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O Engajamento Político da Juventude Brasileira – uma breve reflexão

sobre ser jovem e movimentos sociais

Sérgio Luiz Lopes1


Aléxya Cristal Brandão Lima2
Fernanda Carvalho da Costa³

RESUMO
O artigo tem a intenção de dar início a uma reflexão que se faz necessária referente às
manifestações ocorridas em 2013 e sobre a participação política da juventude nesse contexto.
Muito se diz sobre a juventude nas literaturas de Psicologia, quase sempre tendendo tachar o
período da adolescência como um momento de pura transição da infância para a fase adulta,
focando nas confusões e o período de constante inserção que o ser se encontra, tentando dar
sentido à sua formação como pessoa. Mas pode-se ir muito além desse ponto se for analisado e
levado em consideração que é também nesse ponto em que o ser se encontra mais motivado à
mudanças e também a produzi-las. Deve-se levar em conta que independente da fase em que se
encontra o ser naturalmente sofrerá alterações em sua maneira de agir e pensar por influência do
meio em que vive, e também o transformará, sendo assim, não se deve descartar o avanço e a
tomada de consciência percebida nos jovens nas manifestações ocorridas, por mais que muitos a
considerem breves e sem terem resultado significativos. Será trazido neste artigo então, uma
revisão de literatura que trata de maneira geral das questões que envolvem o que aqui foi
elucidado.
Palavras-chave: juventude, adolescência, política, manifestações, Brasil.

ABSTRACT
This article intends to start a reflection that is needed regarding the protests that
occurred in 2013 and the political participation of young people in this context. Much is said
about youth in the psychology literature, often tending to classify the period of adolescence as a
time of pure transition from childhood to adulthood, focusing on the period of confusion and
constant insertion that it is, due to his/her character formation. But one can go far beyond that
point if it is analyzed and taken into consideration that this is also the point where the human
being is more motivated to go through changes and also to take part in these changes. Taking in
consideration that regardless of the stage of the psychological development the human being
will naturally change in their way of acting and thinking under the influence of the environment
that they live in, and vice versa, so one should not dismiss the advance of awareness in young
people perceived in the events that occurred the past year, however many considered it brief and
without significant results. This article will bring a review of literature that deals with general
issues involving what has been elucidated.

Key-words: youth, teenagers, politics, protests, Brazil

¹Orientador do artigo, professor do curso de Psicologia da Universidade Federal de Roraima.


²Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade Federal de Roraima, autora da pesquisa.
³Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade Federal de Roraima, autora da pesquisa.
Introdução

Em junho de 2013, o Brasil assistiu o ápice de uma série de manifestações


protagonizadas por jovens em várias cidades brasileiras. Inicialmente, a principal
requisição dos manifestantes era a redução da tarifa do transporte público em São Paulo,
mas, gradualmente, estes sofreram a adesão de grande parte da população e, em pouco
tempo, em várias outras cidades brasileiras, as pessoas passaram a protestar nas ruas, em
apoio aos manifestantes paulistas, mas também, reivindicando melhorias em outros
setores, além de uma maior transparência com relação aos gastos públicos.

Após o ocorrido, surgiram muitas opiniões acerca do assunto, manifestadas,


principalmente, via internet. Críticas relativas a grupos violentos que aderiram ao
movimento, relativas à pluralidade e aparente desconexão entre reivindicações, e, ainda,
críticas referentes à “normalidade” que voltou a se instalar após o fim das
manifestações. O fato é que as pessoas, a seu modo, ainda estão tentando compreender o
que eliciou tal fenômeno, visto que, até então, grande parte do que se produzia, mesmo
no âmbito acadêmico, sobre a juventude, sempre a retratou como apática frente a
questões políticas. (WELTI, 2002; PLEYERS, 2005).

Os próprios jovens que participaram das manifestações demonstravam ter


consciência do quanto era inesperada uma reação de sua parte que demonstrasse
preocupação social e comprometimento político. Bons exemplos disto são as frases
mais utilizadas nos cartazes exibidos durante as manifestações, como: “o gigante
acordou” e “saímos do facebook e viemos para as ruas”.

É interessante ressaltar que a surpresa causada por tal iniciativa da juventude não
é de todo infundada. Bauman (2008) retrata com fidedignidade as transformações que as
relações humanas sofreram com o advento da globalização: trata-se da individualidade
forçada, em que as pessoas são culpabilizadas e responsabilizadas por seus sucessos e
fracassos, embora as circunstâncias históricas tenham sua parcela de culpa sobre o
sistema econômico e a desorganização em que elas situam. Em um modo de vida tão
liquefeito, onde o incentivo à competitividade e a dificuldade de estabilização são tão
grandes, a união de classe torna-se algo pouco viável, os sujeitos tendem a naturalizar o
arbítrio humano, habituando-se às desigualdades e ao mal estar que eles causam.
Nesse contexto, as pessoas passam a lidar com seus problemas sozinhas e a
responsabilizarem-se por si mesmas, desconsiderando seus papeis sociais, na mais
profunda representação do existencialismo, com suas angustias, desamparo e desespero.
Desse modo, torna-se evidente que a passagem de uma atitude de individualismo e
apatia política, para uma atitude social e politicamente atuante não é um salto, mas um
processo.

Dar-se conta de que os outros desconhecidos têm a ver consigo ou de


como se está vinculado a todos aqueles que, inicialmente, não se tem
nem como parentes nem como amigos, significa reordenar
internamente prioridades para que novos investimentos afetivos sejam
possíveis, dando lugar a uma nova práxis. (CASTRO, 2008, p. 255).

Além do exposto, outro fator que influencia a descrença em uma reação política
por parte da juventude brasileira é o fato de que muitos dos estudos produzidos afim de
compreender as dinâmicas das pessoas dessa faixa etária, lhes atribuem características
de confusão de identidade, conflitos intrínsecos infundados, imaturidade
psicoemocional, entre outros. Essa imagem carregada de conotações negativas permeia
o imaginário coletivo sobre a adolescência e é reproduzida nos discursos intrafamiliares,
pedagógicos e midiáticos em geral.

Considerando tais informações, torna-se interessante investigar, partindo de uma


revisão na literatura, como se dá na juventude brasileira a construção de sua
subjetividade política, considerando como tal todas as experiências de comparecimento
e engajamento dos jovens a causas de interesse e cunho social “que os leva,
consequentemente, a assumir ações junto com outros em prol da igualdade, da justiça e
da emancipação”. (CASTRO, 2008, p. 254).

O presente texto está organizado em três tópicos: primeiro, tratando da


conceituação da juventude, psíquica, histórica e socialmente. Segundo, são apontadas
considerações sobre o estado da política no Brasil, incluindo a possibilidade de
democracia e participação social. Terceiro, a relação entre a juventude e a política, com
destaque para as práticas de macro e micropolíticas e a construção da subjetividade
política no jovem brasileiro. E, por fim, serão realizadas algumas considerações finais
sobre a revisão bibliográfica realizada.
Adolescência: vozes a serem ouvidas.

Os principais estudos produzidos em Psicologia sobre a adolescência ajudaram a


construir teorias e parâmetros para se compreender e lidar com as pessoas nessa faixa
etária da vida. Entretanto, como muito do que se produz nesse campo da ciência, nem
sempre as informações são repassadas com o cuidado de delegá-las lugar histórico e
social e, como tal, momentâneas, passíveis à mudança. Desse modo, é bastante comum,
na contemporaneidade, utilizar-se de estudos de Erik Erikson, Debesse, Aberastury,
entre outros grandes nomes, para fundamentar argumentos de que, uma vez que pessoas
na adolescência passam por momentos de transição, construção da identidade e
maturação psicossocial, logo, devem ser, essencialmente, confusos, pouco
fundamentados em seus argumentos e indignos de crédito. (CONTINI; KOLLER;
BARROS, 2002).

Há duas visões estereotipadas vigentes em relação aos jovens. A primeira delas é


associar a fase da vida em que se encontram à experimentação extrema, constante
ensaio e erro, carregado de irresponsabilidade e expressão de comportamentos não
usuais; a outra seria a de constante transitoriedade, como se essa etapa não tivesse
fundamento em si mesma, servindo apenas como uma transição entre a infância e a
idade adulta.

O problema que carrega ambas as definições é o fato de ser ignorado o jovem


como um ser social, não sendo levado em consideração que o mesmo se insere em
relações sociais e participa do movimento de troca e de construção que ocorre entre o
meio e o ser. Ele também atua como um transformador de onde se encontra e assim
como todos, é transformado pelo meio simultaneamente. Avila (2005) traz que segundo
o teórico Stanley Hall, a adolescência abarca um momento de fortalecimento das
capacidades do ser, onde ele se torna consciente de valores importantes para a base de
sua vida adulta, incluindo principalmente questões políticas.

Assim, o gênero, a raça, o fato de terem como pais trabalhadores


desqualificados, grande parte deles com pouca escolaridade, dentre
outros aspectos, são dimensões que vão interferir na produção de cada
um deles como sujeito social, independentemente da ação de cada um.
(DAYRELL, 2003, p. 43)

Em contrapartida há teóricos, como Erik Erikson, por exemplo, que embasam o


estereótipo desse período. Erikson traz em sua teoria que o jovem passa por uma fase de
rebeldia e impulsividade, vem à tona o conflito identidade x confusão de papéis que
ocorre devido o período de transição entre o ser criança e a tomada de
responsabilidades, onde o jovem se depara em um momento em que passa a querer
entender o que ocorre nesse trânsito, tentando construir ideias sobre si e sobre o que o
cerca, experimentando meios, ações, grupos e movimentos nos quais possa vir a
pertencer (RAMIRO, 2002). Partindo desses pressupostos, é corriqueiro que, com base
em uma compreensão superficial dessa teoria, acreditem que devido à instabilidade do
período, a ação de quem ali se encontra não deva ser levada em consideração.

As pessoas adolescentes, enquanto sujeitos, embora até possam ser categorizadas


de acordo com a idade e passar por fenômenos comuns, são também, diferentes entre si.
Parece lógico, embora tantas vezes seja complicado de explicar. Um fenômeno é a
puberdade, pela qual todas as pessoas passam e, guardadas as peculiaridades, ocorre de
modo mais ou menos semelhante, mais ou menos quantificável. Outro fenômeno é o de
adolescer que, por sua vez, é individual, peculiar. As pessoas provêm de lugares e
histórias que diferem e cada contexto contribui para a formação da personalidade, de
modo que, cada pessoa se desenvolve a seu modo e tem sempre algo a colaborar para
com a sociedade em geral.

Segundo Pierre Bourdieu (1983), a juventude é apenas uma palavra,


pois, na realidade, existem várias ou pelo menos duas juventudes, a
burguesa e a das classes populares, que tem entre si suas diferenças
cruciais em todos os setores de suas vidas. Utilizar o termo juventude
para falar de jovens como se fossem uma unidade social, um grupo
constituído, dotado de interesses comuns e relacionar esses interesses
a uma idade biologicamente defina, para ele é uma manipulação
evidente e um formidável abuso da linguagem. (BORDIEU, 1893, p.2
apud SPERANDIO, 2014, p. 6).

Considerando a afirmação acima, deve-se haver o cuidado em pensar pessoas


adolescentes como tendo características essenciais comuns que indubitavelmente
ocorrem e devem ser “esperadas que passam”, pois tais concepções naturalizam um
período da vida que, enquanto conceito, nomeável e caracterizável, é puramente
construído socialmente. Santos (1996) identifica em Rosseau a invenção da
adolescência como um período da vida marcado por turbulências. Por muito tempo na
história Antiga, Média e quiçá Moderna, em muitas sociedades, a adolescência como a
designamos hoje nem sequer existia, o que evidencia o quão pode ser arbitrária a ideia
de que existem características inerentes à fase da adolescência. (CONTINI; KOLLER;
BARROS, 2002).
É interessante ressaltar que pensar a adolescência, ou a juventude, enquanto
processo que só tem valor por seu fim: o adulto, é legitimar o poder do adulto sobre os
mais jovens como forma de moldá-lo a um fim específico, no modelo funcionalista
durkheiniano. Nas palavras de Castro (2008):

Ao longo do processo de socialização, a maioria dos aspectos que


tenderiam para a dispersão, e não eram comensuráveis com as
demandas instituídas e os fins acordados, seriam necessariamente
invisibilizados, descartados e negativizados. (CASTRO, 2008, p. 482).

Partindo deste pressuposto, compreende-se claramente que muito do que é


reduzido ou negativado no adolescente, é o que desvia do plano do adulto para este:
aquilo que não se compreende. Uma das coisas que mais angustia o ser humano é ser
silenciado, não ter direito à voz. Tantas vezes, na construção da Psicologia, esta já foi
veículo de empoderamento para dar voz à sujeitos silenciados histórica e socialmente.
Assim, a Psicologia não pode servir para embasar a diminuição ou o descrédito às
vozes, aos conteúdos dos adolescentes, somente por conta do modo como se expressam,
principalmente no tocante às decisões políticas que lhes afetam diretamente.

Participação política no Brasil.

Data da história recente do Brasil a instauração de uma forma de Governo que,


idealmente, tem como um dos princípios, aceitar a legitimidade da oposição política. A
transição política brasileira para a democracia foi longa, iniciando-se nos anos setenta e
só tendo seu desfecho com as eleições presidenciais de 1989. Todos os governantes do
Brasil até então – e mesmo durante este processo - exerceram seus poderes de forma
altamente coercitiva, inclusive com a ocorrência de dois períodos de ditadura, uma sob
o comando de Getúlio Vargas e outra sob o comando de militares. (CODATO, 2005).

A democracia é definia pelo dicionário Aurélio como “1- Governo do povo;


soberania popular; democratismo. 2- Doutrina ou regime político baseado nos princípios
da soberania popular e da distribuição equitativa do poder”. Esta, enquanto fundamento
governamental no Brasil, deixou de legitimar a violência física, a extradição ou outras
formas de retaliação dos governantes contra seus opositores, objetivando garantir a
participação política da população nas tomadas de decisões.
A democracia contemporânea requer uma cidadania ativa que se
envolva na arena política via discussões, deliberações, referendos e
plebiscitos, ou seja, por meio de mecanismos formais e informais, sem
que isso comprometa as instituições convencionais de mediação
política. Há um consenso de que sem o envolvimento popular no
processo de construção democrática ela perde em legitimidade,
mantendo simplesmente sua dimensão formal. (BAQUERO, 2008, p.
381).

Antes da transição para o Governo democrático, os partidos oposicionistas, os


movimentos sociais e, em períodos mais críticos, mesmos as manifestações culturais de
desagrado eram passíveis de punições severas, inclusive assassinatos, tantas vezes
nunca admitidos e envoltos em circunstâncias obscuras. A história brasileira é repleta de
episódios dolorosos de serem lembrados, no tocante às manifestações/revoltas populares
e a retaliação policial, e nos tempos atuais, embora alguns modos governamentais
coercitivos mais sutis tenham perdurado, há notadamente, maior segurança para se opor,
para criticar.

O direito à liberdade de expressão, ainda que nem sempre acompanhado de


respeito à opinião alheia, tem garantido ao brasileiro maior alcance de voz,
virtualmente, cientificamente ou pessoalmente. Tanto, que, por vezes, é possível assistir
quem se fundamente em tal direito para denegrir e ofender a liberdade do outro ou quem
tente colocar como antagônicos os conceitos de liberdade de expressão e de
politicamente correto. Nesse contexto, embora as falácias sejam muitas e os fatos nem
sempre conhecidos, é importante destacar que a democracia que se vê atualmente no
Brasil é híbrida: uma conjunção entre a democracia e o autoritarismo. Segundo Baquero
(2008):

[...] no período da democratização, permaneceram vícios políticos


tradicionais que contribuíram para a ineficiência das instituições
governamentais em responder às demandas da população, gerando
predisposições das pessoas em não acreditar, e muito menos confiar,
nas regras do contrato social vigente. (BAQUERO, 2008, p. 382).

A afirmação acima é interessante no sentido em que indica o caminho para


elucidar duas grandes questões do presente trabalho, sendo a primeira: este é o cenário
que permitiu aos jovens brasileiros, em junho de 2013, saírem às ruas conclamando seus
direitos, recebendo grande apoio popular e tendo o Governo um extremo cuidado em
controlá-los, para não ser acusado de coercitivo. A segunda questão é: esta é uma das
principais razões que levaram tais jovens às ruas, a desconfiança nos poderes públicos
que se constituem com valores antidemocráticos ainda arraigados, em que os privilégios
à elite perduram na prática, por meio da corrupção.

Subjetividade política do jovem brasileiro.

Há períodos da história do Brasil profundamente marcados pelo ativismo


político da juventude. Os anos de 1960, por exemplo, são conhecidos como os “anos do
anticonformismo jovem”, uma vez que, em todo o ocidente, houve uma movimentação
que partia da juventude influenciada pela literatura e conhecimentos esquerdistas, que
atuavam, direta e indiretamente, em defesa da igualdade de gênero, da liberdade de
expressão, da paz e de melhores condições de vida. (SPERANDIO, 2014).

Sperandio (2014) afirma que o jovem ativista político à época, tanto o


guerrilheiro, quanto o tropicalista, eram, ambos, oriundos de classes sociais abastadas e
que envolviam-se com questões políticas por conta de suas dimensões sócio históricas:
sua renda, ocupação profissional, escolaridade e tempo livre. Tais jovens sobrevinham
de famílias que lhes dispunham condições para ter compreensão e tempo livre para
construir reflexões e ideologias próprias acerca da sociedade, em outras palavras,
famílias que lhes permitiam a socialização política. Tal termo:

designa o processo de formação de atitudes políticas nos indivíduos,


ou seja, é a interiorização da cultura política existente em um meio
social por parte das novas gerações. São dessa forma, aqueles
processos de desenvolvimento através dos quais as pessoas adquirem
orientações políticas e padrões de comportamento, exercidos e
moldados por instituições sociais, como a família, escola, a igreja e os
aspectos socioeconômicos dos indivíduos. (SPERANDIO, 2014, p. 9).

Tal autora parte do pressuposto de que é fundamental a ocorrência de uma


socialização política para que o jovem possa passar para o campo atitudinal, ou seja,
possa atuar frente às questões políticas. Enquanto que, para Castro (2009), o conceito de
socialização política está intrinsecamente relacionado com um modo funcionalista de
pensar, uma vez que tem por finalidade repassar conhecimentos transgeracionais para a
juventude com a finalidade de fazê-la interiorizar a cultura vigente para atuar de acordo
com seu papel social. Castro (2009) é bastante sagaz em compreender que tal conceito,
embora possa ser sutil na transmissão da ideologia ao ganhar novas roupagens em
estudos contemporâneos, ignora a juventude enquanto veículo para o novo, que tem
potencial para contribuir e agregar novos conhecimentos e perspectivas ao fazer
político.

A autora utiliza-se das ideias de teóricos como Baquero, que, não à toa, também
orienta o trabalho do presente estudo, para afirmar a condição juvenil como propícia
para a formação de valores, atitudes e consciência cidadã necessários à vida cívica. Ela
afirma que:

Poder avaliar o potencial e as predisposições juvenis para o


associacionismo, a cooperação e a solidariedade permite dimensionar
o quanto uma sociedade acumula para a consolidação dos valores
democráticos e a confiança nas suas instituições. (CASTRO, 2009, p.
481).

A ideia de socialização política, segundo Castro (2009), tem contribuído, ainda,


para a elaboração de outro fenômeno: a apatia política. É bastante comum encontrar
estudos e mesmo discursos midiáticos e populares denunciando a indiferença da
população jovem frente à assuntos políticos, tanto que, como já foi colocado, uma
reação como a de junho de 2013 causou bastante surpresa em grande parte da sociedade.

A socialização política tem sua parcela de culpa na construção de tal fenômeno


uma vez que intenta preparar jovens para ocuparem papéis sociais com base no que as
gerações anteriores compreendem como papéis legítimos, ignorando a transitoriedade
dos fenômenos no mundo, que ganham novos significados e criam novos papéis. É
como se houvesse toda uma pressão e uma educação para que o jovem ocupe um papel
que ele não compreende, ou que nem mesmo existe como a geração anterior
compreendia, papel este que não condiz com a realidade vigente, tornando o jovem
frustrado, descrente, apático frente ao cenário político.

Bauman (2008) descreve a sociedade liquefeita com a qual a geração presente


tem que lidar: profundamente individualizada, pautada na flexibilidade e na
transitoriedade, onde valores são contraditórios. Um cenário como este provoca toda
uma reelaboração de papéis, em que tentar preparar o jovem para um cenário político
antiquado não é, em nenhum nível, motivador. Baquero (2003) aponta, desse modo, um
caminho educacional mais próximo da realidade:

A preocupação consiste em “estimular e motivar os cidadãos a


participar politicamente”, “dar poder aos cidadãos aumentando sua
capacidade colaborativa” (pp. 83-4), como também criar hábitos de
cooperação e solidariedade pelo processo de socialização. O
investimento educacional na juventude deve, segundo esse autor,
atentar para uma educação para a democracia, na contra-corrente à
erosão dos laços sociais e à desconfiança do setor público. O conceito
de capital social diz respeito ao mecanismo, que em tempos de
descrédito da política, pode estabelecer mediações entre o cotidiano
das interações sociais e o campo da política, aquilatando o nível de
confiança e de solidariedade nas relações sociais e a participação nas
associações. (CASTRO, 2008, p. 481).

Baquero (2003) e Castro (2009) falam sobre hábito. Eagleton (2000) afirma que
“a melhor preparação para a ação política é a ação política” (p. 76). É partindo dessa
ideia que este trabalho aponta para um caminho que difere da socialização política, mas
que compreende a subjetividade política, a atuação em si, como melhor caminho para a
política. Castro (2008) considera como subjetividade política todo e qualquer
comparecimento e engajamento dos jovens a causas de interesse e cunho social “que os
leva, consequentemente, a assumir ações junto com outros em prol da igualdade, da
justiça e da emancipação” (p.254).

A autora apresenta, ainda, exemplos de jovens que atuam tanto em


micropolíticas, quanto jovem que intentam atuar no plano da macropolítica. São pessoas
que, em diferentes graus e de diferentes modos, acreditam que suas atuações podem
contribuir para melhorias da qualidade de vida da população. Jovens que se envolvem
em causas voluntariamente, jovens que filiam a partidos por conta de identificação
partidária, jovens que têm verdadeiro apaixonamento por suas causas, mas não de modo
irracional e sim de modo deliberado, consciente. Jovens que comparecem à marcha das
vadias, à marcha da maconha, que se comprometem com o ambientalismo, que vestem
bandeiras, que tornam-se voluntários em hospitais, trabalham com humanização, jovens
que são exatamente o oposto das representações sociais construídas sobre eles: não são
apáticos, indiferentes ou imaturos.

Considerações Finais

Foi possível refletir com base no presente artigo que os brasileiros tiveram uma
árdua história no processo de empoderamento político, passando por inúmeros episódios
de coerção, silenciamento e opressão, e ainda que atualmente a situação política do país
não seja ideal, muito foi conquistado e tal conquista deve ser utilizada com consciência
e responsabilidade. Nas manifestações e protestos ocorridos em 2013 um grande
número de jovens utilizaram de seus direitos dando voz à população trazendo à tona as
reclamações do povo, chamando a atenção para questões políticas importantes.
Paralelamente outra questão que foi observada, o fato de terem sido os jovens a levantar
e ordenar as manifestações e por terem sido também os jovens a prejudicar a
credibilidade e importância dos movimentos, dispersando-os, causando danos à
patrimônios públicos e ferindo inocentes, mudando a cara das manifestações e fazendo a
mídia veicular os componentes do protesto como vândalos. Faz-se importante
considerar que pessoas de diferentes contextos reagirão de também de maneiras
diferentes a situações sociais semelhantes, visto que há toda uma carga cultural de
vivência sendo reproduzida e representada naquele instante. A partir dessa linha não se
pode, apesar de tudo, retirar a importância e o peso que tiveram as manifestações, por
mais breve que tenham sido os movimentos. O jovem ainda luta para se desprender dos
estereótipos que vem sendo associados à ele no decorrer da história, e esse processo
ocorre de maneira demorada; ele precisa lutar para tirar de si a ideologia que absorveu
sobre quem ele deveria ser e não se deixar desmotivar ou abater por impressões trazidas
por terceiros.
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