evidente que a compulsória tornou-se, em muitos
casos, um instrumento de manutenção da “ordem e da paz” pela ordem dominante,
legitimando a violência como forma de tratamento. Neste contexto, o Serviço Social deve
responder aos princípios e valores da profissão de modo que não os contrarie:
[...] temos que dizer “não” não somente para a internação compulsória, mas para
qualquer medida autoritária que viole direitos, expressão da desigualdade produzida
nessa sociedade, e assegurar respostas críticas fundadas teórica e eticamente em
nossa compreensão sobre esta realidade. A droga, o crack, entra como mercadoria,
como elemento a mais dessa realidade desigual e dessa face contemporânea da
barbárie (BRITES, 2013, p. 8).
15
mínimas condições de sobrevivência, dentre outros – a batalha contra essa lógica excludente
na forma de qualificação, criação e ampliação dos serviços existentes. Da mesma forma, no
rompimento do silêncio que foi perpetuado por longa data, dando visibilidade a estas
temáticas por meio de pesquisas as quais fomentem projetos e políticas que possam ser
efetivadas.
Referências:
AFONSO, Maria Lúcia; SILVA, Marcos; ABADE, Flávia. O processo grupal e a educação de
jovens e adultos. Psicol. estud. vol.14 no.4 Maringá Oct./Dec. 2009. Disponível em <
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722009000400011> Acesso em 03 de Nov de 2013.
AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane N.de Azevedo. (Orgs.). Infância e violência
doméstica: fronteiras do conhecimento. 3. ed. São Paulo: Cortes, 2000.
16
BRASIL, Presidência da República. Relatório Brasileiro Sobre Drogas/SENAD. IME USP;
(Org.) Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, Vladimir Andrade Stempliuk Lucia Pereira
Barroso.-Brasilia:SENAD, 2009.
Disponível em:
<www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/relatorios/328379.pdf> Acesso
em 23 Mar.2012.
BRASIL. Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão.
- 10ª. ed. rev. e atual. - [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social, 2012.
BRITES, Cristina. O serviço social tem alternativas à internação compulsória. CFESS, Jun.
2013. Disponível em <http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/982> Acesso em 16 Out
2013.
DELGADO, Pedro Gabriel Godinho. Saúde Mental e Direitos Humanos: 10 Anos da Lei
10.216/2001. Arquivos Brasileiros de Psicologia; Rio de Janeiro, 63 (2): 1-121, 2011.
Disponível em < <http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/713/529> Acesso
em 29 Out. 2013.
DEMO, Pedro. Metodologia Científica em ciências sociais. 2 ed. Ver e ampl. São Paulo:
Atlas, 1989.
17
<http://www.uniad.org.br/desenvolvimento/images/stories/publicacoes/outros/Perfil_de_usuar
ios_de_crack.pdf >Acesso em 18 Dez. 2013.
MINAYO, Maria Cecília de S. Violência Social sob a perspectiva da saúde pública. Cadernos
de saúde pública. Vol.10 suppl.1 Rio de Janeiro 1994. Disponível em
<http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1994000500002> Acesso em 15 Mar.2012.
18
de-reprodu%C3%A7%C3%A3o-geracional-da-viol%C3%AAncia.pdf> Acesso em 22 Set.
2013.
PRADO ET. AL. A construção de silenciamentos: Reflexões sobre a vez e a voz de minorias
sociais na sociedade contemporânea. In: MAYORGA ET. AL. (Org.). Psicologia Social sobre
desigualdade e enfrentamentos. Curitiba: Juruá, 2013.
SANTINON, Evelyn Priscila Et. Al. Direitos humanos: classificação dos tipos de violência
contra a mulher e diplomas legais de amparo e prevenção. Revista âmbito jurídico. Disponível
em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12273>Acesso em 01 Nov de 2013.
19