Você está na página 1de 131

PALESTINA: HISTÓRIA DE

UMA COLONIZAÇÃO

Editado em Revista de América 1973


Reedição Brasileira 2017
EXPEDIENTE

Edições Combate Socialista


Coordenador desta edição: Adolfo Santos
Traduções: Claudia Gonzalez, João Santiago e Pablo Andrada
Revisão de textos: Luiza Bastos e Jamil Elias
Diagramação e capa: Marcello Bertolo
O que é Israel?
“[...] um estado fundado no terrorismo, nos massacres e no despojo de
outro povo de sua terra.[...]”
“[...] um Estado que se dedica à limpeza étnica, viola a lei internacio-
nal, impõe monstruosos castigos coletivos à população civil de Gaza e conti-
nua negando à populaçãopalestina seus direitos humanos e suas aspirações
nacionais. [...]”

Da carta aberta encabeçada pelo conhecido dramaturgo Harold Pinter,


publicada no jornal inglês The Guardian, em 30 de abril de 2008.
(Texto completo na página 127)
Sumário
Apresentação .................................................................................. 7
Palestina: história de uma colonização ....................................... 11
Notas ............................................................................................. 69
Cronologia .................................................................................... 83
Por um só Estado Palestino, laico,
democrático e não racista .......................................................... 109
Nenhum Estado tem o direito de existir como um Estado racista
- Entrevista com Omar Barghouti ............................................ 110
As perspectivas da luta palestina após o massacre em Gaza
(Por Waldo Mermelstein) ......................................................... 118
“Não vamos celebrar o aniversário de Israel” .......................... 127
7

Meninos palestinos enfrentam tanques de guerra israelenses

Apresentação
Adolfo Santos
Coordenador da reedição

Palestina: história de uma colonização foi publicado pela primeira vez


na Revista de América, n° 12, em dezembro de 1973, pelo Partido Socialista
dos Trabalhadores da Argentina (PST), partido fundado pelo dirigente trots-
kista Nahuel Moreno. Escrito por Roberto Fanjul e Gabriel Zadunaisky, dois
integrantes do PST, o texto central reflete uma investigação e elaboração
8

coletiva da que se desprende a análise e a política defendida pela corrente


morenista sobre o tema. Foi de grande importância, para tanto, a obra “A
concepção materialista da questão judaica” de Abraham Leon, que abando-
nou o sionismo para ingressar ao trotskismo e, prisioneiro da Gestapo, aca-
bou sendo executado em Auschwitz em 1944.
Ampliado e atualizado com outros trabalhos, foi reeditado em junho
de 2008,em Buenos Aires, pela Edições El Socialista - publicação da Esquerda
Socialista. Agora, em 2016, Edições Combate Socialista, da Corrente Socialis-
ta dos Trabalhadores (CST), corrente interna do Partido Socialismo e Liber-
dade (PSOL) reedita este trabalho em português. Passados mais de 40 anos, o
texto continua atual e vigente, pois os gravíssimos problemas da Palestina
não foram superados. Dedicamos assim esta reedição para as novas gerações
de militantes que se aproximam do marxismo, para os quais este texto consti-
tui um instrumento indispensável.
A longa luta do povo palestino pela sua libertação é um fato histórico e
político importantíssimo e que todo ativista e/ou militante socialista necessa-
riamente deve conhecer para tomar partido. A propaganda sionista gasta
“rios de tinta” e bilhões de dólares para tentar justificar seus atos aberrantes.
Para contrabandear suas mentiras, os sionistas utilizam desde ‘explicações
bíblicas’ até falsas alegações ‘socialistas’, de acordo com o público.
De nossa parte, a ocupação da Palestina não responde a nenhuma
questão ‘divina’ nem tão pouco a projeto ‘socialista’. Nas páginas a seguir, os
autores analisam cientificamente os fatos reais, materiais, para demonstrar
que o estado sionista de Israel é um estado colonialista e que para manter essa
situação, como na África do Sul ou Rhodesia, instaurou um regime de
apartheid, de terror e de submissão extrema, onde “uma suposta ‘raça supe-
rior’ domina uma ‘raça inferior’”.
Projetada desde finais do século XIX e executada em 1948, a ocupação
colonial da Palestina pelos sionistas é um dos mais trágicos capítulos da his-
tória moderna. Proclamado na Organização das Nações Unidas (ONU), em
14 de maio daquele ano, o Estado de Israel, patrocinado pelas maiores potên-
cias do planeta, incluída a União Soviética de Stalin, inaugurava uma verda-
deira tragédia de sangue e terror contra o povo palestino.
9

Sob o mito de “uma terra sem povo para um povo sem terra” justifi-
cou a violenta ocupação de um território que, diferente do slogan sionista,
tinha donos e ocupantes: os palestinos. Para consumar esse plano, Israel
montou um estado de terror, expulsando quase um milhão de árabes de suas
terras, destruindo suas aldeias e apropriando-se de seus bens. Um dos princi-
pais símbolos desses massacres foi o extermínio consumado na aldeia árabe
Deir Yassin, em abril de 1948.
Nesse mesmo ano, 52% do território palestino foi outorgado a Israel
pelas Nações Unidas e desde então os sionistas vêm confirmando sua política
expansionista, arrancando territórios dos vizinhos Egito, Jordânia e Síria e
controlando a totalidade de Palestina. Descumpriram resoluções da própria
ONU e contaram com a cumplicidade do imperialismo norte-
americano. Dizimados, os antigos habitantes árabes foram reduzidos a ver-
dadeiros bantustões, isolados entre si, quando não cercados por fortes muros,
como o construído em torno da Cisjordânia.
Mas em todo esse tempo, os palestinos nunca deixaram de resistir e lu-
tar contra o opressor. Na década de 1960 criaram a Organização para a Liber-
tação da Palestina (OLP), liderada pelo lendário Yasser Arafat (1929-2004).
Denunciada pelos sionistas e seus aliados mundo afora como uma “organiza-
ção terrorista”, a OLP fez um chamado a lutar “Por uma Palestina laica, de-
mocrática e não racista”. Sob esta palavra de ordem ganhou a simpatia da
esquerda mundial em geral.
Infelizmente, os governos árabes burgueses adotaram uma política va-
cilante e conciliadora frente ao imperialismo e ao próprio estado racista de
Israel. Foram combinando alguns enfrentamentos pontuais com capitula-
ções, sem assumir a causa palestina de forma consequente. Em 1978, essa
política inconsequente transformou-se em traição quando o governo egípcio
assinou com os Estados Unidos (EUA) e Israel o reconhecimento da existên-
cia de Israel, aceitando de fato a utopia sionista e pró-imperialista de “dois
estados”.
Em 1993, Yasser Arafat seguiu o mesmo caminho, quando os Acordos
de Oslo brindaram esse reconhecimento impossível de ser colocado em práti-
ca pelo caráter colonialista do invasor. O povo palestino, oprimido, permane-
ceu em luta mesmo nas piores condições de martírio como nas sofridas em
10

Gaza e na Cisjordânia. A incansável e permanente resistência por todos os


meios possíveis vem ganhando simpatia e apoio mundial crescente para o
povo palestino e isolamento e desprestígio por parte do estado sionista.
Nesta reedição também publicamos uma cronologia sobre o surgi-
mento do sionismo e da luta palestina, no período de 1897 a 2008. Ainda, e
para uma melhor compreensão de um debate muito atual, já que a partir da
capitulação da direção da OLP em relação aos “dois estados”, setores da es-
querda brasileira passaram a compactuar com essa postura que ao longo do
tempo se mostrou inviável, agregamos mais dois artigos. O primeiro de Omar
Barghouti, militante palestino, e o segundo de Waldo Mermelstein, militante
de esquerda, brasileiro de origem judaica - ambos estudiosos da questão pa-
lestina.
Em janeiro de 1937, mais de 10 anos antes da existência de Israel, res-
pondendo a uma entrevista do jornal Der Weg, do México, e à Agência Tele-
gráfica Judaica, León Trotsky afirmava: “[...] os fatos de cada dia nos mos-
tram que o sionismo é incapaz de resolver a questão judaica. O conflito entre
judeus e árabes na Palestina adquire um caráter cada vez mais trágico e ame-
açador”. Trotsky tinha razão, o sionismo não resolveu a questão judaica e se
converteu numa tragédia para Palestina.
11

Palestina: história
de uma colonização
Gabriel Zadunaizky e Roberto Fanjul
Editado em Revista de América 1973

2014: Estado de Israel bombardeia população palestina, em Gaza

Introdução
O tema central deste trabalho é o caráter do Estado de Israel, desde a
origem do movimento sionista até o papel que cumpre atualmente no cenário
político e social do Oriente Médio. Portanto, restrito quase exclusivamente à
trajetória do sionismo na Palestina.
12

Com relação a atual situação do Oriente Médio não se pode adotar


uma posição correta sem ter determinado previamente o papel e o caráter do
Estado de Israel e seu papel na atualidade. Considerando a quantidade de
mentiras e meias verdades que a imprensa imperialista criou sobre este tema,
acreditamos necessário remontarmos à origem da corrente colonizadora que
foi a responsável pela fundação de Israel e gerou mais de 30 anos de fortes
lutas, nessa Região vital do planeta.
Antes de começar a considerar a trajetória do sionismo, especialmente
do sionismo na Palestina, é preciso dizer algumas palavras sobre a situação
particular pela qual atravessavam os judeus na Europa, desde meados do
século XIX, já que nesse contexto histórico nasce o movimento sionista.
Provavelmente não exista um tema histórico sobre o qual tenha se
mistificado tanto quanto a situação da ‘sobrevivência’ dos judeus através dos
séculos. Tentou-se explicar este fenômeno apelando a diversos mitos: desde
as características da religião hebraica até às fábulas de caráter racista (ou seja,
os judeus constituindo uma ‘raça’ com características especiais, pelas quais
ficariam imutáveis em qualquer circunstância histórica).
O marxismo desvendou essas histórias mitológicas. Primeiramente,
Marx e pesquisadores como Abraham León (1) analisaram os possíveis moti-
vos materiais e históricos dessa ‘originalidade’ do povo judeu. Causas con-
cretas, as quais não encontram respostas nem em Jeová, nem na suposta ‘es-
sência’ racial imutável, ao longo das idades, como supõem tanto os antisse-
mitas quanto os sionistas.
Nas sociedades pré-capitalistas, os judeus constituíram uma classe so-
cial ou uma melhor definição seria um povo-classe. Não é o único exemplo
na história: os ciganos, por exemplo, constituíram também um povo-classe.
Nessas sociedades, os judeus representavam as formas ‘pré-históricas’
do capita, tanto no mundo antigo quanto no mundo feudal. Na sociedade
feudal, por exemplo, as duas classes principais são os senhores feudais (no-
bres e padres) e os servos da gleba. Os servos trabalhavam a terra e deviam
entregar parte do produto ao senhor feudal, assim como dedicar uma parte
de seu tempo a trabalhar nas terras do senhor. A maior parte do produzido
era diretamente consumida ou utilizada pelo senhor e os padres ou pelos
servos. Não era para vender ou trocar o produto no mercado e obter lucro.
13

Tratava-se, fundamentalmente, de uma sociedade produtora de valo-


res de uso e não de valores de câmbio (como é na sociedade capitalista). No
entanto, o câmbio e o dinheiro existiam e tinham sua importância. Mas o
câmbio era a exceção. A compra-venda e o empréstimo de dinheiro se desen-
volveram relativamente à margem do modo de produção dessas sociedades
produtoras de valores de uso. Por isso eram exercidos pelos ‘estrangeiros’,
pelos povos comerciantes (judeus, lombardos, etc.) Povos-classe que, como
dizia Marx em relação aos judeus, existiam ‘nos poros’ da sociedade produto-
ra de valores de uso. Segundo Abraham León, os judeus seriam a ‘sobrevi-
vência’ de uma velha classe mercantil e financeira pré-capitalista.
A partir dessas relações materiais, interligavam-se as relações institu-
cionais e as ideologias (imprescindíveis para garantir sua reprodução): auto-
ridades comunitárias, uma religião ‘especial’, o mito de considerarem-se
descendentes do primitivo povo hebreu que habitava a Palestina no início de
nossa era, etc. Essas ‘superestruturas’ ajudavam a manter a coesão do povo-
classe e a reprodução de suas relações sociais, mas ao mesmo tempo, como
qualquer ideologia, falsificava a verdadeira natureza de sua existência. Este
fenômeno de falsa consciência é comum a todas as ideologias.
A função dos judeus como povo-classe não só explicaria sua sobrevi-
vência, mas também sua assimilação. Abraham León prova com muitos da-
dos que, nos lugares e nas épocas onde os judeus perdiam esse caráter de
povo-classe, sua superestrutura ideológica e institucional era derrubada e
acabava sendo assimilada.
Entende-se também porque não há unidade ‘racial’ entre os judeus:
durante toda a história das sociedades pré-capitalistas houve numerosos
casos de conversão ao judaísmo, às vezes de forma massiva. Isto explica os
judeus de ‘raça’ mongólica, no Daghestán; judeus negros (os falasha), na
Etiópia; judeus árabes, no Islão, e judeus de origem eslava. O mito da descen-
dência comum de Abraham ou dos habitantes da Palestina ao início de nossa
Era, não resiste à mínima pesquisa.
À medida que o capitalismo foi desenvolvendo-se, foram dissolvendo-
se as bases materiais da existência como povo-classe da velha classe comercial
pré-capitalista judaica. Na Europa Ocidental, especialmente na Inglaterra,
onde se desenvolveu mais cedo o modo de produção capitalista, os judeus
14

começaram naturalmente a serem assimilados. Este processo teria sido geral,


com o atraso lógico que impõem as barreiras religiosas, familiares, etc., se o
capitalismo a escala mundial tivesse seguido os passos sendo progressivo.
Mas antes que finalizara em toda Europa este processo ‘natural’ de assimila-
ção, processo que tinha apenas começado na atrasada Europa Oriental, o
capitalismo se converte em imperialismo. Ou seja, deixa de ser progressivo e
começa sua etapa de decomposição em escala mundial. Abre-se a era das
revoluções, a era da transição do capitalismo - já condenado pela história – à
nova sociedade socialista. O capitalismo, quando entra na sua idade senil,
não pode resolver os problemas que não conseguiu solucionar na sua juven-
tude, a exemplo da ‘questão judaica’ na Europa. Mas não somente este: mui-
tos outros o capitalismo na sua etapa de putrefação final, não somente nos
consegue resolver, mas os torna mais graves. O capitalismo começou, por
exemplo, colocando o problema nacional, defendendo as palavras de ordem
democrático burguesas da independência e soberania nacional. Mas o capita-
lismo acabou organizando o sistema mais monstruoso de dominação imperi-
alista, de negação dos direitos nacionais e democráticos para a maior parte da
humanidade que vive nos países coloniais e semicoloniais. O capitalismo
começou defendendo a “igualdade” abstrata entre os homens e acabou im-
pondo as discriminações mais aberrantes. Assim podemos continuar enume-
rando problemas entre eles o dos judeus europeus.
Judeus, em massa, começaram a enfrentar situações difíceis na segun-
da metade do século XIX, na Europa Oriental. “Por um lado, o desenvolvi-
mento capitalista, como já foi assinalado, destruía suas velhas formas de exis-
tência como povo-classe. Por outro, o capitalismo europeu já era incapaz de
assimilar os judeus à burguesia e às classes médias de forma ‘natural’, como
havia acontecido na Inglaterra.
O desenvolvimento do moderno antissemitismo europeu, que culmi-
naria com o regime nazista, de certo modo tem relação com este problema.
Extrapola o contexto deste estudo, analisar esta monstruosa erupção de ra-
cismo. Destaquemos, unicamente, que o antissemitismo moderno, ainda
quando remontava ideologias medievais, tinha um conteúdo real muito dife-
rente. Manifestava-se no contexto das crises sociais e políticas do moderno
capitalismo, incapaz de resolver ‘pacificamente’ o atraso e o desenvolvimento
15

desigual de amplas regiões da Europa e de conciliar as rivalidades internas


dos imperialistas, que resultariam finalmente nas guerras mundiais de 1914 e
1939. O antissemitismo era também parte da política de alguns regimes im-
perialistas, aos quais convinha utilizar os judeus como alvos para desviar o
descontentamento das classes médias e inclusive de setores atrasados da clas-
se operária.
As massas judaicas na Europa, em especial na Europa Oriental, ti-
nham diversas opções políticas para enfrentar sua dramática situação. O
marxismo exercia uma grande atração sobre elas e pregava a solução do pro-
blema dos judeus através da luta contra o capitalismo, pelo socialismo.
O socialismo – e especialmente os socialistas revolucionários - pregava
para as massas de judeus oprimidos do leste da Europa, a necessidade de
unirem-se à classe trabalhadora e suas lutas. Para essas massas, na miséria da
Polônia, Ucrânia ou Rússia, já estava fechado o caminho seguido por seus
irmãos mais afortunados da Inglaterra ou França: o caminho da assimilação
como burgueses ou pequeno-burgueses, no contexto do capitalismo. Mas
podiam e deviam assimilar-se aos trabalhadores na luta pelo socialismo.
Enquanto o Império Czarista estimulava enfrentamentos de russos
contra polacos ou ucranianos e de todos contra os judeus e o Império Austro-
húngaro fazia o mesmo com o conjunto de povos que dominava, os marxistas
revolucionários chamavam à unidade de todos os trabalhadores (de qualquer
língua, nacionalidade ou ‘raça’) para lutar contra esses regimes e contra toda
a burguesia imperialista europeia. A derrota do capitalismo na Europa e a
implantação do socialismo, não só acabaria com a exploração de uma classe
pela outra mas também com a ‘questão judaica’, que o capitalismo mostrava-
se incapaz de resolver. (2)
Foram numerosos os operários, estudantes e intelectuais de origem
judaica que ingressaram nas fileiras socialistas e uniram-se aos trabalhadores
de seus países. Trotsky, Rosa de Luxemburgo, Kamenev, Zinoviev, Radek,
Leo Jogiches foram alguns dos nomes, entre milhares.
Mas o velho povo-classe, como já destacamos, sob as condições do
moderno capitalismo era cada vez menos homogêneo. Quando muitos ju-
deus proletarizados, estudantes, intelectuais e setores da classe média pobre
se uniram ao movimento socialista e revolucionário, do outro lado estavam
16

senhores como os Rothschild, o Barão Hirsh, e vários multimilionários liga-


dos à burguesia imperialista dos diversos países europeus. De um extremo a
outro, as diferentes faces da burguesia formavam uma escada: a pequeno-
burguesia, o semi proletariado, etc. Esta situação oferecia a base social para
outras opções políticas que logicamente não tinham nenhum ponto em co-
mum com o socialismo revolucionário. Mais exatamente, seriam suas inimi-
gas. Entre as saídas burguesas ou pequeno-burguesas para a ‘questão judaica’,
as mais importantes seriam o sionismo e o Bund.
O Bund (3) surgiu na Rússia e em outros países do Leste Europeu co-
mo um agrupamento da socialdemocracia. O Bund, supostamente socialista e
teoricamente revolucionário, era na verdade um reflexo do nacionalismo
burguês dentro do proletariado judeu.
Com diversos argumentos, entre os quais o de manter a ‘cultura naci-
onal’, pregava que os operários judeus deviam organizar-se apartados dos
operários russos, polacos, etc. Bund facilitava o jogo para a burguesia, divi-
dindo os trabalhadores de cada fábrica ou cidade, de acordo com sua origem
nacional ou ‘racial’. Lenin e Trotsky condenaram energicamente o Bund.
A base social do Bund era constituída por setores de artesãos, semi
proletários ou operários de pequenas oficinas, especialmente da indústria do
tecido e de peles. Eram setores extensos, com um pé no velho gueto e outro
no proletariado industrial moderno. Isto refletia-se na ideologia do Bund, que
por um lado se reivindicava marxista e por outro negava o internacionalismo,
quando encorajava divisões entre operários de diferentes origens.
Esse caráter contraditório (relacionado com uma contradição real de
sua base social) determinava que, apesar de sua capitulação ao nacionalismo
burguês, o Bund não pregasse que os trabalhadores judeus deviam apartar-se
da luta de classes e ficar sob as ordens de Rothschild, para marchar e coloni-
zar a Palestina, ou outro território. Esta tarefa estava reservada para o sionis-
mo.
17

O movimento sionista
Ainda no ano de 1897, em que foi fundado o Bund, era realizado em
Basileia (Suíça), o Congresso de fundação da Organização Sionista. E esta
tinha sua pré-história:
“A rápida capitalização da economia russa - disse Abraham León- lo-
go da reforma de 1863, provoca uma situação insustentável para as massas
judias nas pequenas cidades”. No Ocidente, as classes médias, dizimadas pela
concentração capitalista, começam a virar contra o elemento judeu, cuja
competência agrava a situação. Na Rússia é fundada a associação dos ‘Aman-
tes de Sión’. Leo Pinsker escreve ‘Auto emancipação’, livro no qual preconiza
o retorno à Palestina como a única solução possível para a questão judaica.
“Em Paris, o barão Rothschild, que como todos os magnatas judeus
vê com pouca simpatia a chegada ao Ocidente dos imigrantes judeus da Eu-
ropa oriental, começa a interessar-se na colonização judia da Palestina. Aju-
dar a esses “irmãos infortunados” a voltar ao país de seus “antepassados”, ou
seja, jogá-los o mais longe possível, agradava à burguesia judia ocidental que
temia a ascensão do antissemitismo. Pouco depois da aparição do livro de
Leo Pinsker, um jornalista judeu de Budapest, Teodoro Herzl, assiste em
Paris às manifestações antissemitas provocadas pelo processo Dreyfus. Escre-
verá “O Estado judeu” que até hoje continua sendo a Bíblia do movimento
sionista” (4).
Ainda quando a Organização Sionista ia disputar os mesmos setores
sociais que o Bund e, inclusive com o socialismo revolucionário, seu caráter
de classe era destacadamente distinto: aparecia como o programa de um setor
da grande burguesia judaica, setor que terminaria sendo dominante dentro
dela.
Os apologistas do sionismo tentavam ocultar este fato, argumentando
que, em seus primórdios, a maior parte da grande burguesia judaica era assi-
milacionista e não apoiava o sionismo. Isto é certo, mas só prova que como
sempre acontece, toda nova ideia de qualquer classe social, inicialmente, só é
patrimônio de uma minoria. O que há de ser questionado é: historicamente -
ou seja, ao longo do tempo - o sionismo acabou sendo a ideologia e a política
do conjunto da grande burguesia judia. É verdade que por exemplo, o barão
18

Edmund de Rothschild teve divergências táticas com Herzl. Mas hoje, de que
lado está a família Rothschild? Com o sionismo ou contra o sionismo? Assim
é como devemos nos colocar o problema.
Argumenta-se que os pioneiros da colonização palestina eram arte-
sãos, pequenos comerciantes pobres, pessoas das quais poderiam dizer qual-
quer coisa, menos que tivessem uma avantajada conta bancária. Desta forma
tentaram passar uma imagem ‘plebeia’ e até ‘operária’ e ‘socialista’ sobre a
origem do sionismo. Apresentaram as figuras de Pinsker, um humilde so-
nhador; de Herzl, um simples jornalista que se converte no segundo Moisés;
de Borojov, “socialista” e “marxista”, etc.
Obviamente, não era parte dos planos do Barão Edmund de Roths-
child e de outros tantos mudar-se pessoalmente para trabalhar a terra, na
Palestina. Mas isto nada significava em relação à caracterização de classe do
sionismo. A chave era: a quem convinha que os humildes e desesperados
alfaiates, mascates e desempregados de Varsóvia ou Lublin fossem levados
para a Terra Santa? Isto é o que Abraham León assinala.
Se existia alguma dúvida do que isto significa, com relação a situação
europeia, é o próprio Herzl quem se encarrega de esclarecê-la - um de seus
temas obsessivos é a emigração de judeus para a Palestina como a única ga-
rantia de que não serão captados pelos ‘partidos subversivos’.
Herzl se encontra com Guilherme II, Imperador da Alemanha. Sobre o
que falam? “Herzl expôs, seu projeto em linhas gerais. Conversou logo sobre
o problema judeu, o caso Dreyfus, a influência da Alemanha no Oriente e do
proveito que podia render a solução do problema judeu, o qual, se não fosse
solucionado, empurraria -como Herzl não deixou de destacar- aos judeus aos
partidos subversivos. O Kaiser pareceu estar convencido”. (5) Herzl fala no
primeiro Congresso Sionista: “Sim, finalmente, o governo da Rússia perma-
nece neutro, os judeus se sentem sem proteção no regime existente e vão para
os partidos subversivos” [...] “O sionismo é, simplesmente, o pacificador”.
(6).
Esta função do sionismo, como ‘pacificador’ e obstáculo para que os
judeus ‘se dirijam para os partidos subversivos’ é o que permite a Herzl fazer
acordos com os personagens mais sinistros do Império dos Czares, tais como
19

Plevhe, o conde Whitte ou Ivan von Simonyi, todos antissemitas notórios e


organizadores de pogroms.
“Até agora, meu partidário mais candente é o antissemita de Presbur-
go, Ivan V. Sinonyi...”, escreve Herzl, no dia 4 de março de 1896. (7)
Posteriormente, às vésperas da primeira Revolução Russa, Herzl che-
gou a Petrogrado e fez um acordo com Plevhe, ministro do Czar e antissemita
declarado, informando logo ao VI Congresso Sionista: “Comemorei muito a
oportunidade que me foi oferecida para entrar em contato com o governo
daquele país (Rússia), e posso dizer que encontrei compreensão para as aspi-
rações sionistas, escutando também as manifestações de boa vontade de fazer
alguma coisa decisiva para nós[...] Em relação ao movimento sionista, me
fizeram as maiores promessas. Posso dizer a vocês que o governo russo não
tem a intenção de colocar freios ao sionismo, na medida que este conserve
seu caráter tranquilo e legítimo. Também o governo russo está disposto a
contribuir para os gastos de uma emigração dirigida por nós os sionistas” (8)
Quais interesses de classe podia representar um movimento como o
sionista que, nas portas da Revolução Russa, conseguisse o ‘milagre’ que o
governo czarista lhe permitisse funcionar sem freios - mas ainda “contribuir
com seus gastos” -?Na Rússia, este “milagre” não o conseguiam nem os bons
e pacíficos burgueses do Partido Constitucional Democrata (Kadete) e isto o
conseguia o sionismo de um governo que se distinguia pelosmassacres per-
manentes de cidadãos judeus! Para explicar este milagre permanente pode-se
apelar à Divina Providência, a Santíssima Trinidade ou a Jeová; nós, materia-
listas, oferecemos outra explicação: o czarismo (baluarte da reação europeia
de acordo com Lenin) e o sionismo podiam pactuar porque coincidiam nos
seus interesses de classe. O dois, cada qual com seus métodos, refletiam os
interesses mais retrógrados e contrarrevolucionários das burguesias imperia-
listas europeias.
Este fato consegue localizar o recém-nascido sionismo no espectro da
política europeia. Se tivesse sido reduzido só a isso, teria passado para a histó-
ria como mais um dos tantos partidos reacionários que apareciam no Centro
e Leste, do Velho Continente. Poucos saberiam hoje de sua existência. Mas o
programa sionista não se reduzia somente a apartar as massas judaicas da luta
de classes na Europa (e consequentemente dos ‘partidos subversivos’), a sua
20

outra face era transportar essas massas para fora da Europa e constituir um
Estado Judeu.

A história do sionismo, segundo os sionistas


Os defensores do sionismo, especialmente seus apologistas ‘de es-
querda’, reivindicam precisamente esta outra face. Aceitavam que Herzl e o
movimento sionista não eram precisamente um fator progressivo na política
europeia, mas argumentavam que isto é secundário frente a um fato essenci-
al: o sionismo seria um movimento nacional similar, em última instância,
àquele que conseguiu a independência da Argélia ou da Índia, dos países da
África negra ou da Indonésia, etc.
Esses ‘movimentos nacionais’ comumente não são dirigidos pelo pro-
letariado, nem suas organizações políticas são marxistas revolucionárias, mas
o leninismo considera que essas lutas pela independência, pela ‘autodetermi-
nação nacional’, devem geralmente ser apoiadas.
Desta forma, Lenin e Trotsky apoiaram, por exemplo, a luta pela inde-
pendência nacional da Turquia, apesar dela ter sido dirigida pela burguesia,
onde estavam à frente anticomunistas como Kemal Ataturk. Assim também
apoiaram a luta do Afeganistão contra o imperialismo inglês, apesar de sua
direção nem sequer ser burguesa, mas ‘feudal’. Seria, por acaso, mais pro-
gressivo o Emir ‘feudal’ do Afeganistão que o burguês Teodoro Herzl?
Por outro lado, segue a argumentação sionista. Depois de Herzl, a di-
reção do movimento sionista foi arrebatada na Palestina pelos pioneiros, os
ex-artesãos e pequeno-burgueses do gueto, convertidos em operários e cam-
poneses, na sua própria terra.
“O sionismo, sociologicamente falando - disse Dov Barnir, dirigente
do MAPAM, partido sionista ‘de esquerda’ - foi um movimento da pequena
burguesia empobrecida, que pela sua própria essência e suas atividades, de
fato, teve dois objetivos: a proletarização das massas judias e a organização de
sua produtividade. Venham para Israel e olhem: Verão um milhão de traba-
lhadores judeus – com suas famílias, um milhão e meio de pessoas – que
abandonaram o comércio, desceram para as minas, empunham o martelo e
trabalham a terra. Isto é ‘burguês’”?
21

“Quando o movimento sionista, amplamente democrático, cria uma


coligação de partidos (que não tem nenhuma relação com as coligações go-
vernamentais israelitas), será isso uma ‘conivência’ com a burguesia, num
momento em que as frentes únicas do Terceiro Mundo não reconhecem...
diferenciação social? ... Não esqueçamos que, desde os anos de 1930, o mo-
vimento sionista mundial se encontra sob a hegemonia operária] (refere-se a
que está dirigido pelo partido laborista MAPAM).
E completa Dov Barnir: “O próprio Mao Tse Tung não desdenhou
nem rejeitou, na hora da libertação nacional, a ajuda de partidos normalmen-
te chamados burgueses...No caso particular das nações modernas, discrimi-
nadas ou oprimidas, o processo parece ser o seguinte: quem diz opressão, diz
movimento nacional de libertação; quem diz movimento nacional, diz coli-
gação nacional; e quem diz coligação nacional, progressista e não reacionária,
diz hegemonia indispensável para a classe operária e camponesa. Foi esta, em
linhas gerais, a história do sionismo."(9)
Vejamos mais detalhadamente como teria sido -sempre de acordo
com os sionistas- a história deste ‘movimento de libertação nacional’: o povo
judeu, disperso pela ocupação romana da Palestina, teria desejado constan-
temente voltar para essa terra, a qual tem mais direito que ninguém, segundo
fundamentam os textos bíblicos. (10)
Não tem explicação por que durante 2 mil anos este povo não tentou
regressar, apesar das muitas possibilidades que teve para fazê-lo, especial-
mente durante a Idade Média quando os judeus apresentavam uma posição
privilegiada no mundo árabe e estavam em harmonia com o Islam.
Seja o que for, na segunda metade do século XIX, motivado pelo cres-
cimento do antissemitismo na Europa, toma forma o sionismo como ‘movi-
mento de libertaçãonacional’. Começa a ser organizada a emigração à Pales-
tina. Este país, segundo os sionistas, encontrava-se num estado deplorável,
vazio ou quase vazio:
“Vastas regiões do país permaneciam inexploradas e pertenciam a se-
nhores feudais ausentes. Estavam infestadas de malária e, à parte algumas
tendas dispersas de beduínos, estavam desabitadas e, por consequência, dis-
poníveis.” (11)
22

“Juntavam-se na Terra Santa núcleos heterogêneos, muçulmanos (xii-


tas e sunitas), cherquizes, maronitas, cristãos, gregos ortodoxos. De fato,
algumas famílias de camponeses judeus nunca haviam abandonado o país
depois da destruição do Segundo Templo e mantinham na Galiléia duas al-
deias tradicionais. Foi para uma terra sem povo que lentamente, ao final do
século passado, começou a se encaminhar um povo sem terra.” (12) Segundo
os sionistas, esse povo regressava a sua terra para trabalhá-la e de nenhuma
maneira pensava explorar – como fazem os colonialistas – a mão de obra dos
árabes: “Em uma colônia, o indígena trabalha e não tem posse, enquanto que
o colono tem a posse e não produz. No Estado de Israel, os judeus possuem a
terra e a cultivam eles mesmos, ao mesmo tempo que os árabes possuem
também suas terras e as cultivam, igualmente, eles mesmos.” (13)
Em 1917, o governo inglês, em retribuição aos serviços científicos
prestados pelo grande químico sionista Dr. Weizmann, emitiu a Declaração
de Balfour, onde reconhecia o direito a estabelecer na Palestina um “Lar Na-
cional” para o povo judeu. Segundo o Dr. Weizmann, foi “um ato único de
consciência mundial”. (14) Entretanto, o imperialismo inglês logo se arre-
pendeu desse “ato de consciência”, pouco frequente nele, e, sob o Mandato
da Sociedade das Nações converteu a Palestina em uma colônia. O sionismo
desenvolveu, então, um luta anti-imperialista que culminou na “Guerra da
Liberação Anti-britânica”: “o estado de Israel surgiu… de um mandato bri-
tânico e não de um estado árabe”. (15) “A luta dos judeus contra o colonia-
lismo britânico foi uma luta anti-imperialista, assistida pela União Soviética.”
(16). Nessa luta, segundos os sionistas, forjou-se um ‘exército de liberação
nacional’ ou ‘milícia popular’: a Haganá.
Lamentavelmente, os árabes foram lançados contra os sionistas e hou-
ve luta entre eles. Por que aconteceu isso, segundo os sionistas? O povo árabe
estava sob a influência de seus senhores ‘feudais’e de governos reacionários,
que eram mobilizados pelo imperialismo britânico e também pelo nazismo:
“A sociedade árabe era semifeudal, governada por proprietários e chefes
religiosos. A população judia representava um fator de modernização, intro-
duzia estruturas econômicas e sociais capitalistas e, ao mesmo tempo, ele-
mentos de tipo socialista.” (17) Além disso, trazia o sindicalismo sob a forma
da grande central de trabalhadores, Histadrut.
23

Ainda segundo os sionistas, ao comprarem suas terras dos grandes se-


nhores árabes, estavam produzindo uma verdadeira revolução agrária: “Va-
mos tomar partido pelo antigo feudalismo árabe, e deplorar que não tenha
sido uma revolução árabe e sim uma revolução judaica a que pacificamente
destruiu ao feudalismo?” (18)
O fato lamentável é que, enfurecidos pela propaganda reacionária dos
senhores feudais, sustentados pelo imperialismo inglês, os árabes se opuse-
ram à resolução das Nações Unidas que impôs, em 1947, a divisão da Palesti-
na e a criação do Estado de Israel, por um lado, e de um Estado Palestino
árabe, por outro. Desatou-se a guerra civil e, além disso, Israel foi invadida
por cinco estados árabes. Pode vencê-los, entre outras coisas, pela ajuda da
União Soviética e dos outros países socialistas que haviam apoiado a divisão.
Eles abasteceram Israel com armas. “A guerra de 1948 foi empreendida pelos
regimes árabes feudais e reacionários para evitar o progresso social na regi-
ão”. (19) Israel venceu aos senhores feudais, porém, lamentavelmente, criou-
se o problema dos refugiados. Muitos palestinos, cegos pela propaganda dos
governos árabes, deixaram o país esperando voltar,atrás dos exércitos árabes
vitoriosos. Ao serem esses derrotados, os palestinos não puderam regressar.
Por outro lado, os estados árabes apoderaram-se da maior parte do território
que havia correspondido ao Estado Palestino, o qual, por culpa deles, não
pode ser criado. Desde então, os refugiados vivem em acampamentos mise-
ráveis na Jordânia, no Líbano, etc.
“É verdade que os acampamentos de refugiados árabes são um escân-
dalo e uma vergonha, estigma da violência utilizada contra as populações
civis: mas, são uma vergonha para os árabes, não para os judeus. São uma
violência injusta que se arrasta há vinte anos, mas é imposta aos árabes pelos
árabes, não pelos judeus.” (20)
Como podem ser tão maus os árabes com seus civis? Porque, respon-
de Misrahi – “precisam de mártires” (21). “Na realidade, aos árabes falta
território? Faltam terras que lhes permitam integrar aos refugiados?” (22)
Concluem os sionistas que, se não o fazem, é porque não querem.
Assim, de acordo com esses sionistas, desde 1948, Israel vai constru-
indo uma sociedade quase socialista; de um socialismo muito singular, se
quisermos, mas socialismo ao final. “O socialismo é um projeto nos países
24

árabes, e uma realidade em Israel.” (23) Os kibutzim (granjas coletivas) são o


maior exemplo dessa marcha ao socialismo. “Os kibutzim não utilizam ne-
nhum assalariado de fora do kibutz, para não explorar a nenhum trabalha-
dor”. (24) O papel fundamental que joga a poderosa central operária (His-
tadrut) também afiança o que dizem os sionistas.
Infelizmente, esse socialismo peculiar não pode ser construído pacifi-
camente. Os árabes obstinam-se em manter um estado de guerra permanen-
te. “As revoluções anti-feudais ‘progressistas’ dos países árabes, ao invés de
reconhecerem seu interesse comum com Israel no desenvolvimento progres-
sista, seguiram e endureceram os procedimentos chauvinistas dos regimes
feudais.” (25) Assim, em 1956, incursões dos guerrilheiros palestinos obriga-
ram a Israel a invadir o Sinai, no momento em que Nasser acabava de nacio-
nalizar o Canal de Suez. Israel teve que aliar-se nesse momento à Inglaterra e
à França para atacar ao Egito, não por motivos imperialistas (por exemplo,
para que o Canal voltasse à companhia anglo-francesa, que Nasser nacionali-
zara), e sim para destruir os ninhos guerrilheiros. Em 1967, sucedeu algo
parecido: cem milhões de árabes preparavam-se para cair sobre 2,5 milhões
de israelenses e atirá-los ao mar” …E repetiu-se o milagre de Davi vencendo
a Golias!
Segundo os sionistas, todas as ações do exército de Israel são de caráter
defensivo ou “preventivo. As incursões nos acampamentos palestinos têm
uma mesma razão, ainda que a “Al-Fatah não compreenda mais que uma
centena de temerários” [(26). “Eles dizem representar o ‘povo palestino’.
Mas pode-se falar realmente de um ‘povo palestino’? Desde o ponto de vista
jurídico, não existe o povo palestino. Desde o ponto de vista sociológico, não
sou especialista, mas não estou seguro de que assim seja... Eu não concebo
seriamente o conceito de ‘povo palestino’...” (27)
Finalmente, para os sionistas não é verdade que Israel seja a ponte pa-
ra a intervenção dos Estados Unidos no Oriente Médio. Israel nasceu funda-
mentalmente apoiado pela URSS e não pelos Estados Unidos. Se depois teve
que se amparar nos norte-americanos, isto se deve, segundo os sionistas, a
que a URSS começou a flertar com os regimes árabes a partir de 1950.
25

Os estranhos começos de um movimento de


“libertação nacional”
Até aqui, vimos a história de Israel narrada pelo sionismo, ou melhor,
pela “esquerda” sionista, já que a ala direita, um general Dayan, por exemplo,
não se dá ao trabalho de se fazer passar por “anti-imperialista”. Esta história é
a que nos relatam os grandes jornais que, estranhamente, defendem um pe-
queno país “socialista” contra uma colossal coalizão de “senhores feudais”,
“generais fascistas” e “mercenários da Al-Fatah”. Tamanha unanimidade da
grande imprensa capitalista é algo pouco comum. Deveríamos revisar o mar-
xismo se isto fosse verdadeiro. Mas, por sorte, não vamos ter esse trabalho
porque a “história” sionista da Palestina somente prova uma coisa: que a
capacidade de mentir pode ser infinita.
Vamos regressar aos inícios do movimento sionista, à segunda metade
do século XIX, quando começa a emigração para a Palestina e se constroem a
ideologia, a política e a organização do sionismo. O leitor já terá percebido,
desde a introdução, que é totalmente fictício falar de “sionismo” antes dessa
data, ainda que alguns delirantes digam que o sionismo teria sido fundado
por Moisés em pessoa, quando saiu do Egito! [28] Claro que isso não pode
ser tomado a sério. Trata-se de mais um entre tantos mitos nacionalistas,
como o de Rômulo e Remo na Itália, por exemplo. Não é para rir, porém, que
citamos este exemplo, mas por uma razão muito séria: por trás de lendas
como esta pretende-se ocultar o verdadeiro marco histórico em que se inicia
o sionismo: o da expansão colonial da Europa na Ásia e África.
“Vimos, diz Lênin, que o período de desenvolvimento máximo do ca-
pital pré-monopolista, o capital em que predomina a livre concorrência,
abarca de 1860 a 1880. Agora vemos que é justamente depois desse período
que começa o enorme “auge” das conquistas coloniais e se exacerba até um
grau extraordinário a luta pela repartição territorial do mundo. É indubitável,
portanto, que a passagem do capitalismo à fase de capitalismo monopolista,
de capital financeiro, [quer dizer à fase imperialista, N. da R.] está relaciona-
do com a exacerbação da luta pela repartição do mundo.” (29)
26

Mas o que tem isto a ver com o sionismo? Como é possível relacionar
a expansão colonial do imperialismo europeu com as esperanças do humilde
artesão ou do estudante pobre que, nos guetos da Europa Oriental, começava
a sonhar com um país em que não fossem humilhados e perseguidos? Quan-
do falamos da expansão colonial europeia, temos em mente a poderosa força
naval inglesa, “dona dos mares”, os canhões dos exércitos do kaiser, a Legião
Estrangeira da “livre França” dedicada à caça de árabes no norte de África ou
os cossacos do czar expandindo-se pela Ásia. É difícil, em princípio, relacio-
nar isto com o pequeno comerciante de Kiev que tremia de medo frente à
possibilidade de um pogrom. Mas havia um elemento objetivo, como diz
Rodinson, um pequeno detalhe, aparentemente sem importância: a Palestina
estava ocupada por outro povo. (30).
Lendo O Estado Judeu, de Teodoro Herzl, a "bíblia do sionis-
mo", pode-se apreciar muito bem o “pequeno detalhe” de que fala Rodinson:
fala-se aí de tudo, define-se desde o horário e turnos de trabalho até as carac-
terísticas das moradias, a cor da bandeira, etc., mas há uma só palavra que
não aparece no livro de Herzl, a palavra “árabe”.
Este intelectual europeu do final do século XIX resolvia minuciosa-
mente em seu livro todos os problemas que previa para a fundação do novo
Estado e seu funcionamento. É casual, pode-se perguntar, que tenha se es-
quecido de mencionar que a Palestina estava habitada, mas não por judeus, e
que os seus habitantes podiam ter algo a opinar sobre esse tema? Se
a Palestina tivesse sido, nesse momento, o centro de uma grande potência
imperialista, teria ele colocado ou não o problema de seus habitantes como
um problema fundamental? Ou se o Estado que pensava fundar, ao invés de
estar situado às margens do rio Jordão, estivesse às margens do Tâmisa, não
teria Herzl colocado a presença dos ingleses como um problema central?
“A ideologia de uma sociedade é a ideologia de sua classe dominante”.
A burguesia imperialista europeia fez com que o entusiasmo da expansão
colonial contagiasse todas as classes da sociedade e ainda grande parte do
operariado. À exceção de um setor minoritário do movimento operário, para
o resto dos europeus, inclusive para muitos dos mais pobres e oprimidos, o
mapa do mundo estava “em branco” fora das regiões civilizadas da Europa e
Estados Unidos. Quando Herzl deixa de mencionar os árabes ou quando,
27

depois, Zangwill lança seu famoso lema: “um povo sem terra para uma terra
sem povo”, sabiam ambos, com certeza, da existência dos árabes. Não se
tratou de um erro de informação. O que eles estavam a dizer, simplesmente, é
que a Palestina era uma terra sem povos... europeus! (31) Nisto, o sionismo
não inventava nada, limitava-se a copiar, ou melhor, a se adaptar à ideologia
e às concepções que orientavam a expansão colonial da Europa.
Dentro desta concepção geral, veremos agora mais claramente o papel
que estava reservado aos desesperados judeus de Europa Oriental. Acontece
que no colonialismo europeu de fins do século XIX, também as massas mais
miseráveis tinham um papel determinado. Lênin fala sobre isto ao citar Rho-
des, o criador da colônia africana da Rhodesia e um dos teóricos da etapa
colonialista do imperialismo. Diz Lenin: “Cecil Rhodes, segundo relato de
um íntimo amigo seu, o jornalista Stead, falou desta forma a propósito de
suas idéias imperialistas: ‘Ontem estive no East End londrino (bairro operá-
rio) e assisti a uma assembleia de desocupados. Ao ouvir discursos exaltados
cuja principal reclamação era “pão! pão”! voltei para casa refletindo sobre o
que tinha ouvido e me convenci mais do que nunca da importância do impe-
rialismo... A ideia que eu acaricio representa a solução do problema social:
para salvar os quarenta milhões de habitantes do Reino Unido de uma guerra
civil funesta, nós, os políticos coloniais, devemo-nos apossar de novos terri-
tórios, aonde enviaremos o excesso de população’ ...” (32)
Em que se diferencia essa postura da posição de Herzl? Troquemos as
palavras “problema social” por “problema judeu”, “guerra civil funesta” por
“incorporar-se a partidos subversivos” e poderemos ver que o senhor Rhodes
tampouco se interessa em mencionar os habitantes nativos desses “novos
territórios”, que para ele também eram “terras sem povo”. Se fazemos essa
troca, teremos quase completa a concepção de Herzl que vimos anteriormen-
te. Quase completa, dizemos, porque faltava a Herzl um elemento objetivo,
que vamos analisar mais adiante.
E a expansão colonial deixa a nu seu “filantropismo”: quem, salvo Lê-
nin e Trotsky, podia se opor a que os famintos do East End saíssem de seus
tugúrios para fazer uma nova vida nos pampas sul africanos? E realmente
eles iam ganhar com essa mudança, pena que à custa dos negros. E quem,
salvo subversivos como Lênin e Trotsky, podia se opor a que os pobres judeus
28

da Europa Oriental saíssem da escuridão de seus guetos para se queimar sob


o sol da Palestina? E realmente ganhavam com a mudança, pena que à custa
dos árabes. Isto em qualquer idioma tem nome: colonialismo.

O sionismo à procura de um bom parceiro


Por motivos didáticos, começamos a análise da colonização sionista da
Palestina por suas concepções gerais e sua ideologia. Vamos agora à sua polí-
tica. Já falamos que faltava a Herzl o elemento objetivo que a Rhodes, mais
afortunado, não faltou: um imperialismo próprio, o imperialismo inglês. Por
isso a política de Herzl e de seus sucessores terá como eixo esse problema,
buscar uma parceria, um casamento com alguma potência imperialista. Isto
explica que a atividade central de Herzl sejam suas gestões junto às distintas
potências imperialistas europeias, com vistas a introduzir o sionismo como
parte da política colonial. Com esse propósito, dirige-se ao kaiser e ao sócio
menor deste, o sultão do império turco, e, finalmente, à Inglaterra.
A Palestina, nesse momento, encontrava-se nas mãos da Turquia.
“Se sua majestade o sultão, escreve Herzl, nos dá a Palestina, com-
prometemo-nos a estabilizar completamente as finanças da Turquia. Para
a Europa, construiríamos ali um bastião contra a Ásia e seriamos a sentinela
avançada da civilização contra a barbárie. Como estado neutro, ficaríamos
em permanente contato com Europa, que garantiria nossa existência” [33]
Comentando isto, diz Rodinson: “Seria difícil localizar com mais clareza o
sionismo dentro da estrutura da política imperialista europeia” (34)
Herzl propõe também ao kaiser “uma chartered company sob o prote-
torado alemão” (35). O que era uma chartered company? O clássico do sio-
nismo, N. Sokolow, encarrega-se de explicar: “Todas as grandes vitórias da
Grã Bretanha nas suas conquistas pacíficas (sic), que começavam pela insti-
tuição de um fundo ou truste inspiravam os sionistas. Cecil Rhodes (mais
uma vez aparece o senhor Rhodes, N. da R.), que começou com apenas um
milhão de libras esterlinas, criou a Rhodesia, que tem uma superfície de
750.000 milhas quadradas. A Companhia Britânica do norte de Bornéu tinha
800.000 libras esterlinas e agora domina um território de 31.000 milhas qua-
dradas. A Companhia Britânica da África Oriental, com 200.000 milhas qua-
29

dradas, começou suas atividades com um capital inicial de 250.000 libras


esterlinas, o mesmo de que dispõe o truste colonial judeu” (36) (fundado por
Herzl com essa finalidade). Herzl propunha ao kaiser uma colônia sob prote-
torado alemão e lhe solicitava que pressionasse o sultão.
O kaiser não prestou ajuda a Herzl e, por sua parte, o sultão da Tur-
quia, país imperialista em relação aos povos árabes, que dominava, mas de-
pendente, por sua vez, do imperialismo germânico, respondeu assim: “O
império turco não me pertence, mas sim ao povo turco. Não posso distribuir
nenhum pedaço dele. Que os judeus fiquem com seus milhões! Quando meu
império seja dividido, poderão obter a Palestina de graça. Mas haverá de ser
somente o nosso cadáver que será dividido. Não aceitaremos nunca uma
vivisseção”. [37]
Frente ao rechaço do sultão, é significativa a reação de Herzl: espera
obter a chartered company, quer dizer a colônia, “depois da repartição da
Turquia” [38]. Quem era o candidato a operar a vivisseção ou repartição do
cadáver turco? A Inglaterra. A ela se dirige Herzl, mas ainda era demasiado
cedo. A nova partilha do mundo colonial ia-se realizar logo na guerra de
1914, a Primeira Guerra Mundial imperialista. Herzl falece em 1904.

Primeira boda do sionismo: a Declaração Balfour


“A Divina Providência situa a Síria e o Egito na via entre a Inglaterra e
as mais importantes regiões de seu comércio exterior colonial: Índia, China, o
arquipélago índico e a Austrália... Por isso, a Divina Providência chama a
Inglaterra a tratar energicamente de criar condições favoráveis nessas duas
províncias... a Inglaterra deve pôr mãos à obra para a renovação da Síria por
intermédio do único povo cuja energia pode ser utilizada constante e eficien-
temente para este fim: os verdadeiros filhos dessa terra, os filhos de Israel”
(39) Essas palavras, emitidas pelo coronel George Gauler, ex. governador da
Austrália, foram pronunciadas no Parlamento inglês em 25 de janeiro de
1853. E não são únicas.
Em meados desse século, o império se expandia a todo vapor. Por isso,
seus estadistas preparavam qualquer tipo de artimanha para pôr os pés em
todos os continentes. Uma das mais engenhosas e frequentes consistia em
30

usar, importar ou inventar conflitos nos países atrasados, onde a Grã-


Bretanha intervinha para “pacificar” ou “defender os direitos” de alguma das
partes. Assim foi quando se planejava construir o canal do Atlântico ao Pací-
fico, não no Panamá, como acabou acontecendo, mas na Nicarágua.
A Inglaterra apresenta-se afirmando que na costa do Atlântico existe o “Rei-
no dos Índios Mosquitos” e, a pedido do rei da Mosquitia, assinou um trata-
do para “proteger” esta “nação” do imperialismo... nicaraguense. Casual-
mente, esse reino de opereta se encontrava na desembocadura do projeto do
canal. Tais os métodos de “Sua Graciosa Majestade Britânica”.
A ideia de cumprir os mandatos da ‘divina providência’, quer dizer, de
usar os judeus como bucha de canhão para colonizar a ‘Terra Santa’ sempre
esteve presente em Londres, mesmo antes da existência do sionismo. Lord
Shaftesbury, em carta a Palmerston, Ministro das Relações Exteriores, sugere
que esse método “seria o modo mais barato [sic] e seguro de proporcionar a
estas regiões despovoadas (outra vez a Palestina é a ‘terra sem povo’) de to-
dos os que necessitam”. (40).
As condições subjetivas para o primeiro ‘casamento’ do sionismo es-
tavam dadas, há tempos. As gestões de Herzl em Londres foram bem acolhi-
das, mas, como já assinalamos, havia um ‘inconveniente’: a Palestina estava
nas mãos da Turquia. Ofereceram a Herzl, momentaneamente, colonizar
Uganda ou o Sinai egípcio. Isto não foi adiante.
Além disso, havia outro problema mais grave: o sionismo não era forte
entre as massas judaicas. Os que queriam imigrar, o faziam massivamente
para a América; pouquíssimos para a Palestina e uma boa parte dos que fica-
vam se achavam influenciados pelos malditos ‘partidos subversivos’, que
denunciavam Herzl. Eram judeus, mas decididamente antissionistas. Isto
logo mudaria por vários motivos: o crescimento do antissemitismo na Euro-
pa.
O noivado entre o imperialismo inglês e o sionismo terminaria em ca-
samento em 1917, com a Primeira Guerra Mundial. Havia soado a hora da
‘repartição da Turquia’, prevista por Herzl.
Para efetuar essa ‘dissecação’ do Império Turco, a Inglaterra se vale do
movimento nacional dos povos árabes, que havia começado desde anos antes
a despertar. Promessas vagas de independência são feitas para conseguir com
31

que lutem contra o Sultão e realiza acordos com alguns chefes árabes, como
Houssein, xerife de Meca e seu filho Faisal.
Pouco importava a Inglaterra utilizar sangue árabe para derrotar o
Império Turco, ela não tinha a menor intenção de permitir que os povos
árabes conquistassem a independência nacional. Assim, ao mesmo tempo em
que fazia essas promessas, firmava um acordo secreto com a França para
repartição da área (o Acordo Sykes-Picot) e emitia a chamada “Declaração
Balfour” (2/11/1917), qualificada acertadamente como a ‘aliança de casa-
mento entre o sionismo e o imperialismo inglês’. A Declaração dizia:
“Estimado Lord Rothschild, tenho muito prazer em lhe fazer chegar,
em nome do Governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia
com as aspirações judias sionista, que foi apresentada, e aprovada, pelo Gabi-
nete.
“O Governo de Sua Majestade vê favoravelmente o estabelecimento na
Palestina de um lar nacional para o povo judeu e empregará seus melhores
esforços para facilitar a realização desse objetivo, ficando claramente enten-
dido que nada se fará que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das
comunidades não judias, ou os direitos e o status político dos judeus que
residam em qualquer outro país” (41)
Com a Declaração Balfour começava a ‘segunda etapa do sionismo’
que culminaria com a criação do Estado de Israel. Cumpria-se, assim, o so-
nho de Herzl: finalmente o sionismo se acoplava à política colonial de uma
grande potência!
O caminho em direção à criação do Estado de Israel se abria com as
seguintes características:
Uma declaração unilateral, de uma grande potência imperialista.
Impor o destino de uma região da Ásia, que jamais havia pertencido
nem pertencia a Inglaterra, permitindo a Grã-Bretanha presentear a Lord
Rothschild, generosamente, com um território alheio.
Desconsiderar os desejos ou a vontade do Povo Palestino, do qual 93%
era árabe, em 1917.
Esses 93% de árabes foram reduzidos à condição de ‘não judeus’ em
um ‘lar nacional judeu’, isto é, de estrangeiros ou quase estrangeiros em sua
própria terra. Para salvar as aparências, falavam de seus ‘direitos civis e reli-
32

giosos’ ao mesmo tempo em que lhes negavam o principal direito de todo


povo colonizado e oprimido: o da autodeterminação nacional, o de decidir
por si mesmo, democraticamente, os destinos de seu país sem a interferência
de ninguém, muito menos de uma potência imperialista.
Se ainda restam dúvidas sobre o que o sionismo fazia era simplesmen-
te ‘introduzir-se na política global do imperialismo inglês’, damos a palavra
ao Dr. Weizmann, cabeça da Organização Sionista e mentor da Declaração,
dirigindo-se ao Gabinete Inglês: “ao apresentar a vocês nossa resolução con-
fiamos nosso destino sionista ao Foreign Office (42) e ao Gabinete de Guerra
Imperial na esperança de que serão considerados à luz dos interesses imperi-
ais […]” (43). Mais claro que isso é impossível.
A Declaração Balfour e o casamento com o sionismo – além de dar aos
ingleses um instrumento valioso para estabelecer um ‘protetorado’ sobre a
Palestina e uma arma decisiva, como veremos, para esmagar o movimento
nacional-árabe – tinha outras causas imediatas: a política de guerra do impe-
rialismo britânico e a luta contra a Revolução Russa. (44)

A Palestina sob a ocupação e o Mandato Britânico


(1918-1948)
Com o término da Primeira Guerra Mundial, os aliados (Inglaterra,
França, Itália, EEUU, etc.) demonstraram que era exata a caracterização de
Lênin: tratava-se de um grupo de bandidos imperialistas que lutava contra
outro grupo de bandidos imperialistas (Alemanha, Áustria, etc.) pela reparti-
ção das colônias e das ‘esferas de influência’ de seus monopólios.
Com o fim da guerra foram esquecidas todas as promessas de ‘paz
com justiça’ ou ‘paz sem anexações’ e os vencedores repartiram entre si o
butim, não sem brigas próprias de todo bando de gângsteres. E que butim!
“Os mil milhões de escravos coloniais” que falava Lenin.
A quadrilha vencedora havia decidido institucionalizar-se sob a forma
da Sociedade das Nações, digna antecessora da atual Organização das Nações
Unidas. Tratava-se de ‘legitimar’ a partilha; e na forma previamente conven-
cionada no tratado secreto Sykes-Picot, a Inglaterra recebeu a Palestina sob
33

‘mandato da Sociedade das Nações’ porque já não soava muito bem dizer que
a obtinha na qualidade de colônia. As promessas feitas aos árabes foram todas
burladas.
Mas os árabes não estavam para brincadeiras. Em todo o mundo colo-
nial ou semi colonial, desde o México até a China e a Índia, desde a Turquia
até a África Negra, começava uma forte onda de lutas anti-imperialistas. Os
milhões de escravos coloniais iniciavam sua marcha e o mundo árabe não era
uma exceção.
Além disso, a guerra de 1914 a 1918 não havia gerado apenas um gru-
po de imperialistas vencedores. Em 1917, havia acontecido uma revolução
socialista no antigo Império Russo, que logo repercutia em toda a Europa.
Pela primeira vez na história surgia um poder dos trabalhadores, que repudi-
ava as conquistas coloniais e chamava esses povos a expulsar os colonizado-
res.
No Oriente Médio se desenvolvem então importantes lutas contra o
imperialismo inglês e francês, que haviam partilhado a região entre si. No
intervalo entre as duas guerras mundiais produziram-se numerosas insurrei-
ções de massas. A Palestina foi o eixo dessa luta anti-imperialista, especial-
mente durante a colossal insurreição de 1936 a 1939 que, para ser sufocada,
precisou da metade dos efetivos de todo o exército britânico - nessa época,
um dos mais poderosos do mundo. (45) Esta revolta começou com uma gre-
ve geral que durou seis meses. (46) Deve ter sido a greve geral mais longa da
história da luta de classes. Milhares de palestinos foram mortos, detidos e
condenados à forca ou a longas penas de prisão. Em 1939, o já heroico povo
palestino achava-se derrotado depois de um banho de sangue. Esta é a chave
principal da relativa facilidade com que em 1947 e 1948, o Estado de Israel
poderia ser instalado ali. (47) Mesmo assim, esta derrota se explica pela com-
binação de outros fatores:
“Uma ‘relação de forças sumamente desfavorável’ contra o imperia-
lismo, que refletia a situação mundial daqueles anos. A década de 1930 é
considerada ‘uma etapa de derrotas graves’ não apenas para o movimento
operário europeu, mas também para as massas dos povos coloniais e semi
coloniais. É a época do triunfo do nazismo na Alemanha, do esmagamento da
revolução na Espanha e da consolidação do stalinismo na URSS, que culmina
34

com o massacre dos velhos bolcheviques nos ‘processos de Moscou’. É a


época da ‘década infame’, na Argentina; da guerra de Abissínia; da anexação
da Manchúria pelo Japão; do desastre das guerrilhas na China, que obriga
Mao Tse-Tung a empreender a Longa Marcha, etc.
Por outro lado, a Grã-Bretanha era ainda o império colonial mais forte
do mundo e o imperialismo que mais havia se recuperado da crise de
1929/1930. Tampoucotinha grandes problemas em sua ‘frente interna’ que
lhe impedisse de voltar-se à repressão das massas coloniais.
“As direções do movimento nacional árabe foram outros componen-
tes fundamentais do desastre. O historiador árabe Fawwaz Trabulsi o explica
assim: “A pouco lógica eleição que aconteceu foi entre o clã pró-britânico de
Nashashibi e o de Housseinis, comandado pelo notório Muftí – em outro
tempo, títere britânico – que passou para o lado das potencias do Eixo em
meados da década de 30. Esta é a liderança que traiu o levante de 1936 quan-
do sob a pressão dos governantes do Iraque, Transjordânia e Arábia Saudita
suspendeu a greve geral para negociar com a Grã-Bretanha. A numerosa
classe dos camponeses sem terra e desalojados fez sentir sua presença pela
continuidade de uma violenta guerra de guerrilhas que foi aniquilada pouco
antes de explodir a Segunda guerra Mundial em 1939. Depois disso, os pales-
tinos, derrotados, desmoralizados e traídos por seus líderes aguardaram o
resultado do conflito entre os colonos sionistas e os ingleses” (48)
Esse desastre de direção que sofria o movimento nacional palestino
não tinha a ver com as clássicas vacilações ou traições dos chefes “feudais”
(49) burgueses ou pequeno-burgueses dos movimentos nacionais do Terceiro
Mundo. Na Palestina, havia um elemento agravante a mais – segundo Tra-
bulsi e outros autores, com papel decisivo: o ‘processo de desagregação e
marginalização da sociedade árabe em bloco’, processo no qual o sionismo
seria a causa determinante, como veremos depois. Faltou ou foi extremamen-
te débil, a burguesia ou a pequeno-burguesia radicalizada, que em outros
países árabes viria a ser o suporte do nasserismo, do baasismo e de outras
correntes nacionalistas. A burguesia palestina era uma sombra de burguesia,
se comparada a de outras regiões do mundo árabe.
Também com o nascente proletariado e o campesinato acontecia um
fenômeno de marginalização parecido. Neste caso, o problema de direção
35

sofria outro agravante: ‘a bancarrota da Internacional Comunista’, única


tendência que tinha – em escala mundial – força suficiente para penetrar e
disputar a direção.
Lamentavelmente, a Internacional Comunista que começou (na época
de Lênin e Trotsky) denunciando o sionismo como ‘exemplo mundial de
colonialismo’, (50) terminaria com Stálin apoiando o sionismo. Essa trajetó-
ria de degradação passa pela busca de alianças com os imperialistas ‘demo-
cráticos’, na década de 1930, justamente quando as massas palestinas faziam
o máximo esforço para acabar com o imperialismo ‘democrático’ que as
oprimia. Dessa forma, o Partido Comunista Palestino se isolou das massas
árabes, e vai de tombo em tombo, de crise em crise até que, em 1948, termina
‘apoiando a partilha do país e a criação do Estado de Israel’.
“O terceiro e último fator – mas não menos importante – foi ‘a ação
dos colonizadores sionistas’. Não precisamos mais aclarar que em ‘todas’ as
lutas entre as massas palestinas e o imperialismo inglês, ‘os sionistas se ali-
nharam sempre com o imperialismo’. Mas essa ação não foi meramente polí-
tica: foi a de ‘desagregar e marginalizar’ toda uma sociedade e todo um povo,
composto por 93% de árabes palestinos, em 1917, de modo que em 1949 (um
ano depois da criação do Estado) achavam-se reduzidos a 16% da população
(51)‘dentro de Israel’, e o restante vivendo na miséria dos acampamentos de
refugiados, fora de suas terras. Vejamos como se deu este processo de ‘expul-
são em massa’ de um povo.

A liquidação econômica da população árabe


“Quando ocuparmos a terra expropriaremos pouco a pouco a propri-
edade privada nos Estados que se nos atribuam. Trataremos de desanimar a
população pobre levando-a para além da fronteira, procurando emprego para
ela nos países intermediários e negando-lhe qualquer emprego em nosso
país.Tanto o processo de expropriação como de eliminação [sic!] dos pobres
deverá ser levado adiante discretamente e com circunspecção” (52)
36

Esta anotação de Teodoro Herzl em seus Diários, além de provar que


não ignorava a existência de nativos naterra onde queria criar o Estado Sio-
nista, ‘constitui por si só um programa’.
Décadas depois, este programa foi vestido com algumas frases “socia-
listas”, tais como que se nega emprego aos árabes para ‘não explorá-los’; que
tirar a terra aos árabes se faz para ‘acabar com o feudalismo’, etc., teremos o
programa aplicado pelo sionismo na Palestina que permitiu a criação do
Estado de Israel. Porém, houve uma pequena diferença: a ‘expropriação…[e]
eliminação dos pobres” não pode ser consumada ‘discretamente e com cir-
cunspecção’, mas mediante a força bruta, já que ‘eles tiveram a ousadia de
não concordar’.
“O gradual fortalecimento deste colonialismo que margina os árabes –
diz Jon Rothschild – se realizou sob três consignas que foram os pilares do
movimento sionista na Palestina desde o começo da colonização até o estabe-
lecimento do Estado de Israel e também depois”.
“Estas consignas foram: kibush hakarka (conquista da terra), kibush
haavoda (conquista do trabalho) e t’ozteret haaretz(produto da terra).
“Por trás dessas sonoras palavras havia uma triste realidade. ‘Conquis-
ta da terra’ significava que toda a terra possível fosse adquirida (legalmente
ou de outras maneiras) dos árabes e que nenhuma terra possuída por judeus
fosse vendida ou de alguma maneira retornasse aos árabes. ‘Conquista do
trabalho’ significava que, nas fábricas e terras possuídas pelos judeus fossem
empregados exclusivamente trabalhadores judeus… O trabalhador árabe era
boicotado. De fato, a Histadrut, que hoje finge ser a “central operária” de
Israel foi criada para…impor o boicote aos trabalhadores árabes… ‘Produto
da terra’ significava praticar o boicote à produção árabe por parte dos coloni-
zadores judeus e sustentar somente a compra de produtos das terras ou negó-
cios judeus” (53).
O efeito dessa política sobre o povo palestino era ‘catastrófico’. Os si-
onistas eram minoria, mas uma minoria em constante crescimento. Por ou-
tro lado, ainda que minoritários, possuíam um poder econômico – que era o
decisivo – muito maior que o dos árabes e isto sem considerar sua estreita
ligação com o imperialismo, da qual logo falaremos.
37

Naturalmente, as primeiras vítimas dessa estranha política ‘socialista’


do sionismo eram os trabalhadores e camponeses árabes, reduzidos à condi-
ção de operários sem trabalho e de camponeses sem terra, afundados na mi-
séria e no desespero.

A outra cara do kibutz “socialista”


A situação do campesinato, do fellah, já era ruim. O sionismo foi o en-
carregado de levá-la ao extremo.
“Segundo o Informe do Comitê de Estudo das Condições Econômicas
dos Agricultores na Palestina – escreve Tony Cliff, em 1946 – comumente
chamado Informe Johnson-Crosbie, somente 23,9% do que o fellah produz
fica em suas mãos, enquanto que 48,8% é consumido pelos impostos do go-
verno, a renda dos proprietários de terras e o lucro do usurário (54)
“Para compreender até que ponto é baixo o padrão de vida de um
camponês árabe em razão da forma atrasada de sua economia e de sua explo-
ração pelos diversos parasitas (que constituem a principal barreira para o
desenvolvimento de sua economia) farei a comparação entre o regime de um
fellah e aquele que o governo dá aos presos… [para calcular os gastos em
libras esterlinas] faço a suposição de que um fellah, sua mulher e seus quatro
filhos se encontram presos:

Produtos consumidos Família fellah na Família fellah


prisão em liberdade
Trigo e milho 5.1 £ 10 £
Azeitonas e Azeite de Oliva 3.8 £ 3£
Legumes, Lentilhas e Lácteos 12.9 £ 4£
Outros produtos comprados 6.7 £ 1£
pelo fellah
38

“Estes cálculos - conclui Cliff – nos dão uma ideia das terríveis condi-
ções que suportam as massas de camponeses da Palestina” (55)
E como se isso fosse pouco, vieram os colonizadores sionistas. Com-
pravam o solo do proprietário-usurário e aldeias inteiras foram arrastadas
nos caminhos. Claro, o árabe era demasiado ‘bárbaro’ e ‘ignorante’ para
entender este ‘progresso’, que na terra na qual haviam trabalhado os avós de
seus avós ia se instalar um avançado kibutz ‘socialista’, com os colonos vin-
dos da Europa. Então, explodia e provocava rebeliões como as de 1936/1939.
E aqui intervinham as tropas de Sua Majestade Britânica e da Haganá (exérci-
to extra oficial do sionismo) para ‘fazê-lo entrar na razão’. Assim o sionismo
ia ‘conquistando a terra’.
Não necessitamos esclarecer que isto não tem nada a ver com uma re-
forma agrária ‘anti feudal’. Os sionistas se opunham com unhas e dentes a
qualquer iniciativa nesse sentido, inclusive aos tímidos projetos que às vezes
anunciava a administração britânica. É que uma autêntica reforma agrária –
isto é, dar a terra ao fellah e livrá-lo dos latifundiários e usurários – teria sido
mortal para o sionismo.
A pretensão dos colonizadores sionistas de se comparar com Emiliano
Zapata, Hugo Blanco ou qualquer outro revolucionário agrário provoca in-
dignação.

A outra cara da Histadrut “socialista”


Esses árabes desalojados da terra se encaminharam para a cidade. Ali a
coisa não era muito diferente, em comércios e fábricas. Os árabes eram ex-
pulsos ou se lhes negavam trabalho nas empresas de propriedade sionista ou
de capital estrangeiro (concessões), que geralmente eram administradas por
gerentes sionistas. Para compreender o que significou isso, vejamos a seguin-
te estatística, de acordo com o “padrão industrial de 1939” (56)
39

Inversões Força Motriz


Indústrias de propriedade de 6,5% 2,2%
árabes
Indústrias de propriedade de 40,3% 22,0%
sionistas
Concessões 53,2% 74,9%

Então, onde um árabe podia encontrar trabalho? Já vimos a ‘outra ca-


ra’ do kibutz ‘socialista’. Agora conhecemos a outra cara da Histadrut ‘socia-
lista’ porque este pretenso ‘sindicato’ não foi criado para a luta de ‘todos’ os
operários (qualquer que seja sua nacionalidade, língua ou suposta ‘raça’)
contra os patrões, mas para a ‘conquista do trabalho’, para expulsar os operá-
rios árabes de seus empregos. A Ku-klux-klan e os ‘sindicatos de brancos’
faziam o mesmo nos EEUU, sem manchar a palavra ‘socialismo’: Eles tam-
bém tentam impedir que os negros sejam explorados pelos capitalistas bran-
cos, expulsando-os especialmente dos empregos qualificados. Se o que fazi-
am, e fazem os sionistas não é racismo, o que deve ser chamado de racismo?
É necessário afirmar que esta monstruosidade de fazer enfrentar a tra-
balhadores contra outros se aproveitando de suas diferenças “raciais”, não
tem nada a ver com o socialismo? É necessário afirmar que este repugnante
racismo é incompatível total e absolutamente com o marxismo? Ninguém
tem direito de se chamar socialista, menos ainda marxista, se não defende um
mínimo princípio internacionalista, se não está pela unidade de todos os
trabalhadores, qualquer que seja sua nacionalidade, “raça” ou língua. “Traba-
lhadores do mundo, uni-vos!”, com essa consigna nasceu e vive o socialismo
marxista. ‘Operário judeu: luta contra o trabalhador árabe, une-te ao patrão
sionista ou inglês para tirá-lo do emprego, não o admitas no teu sindicato, a
Histadrut!’; essa foi a política do ‘socialismo’ sionistas. O marxismo e o sio-
nismo são completamente incompatíveis.
Quando a Histadrut ‘socialista’ não podia impedir que, em algum lu-
gar, árabes e judeus trabalhassem juntos,eles mantinham relações fraternais e
lutavam unidos contra a patronal, então intervinham as organizações arma-
das sionistas, como o Irgún e o grupo Stern, para “convencê-los”.
40

Um caso famoso foi o da Refinaria de Petróleo, em Haifa, ocorrido em


31 de dezembro de 1947, onde vinham acontecendo lutas conjuntas de ope-
rários árabes e judeus contra a patronal imperialista. Isto, certamente, não
agradava nem aos sionistas, nem aos árabes reacionários e menos ainda à
empresa e ao governo britânico. Nessa data, um comando do Irgún jogou
bombas e metralhou uma fila de operários árabes que estavam na porta por
trabalho. Seis morreram e dezenas ficaram feridos. Aproveitando a situação,
agentes provocadores entre os árabes incitaram os trabalhadores palestinos a
atacar seus companheiros judeus. Desencadeou-se, então, uma luta fratricida
dentro da refinaria com centenas de mortos e feridos (57)
Os ativistas, operários e estudantis que leem este texto conhecem o va-
lor da solidariedade de classe, seja pela sua luta na fábrica, ou seja pelas greves
e conflitos que apoiaram. Solicitamos que meditem um momento sobre este
“exemplo de socialismo” sionista.

A outra face do “produto da terra”


A terceira consigna, t'ozteret haaretz (produto da terra) fechava o cir-
cuito. O sionismo impunha o boicote de todo produto árabe pela força. Pobre
do trabalhador ruralpalestino que se atrevia a levar seu carro de verduras a
algum bairro dominado pelos sionistas! Pobre da ama de uma casa judia a
quem, algum bando de matadores da “Histadrut”, descobriam comprando
meia dúzia de ovos de um árabe! (58)
Ainda que os sionistas fossem minoria (ao se proclamar o Estado de
Israel constituíam apenas um terço da população), sua capacidade de compra
era maior. Estas medidas – ligadas como veremos mais adiante à ação do
imperialismo inglês – eram umaforma de ataque arrasador à sociedade pales-
tina em seu conjunto, já que o objetivo final era desagregá-la para expulsá-la
de sua própria terra.
Visto que os sionistas e o imperialismo inglês dirigiam as principais
alavancas da economia e que o imperialismo somado ao sionismo superava,
esmagadoramente, os árabes em todas as etapas do circuito econômico, desde
a produção ao consumo e em quase todos os ramos da produção. Este triplo
boicote aos árabes (no campo, no trabalho e na produção e comércio) tendia
41

a converter o conjunto dos palestinos a uma massa marginal e desarraigada


de toda atividade econômica. O passo final seria empurrá-la para fora da
Palestina.
Esse ataque através do bloqueio e essa desagregação ‘molecular’ da so-
ciedade palestina dificultava, como dissemos, a organização da resistência das
massas e o surgimento de uma direção árabe que estivesse à altura da situa-
ção. Ainda que os trabalhadores da cidade e do campo fossem quem mais
sofressem, ao aparecer essa agressão colonial dirigida ao conjunto dos pales-
tinos, era muito difícil uma ‘diferenciação de classes’ que deslocasse a direção
do movimento nacionalista palestino às velhas famílias tradicionais. Era difí-
cil, ou impossível, que surgisse, não só uma direção marxista revolucionária,
mas ao menos uma direção pequeno burguesa radicalizada, como é a atual
direção da resistência palestina. E fora da Palestina, a coisa não era melhor.
Como ‘porta-vozes do mundo árabe’, apareciam personagens da laia do Rei
Faruk, do Egito, ou do Rei Abdullah, da Jordânia, marionetes do imperialis-
mo inglês, que terminariam de consumar a traição ao povo palestino.

A outra cara do sionismo como


“movimento de libertação nacional”
“Não podemos desconhecer os grandes interesses que a Inglaterra tem
no Mediterrâneo. Afortunadamente para nós, os interesses da Inglaterra no
mundo têm como base essencial a preservação da paz e, por isso, não somos
os únicos que vemos no fortalecimento do Império Britânico uma importan-
te garantia para o fortalecimento da paz internacional. A Inglaterra contará
com bases defensivas marítimas e terrestres no estado Judeu e no corredor
britânico. Durante muitos anos o estado Judeu necessitará da proteção mili-
tar britânica, e ser protegido implica certo grau de dependência”. (59)
Estas palavras de Ben Gurión, patriarca do Estado Sionista, expressas
no seu informe ao 19º Congresso Sionista de 1935, refletiam bastante o ‘ca-
samento’ entre o sionismo e o imperialismo britânico, durante os anos do seu
“mandato”, na Palestina. No entanto, nesta declaração de amor, se falava da
42

futura causa do ‘divórcio e novo casamento do sionismo’, desta vez com o


imperialismo ianque. Vejamos o que aconteceu:
O sionismo está ligado à colonização inglesa da Palestina desde a De-
claração Balfour. Mas, como sócio menor: “Aqui na Palestina – assinalava
Tony Cliff – o imperialismo se serve de uma arma que utilizou durante mais
de vinte anos para submeter a população árabe: o sionismo. O sionismo ocu-
pa um lugar especial nas defesas imperialistas. Joga um duplo papel: em pri-
meiro lugar, diretamente, como pilar importante do imperialismo, lhe dando
apoio ativo e opondo-se à luta libertadora da nação árabe. Mas também joga
o papel de servo por trás do qual o imperialismo pode se esconder e contra o
qual pode orientar a cólera das massas árabes.” (60)
Cliff cita exemplos deste duplo papel: “Uma companhia inglesa de ele-
tricidade monta uma empresa na Palestina e nomeia um sionista como ge-
rente geral. O resultado é que agora quando nas colônias a luta anti-
imperialista se caracteriza por greves, manifestações e boicotes contra as
filiais de empresas estrangeiras, na Palestina o boicote contra a companhia de
eletricidade toma um outro aspecto: aparece como manifestação “antissemi-
ta” … Outro exemplo clarifica ainda mais as coisas – adenda Cliff. Na Síria e
no Líbano ocorreram grandes manifestações, algumas delas violentas, contra
o estabelecimento da Companhia de caminhões Steel BROS; aqui na Palesti-
na, os sionistas “socialistas” e a Histadrut, em troca de uma miserável re-
compensa, se põe à serviço da Steel BROS, e lhe permitem instalar-se firme-
mente no país… Se o Exército Britânico, no período de 1936 a 1939, matou
milhares de guerrilheiros árabes (da mesma maneira que os italianos mata-
ram os abissínios, ou os japoneses, os holandeses e os ingleses matam hoje os
indonésios), não faz isso para manter seu domínio – Deus livre e guarde! –
senão para “proteger os judeus”… O sionismo livra assim o imperialismo de
responsabilidade por atos de espoliação e opressão.” (61)
Nessa política, a Haganá, exército extra oficial que formou o sionismo
na Palestina durante o Mandato Britânico e com o qual expulsaria, em 1948,
a maioria de seus habitantes árabes, teve um grande papel. Dentro da mitolo-
gia do sionismo como “movimento de libertação nacional”, a Haganá é com-
parada com as guerrilhas de Castro, com o Vietcongue, etc. A Haganá havia
desenvolvido uma luta heroica contra o exército de ocupação britânico.
43

Mas os apologistas de ‘esquerda’ do sionismo se veem desmentidos


pelos mesmos historiadores sionistas. Tomemos como exemplo o li-
vro Antologia Israel, editado em Buenos Aires, pela AMIA, e veremos o que
era e o quefazia esse “exército de libertação nacional”.
Nele, Moshe Pearlman começa sua História da Haganá com as seguin-
tes palavras: “Resulta evidente que as autoridades militares britânicas reco-
nheceram sempre a existência da Haganá. Conheciam sua finalidade [sic].
Tinham vasta experiência em relação ao seu uso como força defensiva nos
assuntos palestinos internos… No decorrer deste período [o período entre
guerras] as autoridades militares britânicas trabalharam abertamente com a
Haganá, sem poupar jamais elogios pelas tarefas bem realizadas.” (62) Que
estranho “exército de libertação nacional” era este!
Mas, quais eram esses “assuntos palestinos internos” e essas “tarefas
bem realizadas” com tantos ‘elogios’ do Império Britânico? Pearlman res-
ponde, a seguir: “Podia ter-se esperado que a Administração [britânica] ti-
vesse a coragem de legalizar a situação da Haganá, depois de seus serviços
durante os anos 1936/39 nas insurreições árabes.” (63)Está claro agora se-
nhores mentirosos da “esquerda pró sionista” o que era e para que servia a
Haganá?
Em 1939, o Exército Britânico e seu sócio menor, a Haganá, obtiveram
uma vitória arrasadora sobre as guerrilhas palestinas. Mas, nessa época, co-
meçam os atritos entre o sionismo e os britânicos. Anteriormente, uma mi-
noria sionista havia se separado, a ‘revisionista’, dirigida por Jabotinsky, (64)
que logo formou as organizações terroristas Irgun e Stern que atacavam os
árabes e os britânicos.
A luta que terminaria em divórcio, tinha por ‘eixo’ as restrições que
em seu Livro Branco, de 1939, o governo inglês impõe: a compra de terras e a
emigração sionista à Palestina (65). Por que o imperialismo britânico faz
isso?
“O sionismo quer construir um Estado capitalista judeu forte que o
proteja do ódio das massas coloniais mas que não transforme o sionismo
num fator muito poderoso. Sobre este último ponto, está disposto a provar
sua “justiça” frente aos árabes e está disposto a conceder parte de suas justas
reivindicações… à custa do sionismo. Para assegurar os serviços do sionismo,
44

que mantém contra toda insurreição anti-imperialista..., o imperialismo não


tem obrigatoriamente a necessidade de deixar florescer o sionismo. Uma
população sionista de 600.000 pessoas é suficiente para cumprir esse pa-
pel.”(66)
Em 1939, o Império Britânico também estava diante de uma nova
guerra mundial. Devia manter uma política global para o conjunto do mundo
árabe e colonial que dominava, a fim de mantê-lo em ‘paz’, enquanto lutava
contra o imperialismo alemão. Para isso, a Inglaterra contava com a colabo-
ração de Abdullah e demais marionetes árabes e com a vantagem de ter di-
fundido a mais séria ameaça: a rebelião palestina. Precisava realizar algumas
concessões que fizessem parecer os ‘açougueiros’ ingleses da Palestina como
‘protetores dos povos árabes’. E o sócio menor – o sionismo – pagava os
gastos da operação.
Mas a luta logo se desenvolveria entre o sionismo e a administração
britânica e seria qualquer coisa, menos uma luta anti-imperialista. (67). Tra-
tou-se de uma contradição clássica entre os interesses globais e gerais de um
imperialismo e os interesses particulares de um setor de colonizadores. É a
mesma contradição que houve entre os colonos franceses da Argélia e o go-
verno de Charles de Gaulle, ou entre os colonos brancos da Rhodesia e o
imperialismo inglês, contradição que levou a ‘independência’ dessa colônia
britânica. Mas alguém se atreve a dizer que essas foram ‘lutas anti-
imperialistas’?

Aparece o “novo Moisés”


“Pressinto que o presidente [dos EUA] será o novo Moisés que fará
nascer o filho de Israel no deserto.” (68). Essas declarações ‘proféticas’ de um
congressista norte-americano ao sair de uma reunião como o presidente
ianque foram registradas com satisfação pelo Jerusalém Post, em 6 de março
de 1944. A ‘divina providência’, desta vez encarnada nos EUA, se preparava
para desencadear um novo ‘milagre’, dentre os que tanto abundaram na
história do sionismo. E, como sempre, às custas dos árabes.
O que teria acontecido? Voltemos novamente a Ben-Gurion: “Nossa
maior preocupação [ao se iniciar a II Guerra Mundial] era a sorte que seria
45

reservada à Palestina depois da guerra. Já era conhecido que os ingleses não


conservariam seu Mandato. Se tinham todas as razões para crer que Hitler
seria derrotado, era evidente que a Grã-Bretanha, ainda que vitoriosa, sairia
muito debilitada do conflito… De minha parte, não duvidava que o centro de
gravidade de nossas forças deveria passar do Reino Unido aos EUA, que
estava a caminho de assegurar-se no primeiro lugar do mundo.” (69)
Já vimos como, em 1917, o sionismo “confiava seu destino” ao Fo-
reing Office e ao Gabinete de Guerra Imperial inglês. Em 1939, ante a nova
partilha imperialista do mundo, o sionismo trocava o Foreing Office pelo
Departamento de Estado ianque. A alegada ‘luta anti-imperialista’ do sio-
nismo era simplesmente a mudança de um sócio pelo outro.
Junto com seu novo ‘centro de gravidade’ -Estados Unidos - o sionis-
mo marchava a passos firmes para a criação do Estado de Israel. Durante o
Mandato, os ingleses haviam feito uma proposta de partilha da Palestina que
Bem-Gurión aceitou de imediato (Proposta da Comissão Peel, de 1937). Ain-
da que só lhes desse a quarta parte da Palestina, Bem-Gurión estava disposto
a tomá-la como base da futura expansão: “O Estado judeu que nos é proposto
– disse à essa época,Bem-Gurión – não corresponde aos objetivos sionistas,
mas será uma etapa decisiva para a realização de nossos grandes desígnios…
Romperemos as fronteiras que nos impuseram”. (70)
Finalizada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, a questão da Palestina
começou a ser tratada pela nova Organização das Nações Unidas. Repetia-se
a farsa da Liga das Nações. Novamente, sem a menor consulta ao povo pales-
tino, novamente, violando da forma mais grosseira seus direitos à autodeter-
minação e de dispor de seu país e de si mesmo; as grandes potências se prepa-
ravam para dar ‘status legal’ à situação colonial criada no curso da domina-
ção britânica. Assim, em 29 de novembro de 1947, votou-se a partilha da
Palestina em dois estados: um sionista e outro árabe.
Resumindo o significado dessa votação e explicando a justificada cóle-
ra que tomou contadas massas do mundo árabe, disse Rodinson: “Para as
massas árabes, aceitar a decisão das Nações Unidas tinha o significado de
uma capitulação incondicional a um diktat, o mesmo tipo de capitulação dos
reis negros ou orientais do século XIX diante dos canhões apontados para
seus palácios. A Europa havia enviado coletivamente colonos cujo objetivo
46

era apoderar-se de uma parte do território nacional. Durante o período em


que uma reação nativa havia sido suficiente para expulsar facilmente esses
colonos, tal reação havia sido impedida pela polícia e pelas tropas britânicas
representantes da coletividade de nações euro-americanas. Essa reação havia
sido desarmada moralmente pela garantia “falaz” de que só se tratava de uma
implantação pacífica de alguns grupos infelizes e inofensivos, destinados a
permanecer minoritários. E depois, quando se revelava a real intenção desses
grupos, o mundo euro-americano, unido apesar de suas divergências inter-
nacionais, desde a URSS socialista até os Estados Unidos ultra capitalistas,
queriam impor aos árabes a aceitação do fato consumado. Com respeito aos
árabes, a liquidação da Segunda Guerra Mundial repetia amargamente as
mentiras da Primeira.” (71)

Stalin: padrinho do segundo casamento do


sionismo
“A delegação da União Soviética não pode deixar de expressar seu es-
panto pela posição que os países árabes adotaram na questão Palestina; todos
nós ficamos surpreendidos [sic] de ver esses estados, ou pelo menos alguns
deles, recorrer às armas e entregar-se em operações militares com o fim de
reprimir o movimento de libertação nacional que nasce na Palestina.” (72)
Assim falava Andrei Gromyko, embaixador de Stálin, na sessão de 12 de
maio de 1948, no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A URSS não só havia se aliado aos Estados Unidos para legalizar a si-
tuação colonial na Palestina como também enviava armas e aviões aos sionis-
tas por intermédio da Tchecoslováquia. Além disso, a URSS foi a primeira
potência que reconheceu Israel. O fez, inclusive, antes dos EUA.
Claro que este certificado de “movimento de libertação nacional” que
Stálin dava ao sionismo, apenas ‘certificava’ a completa degradação da buro-
cracia soviética. Era mais uma traição na grande lista do stalinismo.
Já assinalamos a opinião de Lenin e Trotsky, no início da aventura si-
onista na Palestina. Após 25 anos, os feitos haviam confirmado plenamente o
caráter colonialista e pró-imperialista do sionismo. Mas, isto era o de menos
47

para a burocracia soviética. A única coisa que importava era a partida de


xadrez diplomático a três, entre os EUA, a URSS e o Império Britânico.
Sobre a burocracia soviética recai a mesma responsabilidade que recai
sobre os EUA a respeito da criação do Estado colonial e racista de Israel,
mesma responsabilidade na negação dos direitos democráticos e nacionais do
povo palestino.
O apoio da URSS ao colonialismo sionista trouxe consequências muito
mais graves que as armas e os aviões que enviara, em 1948, para massacrar os
árabes. Significou, por um lado, o isolamento dos árabes e das massas popu-
lares do resto do mundo. Os stalinistas, unidos aos socialdemocratas, fizeram
que se acreditasse mundialmente na mentira de um Israel ‘progressista’ com-
batendo contra o regime feudal. Se esta mentira tivesse sido exclusiva do
Senhor Bem Gurion e de seu novo parceiro o governo ianque, poucos teriam
sido convencidos. Mas os partidos comunistas e socialdemocratas as adota-
ram, colocaram toda sua autoridade e o peso de seus aparatos para fazer que
acreditassem nela milhões de trabalhadores, estudantes e intelectuais de es-
querda. Ao igual que os sionistas, aproveitaram-se de horror do mundo fren-
te à barbárie nazista e a matança de 6.000.000 de judeus para ocultar que os
sionistas na Palestina vinham praticando o mesmo racismo contra os nativos
e com métodos similares.
Por outra parte, a traição stalinista, enlameava o socialismo e o mar-
xismo frente aos olhos das massas árabes. Dessa forma, ficavam reféns das
manipulações dos elementos mais reacionários, como os da Irmandade Mu-
çulmana, ou as abandonava nas mãos dos Faruk e os Abdullah.

A IV Internacional foi a única tendência de


esquerda antissionista
Pelo direto das massas árabes decidirem por elas mesmas

Enquanto o stalinismo e a socialdemocracia apoiavam fervorosamente


o sionismo e a criação de Israel, os trotskistas faziam o contrário: “Abaixo a
48

partilha da Palestina! Por uma Palestina árabe, unida e independente, com


plenos direitos de minoria nacional para a comunidade judia!; Abaixo a in-
tervenção imperialista na Palestina!; Fora todas as tropas estrangeiras do
país, os ‘mediadores’ e ‘observadores’ das Nações Unidas!; Pelo direto das
massas árabes decidirem por elas mesmas!; Pela eleição de uma Assembleia
Constituinte com sufrágio universal e secreto!; Pela revolução agrária!” (73)
Este foi o programa levantado pelo Grupo Trotskista Palestino, que também
denunciava: “o imperialismo ianque ganhou um agente direto – a burguesia
sionista - que, por isso, se tornou completamente dependente do capital
norte-americano e da política dos EUA. Daqui em diante, o imperialismo
ianque terá uma justificativa para intervir militarmente no Oriente Médio
cada vez que lhe for conveniente… a consequência inevitável desta guerra
será a dependência total do sionismo ao imperialismo norte-americano.”
(74)

A guerra de 1948 começou em 1947


O repúdio árabe à participação do território conduziu a uma luta que
levaria em 1948 à intervenção de vários estados árabes, principalmente
Transjordânia (hoje Jordânia) e Egito, e que terminaria na sua derrota.
Aqui temos que desmentir outro mito sionista: o de “punhado de sio-
nistas lutando contra o gigante de 100 milhões de árabes”, “David contra
Golias”, etc., etc. Em todos os enfrentamentos armados desde 1948 – a exce-
ção talvez da guerra do Yom Kippur, em 1973, em que foi um pouco mais de
igual para igual os sionistas têm tido sempre uma clara superioridade militar.
Entre 1947 e 1948, enquanto os palestinos estavam destroçados pela
derrota na insurreição de 1936 a 1939, o sionismo contava não só com a Ha-
ganá (organizada, armada e tolerada pelos ingleses mesmo nos momentos de
maior atrito com os sionistas), mas também dispunham das unidades “irre-
gulares”, como o Irgún e outras, e com vários milhares de combatentes trei-
nados nas brigadas judaicas do exército inglês. O general Dayan sai dessa
escola, por exemplo.
No livro oficial sionista Antologia Israel, citado anteriormente, há ci-
fras eloquentes. (75) Vejamos:
49

Polícia Rural Judia .................................................... 2.000


Haganá ....................................................................... 45.000
Palmaj (comandos treinados pelos ingleses) ..... 3.000
Irgún e outros grupos terroristas .......................... 3.000

A isso, soma-se vários milhares de “voluntários” vindos da Europa e


EUA, veteranos da Segunda Guerra Mundial, entre eles pilotos de caça, que
se uniram no enfrentamento. Com eles, chegamos a uma cifra entre 60 mil a
70 mil combatentes sionistas, a maioria de alta qualificação técnica e/ou mili-
tar.
Que opunham, contra eles, os “bandos de milhões de árabes”? Até a
intervenção dos Estados Árabes limítrofes, praticamente a maior força orga-
nizada dos palestinos foi o Exército de Liberação de Fawziel-Kawakji, que
entrou na Palestina em janeiro de 1948. Alcançava, apenas, a cifra de 5.000
homens.
Havia, naturalmente, muitos outros milhares de resistentes nas aldeias
e cidades árabes. Mas a resistência era desconectada e desorganizada militar e
politicamente. Para poder impor a superioridade de seu número contra os
colonizadores, os palestinos necessitavam de uma arma da qual careciam:
uma política e uma organização revolucionárias, capazes de mobilizar o con-
junto das massas palestinas e dos países árabes limítrofes. Não precisamos
falar que esse não era o objetivo de Abdullah, Faruk e demais personagens
que apareciam como “representantes da nação árabe”. Pelo contrário, esta-
vam incubando uma traição monumental.

A estranha guerra de 1948 e a traição do rei


Abdullah
Enquanto a resistência palestina era exterminada, enquanto ocorriam
matanças das quais logo falaremos, os governos árabes passavam de confe-
rência em conferência. Em 14 de maio de 1948, era proclamado o Estado de
Israel. No dia seguinte, depois de meses de luta, intervém, primeiro Transjor-
50

dânia, em seguida o Egito e, em menor medida, outros países árabes. Todos


os exércitos dosEstados Árabes que operam não passam de 25.000 homens,
(77) sem unidade de comando, por outro lado. Ainda nesses momentos, as
forças sionistas tiveram uma indiscutível superioridade militar.
A única força capaz de fazer frente militar à Haganá era a Legião Ára-
be da Transjordânia, dirigida por oficiais ingleses. E, dito isto, é dizer que ia à
derrota. A Inglaterra, que convinha aparecer agora como ‘protetora dos ára-
bes’, desenvolvia, na realidade, um jogo duplo. Enquanto nas Nações Unidas
se opunha à partilha da Palestina, terminou acatando o bloqueio e o embargo
de armas e munições aos beligerantes. Este ‘embargo’, como sucedeu na
guerra da Abissínia ou na da Espanha, só afetava a uma das partes na luta,
neste caso, aos árabes.
Mas o golpe final sobre os palestinos foi o pacto secreto entre Abdul-
lah, rei da Transjordânia e Golda Meir, representante do governo israelita
neste momento. Esse pacto consistia, simplesmente, na repartição da Palesti-
na. (78) Assim, o Estado de Israel estendeu sua superfície além das fronteiras
assinaladas no mapa de partilha das Nações Unidas e o rei da Transjordânia,
avô do atual Hussein, se apropriou da Cisjordânia. Ao rei Faruk somente lhe
sobrou um osso: a franja de Gaza.
Poucos anos depois, Abdullah seria executado por um palestino. Mas
esse ato de justiça e desespero não mudou a sorte do seu povo. Começava a
tragédia do povo árabe da Palestina, desapropriado de sua terra e de seu di-
reito à autodeterminação.

Como fabricar uma “terra sem povo”


Os colonizadores sionistas tiveram tempo de comprovar que a questão
da “terra sem povo” não correspondia à realidade da Palestina. Mas, se a
“terra sem povo” não existia, poderia ser fabricada. Vimos como no início de
sua colonização, as medidas econômicas e políticas do sionismo tendiam a
uma lenta, mas firme, ‘marginalização’ da população árabe. Agora, esse pro-
cesso daria um salto: a expulsão da maioria dos palestinos e a expropriação de
seus bens.
51

O líder sionista Weitz, diretor durante muitos anos do Departamento


de Colonização da Agenda Judaica, anotava em seu Diário, em 1940: “A úni-
ca solução é uma Palestina, ou ao menos, uma Palestina Ocidental (ao oeste
do rio Jordão) sem árabes... e não há outro caminho a não ser transferir todos
os árabes daqui aos países vizinhos, transferi-los a todos: nem uma aldeia,
nem uma tribo devem ficar”. (79) Para realizar estes planos dignos de Hitler,
só havia um método: o que usava Hitler. E foi usado.
Tão logo votada a partilha pelas Nações Unidas, começou uma ‘cam-
panha de terror’ que obrigou à fuga das populações árabes. Como principais
executores das carnificinas, destacaram-se os membros do Irgún, organização
terrorista que tinha a vantagem de ser “extraoficial”, ou seja, quando efetua-
vam algum massacre, Ben-Gurion podia lavar as mãos e dizer que não era
responsável. O dirigente desta organização fascista era o famoso Menajen
Begin, hoje líder do partido Herut, membro da Knesset (Parlamento de Isra-
el) e ministro em vários gabinetes.
Seria impossível refazer a história de todas as matanças dos sionistas
neste período. Já relatamos a façanha do Irgún, na Refinaria de Petróleo, em
Haifa, no dia 31 de dezembro de 1947. Vamos falar agora sobre Deir Yassin.
O extermínio da aldeia árabe de Deir Yassin vem sendo qualificado,
com razão, como o My Lai do sionismo, comparando-o ao célebre massacre
perpetuado nesta aldeia do Vietnã, pelas tropas ianques.
Os testemunhos básicos da matança, emDeir Yassin, foram dados pelo
delegado da Cruz Vermelha Internacional, na Palestina, Jacques De Reynier,
quem descobriu os cadáveres e conseguiu salvar três vítimas gravemente
feridas. Seu informe foi publicado, em 1950 (80) – três anos depois. Mas em
abril do ano passado, o jornal israelita Yedioth Aharonot publicou vasta do-
cumentação sobre a matança, na qual encontramos um informe secreto do
soldado Meir Philipsky – hoje, general (R) Meir Pa’el – e que ao efetivar o
massacre era “oficial de união – entre a Haganá e os grupos terroristas (Irgún
Zvai Leumi – ETZEL – e o grupo Stern – LEHI)” (81). Esses dados podem ser
resumidos assim:
No dia 9 de abril de 1948, unidades especiais da Haganá tomaram a
aldeia de Deir Yassin, depois de vencer uma fraca resistência árabe. Finaliza-
da a resistência, deixaram-na em mãos dos ‘açougueiros’ da ETZEL e LEHI.
52

Estes foram de casa em casa, exterminando toda a população civil; a maioria


eram mulheres, idosos e crianças, já que os homens estavam trabalhando fora
da aldeia, naqueles momentos. Jogando granadas nas casas e logo metralhan-
do ou degolando os sobreviventes, exterminaram cerca de 250 palestinas e
palestinos.
“Junto com um grupo de habitantes de Jerusalém – relata o mencio-
nado soldado Philipsky – rogamos aos comandantes que deram ordem para
parar a matança, mas nossos esforços resultaram infrutíferos. Entretanto, uns
25 homens haviam sido trazidos para fora de suas casas. Subiram nos cami-
nhões de carga e foram levados em marcha triunfal – como um triunfo ro-
mano – pelos bairros de Mahaneh Tahuda e Zakhron Yosef (em Jerusalém).
Quando finalizou a marcha, foram levados a uma pedreira que fica entre
Giv’at Sha’ul e Deir Yassin e ali foram mortos a sangue frio.” (82) Os cadáve-
res da aldeia foram jogados em poços d’água. Ali foram descobertos pelo
delegado da Cruz Vermelha, De Reynier.
O historiador israelita Arieh Yitzhaqui, comentando noYediot Aharo-
not, a documentação publicada, destaca que o ocorrido em Deir Yassin “se-
guiu o esquema habitual da ocupação de uma aldeia árabeem 1948. Nos pri-
meiros meses da guerra de independência, as tropas da Haganá e o Palmach
realizaram dezenas de operações deste tipo…”. (83)
O objetivo político das matanças de Deir Yassin, Lidda, Jaffa, etc., não
pode ser mais claro: fabricar a “terra sem povo”, “transferir – como dizia
Weitz – a todos os árabes daqui para os países vizinhos…”
Se há dúvidas, Menajen Begin, um dos principais executores desses
crimes, as esclarece: “Todas as forças judaicas – diz Begin – avançavam atra-
vés da Haifa como uma faca na manteiga. Os árabes fugiam cheios de pânico
gritando: Deir Yassin!… Este êxodo massivo, logo, se tornou numa enlou-
quecida e incontrolável fuga.” (84) Desta forma, ao assinar-se o armistício no
início de 1949, aproximadamente um milhão de palestinos haviam sido ex-
pulsos de suas terras.
53

O estado colonial, racista e


gendarme da revolução árabe
O Estado de Israel é a institucionalização de um fato colonial. Como
em outros lugares, como nos estados da África do Sul e da Rhodesia, por
exemplo, a população nativa foi desapropriada de suas terras e bens e de seus
direitos nacionais e democráticos, parte dela obrigada a emigrar e a restante
submetida às normas clássicas dos estados onde uma suposta “raça superior”
domina a uma “raça inferior”. O Estado de Israel é o instrumento (armado
até os dentes pelo imperialismo) que tem como fim perdurar esta situação
colonial, e retribuir serviços ao imperialismo, atuando como gendarme con-
tra os movimentos revolucionários ou simplesmente nacionalistas do mundo
árabe.
Iremos finalizando este estudo com alguns exemplos do caráter colo-
nial, racista e contrarrevolucionário do atual Estado de Israel:
Um dos mais escandalosos – depois do êxodo forçado de um milhão
de palestinos pelo terror das matanças sionistas – é a desapropriação em
massa de seus bens. Já vimos sob quais métodos foram obrigados a fugir.
Depois da guerra de 1948, ao mesmo tempo em que não era permitido aos
palestinos voltarem aos seus lares, o Estado de Israel aplicou uma lei deno-
minada de “Lei da Propriedade de Ausente”, (85) segundo a qual, o árabe que
se achava “ausente” perdia todos os seus bens, por “abandono”. Desta forma,
terras, casas, comércios, indústrias, contas bancárias, etc., de um milhão de
palestinos passaram para os bolsos dos colonizadores. Foi a “acumulação
originária” do sionismo. Isto, somado aos bilhões de dólares injetados pelo
imperialismo ianque, constitui o segredo do desenvolvimento econômico
israelense.
A ‘Lei da Ausência’ é uma ‘lei de roubo em massa’, inclusive do ponto
de vista das normas jurídicas burguesas. É o mesmo que uma gangue de as-
saltantes entrar na casa de uma família, assassinar uma parte e obrigar, con-
sequentemente, a fuga da outra parte. Quando lhes cobrassem o roubo, os
assaltantes argumentarem que, na “ausência” dos sobreviventes e com o
“abandono” de seus bens, perderam o direito a eles. Assim, tudo passaria a
54

pertencer aos ladrões. Ao mesmo tempo, a ponta da pistola dos assaltantes,


impede o regresso dos sobreviventes e, cada vez que esses tentam voltar as
suas casas, os gângsteres clamam ante o mundo, dizendo que estão sendo
‘agredidos’.
A chamada ‘Lei do Retorno’ também é outro exemplo de racismo. O
sionismo, compartilha com os nazistas e com outros setores antissemitas, o
mito de considerar aos judeus como uma “raça”. Os membros de esta supos-
ta raça, em qualquer país do mundo, ainda que seus antecessores jamais te-
nham tido algo a ver com a Palestina, tem o direito de “regressar” a Israel e
ser cidadão com plenos direitos. Em contrapartida, um palestino (que há 25
anos foi expulso à força) ou seu filho, não têm direito ao “retorno” nem à
cidadania.
Durante a ocupação britânica foram promulgadas, em 1945, umas
“leis de emergência” que foram qualificadas pelo dirigente sionista Jacob
Shapira da seguinte forma: “Estas leis não têm equivalente em qualquer país
civilizado, nem sequer na própria Alemanha nazista. São leis que só se apli-
cam a um país ocupado… nenhuma autoridade pode permitir a promulgação
de leis tão desumanas.” (86) Pois bem, essas leis seguiram vigência no Estado
de Israel e, para completar o absurdo, Shapira foi nomeado, pouco depois,
Ministro da Justiça, ou seja, o encarregado de aplicá-las. As modificações
feitas anos depois a essas leis vêm sendo puramente formais e destinadas a
calar os protestos que se levantaram tanto dentro como fora de Israel.
De acordo com essas leis, ainda vigentes atualmente em Israel e apli-
cadas nos territórios usurpados depois da guerra de 1967, os palestinos se
encontram submetidos a um “governo militar.” As autoridades militares têm
direito a “transferir e expulsar os habitantes das zonas; tomar e conservar em
seu poder qualquer bem, artigo ou objeto; praticar pesquisas e ataques a todo
momento; limitar o deslocamento de pessoas; impor restrições no âmbito
laboral e nos empreendimentos; decretar deportações; pôr qualquer pessoa
sob vigilância da polícia ou impor residência forçosa… confiscar qualquer
terreno no interesse da segurança pública; usar livremente da requisição;
impor a ocupação militar dos habitantes; estabelecer o toque de recolher;
suspender os serviços postais e qualquer outro serviço público”.(87)
55

Existem poucos Estados com legislação semelhante e que se aplique


exclusivamente a um setor da população, sendo este setor determinado por
sua suposta ‘raça’. A Alemanha de Hitler foi um exemplo deste tipo de Esta-
do. Rhodesia e África do Sul são exemplos, de hoje em dia. É impressionante
a semelhança, até na forma, da legislação anti negra, da África do Sul, e a
legislação antiárabe,de Israel. Ambas possuem, por outro lado, uma origem
comum: a legislação colonial britânica.
O enredo de leis e disposições racistas e coloniais se apoiam umas nas
outras e se combinam num mesmo resultado: a opressão, o roubo e a explo-
ração da população árabe. Um exemplo frequente é o seguinte: uma autori-
dade militar declara “zona de segurança” a qualquer região. Nenhum árabe,
por conseguinte, pode entrar ou viver nela. Se na zona existe alguma aldeia,
seus povoadores são expulsos; se há terras pertencentes a árabes, não os dei-
xam passar para cultivá-las. Imediatamente, começa a atuar a ‘Lei da Ausên-
cia’: as terras e aldeias ficam “abandonadas”, seus cultivadores e moradores
estão “ausentes”, pelo que passam a ser propriedade do Estado de Israel. E a
“Lei da Ausência” se aplica também aos palestinos que foram a outro lugar,
mesmo dentro de Israel, e ainda que seu deslocamento haja sido forçado por
uma autoridade israelita.
Uma pálida ideia do regime fascista a que está submetida a população
palestina se encontra no Informe do Comitê Especial das Nações Unidas
encarregado de investigar as práticas israelitas que afetem os direitos huma-
nos da população dos territórios ocupados. (88) É um catálogo de horrores,
torturas e maus tratos.[...]"detenção administrativa" (quer dizer, prender
milhares de palestinos em cárceres e campos de concentração
por disposição das autoridades militares, sem julgamento nenhum e por
tempo indeterminado); "expulsão das pessoas dos territórios ocupados em
virtude das chamadas ordens de deportação"; "transferência de vários milha-
res de pessoas de seus lares para outras partes do território ocupado"; "expro-
priação de seus bens, inclusive bens que pertencem a pessoas transferidas de
suas casas"; "demolição das casas" (aproximadamente 10.000 desde 1967);
"negação do direito a retornar para seus lares às pessoas que fugiram do terri-
tório ocupado por causa das hostilidades de junho de 1967 e das que foram
56

deportadas ou expulsas de qualquer outra forma". Tais são os itens


do Informe do Comitê Especial das Nações Unidas.
O Informe chega à conclusão de que não se trata de uma política "usa-
da em circunstâncias excepcionais", mas que, pelo contrário, "tem se trans-
formado arbitrariamente em uma norma de conduta ou política definitiva”.
(89) E acrescentamos: esta "norma de conduta ou política definitiva" é a con-
sequência lógica, fatal e inevitável de toda situação colonial.
Nunca, em nenhuma época e em nenhum continente, um grupo de
colonizadores tem conseguido estabelecer e manter seu domínio sobre a
população nativa sem apelar a métodos desse estilo. A Rhodesia, a África do
Sul, a Argélia "francesa", as colônias portuguesas africanas e Israel estão aí
para prová-lo.
Desde 1948, o desenvolvimento do Estado colonial e racista de Israel
tem acentuado cada vez mais sua semelhança com as mencionadas experiên-
cias de colonização. E agora fica clara toda a falsidade do argumento sionista
de que não são colonizadores, porque não exploram a mão de obra nativa. Já
vimos que, no princípio da colonização, "não explorar a mão de obra nativa"
era o véu que cobria a expulsão dos operários e camponeses árabes dos seus
empregos e suas terras. (Também na África do Sul, um negro não é funcioná-
rio bancário, operário qualificado ou proprietário da sua terre). Porém, uma
vez operado o deslocamento da população nativa e a expropriação em massa
de seus bens, os sionistas não têm tido nenhum escrúpulo em explorar os
palestinos despojados. Sequer os kibutzim “socialistas” ficam atrás.
A fome e sede de superlucros que domina a burguesia sionista estende
também a exploração, a discriminação racial e a miséria sobre amplos setores
da população judia, especialmente a de origem oriental (sefardim, iemenitas e
etc.). Hoje, o Estado de Israel é uma pirâmide racista, na qual o cume é ocu-
pado por dois mil milionários (em dólares), de origem asquenaze (judeus
europeus), intimamente ligados aos investimentos imperialistas. Mais para
baixo, uma burguesia média e uma burocracia privilegiada do Estado e da
Histadrut, também de origem asquenaze. Essas classes e setores privilegia-
dos assentam-se sobre as massas de judeus orientais e, já no último degrau da
pirâmide, sobre os palestinos.(90) Israel é a África do Sul do Oriente Médio.
57

O gendarme contrarrevolucionário
O dito até aqui, porém, só é a metade do Estado de Israel. Sua outra
metade é seu papel de ‘polícia contrarrevolucionária do imperialismo no
mundo árabe’. Nisto, continua e amplia a ‘folha de serviçosprestados’ao
imperialismo inglês, antes da criação do Estado.
Se tivesse sido verdade, a fábula sionista e até “socialista” de Israel ver-
sus os regimes árabes "feudais"–seria inexplicável, porque este pretenso Esta-
do Socialista, desde 1948 realiza contínuos atos de agressão contra todos os
movimentos "anti-feudais" e anti-imperialistas árabes. E como se Cuba, Esta-
do Socialista isolado na América Latina semicolonial, se dedicasse a realizar
permanentes incursões em outros países da América Latina para assassinar os
dirigentes e ativistas operários e populares, bombardear seus bairros operá-
rios e favelas; ou que, quando o governo nacionalista burguês peruano naci-
onalizou o petróleo, Cuba houvesse enviado suas tropas, junto com as dos
EUA, para ocupar a área das concessões da International Petroleum Com-
pany; ou que agora nas últimas rebeliões da Colômbia, Cuba houvesse mobi-
lizado seu exército anunciando que iria intervir caso seja derrubado o gover-
no burguês pró imperialista. Esta de uma estranha conduta para um “país
socialista”.
Mas este e não outra é a conduta seguida por Israel desde 1948 com
respeito aos seus vizinhos árabes. Esse papel de polícia contrarrevolucionária
se combina com a pretensão dos setores sionistas mais patrioteiros de cons-
truir "o Grande Israel, desde o Nilo até o Eufrates", (91). Vejamos algumas
das façanhas do Israel “socialista”.
Em 1956, o governo egípcio, presidido por Gamal Abdel Nasser, naci-
onalizou a companhia anglo-francesa do Canal de Suez. Foi um fato históri-
co. Constitui uma das medidas anti-imperialistas mais importantes, não só
para o povo egípcio, mas para todos os povos do mundo colonial e semicolo-
nial. Por sua vez, ao governo de Nasser podemos fazer milhares de críticas,
menos a de dizer que se tratava de um governo “feudal”. A nacionalização do
Canal de Suez era uma grande oportunidade para que Israel acabasse seu
confronto com o mundo áraba, supondo que Israel fosse ao menos um Esta-
do burguês anti-imperialista. Simplesmente, Israel teria que ter declarado seu
58

apoio incondicional à nacionalização do canal e que estava disposto a enfren-


tar, junto com Egito, qualquer agressão dos antigos donos da Companhia de
Suez. Não teria isto provocado um giro de 180º por parte do mundo árabe em
relação a Israel.? Mas todos sabemos o que fez Israel: Junto aos exércitos da
França e da Inglaterra, atacou o Egito e participou da matança de milhares de
árabes que tinham tido o atrevimento de desafiar seus antigos donos imperia-
listas.
A trajetória criminosa de Israel seguiu com seu apoio à França contra
os revolucionários argelinos, que lutavam pela independência. Depois, quan-
do os colonos franceses rompem com o governo metropolitano de Charles de
Gaulle, que queria chegar a um acordo com os argelinos, Israel passa a ajudar
os fascistas da OAS.
A Guerra dos Seis Dias, em 1967, repetiu, com poucas variantes, a
aventura de 1956. A diferença foi que, por ter empreendido esta guerra
em conluio com o imperialismo ianque, Israel dispôs de um formidável apa-
rato propagandístico, para se apresentar perante o mundo como a "vítima" -
como um pequeno e fraco país ameaçado de extermínio pelos vizinhos, cem
vezes mais poderosos, que se propunham "jogar todos os judeus no mar".
Este tema central da propaganda ianque-sionista foi alimentado por setores
árabes de direita. Esses setores, como provam os fatos, são os que menos
lutam contra o imperialismo e seu sócio sionista. Dissimulam suas capitula-
ções, apresentando a questão de Israel, em termos raciais ou religiosos, não
nos termos sociais e políticos de uma luta anti-imperialista. Assim, não só
tentam confundir as massas árabes como fazem o jogo do sionismo, alimen-
tando sua propaganda exterior e também consolidando sua frente interna.
Para entender a guerra de 1967, é preciso começar a prestar atenção
em qual marco internacional se produziu.
“A conjuntura específica que conduziu para esta guerra – destaca o
historiador Fawwas Trabulsi– é a convergência de duas tendências:
"1) O imperialismo dos EUA iniciou uma ofensiva contra os regimes
nacionalistas do Terceiro Mundo e os países subdesenvolvidos da Europa; 2)
A necessidade de que o colonialismo territorial sionista tinha dos regimes
árabes fracos, subdesenvolvidos e subordinados ao imperialismo,
foi desbaratada pelo regime nasserista, no Egito, e o Baas, na Síria.
59

"A ofensiva de 1960 do imperialismo norte-americano contra o Viet-


nã, Cuba, Ghana e a Indonésia, atingiu o Mediterrâneo Oriental, em 1967.
Em 21 de abril desse ano, o exército tomou o poder na Grécia, num golpe de
mestre dirigido pela CIA. Tornou-se claro demais que a Síria e o Egito seriam
os próximos alvos. A questão era saber se o ataque viria de dentro ou de fora.
Em 11 de maio, um oficial israelense de alto escalão, pareceu proporcionar a
resposta, quando ameaçou com a ocupação militar de Damasco, para pôr fim
às incursões de Al-Fatah sobre território israelense. Foi acompanhado, no dia
seguinte, pelo geral Rabin, que declarou que enquanto o regime do Baas não
fosse deposto, na Síria, nenhum governo do Oriente Médio podia se sentir a
salvo”.(92)
“Israel visava seus interesses: a divisão dos Estados árabes, num cam-
po «progressista» e num campo pró-imperialista, oligárquico, neutralizava
suas intenções de impor seus fatos consumados, através da mediação das
potências imperialistas, ou preservar o status quo,no qual ele estava na frente.
Não obstante, desde 1965 a organização palestina Al-Fatah tinha começado
suas incursões dentro do Israel. Negando-se a admitir a existência do povo
palestino, Israel considerava esses atos como perpetrados por «terroristas
árabes» que operavam da Síria. As incursões israelenses, em novembro de
1966, contra a cidade jordana de Samu, e em abril de 1967, contra a Síria,
foram consideradas pelos porta-vozes oficiais israelenses como «incursões de
represália» contra as atividades dos comandos palestinos.
“O regime nasserista do Egito – continua explicando Trabulsi – tinha
estado sujeito à forte chantagem da reação árabe, especialmente da Arábia
Saudi e da Jordânia, pela passividade de seu posicionamento em relação à
Palestina, desde 1957. As gestões que fez Nasser, para exigir a retirada das
tropas das Nações Unidas do Egito, (93) a concentração de tropas sobre a
fronteira do Israel e, finalmente, para fechar o Golfo de Aqaba à frota israe-
lense (15 a 23 de maio), só pode ser entendida dentro deste contexto. De um
golpe só, Nasser fez um movimento de solidariedade ativa com a ameaçada
Síria e destruiu a última sequela da agressão tripartite, de 1956. Assim, conse-
guiu uma dupla vitória e provou que o Egito, entre os países árabes, ainda
manda no coral do assunto Palestina”.
60

"Nasser – analisa Trabulsi – tinha desbaratado o status quo, imposto


por Israel, em 1956. A tarefa era transformar sua vitória em derrota. Sobre
ambas as coisas, os israelenses e os norte-americanos estavam de acordo. O
presidente Johnson disse para o Ministro das Relações Exteriores israelense,
em 26 de maio: «Se podemos derrotar a Nasser na questão dos estreitos, o
bloqueio será levantado, toda a manobra estará acabada e, ainda, a posição do
Nasser à cabeça do Egito ficará comprometida». (94) Dois meios parainfli-
gir esta derrota estavam abertos: forçar o bloqueio por meio de uma armada
das potências marítimas, incluídas a Grã-Bretanha e os EUA, ou uma invasão
israelense”.(95)
"O governo e o exército dos EUA não tinham dúvida alguma com re-
lação ao resultado dessa invasão. Durante a crise, Johnson tinha requerido
duas vezes ao Pentágono para que lhe informassem sobre o equilíbrio do
poder militar entre o Estado árabe e Israel, e por duas vezes recebeu a mesma
enfática resposta: se a guerra começava, Israel conseguiria uma vitória decisi-
va em poucos dias, por meio de uma acometida de navios e incursões aéreas
contra o Egito; embora o Israel não iniciasse o primeiro ataque ganharia, de
todo modo, a guerra”.(96)
"Em 2 de junho, uma importante personalidade israelense retornou de
uma missão secreta em Washington. No dia seguinte, Eshkol recebeu um
telegrama do Johnson, com uma omissão significativa: a solene exortação a
Israel para renunciar a qualquer ação militar unilateral, foi deixada de lado; o
presidente norte-americano somente mencionou seus esforços diplomáticos.
Foi depois de receber uma segunda mensagem do Johnson que o Gabinete de
Guerra israelense reuniu-se e decidiu empreender a guerra. (97) O imperia-
lismo dos EUA tinha decidido iniciar a guerra contra os povos árabes pelo
poder. O Israel tinha aberto passagem para a «atuação independente»."
E acrescenta o Trabulsi: "Uma palavra sobre a famosa “ameaça de ge-
nocídio”. Já enfatizamos como o hipócrita duplo discurso dos regimes árabes
é utilizado na propaganda sionista. Existiu alguma vez esta ameaça? Na reali-
dade o exército dos EUA tinha um plano pronto para intervir no Oriente
Médio em caso que os exércitos árabes tentassem penetrar em território is-
raelense. Este plano consistia em formar uma barreira de tropas dos EUA
(100.000) entre os israelenses –que seriam reagrupados no centro de Israel –
61

e os exércitos árabes. Quando Johnson recebeu a Aba Eban em 26 de Maio e


lhe assegurou eu os EUA respeitariam seus compromissos com Israel, de
acordo com uma declaração oficial feita por Dulles, em 1957, de defender o
status quo pós Suez, ele lembrava esse plano. Inclusive pode ter sido mencio-
nado ao ministro das relações exteriores de Israel (98). Mas o que podem
afirmar os mesmos chefes israelenses frente a esta “ameaça de genocídio”?
Numa entrevista concedida a Haeretz (22/12/1968) o general Rabin, chefe do
alto mando israelense, admitiu que Nasser não queria guerra mas ‘tinha que
enfrentar uma situação na qual preferia a guerra antes que a retirada. Por seu
lado o Primeiro Ministro Eshkol descreveu a disposição militar egípcia no
Sinaí e a atividade geral sobre a zona como ‘uma disposição militar defensiva
egípcia sobre as fronteiras do sul de Israel’. (99) Uma condução política com
um posicionamento defensivo de tropas é uma postura pouco hábil para
realizar um ‘genocídio’.
“A guerra de junho, uma combinação da política por outros meios, foi
a derrota da política árabe predominante, tanto no antissionismo quanto no
anti-imperialismo. Foi a derrota dos países de uma região subdesenvolvida,
com regimes igualmente subdesenvolvidos, perpetrada por um Estado me-
nor, numericamente inferior, mas representante de uma potência coloniza-
dora, tecnicamente avançada, europeizada e militarista, que contava com o
firme respaldo do campo imperialista.
"A estratégia israelense é o sionismo aplicado ao domínio militar: uma
desconcertante Blitzkrieg (guerra relâmpago) dirigida à imposição de fatos,
mais fatos e sempre novos fatos. Durante toda a guerra, o exército israelense
comandou uma superioridade numérica sobre os exércitos árabes participan-
tes, e a superioridade estratégica sobre todas as frentes. Nunca perdeu a inici-
ativa, então. A estratégia árabe, ou melhor dizendo, sua ausência, revela até
mais não poder todas as contradições e limitações dos regimes árabes...
“Ainda que guiando-se por modelo de estratégia militar clássica, po-
deríamos afirmar que Nasser se conduziu a ele mesmo a uma armadilha. A
concentração de tropas no Sinaí foi um movimento político e não militar. De
acordo com o Manual Militar do general egípcio Farid Salamah, uma posição
defensiva houvesse significado uma concentração de tropas no Canal de
Suez; uma vez que o exército egípcio entrou no Sinaí, deveria ter continuado
62

com um ataque ofensivo dentro do território israelense. Mas esta armadilha


era também política. Revela com clareza a falta de disposição do regime nas-
serista nas suas relações com o imperialismo, e, especialmente, com os EUA.
Toda a contradição da posição gira em torno da relação entre o sionismo e o
imperialismo. Nos períodos de luta contra a reação local, Nasser, ‘usou’ o
problema palestino para demonstrar que o sionismo, o imperialismo e a rea-
ção árabe são um mesmo campo. Poucas semanas antes da guerra de junho
estava repetindo seu famoso slogan: ‘Israel é = aos EUA, e EUA são = a Isra-
el’. Porém, precisamente quando os dois inimigos convergem num ataque
furioso contra os povos árabes que Nasser faz esforços por separá-los. Na sua
última Coletiva de Imprensa antes da guerra, usou uma linguagem claramen-
te conciliatória com os EUA, e até apelou para que os norte-americanos não
interviessem no conflito árabe-israelense, no caso que este fosse deflagrado.
A última medida tomada antes da guerra, foi a decisão de enviar a Zakaria
Muhieddin (conhecido pelas suas simpatias pró ocidente) a Washington para
discutir a crise. A guerra começou antes da sua viagem. Por sua vez, a atitude
dos regimes pequeno burgueses para com o imperialismo está sintetizada
numa das interpretações de Nasser sobre a derrota árabe. Defendeu que os
EUA enganaram os governantes egípcios porque, na véspera da guerra, o
embaixador norte americano em Cairo havia assegurado ao presidente Nas-
ser que os Estados Unidos garantiam que Israel não seria o primeiro em ata-
car”. (100)
Porém, onde mais se prova o caráter de gendarme contrar-
revolucionário do Estado sionista são nas suas agressões constantes aos
acampamentos de refugiados palestinos e no seu movimento de libertação
nacional, expresso nas organizações de resistência como Al Fatah, a Frente
Popular, a Frente Democrática, etc. Para isso, Israel junta-se aos governos
árabes mais reacionários, como o do Líbano ou do ‘açougueiro’ Hussein, rei
da Jordânia para reprimir o povo palestino. É que as lutas deste povo deses-
peram os sionistas. Já vimos como muitos colonizadores, tais como o profes-
sor Aktzin, pretendem negar que exista um povo palestino. Mas, pese a 30
anos de derrotas, exílio e miséria, este povo palestino se mobiliza e luta. Isto
explica a raiva da grande burguesia sionista que sabe que usurpa seus bens,
sua terra e seus direitos nacionais e democráticos.
63

Assim, em setembro de 1970, quando Hussein desencadeou a repres-


são sobre os palestinos, massacrando 20 mil refugiados, Dayan prestou ajuda,
bombardeando os acampamentos. Lembremos como se mobilizou a frota
ianque; como Israel apostou seu exército sobre o Jordão e anunciou que esta-
va pronto para invadir, se a luta fosse desfavorável ao genocida Hussein e
fosse derrubado pela mobilização popular. Lembremos que houve um Chile,
no Oriente Médio, e Israel interveio para socorrer seu Pinochet!

Algumas conclusões
Só uma grosseira falsificação dos fatos pode ocultar que Israel é um
‘enclave colonial’, de características semelhantes aos Estados "brancos" da
África, erguido a base dodespejo e/ou massacre da população originária, da
discriminação racial, da exploração e negação de seus direitos democráticos e
da autodeterminação nacional. Na região, este enclave colonial age co-
mo ‘gendarme do imperialismo’ para reprimir as lutas nacionais e sociais dos
povos árabes.
A fábula do Estado de Israel "progressista" (e até "socialista") já está se
eclipsando. No entanto, ainda alguns acreditam nela. Por quê? Isto tem a ver
com algumas características históricas originais da colonização sionista.
Temos visto como os imperialistas europeus aproveitaram-se da tra-
gédia das massas sem pão e sem trabalho da Europa para utilizá-las em suas
aventuras coloniais. Com isto, também diminuíam a pressão da caldeira soci-
al nas metrópoles. O sionismo, porém, se aproveitou de algo a mais para se
legitimar, de uma das maiores tragédias e crimes da etapa de agonia do impe-
rialismo: do antissemitismo e as matanças dos nazistas na Europa. Após esta
lembrança, o sionismo tenta justificar e legitimar a aplicaçãodos mesmos
critérios racistas e os mesmos métodos da Alemanha, de Hitler, na Palestina.
Outro fator de confusão tem sido as justificativas ideológicas da colo-
nização sionista. Já vimos como o estalinismo contribuiu com estas mentiras.
A ideologia sionista é uma particular mistura de ideias religiosas, patrioteiras
e ultrarreacionárias, com justificativas e racionalizações supostamente socia-
lista e até “marxista”.
64

Nisto também não há nada de misterioso ou inexplicável. Se alguém


perguntava ao colonizador de América o que vinha a fazer por aqui? dificil-
mente ele responderia: “Venho a massacrar aos índios e a reduzir os que
ficam vivos a semiescravidão, com o fim de explorar eles”. Em 99% dos casos
a resposta seria a seguinte: “venho a salvar as almas destes pobres infiéis”.
Considerados em forma individual a maioria dos espanhóis eram sinceros.
Assim, cada colonialismo elaborou na sua ideologia as racionalizações ade-
quadas a sua época e ao seu público. Tampouco Rhodes e Companhia diziam
que colonizavam África para sugar osangue dos negros. Segundo eles, leva-
vam a “luz da civilização” precisamente em benefício dos pobres indígenas.
O sionismo, expressão tardia e marginalizada do colonialismo euro-
peu do século XIX, aparece quando as ideias socialistas tinham se consolida-
do nas massas judias de trabalhadores e pobres da Europa Oriental. Para
disputar essas massas influenciadas por marxistas e bundistas (e que rejeita-
vam o sionismo), foi obrigado a adotar um verniz "socialista". Era inevitável
que o sincero colonialista Teodoro Herzl fosse sucedido pelo falso “marxista”
Borochov. Logicamente que falamos de falsidade ideológica e não psicológi-
ca.
Mas se alguma coisa ensina o marxismo é que por trás do véu da ideo-
logia se encontra a realidade. E quando cai a máscara ideológica do sionismo
aparece o rosto nada agradável do colonialista. (101)

A juventude judia deve repudiar o sionismo


Isto deve ser meditado especialmente pelos jovens judeus, submetidos
a uma colossal chantagem ideológica por todo o aparato sionista que aprovei-
ta os últimos vestígios da estrutura dos judeus como “povo-classe”.
O sionismo fala, por exemplo, de não perder as tradições. Mas qual
tradição? O jovem judeu tem duas "tradições" para escolher: uma é de Marx,
Trotsky, Zinoviev, Kámenev, Rosa Luxemburgo, Abraham León, etc. Outra é
de Teodoro Herzl, a família Rothschild, ou a dos rabinos. À primeira tradição
respondem Rami Livne, Meli Lerman, Levenbraum e o restante dos jovens
judeus detidos, torturados e condenados, ainda há pouco, a longos anos de
cárcere, em Israel, por lutar com seus irmãos, os árabes palestinos. A essa
65

mesma tradição respondem os companheiros judeus que, em Israel, militam


nas fileiras de Matzpen, seção da IV Internacional. Ou na Argentina, os que
militam no nosso partido e em outras organizações de esquerda antissionis-
tas. Na outra tradição, em contrapartida, se localizam Dayan, Begin, Golda
Meir e cia. É preciso escolher. Quem está com uma tradição não pode estar
com a outra.
Os socialistas revolucionários gostamos de falar com toda clareza. Ao
jovem judeu, puxado entre a realidade colonialista de Israel e as pressões
sentimentais de sua família, do ambiente e dos aparatos sionistas, falamos
para que não se deixe confundir: não existe meio termo, não existe um “sio-
nismo progressista" que permita ficar bem com Deus e com o Diabo. Isto é
assim por uma razão muito simples: o sionismo é um nacionalismo de opres-
sores, não de oprimidos.
Os nacionalismos dos povos oprimidos têm suas grandes linhas pro-
gressistas; ali é legítimo falar realmente de "alas de esquerdas". Mas não acon-
tece o mesmo com o nacionalismo dos opressores; por exemplo, o naciona-
lismo estadunidense, o dos colonos brancos da África do Sul ou o dos colo-
nos sionistas da Palestina.
Se partirmos do rejeitar toda forma de opressão nacional ou "racial",
temos de fazer isto na Palestina. O problema com a "esquerda" sionista é que
ela diz ser contra toda forma de opressão em qualquer lugar do planeta...
menos na Palestina...
Aqui é preciso lembrar a reflexão do historiador francês Máxime Ro-
dinson: "Sigo pensando que pelo fato de eu ser judeu, não me obriga a usar
dois pesos e duas medidas diferentes. Ou, então melhor, sejamos francos e
declaremos que, sejam quais forem as circunstâncias, um grupo determinado
de homens tem sempre razão, neste caso, o grupo ao qual pertencemos, se-
gundo os critérios antissemitas e sionistas; quer dizer, ao grupo dos judeus.
Tal convicção de impecabilidade do nosso próprio grupo «étnico» é um fe-
nômeno frequente na história dos grupos humanos. Esse fenômeno se chama
racismo". (102)
Igualmente, vale lembrar uma máxima que sempre tem se cumpri-
do: "um povo que oprime outro povo, não pode ser livre". O sionismo é um
grave perigo, não só para as massas árabes, mas também para os judeus que
66

foram para a Palestina acreditando, honestamente, nas promessas sionistas


de segurança, paz... e até de "socialismo". É impossível, porém, exercer de
forma "pacífica" e "segura" o papel de colonizador. O programa real do sio-
nismo é uma "guerra por mil anos", da qual fala frequentemente o fascista
paranoico Dayan. (103)
Ao vincular ao imperialismo o destino de 2,5 milhões de judeus que
vivem na Palestina, o sionismo fez uma jogada perigosa, porque, a longo
prazo, historicamente, o imperialismo está condenado a se enfraquecer e
declinar. Ainda não imediatamente, os colonizadores sionistas não têm ne-
nhuma garantia de que o imperialismo não os negocie, como aconteceu com
os colonos franceses na Argélia.
Diante desta perspectiva, os companheiros judeus devem saber que a
Resistência Palestina lhes oferece outra opção: "nenhuma segurança num
Estado racista, mas total segurança numa nova Palestina democrática". (104)
Abaixo o Estado racista e colonial! Por um Estado palestino laico, não
racista e com amplos direitos democráticos para todos seus habitantes, árabes
ou judeus!
Nosso partido apoia esta palavra-de-ordem democrática, levantada
pelas organizações mais representativas do povo palestino. O apoio a este
enunciado democrático, cujo conteúdo é semelhante à palavra-de-ordem da
Assembleia Constituinte, sustentada pela IV Internacional, em 1948, não
significa, com certeza, que daremos um aval no tocante à direção palestina.
No Avanzada Socialista, em 24/10/73 (jornal do PST - Partido Socialista dos
Trabalhadores, da Argentina) explicávamos da seguinte forma esta palavra-
de-ordem:
"Entendemos que o mais correto é apoiar a criação – no território que
hoje ocupa o Estado sionista– de um único Estado Palestino, laico, não racis-
ta e com amplos direitos democráticos para todos seus habitantes.
"Estado laico significa que não estará baseado nem sustentará nenhu-
ma religião oficial, nem islâmica, nem judia, nem cristã. Um Estado Palestino
laico não se baseará nem no «Antigo Testamento e os profetas de Israel»
(como é o caso do atual Estado sionista), nem tampouco no Alcorão (livro
sagrado da religião islâmica e que rege a Constituição e as leis de vários esta-
dos árabes). Ao mesmo tempo, garantirá a cada um de seus habitantes, total
67

liberdade de praticar o culto que deseje ou de não ter nenhuma religião se


assim o preferir”.
"Este Estado Palestino laico, suprimirá os privilégios, discriminações e
perseguições raciais que existem hoje no Estado sionista e garantirá a todos
seus cidadãos – sejam de origem árabe ou judaica – iguais direitos democráti-
cos: liberdade de falar e ensinar sua língua nativa e de publicar nela sua im-
prensa e seus livros, não discriminação nos empregos públicos ou privados e
igualdade de salários, igualdade de escolher e ser escolhido em cargos públi-
cos ou sindicais, árabe e hebreu como línguas oficiais e etc.
"Alguns leitores poderão colocar a seguinte objeção: «Estamos de
acordo em que tem que terminar com Dayan, Golda Meir e Cia. Mas, por que
levantamos a palavra-de-ordem de um único Estado Palestino? Isto garanti-
ria, evidentemente, o direito à autodeterminação dos árabes, já que eles pode-
riam ser maioria nesse Estado. Mas, isso não lesionaria o direito à autodeter-
minação dos judeus, os quais não devemos colocar no mesmo saco que Da-
yan e sua banda?
"A resposta é muito simples: os marxistas revolucionários defendemos
o direito à autodeterminação dos oprimidos, não dos opressores.
"O direito à autodeterminação é um problema concreto, não é uma
questão aritmética de maiorias ou minorias. Defendemos o direito à autode-
terminação da minoria «católica» irlandesa no Ulster, contra a maioria «pro-
testante» inglesa, porque a primeira é oprimida pela segunda. Pela mesma
causa, apoiamos a maioria negra da Rhodesia, África do Sul e das colônias
portuguesas, contra a minoria branca que a escraviza na sua forma mais sel-
vagem. O que expressaríamos, por exemplo, para África do Sul? A autode-
terminação dos negros... e também dos brancos, que lhes negam até sua con-
dição de seres humanos?”
"O caso do Israel é parecido ao da Rhodesia, da África ou da Argélia,
antes da revolução. Como nesses casos, o imperialismo «importou» uma
minoria colonizadora, que despojou milhões de nativos de suas terras e seus
direitos nacionais e humanos. Como na África do Sul, onde os negros são
trancados como gado em «reservas indígenas», milhões de palestinos vivem
na miséria dos «acampamentos de refugiados», no Líbano, na Síria e na Jor-
dânia. Além do mais, são vítimas dos massacres perpetradas pelos sionistas
68

ou seus cúmplices árabes, os governos reacionários do Líbano e da Jordânia.


Os palestinos que ficaram no Israel são submetidos a um regime de terror
nazista...
"Quem são, então, os opressores e quem são os oprimidos? Quem tem
o direito à autodeterminação? A situação aqui é simples e concreta: o primei-
ro e imediato é restituir, para o povo oprimido, sua terra e seus direitos naci-
onais e democráticos. Ao mesmo tempo, garantir para todos os judeus que
queiram morar em paz e fraternidade com os árabes e sem sua exploração,
para todos os judeus que não queiram ser bucha-de-canhão de Dayán e o
imperialismo ianque, a completa igualdade de direitos democráticos, como
cidadãos de um Estado Palestino, democrático, laico e não racista."
69

Notas
1 Abraham León foi um dos dirigentes máximos do sionismo de “esquerda” europeu até às
vésperas da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, León chega à conclusão de que seu
partido sionista, o Hashomer Hatzair, está ao serviço do imperialismo inglês. Rompe
totalmente com o sionismo e ingressa na IV Internacional. Após a ocupação alemã, reor-
ganiza a seção belga, edita periódicos clandestinos, impulsiona a organização da resistên-
cia, em diversos setores do movimento operário. Ao dirigir-se a Charleroi, com a missão
de ajudar a reorganização do corpo de delegados dos mineiros, que estava sendo dirigido
pelos trotskistas, é detido pela Gestapo. Morre no campo de concentração de Auschwitz.

Em condições incrivelmente difíceis –sob a ocupação alemã- León escreve A questão


judia, o estudo marxista mais importante produzido sobre o tema. Nele formula a tese do
“povo-classe”. Faz também um prognóstico: que no caso de se criar um Estado judeu, na
Palestina, será “um Estado submetido à completa dominação do imperialismo inglês ou
norte-americano” (LEÓN, Abraham.The Jewish Question,Nova Iorque: Pathfinder,
1970. p. 252).

2. Os sionistas argumentam hoje que esta saída era utópica, que a luta revolucionária não
chegou a salvar os seis milhões de judeus europeus massacrados pelos nazistas e que, por
outro lado, na URSS e outros países socialistas, persistem traços de antissemitismo. Daí
deduzem que antissemitismo é um fenômeno “eterno”, comum a todas as sociedades e
povos. A conclusão sionista é falsa, do início ao fim. O antissemitismo seguiu vivo na
Europa depois da Revolução Russa, precisamente porque o socialismo não conseguiu
triunfar em todo o Continente. A revolução foi derrotada nos principais países da Europa
e, especialmente, em seu país chave: a Alemanha. A sobrevivência do capitalismo e o
curso contrarrevolucionário que se abre, desde 1923, conduziriam finalmente ao triunfo
do fascismo na Alemanha e à deformação burocrática da URSS, o estalinismo. Ao invés
do que pretendiam os sionistas, esta dolorosa experiência histórica confirma a tese do
marxismo revolucionário: o racismo, como a opressão nacional ou da mulher, é uma
excrescência das sociedades onde existem classes ou castas de privilegiados.

De todo modo, como questão à parte, seria interessante que os sionistas respondessem a
seguinte pergunta: de qual lado da barricada estiveram no processo revolucionário euro-
peu, que se iniciou em outubro de 1917? Acaso os sionistas -por exemplo, na Alemanha -
combateram junto com Rosa Luxemburgo? Todas as notícias que temos indicam o con-
trário: que o sionismo se alinhou com as burguesias imperialistas europeias contra a
70

revolução que avançava do Leste. E o triunfo dessa revolução em toda a Europa teria
impossibilitado um Hitler, na Alemanha, e um Stalin, na URSS. Claro que também teria
feito impossível o Estado do Israel.

3. Bund: União Geral de Operários judeus da Lituânia, da Polônia e da Rússia, fundada


em 1897. Inicialmente, fez parte do Partido Operário Socialdemocrata Russo. Ao se divi-
dir o POSDR, o Bund se alinhou sempre contra os bolcheviques. Em 1917, apoiou Ke-
rénsky contra Lenin e Trotsky. O Bund conservou grande força na Polônia, até a Segunda
Guerra Mundial.

4. LEÓN, Abraham.The jewish question, Nova Iorque: Pathfinder, 1970. p. 244.

5. BEIN,Alex.Estudo Preliminar. In: HERZL, Teodoro. O Estado Judeu e Outras Escritas,


Israel: Bs. As, 1960. p. 56.

6. HERZL, Teodoro. O Estado Judeu e Outras Escritas, Israel: Bs. As, 1960. p. 199.

7. CHOURAQUI, A..A Man Alone: the life of Theodor Herzl, Jerusalém: Keter Books,
1970. p. 106.In: RODINSON, Maxime.O Israel, a Colonial-Settler State?, Nova
Iorque:Monad Press, 1973. p. 102.

8. HERZL, Teodoro.O Estado judeu e outras escritas,Israel: Bs. As, 1960. p. 213.

9. BARNIR, Dov.Os Judeus, o Sionismo e o Progresso. In: SARTRE, Jean-Paul


(Org.).Dossiê do Conflito Israelo-arabe, Portugal: Inova, 1968.

10. WERBLOWSKY, R. J. Swi. Não é o Mandato Britânico, mas a Bíblia o que constitui
nosso Direito sobre esta Terra, R.J. Swi Werblowsky, Israel e Eretz Israel, Dossier... idem
p. 402.

11. BARNIR, Dov.Os Judeus, o Sionismo e o Progresso. In: SARTRE, Jean-Paul


(Org.).Dossiê do Conflito Israelo-arabe, Portugal: Inova, 1968.p. 486.

12. TARI, Ephraim.O Significado de Israel. In:Dossiê..., ídem, p. 560. A famosa palavra-
de-ordem “uma terra sem povo para um povo sem terra” foi levantada por um dos líderes
iniciais do movimento sionista, o inglês Zangwill. Repare-se que para o senhor Tari, os
muçulmanos e outros dos quais fala, não são “povos” (para ele a Palestina se achava “sem
povo”), mas apenas “núcleos heterogêneos”, quase no nível dos mosquitos que infecta-
vam os pântanos dessa “terra sem povo”.

13. MISRAHI, Robert.Coexistência ou Guerra, Dossiê. . ., idem. p. 584.


71

14. RODINSON, Maxime. Israel... , idem. p. 46.

15. MISRAHI, Robert.Coexistência ou Guerra, Dossiê. . ., idem. p. 584.

16. SHATIL, Iosef. As Ideologias no Conflito Árabe-israelí. In:Antologia Israel, a liberta-


ção de um povo, Amia: Bs.As, 1968. p. 316.

17. FLAPAN, Simha.O Diálogo entre Socialistas Árabes e Israelenses é uma Necessidade
Histórica, Dossiê… idem. p. 608.

18. MISRAHI, Robert. Idem . p. 585.

19. SHATIL, Iosef.Idem . p. 316.

20. MISRAHI, Robert. Idem . p. 583.

21. Idem. p. 583.

22. PERES, Shimon.Dossiê…,Dias Próximos e Dias Longíquos,idem . p. 558. Ao escrever


este artigo, o senhor Peres era secretário geral do Partido Rafi, fundado junto ao Ben
Gurión e o geral Dayan, como excisão do MAPAI.

23. MISRAHI, Robert. Idem . p. 590.

24. Idem. p. 585.

25. SHATIL, Iosef.Idem . p. 316.

26. FLAPAN, Simha. ídem . p. 641.

27. AKTZIN,Prof. B..Chegou o Momento de Tratar Questões Concretas.In:Antologia do


Israel..., ídem . p. 296.

28. Sublinhemos, em primeiro lugar -diz Dov Barnir- que não tem tido um sionismo, mas
muitos. Três foram“conseguidos”: a saída do Egito, a saída da Babilônia e o êxodo a partir
da Diáspora” (Dov Barnir, ídem, pág. 447). O senhor Barnir se diz marxista (?) e foi um
dos fundadores do Hashomer Hatzair e do MAPAM.

29. LENIN, V. O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo: Obras Escolhidas. Vol. I,


Cartago: Bs. As. 1960. p. 449.

30. RODINSON, Maxime. Israel... , idem. p. 38.


72

31. Lenin indicava “a finais do século XIX os herois do dia eram na Inglaterra [e também
em toda a Europa, N. da R.] Cecil Rhodes e Joseph Chamberlain, que predicavam aber-
tamente o imperialismo e mantinham uma política imperialista com o maior cinismo!”
(O imperialismo… ídem. p. 450). Imaginemos o que seria esta mentalidade nos fundado-
res do movimento sionista quando (não no século XIX, mas hoje) todo um senhor “es-
querdista” que escreve no ‘esquerdoide’Les temps modernes, revista dirigida pelo não
menos esquerdoso Jean-Paul Sartre, diz que os palestinos não eram um povo, mas “nú-
cleos heterogêneos” (ver nota 12) e que Palestina se achava “sem povo”. Ou quando uma
“eminência” da Universidade Hebrea de Jerusalém, o professor Aktzin “não está seguro
de que exista o povo palestino” (ver nota 27). Al-Fatah parece não ter convencido ainda
este “professor”! Esperamos que o convença logo!

32. LENIN, V. O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo:obras escolhidas. Vol. I,


Cartago: Bs. As. 1960. p. 451.

33. RODINSON, Maxime. Israel... , idem. p. 42.

34. Idem. p. 44

35. BEIN,Alex.Estudo Preliminar. In: HERZL, Teodoro. O Estado Judeu e Outras Escri-
tas, Israel: Bs. As, 1960. p. 57.

36. SOKOLOW. History of Sionism.Vol. II, p. XLVII. In: IVANOV, A Burguesia Sionis-
ta, Nuevas Masas: Bs.As.,1973. p. 49.

37. RODINSON, Maxime. Israel... , idem. p. 105.

38. BEIN,Alex.Estudo Preliminar. In: HERZL, Teodoro. O Estado Judeu e Outras Escri-
tas, Israel: Bs. As, 1960. p. 65.

39. SOKOLOW. History of Sionism. Vol. I. p. 138.In: IVANOV, A Burguesia


Sionista, Nuevas Masas: Bs.As.,1973.

40. SOKOLOW. History of Sionism. Vol. II. In: IVANOV, A Burguesia Sionista, Nuevas
Masas: Bs.As.,1973. p. 230. O lord Shaftesbury é o verdadeiro pai da palavra-de-ordem do
Zangwill. Em 1854, Shaftesbury lança o slogan “território sem nação, nação sem territó-
rio” (Cfr. Fawwas Trabulsi, “O problema palestino” na recopilação A revolução palestina
e o conflito árabe-israelense, Cuaderno de Pasado y Presente N° 14, Córdoba, 1970, pág.
60.
73

41. POR QUE SOU FEDAYIM? In: Declaração Balfour.Ghazi Danial:Bs.As., p. 5.

42. Foreign Office: Ministério de Relações Exteriores do imperialismo inglês.

43. WEIZMANN. Trial and Error, Harper’s. New York, 1949, p. 205. In:RODINSON,
Maxime. Israel... , idem. p. 47. O dirigente sionista Herbert Samuel comentaria em suas
Memórias: “Será deste modo que edificaremos, na proximidade do Egito e do canal de
Suez, um Estado judeu de obediência britânica”. Dossiê…, idem, p., 247. É preciso acres-
centa algo a mais?

44. Rodinson faz a seguinte análise, depois de lembrar que a Inglaterra, nesses momentos,
se encontrava embarcada numa guerra de morte com os impérios centrais (Alemanha,
Áustria e Turquia): “Os grandes motivos da declaração descansavam no desejo de um
impacto propagandístico sobre os judeus da Europa Central e a esperança de recolher os
benefícios da futura liquidação do império otomano. Os judeus da Alemanha (onde tinha
estado a sede central da Organização Sionista até 1914) e da Áustria-Hungria tinham sido
conquistados para o esforço de guerra em grande medida porque se combatia contra a
Rússia czarista, perseguidora dos judeus. No território russo conquistado, os alemães se
apresentavam como protetores dos judeus oprimidos pelo “jugo moscovita” (aqui Rodin-
son cita proclamas do Estado maior alemão). A Revolução Russa reforçava as tendências
derrotistas na Rússia. Atribuía-se aos judeus russos, um papel importante no movimento
revolucionário. Era fundamental lhes dar motivos para que apoiassem a causa aliada. Não
é mera coincidência, que a Declaração Balfour fosse emitida cincodias antes da data
fatídica de 7 de novembro (25 de outubro do calendário russo), na qual os bolcheviques
tomaram o poder. Um dos objetivos da declaração era apoiar Kerensky. Pensava-se tam-
bém na força dos judeus norte-americanos, país que acabava de se incorporar aos Alia-
dos. Era preciso obter um esforço máximo, quando neles predominava o pacifismo. Era
preciso se antecipar aos sionistas alemães e austríacos que negociavam uma espécie de
‘Declaração Balfour’. Com relação a Palestina, Rodinson destaca a vinculação desta decla-
ração com os acordos, com Houssein, de Meca e com a França (tratado Sykes-Picot):
“Não era ruim a ideia de dispor no Oriente Próximo de uma população ligada à Inglaterra
pelo reconhecimento e a necessidade. Fazer da Palestina um problema especial, atribuir
desse jeito a Inglaterra uma responsabilidade particular, era obter uma base sólida para
fazer exigências durante a partição que seguirá à guerra” (RODINSON, Maxime. Israel... ,
idem. p. 47 e 48). Rodinson faz esta análise, principalmente, baseando-se nos documentos
do Gabinete de Guerra inglês, publicados posteriormente. Quase não é preciso esclarecer
que nas atas não existem marcas do suposto “agradecimento”, pelos inventos do doutor
Weizmann. Trata-se de outro mito histórico do sionismo.
74

45. Jon Rothschild, How the arabs were driven out of Palestine, Intercontinental Press,
Vol. 11, N° 38, Nova Iorque, 1973, pág. 1208.

46. Nathan Weinstock. The truth about Israel and Zionism, Pathfinder, 1970, pág. 5.

47. O professor Y. Baner, de Jerusalém, em “A revolta árabe de 1936”, New Outlook, jul-
agos-set. 1966, conclui: ...as condições para a vitória de 1948 foram criadas durante a
revolta árabe.(citado por Nathan Weinstock, idem, pág. 5).

48. Fawwas Trabulsi, O problema palestino, (na recopilação) La revolución palestina y el


conflicto árabe-israelí, Pasado y Presente, Córdoba, 1970, pág. 77.

49. Colocamos “feudais” entre aspas porque, no mundo muçulmano, é discutível a exis-
tência de um feudalismo no sentido clássico europeu. Ao falar de “feudais” árabes nos
referimos à velha classe dirigente, de raizes anteriores à penetração do capitalismo mo-
derno, detentora de vastas extensões de terras e cujos interesses se voltam, também,para o
comércio e a usura (que existia, apesar da proibição do Corão). As formas de posse da
terra e da extração do produto excedente dos camponeses foram, no Islã, muito comple-
xas, variando segundo o lugar e o momento histórico. Existe hoje toda uma discusão
entre os marxistas sobre como caracterizar o modo (ou modos) de produção e a formação
econômico-social do Islã anterior à penetração do capitalismo moderno centrado na
Europa. Separece inadequada a sua caracterização como feudal (no sentido clássico), têm
também objeções contra orótulo de “modo de produção asiático”, pelo menos com base
nas características deste modo de produção, tal como estudadopor Marx com relaçãoao
caso da Índia. Sobre esta discusão, os autores deste artigo não têm elementos para se
pronunciarem. Para mais dados, ver Maxime Rodinson, Islã e capitalismo (Buenos Aires,
Siglo XXI, 1973, esp. pp. 47 ss.). No entanto, independentemente disto, há aqui um pro-
blema político: aobsessão de, precipitadamente,rotular como “feudal” o mundo árabe
tem a ver com duas ideologias: a do colonialismo e a do estalinismo. Para a mentalidade
colonialista, falar de “feudal” é o mesmo que falar da “ noite negra da história, à qual
devemos levar a luz da civilização” (e das companhias petroleiras). Assim, buscando
justificar a opressão de um povo “atrasado” por outro mais adiantado, o sionismo veste
com a camisa “marxista” este velho “slogan” colonialista, quando diz representar o capi-
talismo (ou o socialismo) “progressista” em luta contra o feudalismo “reacionário”.

Em relação ao estalinismo, trata-se de algo distinto: em sua luta contra o trotskismo, e


para justificar seus acertosno confronto com todas as burguesias (“democráticas” ou
não), o estalinismo negou a possibilidade de combinações e transições bruscas entre
diferentes etapas históricas. Assim, necessariamente, todo povo devia passar –ou devia ter
75

passado- pelas etapas do comunismo primitivo, escravatura, feudalismo, capitalismo e


socialismo. A história não fazia caso dos decretos de Stalin, mas para os infortunados
historiadores soviéticos, obrigados a encontrar exemplos de “feudalismo” e “escravismo”
na história passada ou presente de todos os povos, não fazê-lo significava ser considerado
“trotskista” e tratado como tal. Em seu delírio burocrático, Stalin chegou a proscrever
escritos de Marx sobre o “modo de produção asiático”, já que destroçavam seus esque-
mas. Fazemos esta digressão porque nesse período (1947/48) ambas as ideologias (a
colonial-sionista e a estalinista) se combinarão para fabricar argumentos “científicos” que
justificarão a criação de Israel.

50. “Como exemplo vexatório dos erros perpetrados contra a classe trabalhadora dos
países subjugados pelos esforços combinados do imperialismo aliado e da burguesia de
diferentes nações, podemos citar o caso dos sionistas da Palestina. Com o pretexto de
criar um Estado judeu nesse país, onde os judeus formam uma minoria insignificante, o
sionismo entregoua população marginalizada dos trabalhadores árabes à exploração da
Inglaterra”. (II Congresso da Internacional Comunista (1920),Tese e adições sobre a
questão nacional e colonial.Buenos Aires, Editorial Pluma, 1973,vol.I, p. 192).

51. Proporção estimada com base na estatística apresentadana Antologia Israel, íd., p.
344.

52. The complete diaries of Theodor Herzl, vol. I, p. 88, cit.por Fawwas Trabulsi, íd., p.
131.

53. Jon Rothschild, íd., p. 1207.

54. Este mesmo autor chama a atenção para o fato de que a metade das terras da Palestina
se encontrava em mãos de 250 famílias que eram, ao mesmo tempo, fortes usurários.

55. T Cliff, Le Proche et le Moyen-Orient à la croisée des chemins. Quatriéme Internati-


onale, Paris, Ago/Sep 1946. Cliff residia na Palestina.

56. Id.

57. Cf. Jon Rothschild, id., p. 1209.

58. Para demonstrar que essas três palavras-de-ordem refletiam a prática diária do movi-
mento sionista na Palestina, basta citar David Hacohen, dirigente do partido de Golda
Meir, que foi membro do Parlamento israelense durante muitos anos e cumpria as fun-
ções de presidente do respectivo Comitê de Defesa e Relações Exteriores. Em carta publi-
76

cada no jornal Haaretz de 15/11/69, dirigiu-se ao secretariado do partido MAPAI nos


seguintes termos: “Tenho presente o fato de que fui um dos primeiros de nossos camara-
das em ir a Londres, logo após a Primeira Guerra Mundial. Ali me tornei socialis-
ta... Quando me uni aos estudantes socialistas -ingleses, irlandeses, judeus, chineses,
indianos, africanos –descobrimosque todos estávamos sob a dominação britânica ou
diretamente sob seu governo. E ainda aqui, neste cenário restrito, tive que lutar contra os
meus amigos em torno da questão do socialismo judeu, para justificara decisão de não
aceitar o ingresso de árabes no meu sindicato, a Histadrut; para justificar a propaganda
que buscava dissuadir as donas de casa de comprarem nas lojas dos árabes; para justificar
o fato de que fazíamos plantões nos hortos a fim de impedir que os trabalhadores árabes
conseguissem trabalho ali;[a prática de] jogar querosene nos tomates dos árabesou atacar
no mercado as donas-de-casa judias e destroçar os ovos que tivessem comprado aos
comerciantes árabes; dar louvores ao céu sempre que o Keren Kayemet (fundo judeu)
enviasse Hankin a Beirute para comprar aspropriedadesdos fazendeiros ausentes e expul-
sar os fellahin de suas terras; permitir a compra de dezenas de dunam (unidade de medi-
da da terra) aos árabes, mas só autorizar a vendade uma dunam judia, argumentando que
“Deus nãoquer, está proibido”; apresentar Rothschild, a encarnação do capitalismo,
como um socialista e chamá-lo de “benfeitor”...Fazer tudo isso não foi fácil. E apesar do
fato de tê-lo feito –quiçá não tenhamos tido mais remédio- não me sentia feliz com is-
so”. (Ext. de Haaretz, jornal israelense, 15/11/ 69, e citado por Ariel Bober, The other
Israel. The radical case against zionism, New York, ed. Garden City, Doubleday, 1972).

59. Cit. por Peter Buch, La crisis de Medio Oriente. Buenos Aires, Elevé, 1971, p. 12.

60. T. Cliff. Le Proche-Orient au carrefour. Paris, Quatrième Internationale, out./nov.


1946.

61. Id.

62. Moshe Pearlman, História da Haganá, em Antologia Israel, íd., p. 63.

63. Id., p. 84.

64. Com o fim de caracterizara tendência “revisionista” de Jabotinsky, Rodinson lembra o


testemunho de L. Dennens em seu livro Onde termina o ghetto (Nova Iorque, King, 1934,
p. 233): “... a juventude aristocrática judia gritava, desfilando com camisa marron, ao
mesmo tempo em que apedrejava os vidros dos jornais judeus de esquerda: “Alemanha
para Hitler!,Itália para Mussolini! Palestina para nós! Viva Jabotinsky!” (Rodin-
son, Israel..., íd, pág. 108). Destes elementos sairão as organizações Irgún e Stern.
77

65. Nesse momento,um grande número de judeus europeus, vítima das perseguições
nazistas, desejava, naturalmente, ir embora da Europa. O sionismo, porém, não admitia
de nenhum modo que partissem para outro país que não fosse a Palestina. Desta forma,
quando a “democrática” Inglaterra e os não menos “democráticos” EUA fecharam as
portas de seus territórios metropolitanos aos refugiados, o sionismo se negou a realizar
qualquer protesto. Foi o SWP dos EUA, por exemplo, que, ao mesmo tempo em que o
sionismo se negava a protestar, organizougrandes campanhas para exigir de Roosevelt
que acolhesse os refugiados. Por quê? Segundo explicava o rabino Wise – líder do sionis-
mo, nessa época, nos EUA –, estava-se negociando com Roosevelt o problema do Estado
[de Israel] e, portanto, tentavam atrapalhá-lo o menos possível. (Cfr. Peter Seid-
man, Socialist and the tight against anti-semitism -an answer to the B’nai B’rith Anti-
Difamation League, Nova Iorque,Pathfinder, 1973, pp. 19 ss.).Entretanto, a razão de
fundo é a apresentada por Ben Gurion, ao afirmar que o de que se tratava era da criação-
do Estado judeu e não de salvar judeus da Europa: “A Grã Bretanha está tentando separar
o problema dos refugiados da Palestina... Se os judeus tivessem que escolher entre os
refugiados, salvando os judeus dos campos de concentração, os dirigentes teriam miseri-
córdia [dos refugiados, N. da R.] e a energia do povo seria canalizada para salvar os ju-
deus de vários países. O sionismo seria, então, não somente retirado da agenda da opinião
pública na Grã Bretanha,nos Estados Unidos e no resto do mundo, mas também da opi-
nião pública judaica. Se permitíssemos a separação entre o problema dos refugiados e o
problema palestino, estaríamos arriscando a existência do sionismo”. (Ben Gurion, carta
de 17/12/38 ao Executivo sionista, cit. por Peter Seidman, id.p. 20). Para Ben Gurion era
preferível arriscar a existência de milhões de judeus que pediam refúgio a pôr em risco a
existência do sionismo na Palestina. O sionismo não “tinha misericórdia”. O que lhe
importava era conseguir colonizadores e não “canalizar a energia do povo para salvar os
judeus de vários países”.

Vimos que, para favorecer o seu projeto colonial, o sionismo não tinha escrúpulos em
admitir sem protestos o fechamento da imigração nos EUA e Inglaterra. Tampouco tinha
problemas para emular acordos como o Herzl-Plevhe, assinando pactos com Hitler, ou o
“Haavara”, assinado entre o Reich hitlerista e a Agência Judia. (Rodinson, id., p. 103).

66. T. Cliff, id.

67. “Inclusive, nesses momentos –sublinha Cliff- fazem todo o possível para provar que
não são inimigos do imperialismo, mas seus aliados. Assim, por exemplo, no processo por
porte de armas instaurado em 28 de novembro de 1944 contra Epstein, membro
do Hashomer Hatzair (o partido sionista “socialista revolucionário”) este declarou a seus
78

juízes: ‘Os senhores, que vêm da Inglaterra, saberão apreciar, com certeza, os perigos e
dificuldades que implicam as empresas de desenvolvimento e colonização dos países
atrasados. Na história da humanidade, nenhuma empresa de colonização tem tido lugar
sem se bater com o ódio dos indígenas. Serão precisos anos e, quiçá, gerações para que
esses homens [os “indígenas”, N. da R.] se tornem capazes de apreciar e compreender o
quanto essas empresas são benéficaspara o seu futuro. O povo inglês, porém, não tem
recuado diante da tarefa de desenvolver os países atrasados, sabendo que, agindo assim,
os senhores cumprem uma missão histórica e humanitária. Os senhores têm sacrificado
seus melhores filhos no altar do progresso’ (T. Cliff, Le Proche-Orient au carrefour, op.
cit.)

68. Cit. Por Maxime Rodinson, Israel… id., p. 109.

69. Michael Bar-Zohar, The armed prophet: A biography of Ben- Gurión. Londres, 1967,
p. 67. Bar-Zohar é um dos principais biógrafos israelenses de Ben Gurión.

70. Id., p. 61.

71. Maxime Rodinson, Israel…, íd., p.. 69

72. Cit. por Moshe Sneh, Sair do círculo vicioso do ódio, em Dossiê... p. 672.

73. Quatrième Internationale, junho1948, p. 30.

74. Id., pp. 31 e 32.

75. Shaul Ramati, “A Haganá: as milícias populares de Israel”. Em Antologia Israel, íd.,
pp. 77 e 78.

76. Jon Rothschild, íd., p. 1211.

77. Maxime Rodinson, Israel…, íd., p. 74.

78. Id., p. 86 e Jon Rothschild, íd., p. 1211.

79. Publicado em Daavar, 29/9/67.Apud Jon Rotschild, íd., p. 1206 e Nathan Weinstock,
íd., p. 3.

80. M. de Reynier, A Jerusalem un drapeau flottait. Neuchatel, 1950.

81. Parte destes informes foi traduzida para o inglês e publicada na revista Middle East
International, Londres, abril, 1973, deonde os extraímos.
79

82. Id.

83. Id.

84. Menahem Begin,The revolt; story of the Irgun, p. 165.Cit.por Rodinson, Israel..., íd., p.
115 e Peter Buch, íd., p. 18.

85. AI-Ard Co. Ltd., Os árabes em Israel, Dossiê…, íd., p. 843.

86. Id., p. 860.

87. Colóquio de juristas árabes sobre a Palestina, Argel, 1967, p. 75.

88. Nações Unidas, 27º período de sessões, 9/10/1972, publicação A/ 8828, Espanhol.

89. Id., p. 44.

90. Um estudo publicado há poucos dias no Le Monde Diplomatique, extraído do suple-


mento de outubro de 1973 do jornal francês Le Monde, faz a seguinte radiografia da
estrutura ocupacional do Estado de Israel: “O nível de vida geral da população tem me-
lhorado depois da guerra de junho de 1967, mas a diferença entre os setores favorecidos e
desfavorecidos não faz mais do que crescer ano após ano”. “Este fenômeno se reflete,
entre outros, nos seguintes dados: de 1970 a 1972, a participação dos trabalhadores no
ingresso nacional baixou de 80,5% para 74%. Durante o mesmo período, a participação
dos capitalistas aumentou de 19,5% para 26%. Mas a diferença de ingressos torna-se
brutalmente evidente quando se compara o estilo de vida de 15% de israelenses que par-
tem todos os anos para o exterior e têm modernos carros e casas de luxo, com a situação
de 20% que luta em vão contra oaumento dos preços, vendo seu precário nível de vida
piorar a cada mês. Uma parte crescente deste setor se transforma em um lumpemproleta-
riado miserável e sem esperança.” “Esse lumpemproletariado israelense - ou mais propri-
amente judeo-israelense- tem tido tendência a crescer nos últimos anos, e, com ele, a
criminalidade sob todas as suas formas. Esse fenômeno se deve, em primeiro lugar, às-
mudançasna composição da mão-de-obra. Israel, como todo país em vias de rápida in-
dustrialização (as exportações têm aumentado 25% em 1972 e os investimentos, 20%) e
em situação de pleno emprego, adotaa prática de importar mão-de-obra estrangeira não
qualificada para ocupar os empregos menos remunerados, ficando o trabalhador israelen-
se com as funções mais qualificadas e melhor remuneradas.”

“Em Israel, é a população árabe que tem o papel de reserva da mão-de-obra ‘estrangeira’
não qualificada (é preciso somar a isto os sete mil judeus georgianos imigrados recente-
80

mente da URSS). O processo de arabização do trabalho comum e não qualificado foi


ainda mais acelerado no período de 1968 a 1973, depois que cerca de setenta mil operá-
rios palestinos dos territórios ocupados acederam progressivamente a postos de traba-
lhoem Israel. A mão-de-obra árabe -mais eficiente e disciplinada, sobretudo por não
dispor das mesmas facilidades para fazer valer seus direitos- tem substituído pouco a
pouco a massa dos trabalhadores judeus não qualificados das fábricas, restaurantes e
também do campo. Uma pequena parte desses operários judeus eliminados retornou
como supervisores ou, em alguns casos, como capatazes que chefiam o proletariado
árabe. Mas a maioria tem-se transformado em um lumpemproletariado, em suas formas
potenciais e reais, e não quer recuperar os empregos perdidos, considerados hoje degra-
dados” por se acharem ocupados pelos árabes.

“Este lumpemproletariado está formado em grande parte (85%) por judeus originários
dos países árabes, para os quais a possibilidade de empregos mais qualificados está mais
ou menos fechada. Tais ocupações requerem um grau de instrução que eles em geral não
têm. Filhos de famílias numerosas, logo tiveram que abandonar a escola pelo trabalho.
Assim, não menos de 20.000 jovens, na idade de 14 a 18 anos, não estudam nem traba-
lham. Outros dados reveladores: no ano de 1972, quando as proezas militares e científicas
de Israel surpreendiam o mundo, viviam no país 104 mil crianças – das quais mais de
54% judías – em famílias cujo pai não haviaconcluído mais do que o ensino básico e
fundamental. É nos setores desfavorecidos que se observa o número mais elevado (uma-
em cada cinco) de crianças subalimentadas, malnutridas ou que cresceramem condições
definidas como sendo de “desastre familiar”. É nesses setores que se recrutam os delinqüe
ntes juvenis. O ressentimento crescente desses milhares de judeus orientais, que se per-
guntam o que é feito por eles no momento em que Israel se orgulha de seus dois mil
milionários, encontra sua expressão política no voto a favor dos Panteras Negras, que
obtiveram 2% dos sufrágios emitidos na eleição para o Histadrut”.

91. Devem combater com empolgação... Pela invasão ou pela diplomacia, o império
israelense será edificado. Deverá compreender todos os territórios situados entre o Nilo e
o Eufrates(Ben Gurión,discurso na Universidade Hebraica de Jerusalém, 1950; cit. em
Dossiê..., íd., p. 248).

92. Citação de Trabulsi:apud Rodinson, op. cit, pp. 185-6.

93. Citação de Trabulsi: “Deve-se lembrar que o Egito exigiu, inicialmente, que as tropas
da ONU evacuassem seus postos de observação na fronteira (não se fez menção de Gaza
ou de Sharm el-Sheikh) e que só em 18 de maio demandou formalmente a retirada das
81

tropas da ONU de seu território, depois de U Thant declarar que era tudo ou nada. Israel
não aceitou nunca a presença das tropas da ONU em suas fronteiras, e manteve sua posi-
ção quando novamente indagado sobre o assunto, após a ONU ter-se retirado do Egito”.

94. Citação de Trabulsi: Michel Bar-Zohar, Histoire secrete de la guerre d’Israel. París,
Fayard, 1968, pp. 149-50. O autor -um biógrafo israelense de Ben Gurion- relata que,
durante a guerra de junho, altos oficiais do Departamento de Estado costumavam perse-
guir os diplomatas israelenses com esta pergunta: “Quando atacarão a Síria?” (p. 305). A
vitória israelense representaria, de qualquer forma, uma derrota para a URSS. Bar-Zohar:
“Johnson entendeu que, se desse um jeito para neutralizar os soviéticos e dissuadi-los de
intervir no conflito, a derrota dos árabes frente a Israel seria interpretada pelo mundo
como uma terrível derrota da URSS... o mundo árabe, derrotado na guerra, experimenta-
rá um profundo ressentimento contra Moscou”, (p. 255). De fato, os elementos reacioná-
rios no mundo árabe capitalizaram o assunto. Parte das enormes demonstrações de massa
no Cairo, quando Nasser apresentou sua renúncia em9 de junho, eram dirigidas contra a
embaixada soviética. Outras tentativas do mesmo tipo fracassaram em Beirute”.

95. Citação deTrabulsi: “O informe conjunto de 26 de maio de Rusk e Mc Namara para


Johnson conclui com duas alternativas: uma força naval multinacional ou “deixar agir
Israel de maneira independente”. Significativamente, o Secretário de Defesa, Mc Namara,
foi muito cético com relação à possibilidade de a força naval abrir passagem através do
Tiran”.

96. Citação de Trabulsi: Ibid, pp. 128. 139,14 1.

97. Citação de Trabulsi: “Uri Dan, cit. por M. Machover & M. Haneghbi em Lettre à tous
les ex -braves israéliens. Rouge, 22 de janeiro de 1969”.

98. Citação deTrabulsi: Bar-Zohar, op. cit, p.128.

99. Citação de Trabulsi: Machover e Haneghbi, op. cit.

100. Fawwas Trabulsi, íd., p. 102.

101. Quando o meio ou as circunstâncias tornam desnecessário o uso dessedisfarce ideo-


lógico, o sionismo aparece mais claramente. Os comunicados da IPS e Reuter, por exem-
plo,(publicados em Maioria, 18/11/73), informam o seguinte: “Juntamente com os EUA,
a África do Sul foi o único país do mundo que, durante a última guerra no Oriente Médio,
ajudou Israel sem dissimulação nenhuma. Segundo Newsweek, Pretória enviou para
Israel mais de um milhão de dólares e, segundo o Daily Telegraph, enviou pilotos. Acima
82

de tudo, gravitou a existência de uma comunidade judia importante na África do Sul. Esta
comunidade, de mais de 115.000 pessoas, enviou dos EUA as maiores contribuições
financeiras para Israel. Os dirigentes sul-africanos têm também suas razões para tal cola-
boração. Para o primeiro ministro Verwoed é a necessidade de que “se unam todos os
brancos contra as hordas”. Um dirigente da comunidade judaica na África do Sul foi
claro. Yakob Oppenheimer escreveu no Herald Tribune: “Nossos dois países têm a mis-
são de manter ilhotas de civilização ocidental no meio do oceano da barbarie neolítica”.
Os países árabes têm aplicado, em consequência, um total boicote à África do Sul.

102. Maxime Rodinson, Israel..., id., p. 78.

103. “Somos uma geração de colonizadores - diz Dayan-, e sem o capacete de aço e o
canhão não sabemos plantar uma árvore ou construir uma casa. Não recuamos diante do
ódio de centenas de milhares de árabes em torno a nós, não viramos nossas cabeças para
que não tremam de medo nossas mãos. Esse é destino de nossa geração... estar preparados
e armados, fortes e ásperos para que a espada não caia de nossas mãos...” (cit. en Jon
Rothschild, How and why the zionist expanded its borders, I.P, Vol. 11. Nº 39. 1973. pág.
1237). Nessa ocasião, acabava de dizer que a guerra contra os árabes “recém começa”.
Qualquer semelhança entre as arengas de Moshe Dayan e de Adolfo Hitler não são pura
casualidade.

104. Documento da Al Fatah, La revolución palestina y los judíos, Argel, 1970, pág.
16. Reedição mimeografada.

105. Jornal semanal do PST.


83

Cronologia
1897 - Primeiro congresso da Organização Sionista em Basileia (Suíça). Co-
meçam as gestões de Herzl perante as distintas potências.
1905 - Primeira revolução russa.
1914 - Começa a Primeira Guerra Mundial imperialista dos Aliados (Ingla-
terra, França, Rússia, Itália etc.) contra as potências centrais (Alemanha, o
Império Austro-húngaro, Turquia etc.). Em 1917 os EUA se incorporam aos
Aliados.
1915 - Acordo McMahon-Houssein. pelo qual a Inglaterra se compromete a
reconhecer a independência dos árabes, caso se sublevem contra o império
turco que os dominava.
1916 - Acordo secreto Sykes-Picot.Ignorando o anterior compromisso, a
Inglaterra assina um acordo secreto de repartição do Oriente Médio com o
imperialismo francês.
1917 - Revolução de fevereiro na Rússia. Cai o Czar.
02 de novembro: O imperialismo inglês emite a Declaração Balfour, em con-
tradição com os anteriores acordos.
07 de novembro: Revolução de Outubro na Rússia. Os soviets no poder.
1918 - Setembro: Os árabes tomam Damasco e derrotam o império turco.
Outubro: Os exércitos britânico e francês ocupam o Oriente Médio.
Novembro: Revolução na Alemanha e em toda a Europa Central. Destituição
do Kaiser e fimda Primeira Guerra Mundial.
1920 – A Grã Bretanha recebe o “mandato” da Sociedade das Nações sobre a
Palestina. Primeira rebelião árabe. A Inglaterra nomeia para o alto-
comando o dirigente sionista Herbert Samuel. Fundação da Haganá.
Julio: O Segundo Congresso da Terceira Internacional afirma a necessidade
de “desmascarar incansavelmente, diante das massas trabalhadoras de todos
os países e nações,particularmente os mais atrasados, a manobra organizada
pelas potências imperialistas, com a cumplicidade das classes privilegiadas
dos países oprimidos. [...] Podemos citar o caso dos sionistas da Palestina,
onde, sendo os judeus uma minoria insignificante, o sionismo, com o pretex-
84

to de criar nesse país um Estado judeu, tem entregado a população marginali-


zada dos trabalhadores árabes à exploração da Inglaterra”. (“Tese
e adições sobre a questão nacional e colonial”).
1923 – Rebelião árabe.
1926 - Rebelião árabe.
1929 - Rebelião árabe.
1935 – Inicia-se a maior insurreição árabe, que culminará em 1936 e se pro-
longará até 1939, quando é definitivamente esmagada. No começo deste
levante se dá uma greve geral de seis meses de duração, a mais longa da histó-
ria.
1937 - Proposta da Comissão Peel de repartição da Palestina.
1939 – São exterminadas as últimas guerrilhas árabes. Livro Branco: começa a
ruptura do sionismo com a Inglaterra. Inicia-se a Segunda Guerra Mundial
imperialista. Os nazistas massacram milhões de judeus.
1947 - 29 de novembro: As Nações Unidas votam a repartição da Palestina.
Grandes manifestações e greves de protesto dos palestinos. Começa a campa-
nha terrorista; matanças na Refinaria de Haifa e em Jerusalém, Jaffa, Lydda,
Safad etc. Inicia-se o êxodo dos palestinos.
1948 – Acentua-se o terror, que culmina em 9 de abril, no massacre de Deir
Yassin. A resistência palestina é esmagada. Os palestinos começam a fugir em
massa.
Maio: Fimdo mandato britânico e proclamaçãodo Estado do Israel. Começa a
intervenção dos exércitos árabes da Transjordânia (atual Jordânia), Egito,
Síria etc. Pacto secreto Golda Meir-Abdullah para a divisão da Palestina.
1949 - Armistício com os Estados árabes. Israel nega o retorno dos refugia-
dos. Expropriação dos bens e terras dos palestinos.
1950 - 27 de agosto: matança de beduínos no Neguev.
1951 - 5 de abril: a aviação sionista bombardeia a aldeia de Al-Hamma.
1952 - 11 de janeiro: matança na aldeia árabe de Beit Jala (próxima de Be-
lém).
1953 - 28/29 de janeiro: matança nas aldeias de Falame e Rantis (Jordânia)
durante uma incursão israelense.
11 de agosto: Ataques nas aldeias da Idna, Surif e Wadi Fukin (Jordânia).
85

15 de outubre: Ataque israelense nas aldeias da Qibya, Shuche e do Budrus


(Jordânia). 75 homens, mulheres e crianças são massacrados. Qibya é com-
pletamente destruida.
1954 - 28/29 de março: Ataque sionista e matança na aldeia de Nabalin (Jor-
dânia).
Julho: Sai à luz o “caso Lavon”. Este ministro do gabinete israelense tinha
organizado um grupo de provocadores no Cairo,com o objetivo deincendi-
ar as embaixadas britânica e dos EUA a fim de provocar uma intervenção.
1°/2 de setembro: Matança nas aldeias da Beit Liqya, Tahta e Wadi al-Malagi
(Jordânia).
1955 - 08 de fevereiro: Ataque sionista na Faixa de Gazamata 38 civis.
31 de agosto/1º de setembro: Matança nas aldeias da Kan Yunis e Bani Suhei-
la (Faixa de Gaza).
2/3 de novembro: Ataque ao posto egípcio de Sabha, no Sinai. 50 árabes mor-
tos.
11 de dezembro: Matança de 50 árabes nos ataques às aldeias de al-Butheia e
Koursi.
1956 - 4 de abril: Forças sionistas invadem o Deir al-Balah e a praça do mer-
cado de Gaza. 56 árabes mortos e 103 feridos, a maioria crianças e mulheres.
26 de julho: Nasser, presidente do Egito, nacionaliza o canal de Suez.
28 de agosto: Ataque à aldeia do Umm al-Rihan (Jordânia).
11 de setembro: Ataque sionista a Rahwa (Jordânia). 15 moradores assassi-
nados.
13 de setembro: Ataque à escola de Gharandai (Jordânia). 11 mortos.
25 de setembro: Ataque sionista a Husan e à escola da aldeia de Wadi Fukin
(Jordânia): 39 mortos e 11 feridos.
10 de outubro: Ataques e matanças nas aldeias do Qalgilya, Azzun, Nabi,
Ilyas e Khan Sufin (Jordânia): 48 árabes mortos e 23 feridos.
Outubro: Invasão do Egito por Israel, França e Inglaterra, como “castigo”
pela nacionalização do canal de Suez. Milhares de árabes são massacrados
nos bombardeios de Port Said, Suez e Ismaília.
29 de outubro: Matança na aldeia de Kfar Kassem. Esta aldeia árabe se en-
contrava em território israelense. As autoridades tinham decretado o toque
86

de recolhersem avisar os camponeses árabes, metralhados ao regressarem à


aldeia após o trabalho no campo: 49 mortos.
03 e 12 de novembro: Durante a ocupação israelense de Gaza, depois da
guerra de outubro, as tropas israelenses abrem fogo sobre duas manifestações
de palestinos nos acampamentos de refugiados de Rafah e Khan Yunis, ma-
tando, respectivamente, 111 e 275 civís árabes.
1962 - 14 de fevereiro: Ataque e destruição da aldeia de al-Tawafiq.
1964 - 13 de novembro: Ataques às aldeias sírias do Abbasieh e Tell al-
Aziziyat.
Os Estados árabes criam a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
No ano seguinte, o movimento Al-Fatah, dirigido por Yasser Arafat, realiza
seu primeiro ataque contra Israel.
1965 - 27 de maio: Ataques às aldeias jordanianas de Kalqilya e Manshiyat.
28 de outubro: Ataques e matanças nas aldeias Huola e Resi al-Jabal (Líba-
no).
1966 - Durante esse ano, e até a guerra de 1967, Israel realiza constantes ata-
ques aéreos contra a Síria.
13 de novembro: Matança na aldeia jordaniana de Sammu.
1967 - Continuam os ataques contra a Síria, como preparação da guerra de
junho.
Junho: Guerra dos Seis Dias. Israel invade o Egito, a Síria e a Jordânia, ocu-
pando a península do Sinai e a Faixa de Gaza, as colinas de Golã, a Cisjordâ-
nia e Jerusalém oriental. Segundo éxodo palestino: são expulsos de seus lares
400.000 palestinos de Gaza e Cisjordânia, e 100.000 de Kuneitra.
Novembro: O Conselho de Segurança da ONU aprova a Resolução 242, que
ordena a retirada israelense, o reconnhecimento de todos os Estados da regi-
ão e uma solução justa para o problema dos refugiados.
1968 - 28 de dezembro: ataque sionista ao aeroporto do Beirute.
1969 - 14 de janeiro: OAl-Fatah, que se tornou a principal corrente da OLP
por encabeçar a luta guerrilheira contra Israel, dá a conhecer um documento
de sete pontos, no qual chamaa lutar pela destruição do Estado do Israel e a
conquista de “um Estado palestino, laico, democrático e não racista”. Pouco
tempo depois, Yasser Arafat é eleito presidente. A Carta Nacional Palestina
que adota a OLP proclama a luta pelo “estabelecimento de uma sociedade
87

democrática livre na Palestina, aberta a todos os palestinos -muçulmanos,


cristãos e judeus”.
1970 - 1° de janeiro: Ataque a Irbid (Jordânia).
28 de janeiro: Bombardeio em um bairro do Cairo.
12 de fevereiro: Bombardeio numa fábrica de el-Khanka (Egito): 68 mortos e
28 feridos.
30 de março: Bombardeio de Mansuora (Egito).
8 de abril: A aviação sionista ataca com napalm a escola de ensino fundamen-
tal do Bahr al-Bahr (Egito): 46 crianças morrem queimadas e outras 40 so-
frem ferimentos graves.
28 de setembro: Morre o presidente do Egito, Nasser. Seusucessor, Anwar al-
Sadat, afasta o país da influência soviética e o coloca a serviço dos planos do
imperialismo ianque na região.
Setembro: Luta entre os revolucionários palestinos -que têm crescido em
força e popularidade - e o rei Hussein da Jordânia. Israel intervém a favor de
Hussein, bombardeando os acampamentos palestinos. A frota ianque se mo-
biliza para intervir. São massacrados 20.000 palestinos. É uma importante
derrota para o povo palestino e os grupos guerrilheiros, que são obrigados a
se refugiar no Líbano. O massacre é conhecido como o Setembro Negro.
1972 - Atentado contra a delegação israelense nas Olimpíadas
de Munique;morrem 8 atletas. É uma ação totalmente equivocada de um
grupo em desespero, a organizaação Setembro Negro, que faz o jogo do sio-
nismo. Em represalia, Israel bombardeia o Líbano –inclusive o aeroporto
do Beirute – e arrasa dezenas de aldeias árabes.
1973 - 6 de outubro: Guerra do Yom Kipur. Egito e Síria lançam um ataque
militar contra as tropas do Israel, assentadas no Sinai e no Golã. A OLP con-
voca a uma greve geral, que afeta grande parte da economia israelense. Após
uma primeira surpresa, as tropas israelenses, sustentadas por um gigantesco
operativo de abastecimento proporcionado pelos EUA, fizeram recuar as
tropas árabes. Não obstante, acentua-se a crise em Israel. A partir de então,
Sadat dá continuidadeà suapolítica de entrega total ao imperialismo e aos
sionistas.
88

22 de outubro: O Conselho de Segurança da ONU aprova a Resolução 338,


que pede o cessar-fogo, o acatamento da Resolução 242, de 1967, e negocia-
ções imediatas para uma “paz justa”.
Dezembro: Abrem-se negociações entre o Egito e Israel, patrocinadas pelos
EUA e a URSS e precedidas por uma turnê do secretário de Estado dos EUA,
Henry Kissinger. Não participa a OLP.
1974 - Junho: Em reunião no Cairo,a OLP adota um documento no qual se
começa a abandonar a luta pela destruição do Estado do Israel.
Dezembro: Bombardeios constantescontraas aldeias árabes e os campos de
refugiados no Líbano.
1975 - Maio: Começam os combates nas ruas do Beirute.
Agosto: Outra turnê de Kissinger.
Setembro: Novo acordo Egito-Israel sobre o Sinai. O Egito recupera alguns
quilômetros de território epoços de petróleo, comprometendo-se a não parti-
cipar em nenhuma ação armada contra Israel. Sem o apoio da OLP, estudan-
tes palestinos ocupam a embaixada egípcia em Madri, em repúdio ao acordo.
1976 – A Síria invade o Líbano, dando apoio às milícias falangistas e à direita
cristã, que estão à beira de serem derrotadas pela oposição libanesa e os com-
batentes palestinos. Abrem-se dez anos de guerra civil.
27 de junho: Um grupo terrorista não identificado sequestra um avião da
empresa Air France, durante o percurso Atenas-Paris, com quase 300 pessoas
a bordo,exigindode Israel a libertação de uma centena de militantes palesti-
nos. Enquanto o avião estava no aeroporto de Entebbe (Uganda), o governo
israelense pôs em marcha um operativo de resgate. Um comando transporta-
do poraviões israelenses realizou uma ação na qual, em 52 minutos, foram
mortos todos os sequestradores e mais 3 reféns, sendo resgatados todos os
restantes. Nunca se conheceram maiores detalhes do operativo.
1977 - Um refrigerador carregado de explosivos explode no centro de Jerusa-
lém, deixando 20 pessoas mortas e uma centena de feridos.
O presidente egípcio Anwar Sadat viaja para Jerusalém em “missão de paz”.
Outros governos árabes o qualificam de traidor.
1978 – Israel invade o sul do Líbano.
Setembro: O Egito, Israel e os EUA assinam os acordos de Camp David, que
oferecem aos palestinos uma autonomia restrita nos territorios ocupados.
89

Israel continua negando-se a negociar com os palestinos, razão pela qual a


OLP rechaça a proposta de autonomia. O Egito assina um acordo de paz em
separado com Israel, tornando-se o primeiro país árabe a reconhecer oficial-
mente Israel, e recebe dos EUAuma ajuda financeira anual de 2,3 bilhões de
dólares, além da devolução, por Israel, do Sinai e seus ricos poços de petróleo.
A Liga Árabe rejeita o acordo e o Egito fica isolado dos países islâmicos.
1979 - Janeiro: Revolução no Irã; destituição e fuga do xá. Regressa do exílio
o aiatolá Khomeini. Em 10 de fevereiro as massas se levantam, atacam os
quartéis e perseguem os agentes da polícia secreta (Savak). Durante quase
dois anos, sucedem-seas greves operárias e se desenvolvem
os shoras (conselhos operários) e as coordenadoras.
Novembro: Ocupaçãoda embaixada norte-americana em Teerã, com refens
civis e marines.
27 de dezembro: Para detero movimento de ascensão estimulado pela revolu-
ção iraniana, a URSS invade o Afeganistão.
1980 - Setembro: Ataque do Iraque contra o Irã.
1981 - Janeiro: Fimda ocupação da embaixada ianque emTeerã.
06 de outubro: Sadat, presidente do Egito, é assassinado por integristas islâ-
micos durante um desfile militar. Assume Hosni Mubarak.
1982 - Abril: As tropas iranianas expulsam do Curdistão os invasores iraqui-
anos. O presidente do Iraque Saddam Hussein vê-se obrigado a abrir negoci-
ações de paz.
29 de junho: O Iraque anuncia sua retirada total do território iraniano.
Junho-julho: Começa a ofensiva do Irã contra o Iraque.
06 de junho: Israel invade o Líbano. Armado pelos ianques, o exército israe-
lense põe em marcha a operação Paz para a Galiléia, massacrando milhares
de palestinos, libaneses e sírios, e arrasando Beirute. Begin e Sharon prome-
tem que a operação duraria “doze horas” e traria “40 anos de paz”. Três anos
depois, derrotado,o exército israelense retira-se do Líbano.
Agosto: Derrotados pelos países árabes, os combatentes da OLP,para não
serem dizimados, são obrigados a abandonar Beirute e se dispersarem. Arafat
refugia-se na Tunísia. Têm início suas declarações pelo abandono da luta
armada contra Israel, a adoçãoda via diplomática para a criação de um estado
90

palestino que coexista com Israel, e pelo acatamento das resoluções 242 e 338
da ONU, que legitimam o estado sionista.
Setembro: Milicianos fascistas libaneses e soldados israelenses invadem os
campos de refugiados civís de Sabra e Shatila, nos arredores de Beirute. As-
sassinam mais de mil pessoas, namaioria idosos, mulheres e crianças. O res-
ponsável é Ariel Sharon. Em Israel, o ato provoca uma onda de repúdio. Mo-
bilizadas pelo movimento Paz Agora, mais de meio milhão de pessoas se
manifestam, exigindo a queda do governo e o recuo da política de expansão
sionista.
Setembro: Acordo Israel-Líbano-EUA. Reagan e Mitterrand anunciam o
envio de uma força multinacional de paz. Serão 5.000 soldados de elite, nor-
te-americanos, franceses, britânicos e italianos. 300 assessores ianques prepa-
ram o novo exército governamental.
1983 - Atentado contra a embaixada norte-americana em Beirute. 63 mortos
e centenasde feridos.
1984 – Fevereiro: Insurreição popular em Beirute. Os EUA sofrem uma im-
portante derrota, já que são obrigados a retirar todos os marinescom a Sexta
Frota.
1985 - Fevereiro: Derrotado, Israel retira-se do Líbano mas permanece na
zona fronteiriça, onde promove a formação do mercenário Exército do Sul do
Líbano,mantendo suas tropas na chamada “faixa de segurança”.
Abril: Explode um restaurante no centro de Madri. Morrem 18 pessoas e
ficam 82 feridas. 15 são soldados norte-americanos.
1986- Janeiro: Reagan impulsiona o boicote econômico contra a Líbia, acu-
sando Khadafi de incitar à realizaçãode atentados terroristas contra Israel. A
Sexta Frota ianque usurpa águas territoriais da Líbia, ao se instalar no golfo
de Sidra.
Abril: Os EUA bombardeiam a Líbia. Todos os governos árabes, juntamente
com o Irã, condenam a agressão.
Dezembro: Escândalo nos EUA com a divulgação de um comércio de armas
para o Irã.
1987 - 09 de dezembro: Inícioda Intifada. Em Gaza, um dos territórios inva-
didos na guerra de 1967, em repúdio à morte de quatro trabalhadores pales-
tinos, cujacaminhonete foi abatida por um caminhão do exército israelense,
91

milhares de pessoas saem às ruas para gritar contra os ocupantes e enfrentam


com pedras as tropas sionistas. Durante meses, manifestações diárias esten-
dem-se a toda a Palestina.
21 de dezembro: Ampla greve geral dos árabes israelenses, a primeira em 40
anos de existência de Israel e cuja palavra de ordem é: “Por um estado pales-
tino”.
1988 - 23 de janeiro: Milhares de manifestantes do movimento Paz Agora
percorrem Tel Aviv, exigindo uma solução pacífica e a negociação com a
OLP para a constituição de dois estados na região.
13 de fevereiro: Nova manifestação de Paz Agora, encabeçada por deputados
e chefes militares da “esquerda” sionista.
Fevereiro: O secretário de Estado norte-americano, George Schultz, inicia
uma turnê pelo Oriente Médio para negociar um plano de paz em troca da
entrega de uma parte do território ocupado.
Um acordo mútuo põe termo às hostilidades militares entre o Iraque e o Irã.
Novembro: O Conselho Nacional Palestino proclama a criação de um “Esta-
do Palestino” e, tacitamente, reconhece Israel ao apoiar a Resolução 242.
1989 - Fevereiro: A URSS, derrotada, retira-se do Afeganistão.
Maio: O primeiro ministro israelense, Yitzhak Shamir, apresenta um plano
de quatro pontos, que prevê a realização de eleições nos territórios ocupa-
dosmas exclui o estabelecimento de contatos com a OLP e a retirada israelen-
se da Cisjordânia e Faixa de Gaza.
Outubro: O secretário de estado norte-americano, James Baker, propõe um
plano de cinco pontos, que será rejeitado por Shamir após a formação de uma
coalizão de direita em junho de 1990.
Novembro: Cai o Muro de Berlim.
1990 - Agosto: O exército do Iraque ocupa o Kuwait. O imperialismo ianque
promove um bloqueio econômico e têm início gigantescos preparativos béli-
cos. Arafat apoia Saddam Hussein, que oferece ao Irã concessões territoriais
em troca de apoio. O fim da guerra será declarado oficialmente em fevereiro
de 1990.
1991 - 17 de janeiro: Começa a Guerra do Golfo.
Fevereiro: O Iraque bombardeia Israel.
92

Final de fevereiro: Liderada pelos EUA, a coalizão militar da ONU derrota o


Iraque.
Março: George Bush, presidente dos EUA, sustenta que a vitória sobre o
Iraque abre uma oportunidade para a solução do conflito árabe-israelense.
Baker viaja para o Oriente Médio na primeira de oito missões de paz.
Agosto: Baker propõe a realização de uma conferência sobre o Oriente Médio
em meados de outubro. Shamir aceita participar, desde que haja um acordo
prévio sobre o tema da representação palestina.
20 de outubro:O gabinete israelense dá seu acordo à realização de uma confe-
rência de paz, patrocinada pelos EUA e a URSS,que inclua a participação da
Síria, Jordânia e Líbano.
30 de outubro: Israel pede que a delegação palestina a serenviada às conver-
sações de Madri seja formadapor residentes dos territórios ocupados, o que
implica formalmente a exclusão da OLP, embora suas autoridades instruam a
delegação.
Dezembro: Destituição de Gorbachev e dissoluçãoda URSS.
1992 - Março: Um atentado destroi o prédio da embaixada de Israel em Bue-
nos Aires.
23 de junho: Yitzhak Rabin (do Partido Trabalhista) vence Shamir (do Likud)
nas eleições nacionais.
27 de novembro: Greve geral nos territórios ocupados. Mobilizações e en-
frentamentosdiários. Milhares de presos palestinos fazem greve de fome nas
15 prisões israelenses.
Israel deporta para uma “terra de ninguém”, na fronteira libanesa, 415 ativis-
tas da resistência palestina que se opõem às negociações em curso.
1993 - 19 de janeiro: O Parlamento israelense suspende a penalização dos
contatos com a OLP, que vinha sendo impostadesde 1986. Rabin ainda se
nega a negociar com a organização em forma direta.
Fevereiro: Atentado às Torres Gêmeas de Nova Iorque. Mais de 3000mortose
acima de 1.000 feridos.
27 de abril: Reiníciodas negociações, que tinham sido suspensas pela repres-
são israelense. Continuam deportados 396 palestinos.
12 de agosto: Israel não se opõe à decisão sem precedentes que autoriza a
designação de sete membros do comitê da OLP, presidida por Arafat, paraa
93

delegação palestina a ser enviada às conversações de paz. Dias depois, ocor-


rem renúncias e uma crise na direção na OLP. Comenta-se sobre reuniões
secretas com vistas a um acordo provisional sobre a autonomia dos territó-
rios ocupados.
31 de agosto: O gabinete israelense aprova o projeto de um acordo com a
OLP sobre a autonomia palestina na Faixa de Gaza e a cidade cisjordanade
Jericó. A OLP afirma não ter valora cláusula de sua Carta Nacional que nega a
existência de Israel.
23 de setembro: Assinado em Oslo (Noruega) o histórico acordo entre a OLP
e Israel: reconhecimento mútuo; autonomia palestina em Gaza e Jericó por
cinco anos; eleições em nove meses para um conselho de autonomia; retirada
do exército sionista e criação de uma polícia palestina. Participam da assina-
tura Yitzhak Rabin, primeiro ministro israelense, Yasser Arafat, pela OLP, e
Bill Clinton, presidente dos EUA. Importantes organizações palestinas (Ha-
mas, Hezbollah, a FPLP e outros) rechaçam o acordo, e o mesmo fazem os
governos da Líbia, Sudão, Irã e Iraque.
1994 - Fevereiro: Ataques de Israel a bases do Hezbollah, no sul do Líbano.
Em Hebron, um médico judeu assassina mais de 50 palestinos numa mesqui-
ta. Seguem-se distúrbios que deixam dezenas de palestinos mortos, além de
centenas de feridos, pela ação dos soldados israelenses. Nos funerais, os sol-
dados matam outros 3 palestinos e deixam 50 feridos.
04 de maio: No Cairo, Rabin e Arafat assinam os acordos para a autonomia
de Gaza e Jericó.
21 de maio: Um comando israelense, numa operaçãorelâmpago, sequestra
um dirigente do Hezbollah que dormia em sua casa, numa pequena cidade do
norte do Líbano.
02 de junho: Bombardeio israelense contra um campo de treinamento do
Hezbollah no vale de Bekaa (Líbano). Foi o mais sangrento em sete anos, com
45 mortos e mais de 70 feridos. O Líbano pede uma reunião urgente do Con-
selho de Segurança. A Liga Árabe condena o ataque.
09 de junho: Nos termos do acordo Arafat-Rabin, Israel começa a libertação
de presos palestinos.
15 de junho: Pela primeira vez, Israel e o Vaticano estabelecem relações di-
plomáticas.
94

1º de julho: Depois de 27 anos de exílio, Arafat retorna pela primeira vez à


Palestina, em forma pública e oficial, visitando a Faixa de Gaza.
05 de julho: Instala-se em Jericó o “governo autônomo palestino”.
15 de julho: Bill Clinton anuncia que no dia 25 se reunirão em Washington
Rabin e o rei Hussein, da Jordânia. Ambos os países estão tecnicamente em
guerra desde 1948.
17 de julho: Repressão israelense contra trabalhadores palestinos em Erez,
principal posto de fronteira entre Gaza e Israel. Resultam 2 mortos e 92 feri-
dos. Milhares de palestinos enfrentam a repressão.
18 de julho: Um atentado destrói os seis andares do prédio da AMIA –
Associação Mutual Israelense Argentina – em Buenos Aires, além de nume-
rosos prédios vizinhos. Há dezenas de mortos e desaparecidos, e mais de 100
feridos. Pouco depois, explode em vôo um avião no Panamá que transportava
empresários judeus, e em Londres explode um carro-bomba diante da em-
baixada de Israel.
25 de julho: Rabine o rei Hussein apresentam-se no Congresso dos EUA e
anunciam o início de negociações de paz. A Síria, com o apoio do Líbano, diz
que os acordos em separado com Israel enfraquecem os árabes. A OLP recha-
ça o acordo jordânio-israelense.
27 de julho: Rabin faz uma nova proposta ao presidente sírio Hafez Assad
sobre as Colinas do Golão.
Bombardeio israelense no sul do Líbano deixa8 mortos, quase todos mulhe-
res e crianças, e 30 feridos. Em 26 de outubro, a Jordânia assina um tratado
de paz com Israel. Bill Clinton assiste à cerimônia.
1995 - 09 de abril: Dois terroristas suicidas palestinos matam 7 soldados e um
estudante israelense na Faixa de Gaza. São detidos 170 ativistas fundamenta-
listas islâmicos pela Autoridade Palestina.
28 de setembro: Acordo em Washington entre Israel e palestinos concede
autonomia para territórios palestinos.
04 de novembro: O primeiro ministro israelense, Yitzhak Rabin, é assassina-
do por um estudanteultraortodoxo judeu.
1996 - 20 de janeiro: Arafat é eleito presidente da Autoridade Nacional Pales-
tina com 88% dos votos.
95

21 de maio: Por uma estreita margem, triunfa nas eleições israelenses o can-
didato da direita, Benjamin Netanyahu.
Abril: Israel bombardeia alvos civís no sul do Líbano.
Setembro: A abertura de um túnel ameaça os alicerces da mesquita de Al
Aqsa, em Jerusalém, uma das mais importantes. O fato é considerado como
uma provocação dos palestinos. Ocorre uma rebelião popular e o enfrenta-
mento com o exército do Israel deixa 70 mortos e centenas de feridos.
1998 - 23 de outubro: Em Wye Plantation (EUA), Netanyahu, primeiro mi-
nistro israelense, e Arafat, acordam a retirada das tropas israelenses de 13,1%
da Cisjordânia e a libertação de detentos palestinos. Dois meses depois, Israel
congelou o acordo.
1999 - 04 de setembro: Barak assina com Arafat, no Egito, uma versão modi-
ficada dos acordos de Wye Plantation; uma parte dos presos palestinossão
libertados e o exército de Israel se retira das zonas sob administração palesti-
na.
2000 - 24 de maio: O exército de Israel abandona, precipitadamente, o Líba-
no. Israel sofre uma dura derrota militar. O que estava planejado como uma
retirada gradual e planificada se transforma em debandada, deixando à pró-
pria sorte os mercenários fascistas cristãos do Exército do Sul do Líbano,
armados por Israel. Os guerrilheiros do Hezbollah ocupam todo essa região,
apropriando-se de tanques eartilharia deixados pelo exército israelense em
sua fuga e libertando centenas de resistentes libaneses presos.
Julho: Arafat, Barak e Clinton reúnem-se durante vários dias em Camp David
– residência de verão dos presidentes ianques – com o propósito declarado de
assinar um acordo de paz. Porém, a cúpula termina num fracasso.
10 de setembro: O Conselho Central Palestino prorroga até 15 de novembro
a proclamação de um estado palestino independente na Cisjordânia e Faixa
de Gaza. Esta proclamação estava prevista para 13 de setembro, quando ven-
ciam os acordos interinos com Israel.
Outubro: A Intifada se estende em todos os territórios ocupados e também
no interior de Israel. Em todo o mundo árabe cresce uma irreprimível onda
de solidariedade. NoIêmen saem às ruas 500.000 manifestantes, gritando
“morte aos Estados Unidos, morte a Israel!”. O Iraque anuncia o alistamento
96

de um milhão de voluntários para combater Israel. No Marrocos também se


mobilizam centenas de milhares.
12 de outubro: O destróier USS “Cole”, um dos mais modernos da frota
ianque, “tropeça” com uma lancha explosiva nas costas do Yemen, que lhe
produz um enorme buraco e provoca a morte de 17 marines, além de deixar
dezenas de feridos. A resposta dos EUA é surprendentemente cautelosa. Fe-
cha 37 embaadas na África e na Ásia para evitar novos atentados e anuncia
que “vão investigar” o fato.
17 de outubro: Reunião de cúpula em Sharm el-Sheikh, Egito, entre Arafat e
Barak, patrocinada pelos EUA. Pactua-se “deter a violência”,mas o acordo
não tem nenhum efeito. A Intifada continua com força. Marwan Barghouti,
chefe do Tanzim – milícia palestina da Al-Fatah - diz que a Intifada “não se
consegue deter com uma ordem... É a massa na rua”.
2001 - Fevereiro: Ariel Sharon, líder do direitista partido Likud e genocida de
Sabra e Shatila, no Líbano, ganha as eleições para primeiro ministro de Israel.
Abril-maio: Escalada de violência. Pela primeira vez, desde 1967, Israel utili-
za aviões F-16 para bombardear zonas densamente povoadas, causando 12
mortos, 120 feridos e a destruição de vários edifícios. O pretexto é um atenta-
do suicida palestino num shopping israelense. O bombardeio israelense é
repudiado internacionalmente. Até o governo Bush condena hipocritamente
o ataque, dizendo que “deveriam detê-lo”.
11 de setembro: Atentado e destruição das Torres Gêmeas deNovaIorque.
7 de outubro: Os Estados Unidos iniciam a invasão do Afeganistão com o
pretexto de capturar Bin Laden, suposto cérebro do ataque às Torres Gê-
meas.
17 de outubro: Um comando palestino, reivindicado pela Frente Popular
para a Libertação da Palestina, mata num hotel de Jerusalém o ultradireitista
ministro do Turismo Rejabam Zeevi.
Dezembro: Confinamento de Arafat na Mukata, a Casa de Governo, em Ra-
mallah, Cisjordânia. Após uma onda de ataques suicidas palestinos, Israel
acusa o presidente palestino de não agir para contê-los e o exército israelense
estabelece um cerco em torno dos escritórios de Arafat.
2002 - 10 de março: Trinta obuses, disparados em menos de 40 minu-
tos, destroem na madrugada a residência do presidente palestino Yasser Ara-
97

fat, em Gaza. Antes,foram bombardeados edestruídoso aeroporto internacio-


nal de Rafah, a radiotelevisão de Ramallah e a Casa do Oriente em Jerusalém.
29 de março: Após um dia de violentainvestida militar com tanques e artilha-
ria contra os escritórios de Yasser Arafat em Ramallah, o pouco que ainda
restava da Mukata, as forças israelenses afirmam que controlam quase todo o
complexo.
No meio da ofensiva israelense em Ramallah, outro atentado suicida em Jeru-
salém deixa um saldo de três mortos e mais de vinte feridos. O atentado foi
cometido por uma jovem palestina de 16 anos, que se explodiu num super-
mercado, nosetor de Kiryat Yovel.
Numa mensagem transmitida ao finalizar a sesão de emergência do gabinete
israelense, o primeiro ministro Ariel Sharon, anuncia a ofensiva: “Estamos
diante de uma coalizão do terror e Arafat é um inimigo que isolaremos”.
Arafat respondeu pela rede de televisão árabe Al-Jazeera, indicando que os
palestinos nunca se renderão em sua “luta por um estado independente”, e
acusou o Israel de não “querer a paz”.
Entretanto, no restante dos territórios palestinos houve violentos protestos
contra a ofensiva israelense e também continuaram os atentados. Em Jerusa-
lém, a polícia se bateu contra manifestantes palestinos que protestavam perto
da mesquita de Al-Aqsa, onde se iniciou a segunda Intifada. Também houve
protestos nos acampamentos de refugiados palestinos na Jordânia e no Líba-
no.
03 de abril: Massacre de Jenin. O exército israelense invade as cidades pales-
tinas de Jenin e Salfit. Ao mesmo tempo, continuam as operações em Ramal-
lah, Belém, Tulkarem e Kalkilya. Em Jenin, o exército israelense bombardeia,
invade e destrói o campo de refugiados palestinos, de 15.000 habitantes. Os
palestinos resistem heroicamente, casa por casa, diante dos tanques e escava-
deiras israelenses. Ficam 500 mortos e milhares de feridos palestinos, inclu-
indo idosos e crianças. O enviado das Nações Unidas, Terje Roed-Larsen,
consegue ingressar no povoado, após a retirada israelense, e falou de “uma
situação horrorosa, inaceitável e irresponsável”. A União Europeia diz que
“tem que investigar”.
16 de junho: Começa a construção do muro, incluindo a confiscação de ter-
ras e a destruição de milhares de oliveiras próximas do povoado de Salem, no
98

norte do Israel, e no ladooeste da localidade cisjordana de Jenin, depois de


que o Conselho de Ministros do Israel aprova levantar, na metade do percur-
so, uma “cerca de segurança” com comprimento inicial de cerca de 350 qui-
lômetros, concebida para impedir a infiltração de “terroristas palestinos”.
Final de julho: Com um míssil de uma tonelada é assassinado o dirigente do
Hamas, na Faixa de Gaza, Salah Shehade. O míssil causou a morte de outros
15 palestinos e feriu mais uma centena de pessoas.
11 de setembro: O governo israelense decide que o túmulo da matriarca bí-
blica Raquel, situada no distrito cisjordano de Belém, fique sob sua soberania,
o que supõe a anexação de 25% do território da cidade.
22 de setembro: Israel volta a bombardear os escritórios de Arafat em Rama-
lah. Milhares de palestinos desafiam o toque de recolher para rodear a Muka-
ta e defender sua liderança.
2003 - Janeiro: No marco do III Fórum Social em Porto Alegre, um ato de
20.000 pessoas declarasolidariedade com a Palestina e reclama sanções para
Israel.
15 de março: Gigantescas manifestações contra a iminente guerra e invasão
do Iraque. Na Espanha, como na Grã-Bretanha, manifestam mais de 1milhão
de pessoas.
20 de março: As tropas norte-americanas iniciam a invasão do Iraque.
17 de maio: O primeiro ministro israelense Ariel Sharon e seu homólogo
palestino Mahmud Abbas reúnem-se para discutir um novo plano de paz,
denominado Folha de Rota, auspiciado pelo quarteto integrado pelos EUA, a
União Europeia, a Federação Russa e as Nações Unidas, e cuja “fase I” é
“combater o terrorismo”. Abbas assume, em nome da ANP, o compromisso
de reprimir as “ações terroristas” contra Israel, que, por seu lado, se com-
promete a não demolir casas nem a infraestrutura palestinae a não atacar
civis. A «fase II»refere-se à criação de um Estado palestino uma vez cumprida
a primeira fase, mas não são definidas as suas possíveis fronteiras.
Julho: O Ministro da Defesa de Israel anuncia a culminação da primeira fase
do muro, um total de 180 quilômetros, e o aporte suplementar de 171 mi-
lhões de dólares para sua construção.
29 de setembro: Israel decide incluir o assentamento judeu de Ariel no lado
israelense da zona de separação, amputando outro setor da Cisjordânia, ape-
99

sar da oposição declarada pelo presidente dos Estados Unidos, George W


Bush. Posteriormente, o muro incluirá vários outrosassentamentos, até 20
quilômetros para dentro da Cisjordânia.
09 de novembro: A população palestina protesta, no aniversário da queda do
Muro de Berlim, contra a “cerca de separação” realizando uma série de mani-
festações multitudinárias.Concomitantemente, em outros 22 países,têm lu-
garconcentrações públicas de solidariedade.
08 de dezembro: A Assembleia Geral da ONU adota uma resolução na qual-
requerà Corte Internacional de Justiça de Haya que se pronuncie sobre a
legalidade da construção do muro.
2004 - 12 de fevereiro: Ogoverno do Israel decide não comparecer diante
daCorte Internacional de Justiça de Haya, cujas deliberações sobre o muro de
separação começam no dia 23.
26 de fevereiro: Os palestinos Zacarias Aid, de 27 anos, e Mohamed Rian, de
22, morrem pelos disparos de soldados israelenses, sendo os primeiros pales-
tinos a perder a vida num protesto contra o muro.
29 de fevereiro: Os juizes daCorte Suprema de Justiça israelense ordenam
deter a construção de um trecho do “muro de segurança”, que Israel está
levantando no meio de crescentes protestos nas terras palestinas da Cisjordâ-
nia.
22 de março: Helicópteros israelenses armados de mísseis assassinam o chefe
do Hamas em Rafah, Ahmed Yassin, junto a outros sete palestinos. O funda-
dor e chefe espiritual do Hamas, de 67 anos, estava na sua cadeira de rodas, à
saída da mesquita do bairro de Sabra, aondese dirigira para a oração, quando
foi alvo de um helicóptero israelense, que disparou três foguetes em sua dire-
ção, matando outras duas pessoas e ferindo 13, entre as quais dois de seus
filhos. Seu funeral se transformou na maior mobilização contra a ocupação
sionista dos últimos anos. Mais de 200.000 palestinos desfila-
ram, clamandovingança. As mobilizações de repúdio e indignação contra os
EUA, Israel e os governos árabes estenderam-sepor importantes países da
região como o Egito e a Jordânia.
15 de abril: A Comissão dos Direitos Humanos da ONU adota uma resolução
com 27 votos a favor, 24 abstenções e 2 contra –EUA e República Democráti-
100

ca do Congo – pela qual se exorta Israel a destruir o muro de separação dos


territórios ocupados e pôr fim à sua política de assentamentos nessas zonas.
Julho: Rebelião armada em Gaza contra as autoridades palestinas da ANP.
Milicianos ocupam o Parlamento, sequestram o chefe da polícia, acusado de
corrupto, e o obrigam a renunciar.
Julho: 171 organizações e sindicatos palestinos fazem
um chamamento internacional ao boicote, suspensão de investimentos e
aplicação de sanções contra Israel.
Julho 02: Em Nova Yorque, Estados Unidos, 500.000 manifestantes se mobi-
lizam contra a guerra no Iraque e a política de Bush, na maior manifestação
desde os tempos do Vietnã.
26 de setembro: Um alto dirigente do Movimento da Resistência Islâmica
(Hamas) morre em Damasco, ao explodir uma bomba sob seu veículo, dias
depois de o governo do Israel acusara Síria de dar refúgio a “terroristas pales-
tinos”. O atentado ocorreu no campo de refugiados palestinos de Al Zahra,
onde a vítima, Azzedin Esheij Jalil, residia há três anos, depois de ter sido
deportado pelas autoridades israelenses após a primeira Intifada (1987-1993).
Outubro: Ataquescom foguetes artesanais Kassam lançadosda Faixa de Gaza.
Israel invade Gaza com blindados e apoio aéreo. Numerosas casas
são destruídas e, em duas semanas, os palestinos contam mais de uma cente-
na de vítimas, entre milicianos e civís. Os sionistas utilizam palestinos como
escudos humanos para avançar nas áreas mais arriscadas.
Novembro 2: George Bush é reeleito presidente dos Estados Unidos.
Novembro 08: Ataque ianque à cidade de Faluja, Iraque, com bombar-
deios, invasão por terra, assassinatos de civís e destruição de grande parte das
moradias e prédios públicos. Heroica resistência popular causa mui-
tas baixas também entre os ianques.
11 de Novembro: Morre Yasser Arafat numa clínica em Paris; seus restos são
enterrados em Ramallah. Nunca se souberam as razões precisas de sua morte.
Fontes palestinas suspeitam deenvenenamentopor agentes sionistas. Em 12
de novembro, o enterro de Arafat em Ramallah, na destruída Mukata, foi
um impressionante ato de massas. Ao surgiremno céu de Ramallah
os helicópterosegípcios, procedentes do Cairo, a multidão estalou em lágri-
mas e ovacionou o seu presidente. “Abu Ammar, Abu Ammar!”, pronuncia-
101

vam aos brados (www.lukor.com), lembrando o nome de guerra de Arafat. A


multidão rompeu todos os protocolos e levou o féretro em seus braços. “Não
precisamos de burocratas, Abu Ammar foi enterrado pelo seu povo”, disse
um adolescente, ronco de gritar.
2005 - 09 de janeiro: Abbas, candidato do Al-Fatah, ganha as eleições com
65% dos votos, para substituir Arafat como presidente da Autoridade Nacio-
nal Palestina (ANP). O candidato opositor, independente de esquerda, é
Mustafa Bargouthi, que obteve 23%. O Hamas boicotou a eleição.
08 de fevereiro: O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP),
Mahmud Abbas, e o primeiro ministro israelense Ariel Sharon declaram, de
forma bilateral, um cessar-fogo em Sharm El-Sheik (Egito).
21 de março: Israel entrega à Autoridade Nacional Palestina o controle da
cidade do Tulkarem, na Cisjordânia.
18 de maio: Israel lança a maior ofensiva na Faixa de Gaza, em Rafah. O obje-
tivo declarado da operação eraencontrar e destruir túneis subterrâneos pelos
quais militantes palestinos introduziam o armamento contrabandeadodo
Egito.
Junho: Nas proximidades de Jenin,efetivos israelenses assassinam Maruh
Kamil, dirigente local da Yihad islâmica, numa ação que os palestinos denun-
ciam como o reinício da prática de assassinatos seletivos, a quereplicam
comnovos ataques sobre assentamentos israelenses.
Agosto: Inicia-se a retirada israelense dos 21 assentamentos da Faixa de Gaza
e de outros quatro assentamentos no norte da Cisjordânia. Anuncia-se, com
isto,que se põe fim a uma ocupação de 38 anos. Na verdade, resultava muito
caro para Israel defender os assentamentos na pequena Faixa de Gaza, assedi-
ados pela rebelião palestina. Após a retirada dos israelenses, Isra-
el emitiu uma ordem para a apropriação da terra da Cisjordânia e a constru-
ção de um muro de segurança em torno do assentamento judeu de Maaleh
Adumin. A retirada provoca uma crise política em Israel. Surge um forte
movimento contra o plano de Sharon, chamado de “desconexão”, que gera
inclusive enfrentamentos com os soldados encarregados de desalojar os colo-
nos sionistas.
Setembro: Israel declarou seu limite com a Faixa de Gaza fronteira internaci-
onal, marcando formalmente uma divisão.
102

Novembro: A crise política em Israel, causada pela retirada de Gaza, resulta


na divisão do Likud. O primeiro ministro Ariel Sharon, Ehud Olmert, e ou-
tros dos principais dirigentes do Likud fundam um novo partido chamado
Kadima, o qual apoia o plano de Sharon contra a ala do Likud que se opôs à
retirada.
15 de dezembro: O Hamas vence as eleições municipais na Cisjordânia e
Gaza, derrotando o Al-Fatah.
Dezembro: O primeiro ministro Ariel Sharon, de 77 anos, sofre um infarto
cerebral que o deixa em estado de coma. Assume a função Ehud Olmert,
como primeiro ministro interino.
2006 - 25 de janeiro: Terremoto político na Palestina:o Hamas ganha as elei-
ções legislativas com o programa de não reconhecimento de Israel. É a pri-
meira vez na história que Al Fatah perde uma eleição. O Hamas consegue
39% da votação e 76 deputados sobre 132. O Al Fatah, 35% e 43 deputados. A
Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) alcança 5% e elege3 de-
putados. O movimento de Mustafá Bragouthi obtém 3%,elegendodois.
Ismaíl Haniyeh é o novo primeiro ministro. O Hamas propõe compartilhar
um governo de unidade nacional governo com o Al Fatah. Israel, os EUA e a
União Europeia decretam o bloqueio econômico total contra o novo governo.
10 de abril: O primeiro ministro Ehud Olmert declara que completará a reti-
rada da maioria dos colonos judeus da Csjordânia, reforçará a presença em
outras zonas estratégicas e definirá as fronteiras de seu país antes de 2008.
10 de junho: Na praia de Beit Lahia, norte de Gaza, grande número de pales-
tinos são atacados,num momento de lazer, com bombas e mísseis lançados-
por navios de Israel. Morrem 15 civís e ficam dezenas de feridos, entre eles,
crianças.
27 de junho: O Hamas e o presidente palestino, Mahmud Abbas, chegam a
um acordo sobre um documento que, tacitamente, reconhecia o direito de
Israel a existir. No entanto, o documento é suficientemente ambíguo para dar
lugar a diversas interpretações. O Hamas nega que reconheça Israel.
Meados de junho: Aviões não tripulados israelenses reali-
zam sucessivos ataques com mísseis, durante vários dias, sobre milicianos
palestinos e possíveis pontos de lançamento de foguetes Kassam sobre Side-
103

rot e outras localidades fronteiriças israelenses. Os mísseis provocam a morte


de vários civís e crianças.
28 de junho: Um comando conjunto do Hamas, Jihad Islâmica e outras duas
forças de milicianos palestinos ataca de surpresa a base israelense do Telem,
perto da passagem fronteiriça do Kerem Shalom,através de um túnel subter-
râneo, causando três baixas e capturando o soldado israelense Gilad Shalit.
29 de junho: Com o pretexto de libertar o cabo Shalit, Israel inicia a invasão
e bombardeio de Gaza, matando centenas de pessoas edestruindo casas, ca-
minhos e a principal central elétrica. Os palestinos exigem a libertação das
crianças e mulheres que se acham entre os 9.000 prisioneiros palestinos reti-
dos por Israel, como condição para libertar o cabo. Nas semanas seguintes,
Israel invade também a Cisjordânia e sequestra grande parte do governo
legítimo da Palestina, encabeçado pelo Hamas. Além disto, a destruição de
uma central elétrica, oficinas e casas acarreta uma catástrofe humanitária em
Gaza. O exército israelense detém 10 ministros, que o ministro israelense de
Segurança Interior, Roni Barón, considera suspeitos “de terem participado
em atividades terroristas contra Israel”. Entre as personalidades detidas figu-
ra Mohamed Barguti,titular do Trabalho e liderança mais popular do Al Fa-
tah. Ademais de Barguti, outros ministros detidosseriam Khaled Arafa, Nayef
Rayub, Samir Abu Eisheh, Issa al Yabari, Omar Abdelrazek, Wasfi Kabha e
Fakhri al Turkmani.
12 de julho a 15 de agosto: Guerra do Líbano.Num combate fronteiriço em
terras ocupadas por Israel, dois soldados israelenses são presos pela resistên-
cia libanesa do Hezbollah, dando pretexto à agressão isrealense contra o Lí-
bano. Durante 34 dias, milhares de bombas foram lançadas sobre o pequeno
país, em ataques à capital, Beirute, e outras cidades. O sul do país é arrasado.
Um milhão de libaneses tem que deixar seus lares. Dezenas de milhares de
casas são destruidas. Morrem cerca de 2.000 libaneses e há milhares de feri-
dos. O objetivo de Israel é destruiro Hezbollah, mas a invasão fracassa. Os
milicianos do Hezbollah resistem heroicamente ao ataque terrestre israelense.
Israel perde centenas de seus soldados e mais de 150 tanques, e seu exército
genocida, humilhado, teve que se retirar. É a derrota mais grave de Israel em
sua história.
104

04 de agosto: No Iraque,desafiando abertamente os ocupantes ianques, um


milhão de manifestantes, convocados pelo dirigente xiíta iraquiano Moqtada
Sadr, gritam nas ruas de Bagdá: “Morte aos Estados Unidos, morte a Israel!
Alá dá a vitória a Nasralá”.
07 de novembro: Estados Unidos: catastrófica derrota eleitoral do Bush. Os
democratas ganham a maioria na Câmara de Deputados e no Senado. Num
pleito que todos os analistas consideraram um verdadeiro plebiscito, o tema
quase exclusivo dos debates eleitorais foi a guerra. Os democratas apenas
propõem uma “mudança de rumo” (que não definem), mas foi o bastante
para que os norte-americanos votassem contra Bush.
Novembro: Israel bombardeia Gaza, assassinando 81 pessoas em apenas uma
semana.
1º de dezembro: Líbano: acaudilhados pelo Hezbollah, um milhão de mani-
festantes exige nas ruas a renúncia do primeiro ministro cristão-maronita
Fuad Siniora, acusado de pró-ianque e de ter boicotado a defesa nacional
frente a Israel. A palavra-de-ordem do Hezbollah é “por um governo de uni-
dade nacional”.
15 de dezembro: Seguidores do Hamas e do Fatah enfrentam-se a tiros em
Ramallah e Gaza. Os enfrentamentos se originam quando a comitiva de Ha-
niye, primeiro ministro do Hamas, se dirigia para a Faixa de Gaza com di-
nheiro coletado nos países árabes para quebrar o bloqueio isrealense. Os
milicianos do Hamas tomaram de assalto o posto israelense de Rafah para
tentar romper o bloqueio. Finalmente, Haniye consegue atravessar a fronteira
sem o dinheiro e, nesse momento, sua comitiva é atacada a bala pelos polici-
ais palestinos. O Hamas acusou o chefe da polícia de Abbas de tentar assassi-
nar o primeiro ministro de seu governo. Morreu um guarda-costas deHaniye
e resultou ferido seu filho mais velho.
No dia seguinte. em protesto por esses acontecimentos, uma manifestação na
Faixa de Gaza leva às ruas mais de 100.000 simpatizantes do Hamas e é re-
primida a tiros pela polícia do Al-Fatah. Nos enfrentamentos, são feridas
pelo menos 13 pessoas, em sua maioria, militantes do Hamas. Também ocor-
reram protestos em Ramallah, de que resultam feridas 32 pessoas por armas
de fogo. Uma destacada liderança do Hamas acusou o presidente Abbas de
iniciar uma guerra ao ordenaràs suas forças policiaisque dispararassem con-
105

tra a manifestação. Os ataques a membros do Hamas se multiplicam. Em


Gaza, mascarados assassinam um juiz. O Hamas acusa o Al-Fatah.
2007 - 08 de fevereiro: Em Meca, Arábia Saudita, o Hamas e o Al-Fatah che-
gam a um acordo sobre um governo de unidade, depois de uma sangrenta
luta pelo poder.
09 de abril: Iraque: um milhão de manifestantes xiítas reclamam a retirada
ianque do Iraque, ao se completarem quatro anos da entrada dos invasores
em Bagdá.
1º de maio: Crise em Israel. Um informe das forças armadas revela, de forma
crua, o descalabro militar sofrido no Líbano. 200.000 manifestantes exigem a
saída de Olmert.
Maio: Novos bombardeios em Gaza destroem as usinas elétricas. O argumen-
to, desta vez, são os mísseis lançados pelos palestinos sobre a cidade israelen-
se de Siderot.
Junho: Golpe de estado do governo de Mahmmud Abbas, do Al- Fatah, con-
tra o Hamas. Na Faixa de Gaza, Mohamed Dahlan, antigo chefe da Seguran-
çaPreventiva e dirigente de um setor do Fatah, tenta liquidar o Hamas com
armas abastecidas por Israel, depois de meses de atentados e assassinatos. O
golpe fracassa. Após cinco dias de enfrentamentos, o Hamas derrota Dahlan
eretoma a posse de Gaza. Em represália, Abbas destitui o primeiro ministro
Ismail Haniye, do partido majoritário Hamas, e nomeia por decreto um pri-
meiro ministro ligado ao Fatah. Ficam constituidos dois governos antagôni-
cos da ANP. Na Cisjordânia domina Mahmmud Abbas, do Al-Fatah, e em
Gaza governa o Hamas.
Setembro: Israel declara a Faixa de Gaza “entidade inimiga”, agravando-se o
bloqueio.
27 de novembro: Conferência de Annápolis. Enquanto Israel mantém o blo-
queio de Gaza, uma conferência de paztem lugar em Annápolis, Egito. Os
líderes de Israel, Ehud Olmert, e da Palestina, Mahmmud Abbas, sob o guar-
dachuva dos Estados Unidos, declaram o reiníciode negociações que levem a
um acordo definitivo de paz antes do final de 2008, cujo ponto central será a
criação de um Estado palestino independente. O presidente George W. Bush
informa que a declaração acordada em Annápolis é o início da via para a paz
que ambos desejam e o momento oportuno para evitar que os terroristas
106

continuem com seus ataques na região. Entretanto, continua o bloqueio de


Gaza. Dezenas de milhares de manifestantes saem às ruas em Ramallah (Cis-
jordânia) e Gaza, para repudiar a conferência como mais uma manipulação
enganosa e uma novatraição do Abbas.
2008 - Janeiro: Gaza é submetida a um bloqueio por terra, mar e ar. Israel
corta o fornecimento de combustíveis e eletricidade, privando totalmente de
energia a Faixa de Gaza e seus 1,5 milhão de habitantes. O bloqueio impede
qualquermovimento da população e a saída ou ingresso de mercadorias, além
de proibir a entrada da ajuda humanitária das Nações Unidas. A reação de-
sesperada dos palestinos, expressada no lançamento de foguetes artesanais,
serve de pretexto a Israel para intensificar o bloqueio e os bombardeios com
uma chuva de mortíferos misseís de avançada tecnologia, de que resultam,
em apenas3 semanas, 75 mortos e centenas de feridos, a maioria civis e até
crianças.
23 de janeiro: Os palestinos de Gaza derrubam o muro que os separava do
Egito, rompendo assim o bloqueio israelense. Entram no Egito centenas de
milhares de palestinos, para se reabastecer. Multiplicam-se as manifestações
no Egito, em solidariedade com os palestinos.
13 de fevereiro: Imad Mughnieh, um alto mando das operações armadas do
Hezbollah, é assassinado num atentado na capital síria, Damasco.
O Hezbollah acusa Israel.
10 de abril: Ofensiva israelense por terra e ar na Faixa de Gaza. Pelo menos 8
mortos palestinos e 25 pessoas feridas, entre as quais três crianças em estado
grave.
16 de abril: A morte em combate de três soldados de Israel desencadeia novo
ataque em massa . Pelo menos 18 palestinos morreram, entre eles vários jo-
vens e civis desarmados, e mais de 30 resultaram feridos na Faixa de Gaza
pelos disparos de aviões e das forças de terra israelenses, que utilizaram tan-
ques. Entre os mortos figura o operador de câmara da agência de notícias
Reuters Fadel Shana, atingido pelos disparos de um tanque israelense en-
quanto filmava. Tinha viajado até ali num automóvel no qual se indicava,
claramente, tratar-se de um veículo da televisão e da imprensa. Foi morto
quando começava a filmar o tanque.
107

17 de abril: O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter reúne-se com o líder


político do Hamas Jaled Meshal. Carter diz que negociará como intermediá-
rio do ministro da Indústria de Israel, Eli Yishai, no caso do soldado israelen-
se Guilad Shalit, em poder das milícias palestinas desde junho de 2006. O
encontro entre Carter e Meshal teve lugar na sede do Hamas, em Damasco, e
a ela também assistiram vários responsáveis do grupo palestino radicados na
capital síria. A reunião se celebrou a pesar das críticas lançadas nos últimos
dias pelos EUA e Israel, que não viam com bons olhos o encontro de Carter
com representantes do Hamas.
24 de abril: Manifestações de dezenas de milhares de palestinos na Faixa de
Gaza.Dirigem-se para a passagem entre Erez e Israel, no norte, e para a que
liga Rafah ao Egito, no sul, em protesto contra dez meses do cerco israelense
que asfixia a economia de Gaza .
28 de abril: Uma incursão do exército israelense em Gaza provocou a morte
de quatro crianças de pouca idade e de sua mãe, que estavam em casa quando
receberam o impacto de um morteiro disparado por um tanque. Isto ocorreu
poucos dias depois de o Hamaspropor uma trégua a Israel.
11 e 14 de maio: Num gesto não muito lúcido, o aniversário da criação de
Israel é comemorado no dia 11, domingo, com a presença de Bush comocon-
vidado especial. Entretanto, o primeiro ministro Ehud Olmert enfrenta um
julgamento por corrupção que lhe pode custar o cargo. Em 14 de maio, os
palestinos mostram o seu repúdio com importantesmanifestações de massa.
Em Ramallah, manifestantes soltaram 22 mil balões pretos, um por cada dia
transcorrido desde a Nakba, uma catástrofe ocorrida 60 anos atrás.
108

Por um só Estado
Palestino, laico,
democrático e não racista
Com os acordos de Oslo, em 1993, a Organização pela Libertação da
Palestina (OLP) e seu movimento majoritário Al Fatah, liderado por Arafat,
abandonaram definitivamente a palavra de ordem “Por uma Palestina laica,
democrática e não racista” em todo o território da Palestina. Esta proposta,
que inclui o direito de retorno para todos os palestinos expulsos desde 1948 e
igualdade de direitos para todos os cidadãos palestinos, inclusive os judeus
que aceitem esse novo Estado, foi abandonado por Arafat em favor da supos-
ta “solução” dos “dois estados”, Israel e Palestina, que aparecia então como
uma “solução realista”. Mas a vida demonstrou que Israel, como criação
racista e genocida engendrada pelo imperialismo, jamais aceitará um estado
palestino soberano e autossuficiente, e que, no melhor dos casos, somente
estaria disposto a ceder um pequeno território totalmente dependente da
esmola internacional, privado até mesmo de água. Isto, que é o que Israel já
cedeu à ANP (Administração Nacional Palestina), não é nem nunca poderá
ser um Estado soberano onde vivam os palestinos.
Longe de um avanço na constituição de dois Estados soberanos, o que
se viu em realidade foi que Israel colonizou a Cisjordânia e a dividiu em pe-
quenos territórios economicamente inviáveis, despojando os palestinos de
suas fontes de água e terras férteis e destruindo até os seus olivais.
Esta realidade está levando um número cada vez maior de palestinos a
reconsiderar a luta por um só estado, ou seja, pela destruição do atual estado
de Israel.
Reproduzimos a seguir trechos de uma entrevista com Omar Bar-
ghouti, analista palestino e militante dos direitos humanos, pós-graduado em
engenharia elétrica pela Universidade de Colúmbia e doutorando em filosofia
109

(Ética) da Universidade de Tel Aviv. Barghouti, que também é coreógrafo e


professor de dança, colaborou notadamente na obra intitulada The New
Intifada: Resisting Israel’s Apartheid, editada por Verso Books em 2001.
A segunda matéria sobre este tema, publicada no Blog Convergência
nos primeiros meses de 2009, é de Waldo Mermelstein, brasileiro, militante
de esquerda desde o começo dos anos 70; morou em Chile durante o governo
da Unidade Popular até o golpe de 11 de setembro e foi preso político em
1978. É filho de pais judeus.

Criança palestina investiga os escombros


do que era sua casa, na faixa de Gaza
110

Nenhum Estado tem o


direito de existir como um
Estado racista
Entrevista com Omar Barghouti
www.voltairenet.net, www.rebelion.org. 11/12/07
Por Silvia Cattori

[...]
Omar Barghouti: Ainda que, por diferentes motivos, eu seja muito crítico em
relação ao Hamas, reconheço que uma maioria de palestinos sob a ocupação
o elegeu democraticamente para governá-los e dirigir a luta por sua liberdade
e autodeterminação. O mundo tem que respeitar esta escolha democrática
dos palestinos, embora só a terça parte do povo palestino tenha participado
dessa eleição. Nem sequer foram levados em conta os outros dois terços, que
são os refugiados espalhados por todo o mundo e os cidadãos palestinos de
Israel.
Caberia aos palestinos pedir contas ao Hamas se este deixasse de os governar
corretamente ou de fazer valer os direitos dos palestinos, não aos Estados
Unidos nem à Europa, e, certamente, menos ainda a Israel.
Alguns dirigentes políticos palestinos tornaram-se, insidiosamente, cúmpli-
ces da dominação racista e colonial de Israel. Em vez de aprovar abertamente
a ocupação, seu papel é dar ao mundo a falsa impressão de que se trata de
uma simples disputa e de que é possível sentar tranquilamente à mesa e nego-
ciar, na Suíça ou em qualquer outro lugar. Assim, ocultam a realidade de um
conflito colonial que obriga a uma luta generalizada no terreno e exige o
111

apoio de uma constante pressão internacional para que se lhe ponha um


término.
O uso da palavra “disputa” é um verdadeiro desastre, que nos aflige desde os
acordos de Oslo. Na verdade, tudo começou com as conversações de Madri,
antes de Oslo. Mas o “processo de Oslo” foi o golpe mais devastador contra a
luta palestina pela autodeterminação, porque implicou uma mudança de
paradigma: da luta de um povo oprimido contra seus ocupantes e coloniza-
dores a uma disputa entre dois grupos nacionais com direitos e reivindica-
ções morais conflitantes mas simétricas.

Omar Barghouti

[...] Israel e o sionismo perderam todo o respeito e admiração internacional


de que puderam gozar outrora. Estão-se convertendo rapidamente em párias.
Para conseguir seus objetivos, Israel, um Estado cujas incessantes ações de
limpeza étnica e criminosa desumanização dos palestinos se fazem de manei-
112

ra mais ou menos aberta, não tem mais recursos hoje em dia que a brutalida-
de, o terrorismo intelectual e a intimidação da comunidade internacional e
das autoridades ocidentais eleitas. Como demonstram várias pesquisas de
opinião recentes, os povos do mundo não apreciam nem apoiam o sionismo;
eles, simplesmente têm medo do sionismo, e isto faz uma enorme diferença.
[...]
Silvia Cattori: Vocês, palestinos, sabem melhor do que ninguém que os Esta-
dos Unidos e Israel usaram os atentados de 11 de setembro de 2001 para
qualificar qualquer resistência como “terrorismo”. Hoje, são as suas próprias
autoridades [palestinas] que se comprometem a seguir o mesmo caminho.
Abbas proclama que lutará contra os “terroristas do Hamas” em nome dos
“muçulmanos moderados”. O objetivo real não é combater a única resistên-
cia anticolonial que existe ainda na Palestina?
O. B.: Sim, mas o movimento sionista desempenhou um papel chave para
promover freneticamente esta teoria do ”choque de civilizações”, baseada na
falsa premissa de que o 11 de setembro foi uma luta entre os muçulmanos e o
resto do mundo, entre o Islã e a chamada civilização “judaico-cristã”. Infe-
lizmente, esse conceito neoconservador adotado pelo sionismo conquistou
uma posição predominante no Ocidente e influenciou a muitos europeus.
[...]
A palavra de ordem “dois Estados para dois povos” passou a ser um dogma.
E o movimento de solidariedade caiu em cheio nesse dogma consolidado.
Portanto, devemos pôr em questão essa doutrina e arrastar as pessoas conos-
co em vez de fazer com que se afastem. E, segundo a minha experiência, mui-
tas pessoas mudam e se radicalizam ao se confrontarem com fatos e argu-
mentos racionais, e com uma visão moral que impõe respeito. Quando a
gente se senta com elas e as ganha para a nossa causa, percebe que muitas
dessas pessoas são fundamentalmente honestas. São sinceras, gostam de nós,
apoiam a justiça, querem a paz, mas estão simplesmente mal informadas
porque ouviram tantos oradores, também palestinos, que vieram dizer para
eles: “dois estados para dois povos, é isto que os palestinos querem”.
[...] Mahmoud Abbas não tem nenhuma autoridade para ceder nada que seja
significativo. Ele não é Arafat. Carece de passado histórico na luta contra
113

Israel. Sua popularidade, embora maior que os patéticos 3% creditados a


Olmert, é no entanto bem triste. Na minha opinião, ele carece dramatica-
mente de visão. O Hamas controla Gaza, o que o debilita ainda mais. Em
resumo, ele não é um líder capaz de fazer “negócios” e entregar os “produ-
tos” exigidos por Israel e os Estados Unidos. Vai falar muito, viajar ainda
mais, tratará de parecer corajoso, mas vai fraquejar. Com o desaparecimento
de Arafat, Israel perdeu sua última oportunidade de empurrar a solução dos
dois Estados, que, de qualquer modo, é uma solução injusta e imoral. Nada a
lamentar.
A solução “um só Estado”, a alternativa moral, não é mais vista como uma
ideia utópica; ela é cada vez mais estudada e apresentada como uma possibi-
lidade séria que paira no ar acima de todos esses “negociadores”. [...]
S. C.: O que sente o senhor quando vê seus representantes políticos fazerem o
mesmo trabalho que os ocupantes israelenses?
O. B.: Eu os condeno totalmente. É uma vergonha que a Autoridade Nacional
Palestina exerça o papel de subcontratante dos ocupantes, tirando de cima
deles um pouco do fardo colonial.
S. C.: Esta é a opinião da maioria dos palestinos?
O. B.: Estou certo de que a maioria dos palestinos denuncia, em maior ou
menor grau, a cumplicidade da AP. Quase nenhuma das pessoas que conhe-
ço, universitários, intelectuais, trabalhadores culturais, artistas etc, perdoa,
por exemplo, as detenções ilegais e arbitrárias de militantes dissidentes pelas
forças da AP, ou o papel da AP para desculpar Israel.
S. C.: Então, para a maioria dos palestinos os membros do Hamas não são
“terroristas”, mas simplesmente cidadãos normais?
O. B.: Eles foram eleitos democraticamente. Prender as pessoas por resistirem
à ocupação é uma vergonha. Eles não violaram as leis palestinas; resistem à
ocupação israelense. O que Israel quer é que a AP lhe sirva de políciae faça o
trabalho por ele.
[...] alguns palestinos “brandos” permitiram ao denominado “campo da paz”
israelense fazer o que faz. Na realidade, em Israel não existe um campo da
114

paz, no sentido de um movimento que apoie uma paz justa, a única digna
desse nome. Mas, lamentavelmente, há um certo número de palestinos que
estão nesse “negócio” [da paz]. Sim, é um negócio: viajam com seus “parcei-
ros” israelenses, falam juntos, ficam em hotéis luxuosos, são convidados a
lugares de férias pelos governos suíço e norueguês, etc. Eles são fascinados
por isto, é uma empresa lucrativa. E o preço que pagam é fazer compromissos
que prejudicam os direitos fundamentais dos palestinos e, indiretamente,
compromissos que afetam sua própria dignidade. Deixam de falar por si
próprios e permitem que esses falsos fazedores de paz falem em nome dos
palestinos.
[...] Ser sionista hoje significa essencialmente crer que a limpeza étnica da
Palestina era aceitável ou justificável para permitir o estabelecimento do Es-
tado judeu; e que não se deve permitir retornarem os refugiados palestinos, a
fim de que se mantenha o “caráter judeu” – leia-se, a supremacia racista – do
Estado.
Esta é, para mim, a prova de moralidade de qualquer pessoa que trabalhe por
uma paz justa. A justificação da limpeza étnica e a negação dos direitos dos
refugiados com base na necessidade de manter a supremacia judia de Israel é
racismo. Quem defende essas posturas não pode ser considerado uma pessoa
moral. [...]
Os chamamentos palestinos ao boicote deixaram bem claro para os que se
consideram da esquerda israelense que sua atitude paternalista em relação a
nós era humilhante e colonial, e que a autodeterminação significa, acima de
tudo, nosso direito de decidir nosso destino e formular nossas aspirações à
justiça e à igualdade. Eles têm o costume de nos encarar como indígenas
estereotipados, quase como crianças imaturas às quais é preciso dizer o que
devem fazer para saberem se comportar.
Em 2005 a sociedade civil palestina expressou sua vontade defendendo o
chamamento ao BDS (boicote, desinvestimento e sanções) contra Israel,
apoiado maciçamente. No movimento de solidariedade com a Palestina,
ninguém mais pode ignorar este chamamento e continuar com formas de
apoio tradicionais e ineficazes. O BDS é simplesmente, hoje, a forma de soli-
dariedade com a Palestina moralmente mais sã e politicamente mais eficaz.
115

[...]
S. C.: Antes de ir à Palestina eu era como todo o mundo: acreditava que exis-
tem realmente pessoas muito más, os “antissemitas”. Mas subitamente, após
escrever um ou dois artigos em defesa dos direitos dos palestinos, descobri
com surpresa que eu também estava sendo acusada de “antissemita”. Sei
agora que esta palavra é uma arma muito eficaz nas mãos dos que querem
fazer calar as pessoas que criticam livre e honestamente Israel.
O antissemitismo existia nos anos 30. Mas, hoje, eu vejo que há muitas pesso-
as que odeiam os árabes, inclusive na esquerda. No que me diz respeito, ja-
mais encontrei um “antissemita”, isto é, alguém que odeie os judeus por
serem judeus. Em compensação, conheço muita gente interessada em fazer as
pessoas acreditarem que o antissemitismo é um fenômeno de grande ampli-
tude, para justificar a existência de Israel em terra árabe. Qual é sua posição a
este respeito?
O. B.: O antissemitismo não justifica Israel. Creio que o antissemitismo ainda
existe, ou seja, pessoas que odeiam os judeus por serem judeus, particular-
mente nos Estados Unidos e na Europa. Mas este fenômeno é agora mais
marginal do que nunca antes havia sido; ele está longe de ter influência em
algum país. A islamofobia, ao contrário, está crescendo perigosamente em
amplos setores, em toda a Europa e Estados Unidos. Como disse Noam
Chomski, o ódio aos árabes e aos muçulmanos é hoje verdadeiramente o
novo “antissemitismo”.
É importante, neste ponto, fazer uma definição muito clara: nosso conflito é
um conflito com o sionismo e com Israel enquanto entidade colonial. Eu me
oponho a todas as formas de racismo, inclusive o antissemitismo e o sionis-
mo. Eu mesmo, como a maioria dos palestinos, não tenho absolutamente
nada contra o judaísmo ou contra os judeus enquanto grupo religioso. Abso-
lutamente nada.
Estamos contra o Estado de Israel não porque seja “judeu”, mas porque é um
opressor colonial que nega os nossos direitos. Se os judeus israelenses renun-
ciam à sua existência colonial e a seus privilégios racistas e reconhecem nos-
sos direitos, não temos nenhum problema em conviver com eles em uma
116

Palestina não-sionista, que incluiria necessariamente o direito de retorno dos


refugiados e uma total igualdade para todos, sem distinção de religião, de
etnia, de sexo ou de nacionalidade.
A oferta mais generosa que nós, os nativos palestinos, podemos fazer aos
colonos judeus israelenses é aceitá-los como iguais que vivam conosco, não
acima de nós. Nem senhor nem escravo. Mas aceitar Israel como um Estado
judeu em nossa terra é impossível. Nenhum palestino racional com algum
senso de dignidade pode aceitar um Estado racista, que o exclui e o trata
como um ser humano relativo, em sua própria terra.
S. C.: No entanto, o emprego da palavra “antissemita” tem um impacto bem
maior que o emprego da palavra “racista” e consequências legais para os que
são acusados de ser “antissemitas”. Não nos deveríamos considerar iguais em
direitos, judeus e não judeus? Porque deveríamos aceitar esta maneira envie-
sada de tornar culpadas as pessoas por algo que já não existe, mas que se
mostra útil para o uso de uma propaganda de guerra?
O. B.: Sim, deveríamos lutar também contra isto. Temos que lutar para rejei-
tar de igual modo toda forma de racismo e não aceitar estas leis europeias
vigentes, que tratam o “antissemitismo” como uma categoria especial de
crime, bem pior do que todas as outras formas de racismo, inclusive a islamo-
fobia ou o racismo contra os negros, que hoje em dia é, pode-se dizer, a for-
ma mais disseminada do racismo branco.
Estas leis são elas mesmas discriminatórias. O antissemitismo não é mais que
outra forma de racismo, nem mais nem menos; deveria ser tratado como um
ramo do racismo igual a qualquer outro, não como um super-ramo especial
do racismo. Mas, seja como for, ele não justifica a natureza racista de Israel,
não justifica os crimes de Israel. Deveríamos dissociar o antissemitismo do
antissionismo. O primeiro é racismo; o segundo é uma posição moral contra
o racismo.
S.C.: Mas isto não será possível enquanto os palestinos se achem numa posi-
ção de desigualdade e enquanto, fora disto, não sejam os oprimidos quem nos
conte sua experiência, mas aqueles que exercem o papel da “normalização”,
que é uma espécie de colaboração.
117

O. B.: Eu acho que os representantes palestinos devem respeitar o nosso


chamamento ao boicote, desinvestimento e sanções, feito pela sociedade civil,
e unir-se em torno dele. Este chamado preconiza uma luta contra as três
principais formas de injustiça praticadas por Israel, e não apenas contra uma
delas. A ocupação e a colonização territorial de 1967 é apenas uma dessas
formas de injustiça.
O centro da questão palestina continua sendo a maior injustiça, que é a nega-
ção dos direitos fundamentais dos refugiados, os quais são a maioria do povo
palestino.
E existe uma terceira forma de injustiça frequentemente esquecida, que é o
racismo institucionalizado contra os palestinos de Israel. Mesmo que amanhã
Israel pusesse fim à ocupação, isto não poria fim a este conflito colonial. Acho
que o movimento de solidariedade, na Europa e no mundo, deve respeitar a
vontade da sociedade civil palestina em vez de promover esses “colaboracio-
nistas” palestinos, ou esses pequenos burocratas que viajam pelo mundo para
dizer qualquer coisa desde que se lhes pague bem. Essas pessoas não repre-
sentam os palestinos, não falam em nome dos palestinos.
S. C.: Muito obrigado.
118

As perspectivas da luta
palestina após o massacre
em Gaza
Waldo Mermelstein*

O massacre brutal, a impunidade quase absoluta dos sionistas, o cerco


à Gaza, as condições cada vez mais difíceis na Cisjordânia, são fatos reais,
mas o balanço da luta palestina deve levar em conta não somente a situação
mais recente: os palestinos começaram a luta em grande escala contra a colo-
nização sionista há mais de setenta anos, a partir pelo menos da grande Re-
volta de 1936, que obrigou o império britânico a deslocar boa parte de suas
tropas coloniais para a Palestina (Weinstock, 1979, pp. 156-179). A luta pa-
lestina é certamente a mais longa dos povos coloniais e atravessou diferentes
períodos. Com a Nakba, em 1948, a maioria da população foi transplantada à
força ao exílio (Masalha, 1992, pp. 176-179; Pappe, 1994, pp. 87-101), e a
sociedade palestina até então existente foi destruída. Os sionistas conquista-
ram em 1948 cerca de 78% da Palestina histórica, submeteram os palestinos
dentro de Israel a um regime de apartheid político e social (e até 1966 a um
governo militar) e se autodefiniram como um Estado “judeu e democrático”.
Após a derrota frente a Israel em 1967, declinaram os regimes nacio-
nalistas árabes e toda a Palestina histórica foi ocupada. Mas nos anos subse-
qüentes comprovou-se que os palestinos tinham aprendido a lição de 1948 –
não se abandona terra aos sionistas, pois recuperá-la é cem vezes mais difí-
cil - e permaneceram teimosamente em suas casas e terras, colocando Israel
frente a frente novamente a uma compacta e estruturada população palestina.
Apesar de causar o exílio de 320 mil palestinos, uma nova expulsão massiva
não foi possível. Iniciou-se então a colonização dos territórios ocupados e
119

uma limpeza étnica gradual e contínua (em contraste com a limpeza étnica
quase que instantânea em 1948).
Já antes de 1967 havia surgido uma nova geração de palestinos, mais
educada, consciente e urbana, que passou a lutar de forma mais independente
dos governos árabes contra a ocupação sionista, formando uma organização
que começou a representar politicamente a diáspora palestina e a coordenar a
resistência: a OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Esta se dotou
de um programa que previa a volta dos refugiados e a formação de um estado
em toda a Palestina histórica, com direitos democráticos para todos, inde-
pendente de religião.
Após um período de lutas crescentes nos territórios ocupados, o ano
decisivo foi o de 1987, quando começou o levante contra a ocupação israelen-
se que assumiu na prática as bandeiras da OLP: a primeira intifada foi uma
imensa demonstração de força que colocou os sionistas contra a parede e
despertou simpatia inclusive entre os judeus israelenses. Incapaz de derrotá-
la, Israel optou, sob o patrocínio de seu grande aliado, os Estados Unidos,
pela negociação com cartas marcadas, para desviar a luta e cooptar um setor
da direção palestina.
Segundo os acordos de Oslo, de 1994, duas etapas foram estabelecidas:
a primeira, transitória, na qual Israel manteria o controle fundamental dos
territórios ocupados, cedendo o controle apenas de alguns centros urbanos
(Nablus e Ramala, entre outros), ficando a segunda etapa, de discussão dos
temas fundamentais, para um período de cinco anos. Israel preservaria o
controle das fronteiras, da segurança, do restante do território, da água, en-
fim da essência da vida nos Territórios Ocupados. Como contrapartida, a
OLP, colocando em prática as mudanças determinadas pelo Conselho Naci-
onal Palestino em 1988, reconheceu a legitimidade das fronteiras de 1948 de
Israel, aceitou um Estado palestino em 22% da Palestina histórica, renunciou
à luta armada contra a ocupação e Israel somente reconheceu a OLP como
representante do povo palestino. Todos os assuntos estratégicos - o desman-
telamento das colônias, o status de Jerusalém, o controle dos recursos hídri-
cos, o retorno dos refugiados e as fronteiras internacionais entre os dois esta-
dos - ficaram para o futuro. A OLP começou a administrar uma pequena
parte da Palestina, sem nenhum poder real, a não ser o de desempenhar o
120

papel de polícia de seu próprio povo para impedi-lo de seguir a luta que havia
encurralado os sionistas. Com esse simulacro de desocupação, Israel pôde
deixar de cumprir até suas obrigações mínimas como potência ocupante. Os
milhões de refugiados não tiveram nenhuma voz para decidir sobre os acor-
dos que tinham direta incidência em suas vidas (Beinin & Stein, 2005, pp. 21-
37). Paralelamente, os sionistas continuaram estabelecendo “fatos irreversí-
veis”: a colonização acelerada, uma rede imensa de postos de controle, estra-
das exclusivas e áreas militares que cortaram toda a continuidade do que
havia sobrado para o Estado-tampão palestino. Este foi o erro histórico da
OLP e o início de seu declínio inexorável: não o de negociar, como em toda
luta, mas o de fazer concessões de princípio, em troca de vagas promessas. A
frustração que sucedeu à euforia inicial gerou a segunda intifada em 2001.. A
reação israelense foi brutal, utilizando toda sua força militar contra a popula-
ção dos territórios ocupados e reduzindo ainda mais o papel da Autoridade
Palestina. É instituído a partir daí o monumento ao apartheid que é o Muro
que divide a Cisjordânia e Gaza é transformada em uma gigantesca prisão.
Com a desmoralização da OLP, fortaleceu-se um novo ator: o Hamas.
Inspirado na Irmandade Muçulmana egípcia este começou a atuar na resis-
tência nos anos 1980 e se baseou em uma rede eficaz de proteção social e na
crítica às concessões de Arafat. A sua brava resistência aos ataques dos sionis-
tas em Gaza só fez aumentar seu prestigio. Mas é essencial avaliar o programa
estratégico do Hamas, que é equivocado, pois propõe a implantação de um
estado islâmico na Palestina. A luta na Palestina não é entre diferentes religi-
ões, mas entre uma nação oprimida e seus opressores, entre as classes explo-
radas e seus exploradores; somente bandeiras nacionais e sociais amplas
permitirão unir os explorados e pobres palestinos, sem distinção de crenças e
costumes, bem como selar uma aliança com as imensas massas exploradas
árabes e poderão gerar apoio em um setor significativo entre os setores mais
explorados e conscientes dos judeus de Israel, elemento essencial para des-
montar o aparato sionista. Tampouco serve para incentivar a reduzida mas
crescente oposição à política de Israel entre as comunidades judaicas do
mundo. Além disso, os estados islâmicos, com seus diversos regimes políti-
cos, mantêm a exploração e a opressão capitalistas, como se verifica no Irã e
na Arábia Saudita.
121

Há alguns anos, o movimento popular palestino vive uma delicada


transição, a OLP perdeu sua força e o Hamas cresceu muito, mas representa
uma via incapaz de levar à vitória. Por outro lado, têm se fortalecido corren-
tes políticas, organizações e comitês de luta dentro dos territórios ocupados e
entre os palestinos de Israel, que protagonizam importantes lutas, como a
resistência ao Muro, à expropriação de terras e à destruição de casas, pela
libertação dos mais de 10 mil presos palestinos, mas as condições da luta são
muito difíceis e o processo de superação de uma direção histórica é lento e
necessita de grandes provas para se afirmar.
A guerra civil mais ou menos aberta entre as correntes palestinas, a
partir de 2007, quando o Hamas deu um contragolpe preventivo contra o
golpe planejado pelo Fatah, em acordo com Israel, Estados Unidos e os regi-
mes árabes reacionários, é um fator de desmoralização entre os palestinos e
dificulta a extensão da solidariedade a uma das causas mais justas da face da
Terra. Mesmo assim, as manifestações quando do massacre de Gaza foram as
maiores em muitos anos e o movimento pelo boicote a Israel conquistou
adeptos muito importantes dentro do movimento sindical de países como a
África do Sul, Noruega e Inglaterra.
A história das correntes palestinas (Fatah, Frente Popular para a Liber-
tação da Palestina, Frente Democrática para a Libertação da Palestina e Ha-
mas, as mais importantes) é um exemplo de resistência e perseverança. Um
dos seus pontos fracos é a dependência das contribuições das burguesias
árabes, o que sempre limitou sua capacidade de intervenção política inde-
pendente e de estabelecer laços mais sólidos com as massas exploradas dos
vários países em que se estabeleceu, em uma região em que os processos polí-
ticos estão particularmente interligados.
As burguesias árabes só apóiam a causa palestina de verbalmente e
têm pavor que sua combatividade “contamine” suas sociedades marcadas
pela brutal desigualdade e exploração. No caso da crise de Gaza, o governo do
Egito chegou a funcionar como carcereiro comum com Israel, mantendo
fechado o passo fronteiriço que controla. Este é o desafio histórico da resis-
tência: forjar uma nova organização política independente, retomando as
antigas bandeiras do movimento em um programa capaz de unir as massas
122

palestinas e estender uma ponte para os setores mais conscientes dentro de


Israel.

Um ou dois estados?
Dada a supremacia de Israel, que nega qualquer tipo de solução estatal
digna deste nome aos palestinos, a discussão sobre a solução definitiva para o
conflito soa como algo longínquo enquanto não for desmontada a máquina
de opressão e guerra dos sionistas. Neste sentido, ganham importância todas
as pequenas e grandes conquistas contra o opressor sionista, cada colônia que
seja desmontada, o levantamento ao bloqueio à Gaza, a libertação dos prisio-
neiros. Mas este debate é essencial porque essas mesmas conquistas serão
temporárias enquanto existir o estado sionista agressor e colonizador na
região.
A base do conflito está na colonização sionista, para a qual os palesti-
nos, habitantes da região há séculos, perderam suas terras e suas casas e têm
pleno direito de reivindicar o que sempre foi seu. Em contraste, a pretensa
ligação milenar dos judeus do mundo com Israel é um mito, porém a sua
análise excede os limites deste artigo. Basta citar que, não por acaso, os sio-
nistas sempre foram minoritários entre as comunidades judaicas do mundo
até o Holocausto e que os judeus nos últimos dois mil anos foram uma ínfima
minoria religiosa na região.
No entanto, ainda que se chegasse à conclusão que os colonos judeus
constituíram, após mais de sessenta anos, uma nova nacionalidade judaica
israelense, seria certamente uma nacionalidade opressora e expropriadora de
outra nacionalidade, que já vivia na região. A volta dos refugiados e o des-
monte do estado sionista seguramente significariam uma redução significati-
va dos privilégios que lhes confere este status, mas isso é parte da correção da
injustiça histórica feita contra os palestinos.
Desde a Declaração Balfour em 1917 até a resolução 181 da ONU que
resolveu partilhar a Palestina, dando a maioria do seu território (51%) à mi-
noria da população (um terço), o erro recorrente foi o de dividir o território.
Em 1947, o trauma do Holocausto, o desejo de americanos e soviéticos de
ingressarem no Oriente Médio frente à falência dos britânicos, fez com que
123

os sionistas realizassem seu antigo sonho e aproveitassem para conquistar


cerca de 78% do território e expulsar 80% da população árabe, o que hoje se
denomina limpeza étnica (Pappe, 2006, pp. 1-9).
Em uma área tão exígua, em que os recursos naturais, em especial a
água são indivisíveis, a divisão acarretou a formação de um Estado, o de Isra-
el, rico, beligerante, expansionista, racista e poderoso. O Estado Palestino
nem foi formado porque o Egito e Jordânia se apossaram do que restou dele.
Até a primeira intifada, Israel nem se dava ao trabalho de discutir o
tema: era o tempo em que o mito da “terra sem povo para um povo sem ter-
ra” predominava. Tudo mudou com a intifada: a partir daí a proposta de dois
estados foi retomada por americanos, europeus, e israelenses como o mal
menor, e aceita pela OLP (quanto ao Hamas, as declarações dos seus dirigen-
tes no último período vão também nessa direção). Mesmo nas melhores con-
dições, se Israel desocupasse as colônias, retirasse os 400 mil colonos (o que
mantendo a estrutura do estado sionista é impossível), permitisse que Jerusa-
lém fosse compartilhada, o Estado palestino seria um miserável vizinho de
Israel, um reservatório de mão de obra barata, incapaz de absorver os mais de
quatro milhões de refugiados.
A única solução justa e viável seria que se estabelecesse um único esta-
do, com igualdade para todas as etnias e/ou nações, com o pleno exercício do
direito de retorno dos refugiados palestinos à terra que habitavam e a com-
pensação pelos mais de sessenta anos de espoliação. Isso implicaria que Isra-
el, como um estado baseado na supremacia étnica, teria que desaparecer, sem
que isso signifique a expulsão dos judeus israelenses. Somente um pensamen-
to e uma estrutura racistas podem considerar uma “ameaça demográfica” a
volta dos refugiados à terra da qual foram de uma forma ou outra forçados a
abandonar.
Aliás, o fato que os palestinos foram expulsos pelos sionistas já é prati-
camente consensual entre os historiadores (Pappe, 2006, pp. 83-175; Masa-
lha, 1992, pp. 175-199), e a última trincheira em que os pró-sionistas se refu-
giaram é a de que a expulsão não foi planejada e sim “fruto da guerra” (o que
as evidências históricas não confirmam), mas para os efeitos do exercício do
direito de retorno nenhuma diferença faz.
124

A questão de fundo é: pode haver paz e justiça no Oriente Médio com


um estado como o israelense, que é uma versão piorada da África do Sul do
apartheid? O Estado define-se como “judaico e democrático”, uma contradi-
ção em si, e que significa que é um estado étnico-teocrático, baseado no privi-
légio exclusivo de um grupo, no caso os judeus israelenses (Shafir & Peled,
2005, pp. 110-136).
À divisão em classes sociais, sobrepõe-se uma discriminação étni-
co/religiosa ou nacional. Uma das leis básicas do país (já que Israel não tem
Constituição), que determina sua cidadania, é a lei do retorno, promulgada
em 1950. Por meio dela, todos os judeus do mundo têm o direito de “retor-
nar” à Palestina, o que é negado aos palestinos que perderam suas terras em
1948 e residem a alguns quilômetros de distância, o que é uma verdadeira
excrescência, até em um mundo em que todos os regimes são capitalistas.
As instituições religiosas são as únicas responsáveis pelos casamentos,
divórcios e enterros, sendo impossíveis, por exemplo, os casamentos inter-
religiosos. Por meio de uma disposição “transitória” da lei do retorno, vigo-
rando há quase uma década, são proibidas as reunificações de famílias de
palestinos de Israel e dos territórios ocupados.
As propriedades dos palestinos expulsos foram expropriadas pela edi-
ção da lei da propriedade das pessoas ausentes. As instituições estatais funci-
onam para beneficiar fundamentalmente os judeus e, quando isso não é pos-
sível, funcionam entidades quase-estatais, como a Agência Judaica e a His-
tadrut, canalizando, por exemplo, a ajuda externa somente para empreendi-
mentos judaicos, o que acentua a brutal desigualdade com relação aos pales-
tinos.
O Fundo Nacional Judaico é proprietário de 92% das, sendo proibida
sua venda a não judeus, e as terras urbanas são controladas pelas instâncias
judaicas do estado. A crescente e cada vez mais urbana população árabe de
Israel quase não pode construir novas habitações e quando o fazem sem li-
cença são implacavelmente destruídas, como ocorre nestes dias em Jerusa-
lém. Como os árabes não fazem o serviço militar, têm drasticamente limitado
seu acesso aos postos de trabalho mais valorizados, seguindo a tradição da
chamada “conquista do trabalho”, eufemismo para o boicote ao trabalho
árabe.
125

A educação oficial glorifica os feitos sionistas, a versão mítica de 1948.


A Nakba não é reconhecida e agora o partido fascistóide de Avigdor Liber-
man, ministro de relações exteriores do atual governo, pretende ilegalizar a
sua recordação. Sempre que existe alguma tensão com os vizinhos árabes ou
com os palestinos dos territórios ocupados, a repressão é implacável, e a ame-
aça aos palestinos e suas instituições é permanente, sendo tachados de “quin-
ta-colunas”.
Israel em muito se assemelha à África do Sul do apartheid, com uma
diferença para pior: o movimento sionista, a partir dos anos 1930, procurou
expulsar os palestinos do mercado de trabalho e de suas terras e não explorá-
los diretamente, a fim de viabilizar a imigração judaica, ao contrário das pri-
meiras décadas de colonização quando o sistema era o tradicional das colô-
nias (Weinstock, 1979, pp. 131-155; Pappe, 2004, pp. 93-103). Neste aspecto
é similar à colonização nos Estados Unidos, ainda que, ao contrário dos ín-
dios, os palestinos não desapareceram. Com a Cisjordânia e Gaza, a relação é
tipicamente colonial: todo o comércio passa por Israel, que coleta os princi-
pais impostos, o mercado é cativo para os produtos israelenses, a água escassa
na região é desproporcionalmente utilizada pelos israelenses e a colonização
funciona como uma válvula de escape social, pois os benefícios que têm os
colonos não poderiam ser usufruídos de outra forma pelos judeus israelenses
médios. Israel faz excelentes negócios com sua experiência em guerras e con-
tra-insurgência, sendo um dos grandes produtores e exportadores de armas,
tecnologia e know-how militares no mundo.
Para manter sua superioridade militar e o nível de vida artificial da
população judaica, Israel é o principal beneficiário da ajuda americana, que
totaliza oficialmente cerca de 6 bilhões de dólares anuais, há mais de cin-
qüenta anos. Em troca, desempenha o papel de guardião dos interesses impe-
riais americanos no Oriente Médio; exemplos não faltam, como a invasão ao
Egito em 1956 quando este nacionalizou o canal de Suez e a cínica campanha
atual contra o Irã, acusando-o por desejar ter tecnologia nuclear, quando
Israel possui mais de 150 bombas atômicas.
No marco de um estado laico, de todos os habitantes e nacionalidades
que o compõem, podem e devem ser recebidos os refugiados palestinos que
quisessem exercer seu direito de retorno (Aruri, 2001, pp. 195-207), mas o
126

esforço teria que ser apoiado mundialmente, afinal foram as potências mun-
diais e as próprias Nações Unidas que fizeram a partilha. Mas isso é incompa-
tível com a estrutura racista do estado de Israel, sem falar nos obstáculos
colocados pela ordem internacional de estados atualmente vigente.
Utópico? Não mais do que resolver os problemas em dois estados ou
achar que os sionistas irão ceder seus privilégios voluntariamente, mas segu-
ramente uma receita para começar a sanar as tremendas injustiças históricas
na região.

*Waldo Mermelstein, é brasileiro, militante de esquerda desde o começo dos


anos 70; morou em Chile durante o governo da Unidade Popular até o golpe
de 11 de setembro e foi preso político em 1978. É filho de pais judeus.

Referências bibliográficas:
ARURI, Nasser (Ed.). Palestinian Refugees: The Right of Return. Chippen-
ham: Pluto Press, 2001.
BEININ, Joel e STEIN L., Rebecca. The Struggle for Sovereignty: Palestine
and Israel 1993-2005. Stanford: Stanford University Press, 2006.
MASALHA, Nur. Expulsion of the Palestinians. Washington: Institute of
Palestine Studies, 1992.
PAPPE, Ilan. The Making of the Arab-Israeli Conflict 1947-1951. London:
I.B. Tauris & Co Ltd, 1994.
PAPPE, Ilan. A History of Modern Palestine. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 2004.
PAPPE, Ilan. The ethnic cleansing of Palestine. A History of Modern Pales-
tine. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
SHAFIR, GERSHON e PELED, Yoav. Being Israeli: The Dynamics of Multi-
ple Citizenship. New York: Cambridge University Press, 2005.
WEINSTOCK, Nathan. Zionism: False Messiah. Londres: Ink Links, 1979.
127

“Não vamos celebrar o


aniversário de Israel”
Em 30 de abril de 2008, com motivo da celebração do 60° aniversário
da fundação de Israel, foi publicada esta carta aberta no jornal inglês The
Guardian. A mesma era assinada por mais de 100 intelectuais judeus encabe-
çados pelo conhecido dramaturgo Harold Pinter, junto a Paul Kaufman, Bella
Freud, Stephen Fry e Sylvia Cohen, entre outros.

“Em maio, as organizações judias celebrarão o 60° aniversário da fun-


dação do Estado de Israel. Este fato é compreensível dentro do contexto de
séculos de perseguição que culminam no Holocausto. Porém, nos somos
judeus que não vamos comemorar. Sem dúvidas é agora o momento de ad-
mitir o discurso do outro, o preço pago pelo outro povo a causa do antissemi-
tismo europeu e as políticas genocidas de Hitler. Como destacou Edward
Said, o Holocausto é para os judeus o que o Nakba é para o povo palestino.
Em abril de 1948, o mesmo mês do massacre de Deir Yassin e o mortal
ataque sobre a população palestina na praça do mercado de Haifa, iniciou-se
o Plano Dalet, que autorizava a destruição das aldeias palestinas e a expulsão
da população nativa fora das fronteiras do estado. Nos não vamos celebrar.
Em julho de 1948, 70.000 palestinos foram expulsos de seus lares em
Lydda e Ramleh, sob o calor do verão, sem água nem alimentos. Centos mor-
reram. O fato é conhecido como a Marcha da Morte. Nos não vamos cele-
brar.
Em total, 750.000 palestinos se converteram em refugiados, 400 aldei-
as foram apagadas do mapa. Não terminou aqui a limpeza étnica. Milhares de
palestinos (com cidadania israelense) foram expulsos de Galiléia em 1956. E
muitos milhares mais quando Israel ocupou Cisjordânia e Gaza. Segundo a
lei Internacional e a Resolução 194 da ONU, a população refugiada à causa da
guerra tem direito a retornar ou a ser compensada. Israel jamais aceitou esse
direito. Nos não vamos celebrar.
128

Não podemos celebrar um estado fundado no terrorismo, os massa-


cres e o despojo de outro povo de sua terra. Não podemos celebrar o nasci-
mento de um Estado que se dedica à limpeza étnica, viola a lei internacional,
impõe monstruosos castigos coletivos à população civil de Gaza e continua
negando à população palestina seus direitos humanos e suas aspirações naci-
onais.
Nos só iremos celebrar quando árabes e judeus convivam como iguais
num Oriente Médio em paz.”

Você também pode gostar