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Curadores:
icaro Ferraz vidal Jr.
Laila Melchior
9 janeiro
/ 4 de março
2018
produção: patrocínio:
Alexandre Vogler
André Parente
Bruno Baptistelli
Felipe Morozini
Fernanda Gomes
Fernando Gonçalves
Filipe Acácio
Iris Helena
Jared Domício
Juliane Peixoto
Katia Maciel
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Manoela Medeiros
Matias Mesquita
Milena Travassos
Néle Azevedo
Raoni Shaira
Raphael Couto
Ricardo Theodoro
Yana Tamayo
Yuli Yamagata
Yuri Firmeza
A CAIXA é uma empresa pública brasileira que
prima pelo respeito à diversidade, e mantém comitês
internos atuantes para promover entre os seus
empregados campanhas, programas e ações voltados
para disseminar ideias, conhecimentos e atitudes de
respeito e tolerância à diversidade de gênero, raça,
orientação sexual e todas as demais diferenças que
caracterizam a sociedade.
A CAIXA também é uma das principais
patrocinadoras da cultura brasileira, e destina,
anualmente, mais de R$ 80 milhões de seu orçamento
para patrocínio a projetos nas suas unidades da
CAIXA Cultural além de outros espaços, com ênfase
para exposições, peças de teatro, espetáculos de
dança, shows, cinema, festivais de teatro e dança
e artesanato brasileiro. Os projetos patrocinados
são selecionados via edital público, uma opção da
CAIXA para tornar mais democrática e acessível a
participação de produtores e artistas de todo o país.
A exposição coletiva Superfícies sensíveis | Pele
| Muro | Imagem reúne trabalhos de 21 jovens
artistas contemporâneos brasileiros, realizados no
início do século XXI. Sob curadoria de Icaro Ferraz
Vidal Jr. e Laila Melchior, a exposição aborda a temática
da superfície como potência, possibilidade crítica e
estética, apresentando obras que estão conectadas ao
passado de nossa arte ao mesmo tempo que indicam
rotas para o futuro.
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Ao patrocinar mais esta mostra para o público
carioca, a CAIXA reafirma sua política cultural de
estimular a discussão e a disseminação de ideias,
promover a pluralidade de pensamento, mantendo viva
sua vocação de democratizar o acesso à produção
artística contemporânea.
pensar
exposição, buscamos deslocar um privilégio concedido
historicamente ao profundo como forma de chamar
essas superfícies a falar, de trazê-las ao primeiro plano
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– por mais pleonástico que este gesto possa parecer.
camadas
a associação peculiar e correntemente negativa
atribuída à superfície e ao superficial. Nesse sentido
tendemos a contrapor superficial e profundo nos
mesmos termos em que opomos dentro e fora,
do mundo
alto e baixo. A superfície tendo sido historicamente
percebida como reino do falso, das aparências, como o
verniz que esconderia uma verdade mais consistente,
mais profunda. É, entretanto, interessante notar como
o estatuto de prevalência da profundidade sobre a
superfície carrega já uma assimetria em sua raiz. Este
desequilíbrio termina por implicar o fato de que a
1
TOURNIER, Michel. Sexta-feira ou os limbos palavra “‘superficial’ signifique não ‘de vasta dimensão’,
do Pacífico. São Paulo: Difel, 1985, p.60.
2
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São mas ‘de pouca profundidade’, enquanto ‘profundo’
Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.15.
3
FERRAZ, Maria Cristina Franco. Estatuto
significa, pelo contrário, ‘de grande profundidade’ e
paradoxal da pele e cultura contemporânea: da não ‘de fraca superfície’”1.
porosidade à pele-teflon. Galaxia (São Paulo)
[Online], n. 27, p. 61-71, jun. 2014, p. 63.
Nietzsche embaralha ainda mais essa oposição quando,
ao elogiar os gregos, afirma como estes seriam
“superficiais – por profundidade!”2. Esta operação
reorganiza o sistema tradicional da oposição entre
profundidade e superfície ao provocar uma verdadeira
“implosão do dualismo metafísico, montado para acusar
o superficial de pouco profundo, na medida em que
o trata como mero negativo daquilo que teria valor
(a profundidade)”3. O filósofo retoma a superfície,
dotando-a agora de uma paradoxal profundidade.
O paradoxo, aliás, constitui uma interessante quais os corpos dos artistas incrustam-se nos muros da silhueta que agora vemos perfeitamente, feita de
ferramenta na compreensão desse regime superficial e ocupam suas brechas, instaurando um regime tijolo e cimento. Em seguida, com um passo atrás, o
em que a possibilidade do duplo sentido e a imagem da temporal complexo que se inscreve de diferentes artista torna a cobrir a silhueta, voltando à posição
continuidade entre uma face da superfície e seu avesso modos sobre esses corpos – sejam eles humanos inicial. O jogo de cobrir e imitar, desgarrar-se e
oferecem modelos alternativos à obsessão ocidental com ou arquitetônicos. A pele que se incrusta no muro voltar a aderir se potencializa com uma série de
a essência. A arte pode ser um terreno privilegiado para embaralha a topologia entre o dentro e o fora na repetições, movimentos reversos e acelerados da
experimentações dessa natureza. Uma das formulações medida em que este procedimento parece instaurar imagem. André vai e volta, brincando com o próprio
mais radicais desta potência ambivalente do superficial uma continuidade, no plano imanente da imagem, a corpo e com o muro, com a parede lisa e pintada e
pode ser encontrada justamente na produção artística partir da qual já não vemos interior e exterior, mas com a superfície por trás desta, espécie de entranha
brasileira dos anos 60, notadamente na proposição apenas superfícies constituídas de diferentes texturas. chapada, feita em alvenaria. Às imagens sobre, atrás e
Caminhando (1964), de Lygia Clark, na qual o participante
As obras de Yuri Firmeza, de Milena Travassos e da contra o muro que assistimos dentro do filme, soma-
é convidado a recortar uma Fita de Moebius no sentido
dupla André Parente e Kátia Maciel estão, em grande se um outro jogo, no qual projetamos a imagem do
longitudinal, o que lhe permite experimentar uma errância
medida, baseadas neste gesto. vídeo sobre a parede da galeria. Nesse novo par de
por meio desta superfície paradoxal, na qual as fronteiras
muro contra muro, a textura da parede da galeria é
entre frente e verso são, literalmente, retorcidas4. Com uma pesquisa ligada tanto à cidade quanto, de incorporada ao trabalho, conferindo-lhe mais uma
Já no contexto da produção artística brasileira deste maneira geral, à ação do tempo e da memória – nos camada. Por outro lado, nos momentos em que
início de século, acreditamos que as formas de pensar corpos e na vida – Yuri Firmeza começa a sequência André desiste da brincadeira e descola totalmente
o mundo, de percebê-lo e de habitá-lo privilegiando de imagens que compõem Ação 3 (2005) com uma da parede, deslocando-se no quadro em direção ao
as superfícies implicam uma escolha pelo palpável das espécie de retrato negativo. A fotografia mostra um espectador ou vice-versa, vemos a imagem, até então
texturas e dos toques, pelas extensões terrenas, por espaço em ruínas no qual vemos uma escada que chapada, adquirir perspectiva. Isto cria no plano
um olhar rente às faces deste mundo mesmo que nos leva a um buraco aberto na parede. Nas imagens uma profundidade tão inesperada quanto inventiva,
cerca, do mundo tomado por sua parte sensível. Tal olhar seguintes vemos o artista nu aproximar-se do vão fazendo com que o vídeo se compare a uma
está atento aos fenômenos superficiais e aos acidentes esculpido no muro e, pouco a pouco, acomodar-se verdadeira gag do primeiro cinema.
deles resultantes, uma vez que, como escreve Deleuze, nele. Carne e pedra: o corpo de Yuri, amalgamado
“o sentido aparece e atua na superfície, pelo menos se aos pedaços de alvenaria, aquieta-se ali, acomoda-se Diferentemente de Na Parede, que lança mão
soubermos tocá-la adequadamente, de maneira a formar como parte da construção. de efeitos próprios do vídeo para instaurar uma
letras de poeira, ou como um vapor sobre o vidro em temporalidade reversível e circular, Monumentos
que o dedo pode escrever”5. Se nas imagens de Firmeza o corpo sedimenta-se Mínimos (sequência no elevado Costa
como parte do muro, na sequência No parapeito e Silva) (2002), fotografia realizada a partir da
(2006), de Milena Travassos, o perigo da queda parece série de intervenções urbanas de Néle Azevedo,
Superfícies Sensíveis:
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ser iminente. O corpo da artista equilibra-se, sentado congela o tempo em um momento que anuncia a
Sobre as obras em exposição
sobre o peitoril de uma janela, adensando as relações impossibilidade de qualquer retorno ou projeção
entre dentro e fora e testando os limites entre a à frente. Sobre a superfície craquelada do viaduto
casa e o mundo. Ali a parede já não é ruína. Agora, ela paulista, uma pequena figura antropomórfica feita
Ouvir as superfícies, tocá-las adequadamente, desafia na medida em que o vão da janela deixa de ser de gelo contempla a imagem de uma São Paulo
potencializar as zonas de contato, de fricção. A pele, o moldura da paisagem para tornar-se uma espécie de absolutamente vazia. É um equilíbrio fugaz, que
muro e a imagem são três superfícies paradigmáticas portal, brecha na qual a artista se equilibra: de um lado, tende ao colapso: o viaduto esquentará sob o sol,
nessa configuração topológica do mundo que muitas a casa; em seu avesso, o mundo. Se Yuri Firmeza instaura derretendo a estatueta de gelo, que escorrerá, por
vezes negligenciamos. A pele, nosso maior órgão, relações entre o corpo e o espaço a partir de imagens sua vez, pelas fissuras do concreto; também São
media quase todo contato humano; o muro abriga os nas quais a materialidade opaca e cheia de cicatrizes Paulo, vista agora como pura paisagem de fundo,
corpos, comunica e separa diferentes tipos de espaços, das ruínas se impõe; na instalação de Milena Travassos, cidade vazia e imagem pacífica, logo acordará,
desenha as cidades e delimita interditos por força de a transparência de uma janela aberta prolonga-se na tornando-se, ela própria, fluxo
sua extensão; a imagem, por sua vez, habita o mundo própria materialidade da obra: impressões fotográficas
de tal modo que ora as atravessamos, ora somos sobre placas de vidro. Essas placas, apoiadas no chão e A questão da fixação do instante efêmero cara à
barrados por elas. na parede, reproduzem a situação de frágil equilíbrio fotografia combina-se à pesquisa sobre a paisagem
da própria artista na fotografia, e nos fazem associar a em Limpando o céu (2003), de Jared Domício.
A superfície é um topos recorrente na obra de
Se a pele, o muro e a imagem articulam-se de
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Lygia Clark. Desde suas superfícies moduladas, transparência não mais com o campo da “verdade” e Neste tríptico fotográfico, o artista cria uma espécie
até seus famosos bichos, é no contato com a diferentes modos nas obras que propomos ao do “sincero”, mas com uma experiência vertiginosa e de faxina a partir das três imagens nas quais vemos
superfície dos planos que a experiência estética,
tal como concebida pela artista, acontece. público da Caixa Cultural, nossa estratégia foi potencialmente disruptiva. um homem que parece varrer as nuvens do céu.
DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo:
a de construir planos virtuais, áreas de afinidades
5
Perspectiva, 1975, p. 158. Tradução revista pelos As fotografias, tiradas de baixo para cima, criam
autores, p. 136. que instigassem o público a explorar as dobras, A parede do espaço expositivo, cuja textura esta imagem do céu como um espaço compacto e
sobreposições e fissuras entre os trabalhos. Nesse entrevemos nas áreas mais translúcidas de No homogêneo que, pelo menos do ponto de vista da
sentido, inventariamos algumas operações – parapeito, é a mesma sobre a qual se projeta imagem fotográfica, perde sua profundidade e se
conexões possíveis em meio a tantas outras – a fim Na Parede (2007), de André Parente e Katia torna acessível como superfície, passível portanto de
de orientar o visitante sem, no entanto, impedi-lo de Maciel. No vídeo, assistimos em loop à brincadeira ser esfregada, lustrada.
estabelecer suas próprias relações, a partir de seu dos artistas com uma silhueta esculpida no muro.
repertório e de sua sensibilidade. Enquanto ouvimos a voz de Katia, que filma, André
preenche, com o corpo rente ao muro, a forma
Podemos começar este nosso breve e não- talhada do homem na parede. Ele se descola da
conclusivo inventário mencionando os trabalhos nos escavação para replicar, um passo à frente, a forma
milena travassos Yuri Firmeza
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Monumento Mínimo (seqüência no elevado Costa e Silva), 2002
Fotografia Na Parede, 2007
61,1 x 88 cm Vídeo, 1’
Acervo da artista Acervo dos artistas
Jared Domicio Em um outro eixo possível de pesquisa artística, os
artistas Felipe Morozini, Bruno Baptistelli e Alexandre
Vogler trabalham sobre as superfícies dos muros
que demarcam os limites entre os espaços públicos
e privados de nossas cidades. O investimento dos
artistas sobre tais superfícies permite-nos pensar na
própria cidade como uma superfície plástica, capaz
de instaurar novas relações entre os corpos e de
criar outras imagens e espacialidades.
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da imagem fotográfica?
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The City that Has Been Painted II, 2007
Fotografia Base para Unhas Fracas, 2010
100 x 140 cm Vídeo, 9'
Acervo do artista Acervo do artista
Além da ênfase na plasticidade dos muros da cidade, katia maciel
contamos com trabalhos que intervém nas imagens da
cidade de modo a ressaltar os limites desta maleabilidade
plástica. O vídeo Inútil Paisagem (2005), de Katia
Maciel, consiste em um travelling que passeia pela
Avenida Vieira Souto, em Ipanema, registrando as
portarias e garagens dos edifícios à beira mar. A partir
de determinado ponto, a câmera retorna e as grades dos
edifícios já não estão na imagem, elas foram apagadas
digitalmente. Mas este apagamento não pôde se realizar
por completo, restam na imagem traços que o denunciam,
tais como os reflexos das grades sobre as superfícies
espelhadas das portas de vidro que dão acesso ao interior
dos edifícios. Estas camadas de permeabilidade parcial – a
grade – e de alta reflexividade – o blindex – co-habitam
a imagem videográfica, ressaltando a potência poético-
epistemológica da imagem técnica na reinvenção da
paisagem ou no aprendizado das tensões históricas e
políticas subjacentes a tal reinvenção.
Se pudemos observar o gesto de inscrição, sobre ou
através das superfícies em uma série de trabalhos, a
obra de Katia Maciel integra um quadro interpretativo
estruturado em torno da ideia do apagamento, a partir
do qual poderemos pensar outros trabalhos reunidos na
exposição. Tal ideia manifesta-se claramente na fotografia
Notas públicas No II - da série lembretes
(2009), de Iris Helena. Um gesto crucial na pesquisa da
artista consiste na criação de suportes que acolham,
para além do conteúdo figurativo de suas fotografias,
as tensões instauradas pelas múltiplas temporalidades
que atuam nas relações entre memória e esquecimento.
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Notas Públicas N o II (da série lembretes), 2010 Eclipses (ocupações), 2007
Fotografia impressa a jato de tinta sobre post-its Fotografia
200 x 295 cm 33,75 x 45 cm cada
Cortesia Portas Vilaseca Galeria Coleção Sérgio Carvalho
Diante de uma extensão homogênea, há também agulha, Letícia Parente inscreve as palavras Made in As marcas do tempo, do atrito e do uso que
estratégias em que eleger uma área para nela investir Brasil na sola do pé. Mas se o gesto levado a cabo por permanecem sobre as extensões podem ser
constrói uma área focal de onde saem sinais e para Raphael Couto se inscreve nesta vertente da arte pensados para além de meros desgastes ou ruídos
onde confluem os olhares. De maneiras muito contemporânea na qual o corpo se torna o principal que dificultam a percepção de um corpo original.
diferentes, encontramos essa operação tanto em suporte e meio de expressão, sua ação investe este O trabalho de Manoela Medeiros parece desdobrar
Matias Mesquita quanto em Fernando Gonçalves, corpo superficialmente, conferindo à pele um lugar esse pensamento como uma espécie de gesto
artistas com trabalhos muito distintos que expressivo, para além de qualquer textualidade fundamental a partir do qual os fragmentos que se
conversam entre si na medida em que constroem que poderia se inscrever sobre ela. As perfurações, conservam sobre suas obras tornam-se escrituras
esse efeito-centro para, em seguida, desfazê-lo. Nas que viabilizam o tecido epitelial de Raphael Couto particulares que só podemos compreender ao nos
obras 13/10 às 17 e 59, 14/10 às 18 e 02 e a integrar-se ao patchwork que o artista compõe, precipitarmos sobre elas. Ruína #4 (2016), que
22/01 às 17 e 55 (2013) Matias pinta delicados repuxam e produzem vermelhidões sobre seu corpo. apresentamos na exposição, condensa camadas de
óleos sobre placas de cimento. Sob a fluidez da Nosso olhar, atraído por essas inscrições que não revestimento pictórico para dá-los a ver a partir de
técnica com que o artista cria seus céus de nuvens podemos decodificar completamente, hesita entre um procedimento de escavação. Manoela propõe
carregadas, encontramos um corte seco, um limite o reconhecimento de uma dor auto-infligida e uma uma espécie de arqueologia ficcional em que
marcado por uma linha de prédios, um contorno tentativa de localização das partes de pele que estas aglutina camadas de tinta sobre o quadro para, em
da paisagem urbana contemporânea. As nuvens imagens feitas de muito perto nos dão a ver. seguida, escavar sua superfície. Se por um lado um
plúmbeas e seus contornos: é para essa pequena olhar inicial sobre algumas de suas obras poderia
área investida de tinta que nosso olhar é sugado num Esta progressiva aproximação ao muro ou à pele remeter a um plano cartográfico, por outro lado,
primeiro momento diante das placas. Se por um lado culmina em uma série de trabalhos nos quais percebemos que não há o que ler em suas obras, a
Matias retira os prédios da paisagem, escolhendo acessamos as superfícies bem de perto, perdendo de não ser sua própria materialidade enquanto pintura.
não os representar, por outro lado, remete às vista os corpos que elas revestiriam e ingressando O jogo entre cores, texturas e formas se dá por
construções urbanas por meio do cimento com em um regime mais contemplativo, atento aos subtração e são os fragmentos resultantes do atrito
o qual são feitas as placas que acolhem a pintura. detalhes que constituem essas extensões. Os com a espátula da artista que repousam enquanto
A linha de prédios ausentes nos reconduz para o trabalhos de Fernanda Gomes, Ricardo Theodoro e obra. Manoela produz reminiscências de ruínas
que antes era o “não-pintado” da pintura, seu mero Manoela Medeiros são bons exemplos desta forma fabricadas. Sem originais, não há estados anteriores
suporte. O cimento salta à vista com suas fendas e de aproximação à superfície que confere a estas aos quais remeter. O resto é o trabalho: seja sobre o
rachaduras na medida em que o olho passa a ir e vir, camadas uma relativa autonomia em relação aos quadro, aderindo a ele, seja sobre o chão do espaço
buscando não apenas as rupturas entre área pintada corpos. No vídeo Minha própria lua (2017), de expositivo, como o cascalho que é gerado pela obra.
e seu suporte, mas também as relações possíveis Fernanda Gomes, uma câmera passeia rente à pele
entre figura e fundo. da artista, cujas pintas foram todas numeradas. Em Essa tensão entre figurativo e abstrato que perpassa
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castelhano, os sinais sobre a pele são chamados de a exposição se condensa de maneira particular
Já Fernando Gonçalves trabalha a figura do rosto lunares e esta analogia – que perdemos na língua em Assim, pois, eu (2011). O vídeo de Filipe
em Ficções (2008), fotografia feita a partir de um portuguesa – entre a superfície da pele e a superfície Acácio vai do figurativo ao abstrato na medida
cartaz de lambe-lambe em que um rosto feminino lunar inspira as escolhas da artista na realização de em que acompanha o processo de apagamento de
aparece iluminado, como que boiando contra o fundo seu vídeo. A câmera transforma-se em uma espécie um retrato fotográfico dentro de uma bacia com
negro. Também nessa imagem nosso olho corre de sonda lunar, e a banda sonora do vídeo nos material solvente. A figura da foto e também seu
para o centro nevrálgico do rosto, para decifrar remete às imagens de exploração espacial caras fundo se desfazem em cores sob o efeito do líquido
suas expressões, suas mensagens. Mas, além da aos filmes de ficção científica. Apesar de filmada sem, contudo, extinguirem a imagem. Acompanhamos
face, a fotografia mostra os efeitos dos acidentes muito de perto, a artista resta irreconhecível. A o desenrolar do processo químico para descobrir
aos quais esse tipo de impresso costuma estar superfície da pele deixa-se contemplar em cada que o que resta da decomposição é ainda uma
exposto no ambiente urbano: são várias marcas, milímetro em detrimento de qualquer possibilidade imagem – tonalidades e texturas em metamorfose –
algumas das quais provocadas por bolhas de ar de visão de conjunto ou de identificação, por parte que se impõe em primeiro plano. Assim, quando nada
sob o papel no momento de sua colagem; outros do espectador, das partes do corpo da artista mais resta da imagem figurativa no retrato, ainda há
traços parecem decorrer do contato com a água apresentadas no vídeo. o que ver: o branco-amarelado do papel, o líquido
das chuvas. Notamos sobretudo um grande golpe, solvente carregado de tinta.
um arranhão em forma de meia-lua que corta todo Esta perda do ponto de referência espacial parece-
o rosto, atravessando o cartaz de lambe-lambe de nos fundamental como recurso poético que permite
uma ponta à outra. Se sobre a imagem do rosto o a criação de uma série de imagens que dão a ver as
arranhão assume um caráter de ferida profunda, sua superfícies dissociadas dos supostos conteúdos que
continuidade com as áreas escuras que emolduram elas revestiriam. O díptico Sem título (2014) de
o rosto no centro da imagem revelam a contiguidade Ricardo Theodoro, consiste em duas fotografias de
da superfície-imagem - toda ela delicada, superfície paredes recobertas por ladrilhos brancos pintados
nervosa como a pele. por uma tinta igualmente branca, que descasca. Esses
monocromos, marcados por rejuntes, desgastes e
Nesse campo das terminações nervosas da imagem, outros traços, não dão nenhuma pista do local onde
podemos destacar ainda Patchwork – recorte a imagem teria sido produzida. Este procedimento
10 (2012), fotografia de Raphael Couto na qual inscreve-se nas fronteiras entre figuração e
vemos retalhos costurados à sua própria pele. O abstração e deslocaliza esta fronteira, apontando
gesto da costura sobre a pele remete ao seminal para a possibilidade de estabelecermos uma relação
Marca Registrada (1975), vídeo em que, com linha e contemplativa com toda e qualquer superfície.
matias mesquita fernando gonçalves
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Minha própria lua, 2005 Série Patchwork, Recorte 10, 2012
Vídeo, 3’33” Fotografia
Acervo da artista 100 x 66 cm
Ricardo Theodoro manoela medeiros
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pedra preenche a galeria na medida em que assistimos
aos trabalhadores na pedreira: o rochedo, enorme
diante de seus corpos, permanece de dimensões
descomunais quando, num plano aberto, o vemos em
relação a um trator na paisagem. Nos planos mais
próximos observamos os desenhos que as atividades
mineradoras ajudam a traçar na rocha – belas, mas
também obstinadas formas minerais, impassíveis frente
ao esforço desses homens. A perseverança deste
trabalho sem fim sobre o rochedo quase inabalável
nos coloca diante da pergunta: mas afinal, o que as
superfícies encobrem, senão outras superfícies?
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1:100, 2015
Tinta látex com cobertura para 10m²
10 x 10 cm
Acervo da artista
Caixa Cultural RJ
Av. Alm. Barroso, 25 - Centro,
Rio de Janeiro - RJ, 20031-003
informações: (21) 3980-3815
www.caixacultural.gov.br
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