Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UMA COLONIZAÇÃO
Apresentação
Adolfo Santos
Coordenador da reedição
Sob o mito de “uma terra sem povo para um povo sem terra” justifi-
cou a violenta ocupação de um território que, diferente do slogan sionista,
tinha donos e ocupantes: os palestinos. Para consumar esse plano, Israel
montou um estado de terror, expulsando quase um milhão de árabes de suas
terras, destruindo suas aldeias e apropriando-se de seus bens. Um dos princi-
pais símbolos desses massacres foi o extermínio consumado na aldeia árabe
Deir Yassin, em abril de 1948.
Nesse mesmo ano, 52% do território palestino foi outorgado a Israel
pelas Nações Unidas e desde então os sionistas vêm confirmando sua política
expansionista, arrancando territórios dos vizinhos Egito, Jordânia e Síria e
controlando a totalidade de Palestina. Descumpriram resoluções da própria
ONU e contaram com a cumplicidade do imperialismo norte-
americano. Dizimados, os antigos habitantes árabes foram reduzidos a ver-
dadeiros bantustões, isolados entre si, quando não cercados por fortes muros,
como o construído em torno da Cisjordânia.
Mas em todo esse tempo, os palestinos nunca deixaram de resistir e lu-
tar contra o opressor. Na década de 1960 criaram a Organização para a Liber-
tação da Palestina (OLP), liderada pelo lendário Yasser Arafat (1929-2004).
Denunciada pelos sionistas e seus aliados mundo afora como uma “organiza-
ção terrorista”, a OLP fez um chamado a lutar “Por uma Palestina laica, de-
mocrática e não racista”. Sob esta palavra de ordem ganhou a simpatia da
esquerda mundial em geral.
Infelizmente, os governos árabes burgueses adotaram uma política va-
cilante e conciliadora frente ao imperialismo e ao próprio estado racista de
Israel. Foram combinando alguns enfrentamentos pontuais com capitula-
ções, sem assumir a causa palestina de forma consequente. Em 1978, essa
política inconsequente transformou-se em traição quando o governo egípcio
assinou com os Estados Unidos (EUA) e Israel o reconhecimento da existên-
cia de Israel, aceitando de fato a utopia sionista e pró-imperialista de “dois
estados”.
Em 1993, Yasser Arafat seguiu o mesmo caminho, quando os Acordos
de Oslo brindaram esse reconhecimento impossível de ser colocado em práti-
ca pelo caráter colonialista do invasor. O povo palestino, oprimido, permane-
ceu em luta mesmo nas piores condições de martírio como nas sofridas em
10
Palestina: história
de uma colonização
Gabriel Zadunaizky e Roberto Fanjul
Editado em Revista de América 1973
Introdução
O tema central deste trabalho é o caráter do Estado de Israel, desde a
origem do movimento sionista até o papel que cumpre atualmente no cenário
político e social do Oriente Médio. Portanto, restrito quase exclusivamente à
trajetória do sionismo na Palestina.
12
O movimento sionista
Ainda no ano de 1897, em que foi fundado o Bund, era realizado em
Basileia (Suíça), o Congresso de fundação da Organização Sionista. E esta
tinha sua pré-história:
“A rápida capitalização da economia russa - disse Abraham León- lo-
go da reforma de 1863, provoca uma situação insustentável para as massas
judias nas pequenas cidades”. No Ocidente, as classes médias, dizimadas pela
concentração capitalista, começam a virar contra o elemento judeu, cuja
competência agrava a situação. Na Rússia é fundada a associação dos ‘Aman-
tes de Sión’. Leo Pinsker escreve ‘Auto emancipação’, livro no qual preconiza
o retorno à Palestina como a única solução possível para a questão judaica.
“Em Paris, o barão Rothschild, que como todos os magnatas judeus
vê com pouca simpatia a chegada ao Ocidente dos imigrantes judeus da Eu-
ropa oriental, começa a interessar-se na colonização judia da Palestina. Aju-
dar a esses “irmãos infortunados” a voltar ao país de seus “antepassados”, ou
seja, jogá-los o mais longe possível, agradava à burguesia judia ocidental que
temia a ascensão do antissemitismo. Pouco depois da aparição do livro de
Leo Pinsker, um jornalista judeu de Budapest, Teodoro Herzl, assiste em
Paris às manifestações antissemitas provocadas pelo processo Dreyfus. Escre-
verá “O Estado judeu” que até hoje continua sendo a Bíblia do movimento
sionista” (4).
Ainda quando a Organização Sionista ia disputar os mesmos setores
sociais que o Bund e, inclusive com o socialismo revolucionário, seu caráter
de classe era destacadamente distinto: aparecia como o programa de um setor
da grande burguesia judaica, setor que terminaria sendo dominante dentro
dela.
Os apologistas do sionismo tentavam ocultar este fato, argumentando
que, em seus primórdios, a maior parte da grande burguesia judaica era assi-
milacionista e não apoiava o sionismo. Isto é certo, mas só prova que como
sempre acontece, toda nova ideia de qualquer classe social, inicialmente, só é
patrimônio de uma minoria. O que há de ser questionado é: historicamente -
ou seja, ao longo do tempo - o sionismo acabou sendo a ideologia e a política
do conjunto da grande burguesia judia. É verdade que por exemplo, o barão
18
Edmund de Rothschild teve divergências táticas com Herzl. Mas hoje, de que
lado está a família Rothschild? Com o sionismo ou contra o sionismo? Assim
é como devemos nos colocar o problema.
Argumenta-se que os pioneiros da colonização palestina eram arte-
sãos, pequenos comerciantes pobres, pessoas das quais poderiam dizer qual-
quer coisa, menos que tivessem uma avantajada conta bancária. Desta forma
tentaram passar uma imagem ‘plebeia’ e até ‘operária’ e ‘socialista’ sobre a
origem do sionismo. Apresentaram as figuras de Pinsker, um humilde so-
nhador; de Herzl, um simples jornalista que se converte no segundo Moisés;
de Borojov, “socialista” e “marxista”, etc.
Obviamente, não era parte dos planos do Barão Edmund de Roths-
child e de outros tantos mudar-se pessoalmente para trabalhar a terra, na
Palestina. Mas isto nada significava em relação à caracterização de classe do
sionismo. A chave era: a quem convinha que os humildes e desesperados
alfaiates, mascates e desempregados de Varsóvia ou Lublin fossem levados
para a Terra Santa? Isto é o que Abraham León assinala.
Se existia alguma dúvida do que isto significa, com relação a situação
europeia, é o próprio Herzl quem se encarrega de esclarecê-la - um de seus
temas obsessivos é a emigração de judeus para a Palestina como a única ga-
rantia de que não serão captados pelos ‘partidos subversivos’.
Herzl se encontra com Guilherme II, Imperador da Alemanha. Sobre o
que falam? “Herzl expôs, seu projeto em linhas gerais. Conversou logo sobre
o problema judeu, o caso Dreyfus, a influência da Alemanha no Oriente e do
proveito que podia render a solução do problema judeu, o qual, se não fosse
solucionado, empurraria -como Herzl não deixou de destacar- aos judeus aos
partidos subversivos. O Kaiser pareceu estar convencido”. (5) Herzl fala no
primeiro Congresso Sionista: “Sim, finalmente, o governo da Rússia perma-
nece neutro, os judeus se sentem sem proteção no regime existente e vão para
os partidos subversivos” [...] “O sionismo é, simplesmente, o pacificador”.
(6).
Esta função do sionismo, como ‘pacificador’ e obstáculo para que os
judeus ‘se dirijam para os partidos subversivos’ é o que permite a Herzl fazer
acordos com os personagens mais sinistros do Império dos Czares, tais como
19
outra face era transportar essas massas para fora da Europa e constituir um
Estado Judeu.
Mas o que tem isto a ver com o sionismo? Como é possível relacionar
a expansão colonial do imperialismo europeu com as esperanças do humilde
artesão ou do estudante pobre que, nos guetos da Europa Oriental, começava
a sonhar com um país em que não fossem humilhados e perseguidos? Quan-
do falamos da expansão colonial europeia, temos em mente a poderosa força
naval inglesa, “dona dos mares”, os canhões dos exércitos do kaiser, a Legião
Estrangeira da “livre França” dedicada à caça de árabes no norte de África ou
os cossacos do czar expandindo-se pela Ásia. É difícil, em princípio, relacio-
nar isto com o pequeno comerciante de Kiev que tremia de medo frente à
possibilidade de um pogrom. Mas havia um elemento objetivo, como diz
Rodinson, um pequeno detalhe, aparentemente sem importância: a Palestina
estava ocupada por outro povo. (30).
Lendo O Estado Judeu, de Teodoro Herzl, a "bíblia do sionis-
mo", pode-se apreciar muito bem o “pequeno detalhe” de que fala Rodinson:
fala-se aí de tudo, define-se desde o horário e turnos de trabalho até as carac-
terísticas das moradias, a cor da bandeira, etc., mas há uma só palavra que
não aparece no livro de Herzl, a palavra “árabe”.
Este intelectual europeu do final do século XIX resolvia minuciosa-
mente em seu livro todos os problemas que previa para a fundação do novo
Estado e seu funcionamento. É casual, pode-se perguntar, que tenha se es-
quecido de mencionar que a Palestina estava habitada, mas não por judeus, e
que os seus habitantes podiam ter algo a opinar sobre esse tema? Se
a Palestina tivesse sido, nesse momento, o centro de uma grande potência
imperialista, teria ele colocado ou não o problema de seus habitantes como
um problema fundamental? Ou se o Estado que pensava fundar, ao invés de
estar situado às margens do rio Jordão, estivesse às margens do Tâmisa, não
teria Herzl colocado a presença dos ingleses como um problema central?
“A ideologia de uma sociedade é a ideologia de sua classe dominante”.
A burguesia imperialista europeia fez com que o entusiasmo da expansão
colonial contagiasse todas as classes da sociedade e ainda grande parte do
operariado. À exceção de um setor minoritário do movimento operário, para
o resto dos europeus, inclusive para muitos dos mais pobres e oprimidos, o
mapa do mundo estava “em branco” fora das regiões civilizadas da Europa e
Estados Unidos. Quando Herzl deixa de mencionar os árabes ou quando,
27
depois, Zangwill lança seu famoso lema: “um povo sem terra para uma terra
sem povo”, sabiam ambos, com certeza, da existência dos árabes. Não se
tratou de um erro de informação. O que eles estavam a dizer, simplesmente, é
que a Palestina era uma terra sem povos... europeus! (31) Nisto, o sionismo
não inventava nada, limitava-se a copiar, ou melhor, a se adaptar à ideologia
e às concepções que orientavam a expansão colonial da Europa.
Dentro desta concepção geral, veremos agora mais claramente o papel
que estava reservado aos desesperados judeus de Europa Oriental. Acontece
que no colonialismo europeu de fins do século XIX, também as massas mais
miseráveis tinham um papel determinado. Lênin fala sobre isto ao citar Rho-
des, o criador da colônia africana da Rhodesia e um dos teóricos da etapa
colonialista do imperialismo. Diz Lenin: “Cecil Rhodes, segundo relato de
um íntimo amigo seu, o jornalista Stead, falou desta forma a propósito de
suas idéias imperialistas: ‘Ontem estive no East End londrino (bairro operá-
rio) e assisti a uma assembleia de desocupados. Ao ouvir discursos exaltados
cuja principal reclamação era “pão! pão”! voltei para casa refletindo sobre o
que tinha ouvido e me convenci mais do que nunca da importância do impe-
rialismo... A ideia que eu acaricio representa a solução do problema social:
para salvar os quarenta milhões de habitantes do Reino Unido de uma guerra
civil funesta, nós, os políticos coloniais, devemo-nos apossar de novos terri-
tórios, aonde enviaremos o excesso de população’ ...” (32)
Em que se diferencia essa postura da posição de Herzl? Troquemos as
palavras “problema social” por “problema judeu”, “guerra civil funesta” por
“incorporar-se a partidos subversivos” e poderemos ver que o senhor Rhodes
tampouco se interessa em mencionar os habitantes nativos desses “novos
territórios”, que para ele também eram “terras sem povo”. Se fazemos essa
troca, teremos quase completa a concepção de Herzl que vimos anteriormen-
te. Quase completa, dizemos, porque faltava a Herzl um elemento objetivo,
que vamos analisar mais adiante.
E a expansão colonial deixa a nu seu “filantropismo”: quem, salvo Lê-
nin e Trotsky, podia se opor a que os famintos do East End saíssem de seus
tugúrios para fazer uma nova vida nos pampas sul africanos? E realmente
eles iam ganhar com essa mudança, pena que à custa dos negros. E quem,
salvo subversivos como Lênin e Trotsky, podia se opor a que os pobres judeus
28
que lutem contra o Sultão e realiza acordos com alguns chefes árabes, como
Houssein, xerife de Meca e seu filho Faisal.
Pouco importava a Inglaterra utilizar sangue árabe para derrotar o
Império Turco, ela não tinha a menor intenção de permitir que os povos
árabes conquistassem a independência nacional. Assim, ao mesmo tempo em
que fazia essas promessas, firmava um acordo secreto com a França para
repartição da área (o Acordo Sykes-Picot) e emitia a chamada “Declaração
Balfour” (2/11/1917), qualificada acertadamente como a ‘aliança de casa-
mento entre o sionismo e o imperialismo inglês’. A Declaração dizia:
“Estimado Lord Rothschild, tenho muito prazer em lhe fazer chegar,
em nome do Governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia
com as aspirações judias sionista, que foi apresentada, e aprovada, pelo Gabi-
nete.
“O Governo de Sua Majestade vê favoravelmente o estabelecimento na
Palestina de um lar nacional para o povo judeu e empregará seus melhores
esforços para facilitar a realização desse objetivo, ficando claramente enten-
dido que nada se fará que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das
comunidades não judias, ou os direitos e o status político dos judeus que
residam em qualquer outro país” (41)
Com a Declaração Balfour começava a ‘segunda etapa do sionismo’
que culminaria com a criação do Estado de Israel. Cumpria-se, assim, o so-
nho de Herzl: finalmente o sionismo se acoplava à política colonial de uma
grande potência!
O caminho em direção à criação do Estado de Israel se abria com as
seguintes características:
Uma declaração unilateral, de uma grande potência imperialista.
Impor o destino de uma região da Ásia, que jamais havia pertencido
nem pertencia a Inglaterra, permitindo a Grã-Bretanha presentear a Lord
Rothschild, generosamente, com um território alheio.
Desconsiderar os desejos ou a vontade do Povo Palestino, do qual 93%
era árabe, em 1917.
Esses 93% de árabes foram reduzidos à condição de ‘não judeus’ em
um ‘lar nacional judeu’, isto é, de estrangeiros ou quase estrangeiros em sua
própria terra. Para salvar as aparências, falavam de seus ‘direitos civis e reli-
32
‘mandato da Sociedade das Nações’ porque já não soava muito bem dizer que
a obtinha na qualidade de colônia. As promessas feitas aos árabes foram todas
burladas.
Mas os árabes não estavam para brincadeiras. Em todo o mundo colo-
nial ou semi colonial, desde o México até a China e a Índia, desde a Turquia
até a África Negra, começava uma forte onda de lutas anti-imperialistas. Os
milhões de escravos coloniais iniciavam sua marcha e o mundo árabe não era
uma exceção.
Além disso, a guerra de 1914 a 1918 não havia gerado apenas um gru-
po de imperialistas vencedores. Em 1917, havia acontecido uma revolução
socialista no antigo Império Russo, que logo repercutia em toda a Europa.
Pela primeira vez na história surgia um poder dos trabalhadores, que repudi-
ava as conquistas coloniais e chamava esses povos a expulsar os colonizado-
res.
No Oriente Médio se desenvolvem então importantes lutas contra o
imperialismo inglês e francês, que haviam partilhado a região entre si. No
intervalo entre as duas guerras mundiais produziram-se numerosas insurrei-
ções de massas. A Palestina foi o eixo dessa luta anti-imperialista, especial-
mente durante a colossal insurreição de 1936 a 1939 que, para ser sufocada,
precisou da metade dos efetivos de todo o exército britânico - nessa época,
um dos mais poderosos do mundo. (45) Esta revolta começou com uma gre-
ve geral que durou seis meses. (46) Deve ter sido a greve geral mais longa da
história da luta de classes. Milhares de palestinos foram mortos, detidos e
condenados à forca ou a longas penas de prisão. Em 1939, o já heroico povo
palestino achava-se derrotado depois de um banho de sangue. Esta é a chave
principal da relativa facilidade com que em 1947 e 1948, o Estado de Israel
poderia ser instalado ali. (47) Mesmo assim, esta derrota se explica pela com-
binação de outros fatores:
“Uma ‘relação de forças sumamente desfavorável’ contra o imperia-
lismo, que refletia a situação mundial daqueles anos. A década de 1930 é
considerada ‘uma etapa de derrotas graves’ não apenas para o movimento
operário europeu, mas também para as massas dos povos coloniais e semi
coloniais. É a época do triunfo do nazismo na Alemanha, do esmagamento da
revolução na Espanha e da consolidação do stalinismo na URSS, que culmina
34
“Estes cálculos - conclui Cliff – nos dão uma ideia das terríveis condi-
ções que suportam as massas de camponeses da Palestina” (55)
E como se isso fosse pouco, vieram os colonizadores sionistas. Com-
pravam o solo do proprietário-usurário e aldeias inteiras foram arrastadas
nos caminhos. Claro, o árabe era demasiado ‘bárbaro’ e ‘ignorante’ para
entender este ‘progresso’, que na terra na qual haviam trabalhado os avós de
seus avós ia se instalar um avançado kibutz ‘socialista’, com os colonos vin-
dos da Europa. Então, explodia e provocava rebeliões como as de 1936/1939.
E aqui intervinham as tropas de Sua Majestade Britânica e da Haganá (exérci-
to extra oficial do sionismo) para ‘fazê-lo entrar na razão’. Assim o sionismo
ia ‘conquistando a terra’.
Não necessitamos esclarecer que isto não tem nada a ver com uma re-
forma agrária ‘anti feudal’. Os sionistas se opunham com unhas e dentes a
qualquer iniciativa nesse sentido, inclusive aos tímidos projetos que às vezes
anunciava a administração britânica. É que uma autêntica reforma agrária –
isto é, dar a terra ao fellah e livrá-lo dos latifundiários e usurários – teria sido
mortal para o sionismo.
A pretensão dos colonizadores sionistas de se comparar com Emiliano
Zapata, Hugo Blanco ou qualquer outro revolucionário agrário provoca in-
dignação.
O gendarme contrarrevolucionário
O dito até aqui, porém, só é a metade do Estado de Israel. Sua outra
metade é seu papel de ‘polícia contrarrevolucionária do imperialismo no
mundo árabe’. Nisto, continua e amplia a ‘folha de serviçosprestados’ao
imperialismo inglês, antes da criação do Estado.
Se tivesse sido verdade, a fábula sionista e até “socialista” de Israel ver-
sus os regimes árabes "feudais"–seria inexplicável, porque este pretenso Esta-
do Socialista, desde 1948 realiza contínuos atos de agressão contra todos os
movimentos "anti-feudais" e anti-imperialistas árabes. E como se Cuba, Esta-
do Socialista isolado na América Latina semicolonial, se dedicasse a realizar
permanentes incursões em outros países da América Latina para assassinar os
dirigentes e ativistas operários e populares, bombardear seus bairros operá-
rios e favelas; ou que, quando o governo nacionalista burguês peruano naci-
onalizou o petróleo, Cuba houvesse enviado suas tropas, junto com as dos
EUA, para ocupar a área das concessões da International Petroleum Com-
pany; ou que agora nas últimas rebeliões da Colômbia, Cuba houvesse mobi-
lizado seu exército anunciando que iria intervir caso seja derrubado o gover-
no burguês pró imperialista. Esta de uma estranha conduta para um “país
socialista”.
Mas este e não outra é a conduta seguida por Israel desde 1948 com
respeito aos seus vizinhos árabes. Esse papel de polícia contrarrevolucionária
se combina com a pretensão dos setores sionistas mais patrioteiros de cons-
truir "o Grande Israel, desde o Nilo até o Eufrates", (91). Vejamos algumas
das façanhas do Israel “socialista”.
Em 1956, o governo egípcio, presidido por Gamal Abdel Nasser, naci-
onalizou a companhia anglo-francesa do Canal de Suez. Foi um fato históri-
co. Constitui uma das medidas anti-imperialistas mais importantes, não só
para o povo egípcio, mas para todos os povos do mundo colonial e semicolo-
nial. Por sua vez, ao governo de Nasser podemos fazer milhares de críticas,
menos a de dizer que se tratava de um governo “feudal”. A nacionalização do
Canal de Suez era uma grande oportunidade para que Israel acabasse seu
confronto com o mundo áraba, supondo que Israel fosse ao menos um Esta-
do burguês anti-imperialista. Simplesmente, Israel teria que ter declarado seu
58
Algumas conclusões
Só uma grosseira falsificação dos fatos pode ocultar que Israel é um
‘enclave colonial’, de características semelhantes aos Estados "brancos" da
África, erguido a base dodespejo e/ou massacre da população originária, da
discriminação racial, da exploração e negação de seus direitos democráticos e
da autodeterminação nacional. Na região, este enclave colonial age co-
mo ‘gendarme do imperialismo’ para reprimir as lutas nacionais e sociais dos
povos árabes.
A fábula do Estado de Israel "progressista" (e até "socialista") já está se
eclipsando. No entanto, ainda alguns acreditam nela. Por quê? Isto tem a ver
com algumas características históricas originais da colonização sionista.
Temos visto como os imperialistas europeus aproveitaram-se da tra-
gédia das massas sem pão e sem trabalho da Europa para utilizá-las em suas
aventuras coloniais. Com isto, também diminuíam a pressão da caldeira soci-
al nas metrópoles. O sionismo, porém, se aproveitou de algo a mais para se
legitimar, de uma das maiores tragédias e crimes da etapa de agonia do impe-
rialismo: do antissemitismo e as matanças dos nazistas na Europa. Após esta
lembrança, o sionismo tenta justificar e legitimar a aplicaçãodos mesmos
critérios racistas e os mesmos métodos da Alemanha, de Hitler, na Palestina.
Outro fator de confusão tem sido as justificativas ideológicas da colo-
nização sionista. Já vimos como o estalinismo contribuiu com estas mentiras.
A ideologia sionista é uma particular mistura de ideias religiosas, patrioteiras
e ultrarreacionárias, com justificativas e racionalizações supostamente socia-
lista e até “marxista”.
64
Notas
1 Abraham León foi um dos dirigentes máximos do sionismo de “esquerda” europeu até às
vésperas da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, León chega à conclusão de que seu
partido sionista, o Hashomer Hatzair, está ao serviço do imperialismo inglês. Rompe
totalmente com o sionismo e ingressa na IV Internacional. Após a ocupação alemã, reor-
ganiza a seção belga, edita periódicos clandestinos, impulsiona a organização da resistên-
cia, em diversos setores do movimento operário. Ao dirigir-se a Charleroi, com a missão
de ajudar a reorganização do corpo de delegados dos mineiros, que estava sendo dirigido
pelos trotskistas, é detido pela Gestapo. Morre no campo de concentração de Auschwitz.
2. Os sionistas argumentam hoje que esta saída era utópica, que a luta revolucionária não
chegou a salvar os seis milhões de judeus europeus massacrados pelos nazistas e que, por
outro lado, na URSS e outros países socialistas, persistem traços de antissemitismo. Daí
deduzem que antissemitismo é um fenômeno “eterno”, comum a todas as sociedades e
povos. A conclusão sionista é falsa, do início ao fim. O antissemitismo seguiu vivo na
Europa depois da Revolução Russa, precisamente porque o socialismo não conseguiu
triunfar em todo o Continente. A revolução foi derrotada nos principais países da Europa
e, especialmente, em seu país chave: a Alemanha. A sobrevivência do capitalismo e o
curso contrarrevolucionário que se abre, desde 1923, conduziriam finalmente ao triunfo
do fascismo na Alemanha e à deformação burocrática da URSS, o estalinismo. Ao invés
do que pretendiam os sionistas, esta dolorosa experiência histórica confirma a tese do
marxismo revolucionário: o racismo, como a opressão nacional ou da mulher, é uma
excrescência das sociedades onde existem classes ou castas de privilegiados.
De todo modo, como questão à parte, seria interessante que os sionistas respondessem a
seguinte pergunta: de qual lado da barricada estiveram no processo revolucionário euro-
peu, que se iniciou em outubro de 1917? Acaso os sionistas -por exemplo, na Alemanha -
combateram junto com Rosa Luxemburgo? Todas as notícias que temos indicam o con-
trário: que o sionismo se alinhou com as burguesias imperialistas europeias contra a
70
revolução que avançava do Leste. E o triunfo dessa revolução em toda a Europa teria
impossibilitado um Hitler, na Alemanha, e um Stalin, na URSS. Claro que também teria
feito impossível o Estado do Israel.
6. HERZL, Teodoro. O Estado Judeu e Outras Escritas, Israel: Bs. As, 1960. p. 199.
7. CHOURAQUI, A..A Man Alone: the life of Theodor Herzl, Jerusalém: Keter Books,
1970. p. 106.In: RODINSON, Maxime.O Israel, a Colonial-Settler State?, Nova
Iorque:Monad Press, 1973. p. 102.
8. HERZL, Teodoro.O Estado judeu e outras escritas,Israel: Bs. As, 1960. p. 213.
10. WERBLOWSKY, R. J. Swi. Não é o Mandato Britânico, mas a Bíblia o que constitui
nosso Direito sobre esta Terra, R.J. Swi Werblowsky, Israel e Eretz Israel, Dossier... idem
p. 402.
12. TARI, Ephraim.O Significado de Israel. In:Dossiê..., ídem, p. 560. A famosa palavra-
de-ordem “uma terra sem povo para um povo sem terra” foi levantada por um dos líderes
iniciais do movimento sionista, o inglês Zangwill. Repare-se que para o senhor Tari, os
muçulmanos e outros dos quais fala, não são “povos” (para ele a Palestina se achava “sem
povo”), mas apenas “núcleos heterogêneos”, quase no nível dos mosquitos que infecta-
vam os pântanos dessa “terra sem povo”.
17. FLAPAN, Simha.O Diálogo entre Socialistas Árabes e Israelenses é uma Necessidade
Histórica, Dossiê… idem. p. 608.
28. Sublinhemos, em primeiro lugar -diz Dov Barnir- que não tem tido um sionismo, mas
muitos. Três foram“conseguidos”: a saída do Egito, a saída da Babilônia e o êxodo a partir
da Diáspora” (Dov Barnir, ídem, pág. 447). O senhor Barnir se diz marxista (?) e foi um
dos fundadores do Hashomer Hatzair e do MAPAM.
31. Lenin indicava “a finais do século XIX os herois do dia eram na Inglaterra [e também
em toda a Europa, N. da R.] Cecil Rhodes e Joseph Chamberlain, que predicavam aber-
tamente o imperialismo e mantinham uma política imperialista com o maior cinismo!”
(O imperialismo… ídem. p. 450). Imaginemos o que seria esta mentalidade nos fundado-
res do movimento sionista quando (não no século XIX, mas hoje) todo um senhor “es-
querdista” que escreve no ‘esquerdoide’Les temps modernes, revista dirigida pelo não
menos esquerdoso Jean-Paul Sartre, diz que os palestinos não eram um povo, mas “nú-
cleos heterogêneos” (ver nota 12) e que Palestina se achava “sem povo”. Ou quando uma
“eminência” da Universidade Hebrea de Jerusalém, o professor Aktzin “não está seguro
de que exista o povo palestino” (ver nota 27). Al-Fatah parece não ter convencido ainda
este “professor”! Esperamos que o convença logo!
34. Idem. p. 44
35. BEIN,Alex.Estudo Preliminar. In: HERZL, Teodoro. O Estado Judeu e Outras Escri-
tas, Israel: Bs. As, 1960. p. 57.
36. SOKOLOW. History of Sionism.Vol. II, p. XLVII. In: IVANOV, A Burguesia Sionis-
ta, Nuevas Masas: Bs.As.,1973. p. 49.
38. BEIN,Alex.Estudo Preliminar. In: HERZL, Teodoro. O Estado Judeu e Outras Escri-
tas, Israel: Bs. As, 1960. p. 65.
40. SOKOLOW. History of Sionism. Vol. II. In: IVANOV, A Burguesia Sionista, Nuevas
Masas: Bs.As.,1973. p. 230. O lord Shaftesbury é o verdadeiro pai da palavra-de-ordem do
Zangwill. Em 1854, Shaftesbury lança o slogan “território sem nação, nação sem territó-
rio” (Cfr. Fawwas Trabulsi, “O problema palestino” na recopilação A revolução palestina
e o conflito árabe-israelense, Cuaderno de Pasado y Presente N° 14, Córdoba, 1970, pág.
60.
73
43. WEIZMANN. Trial and Error, Harper’s. New York, 1949, p. 205. In:RODINSON,
Maxime. Israel... , idem. p. 47. O dirigente sionista Herbert Samuel comentaria em suas
Memórias: “Será deste modo que edificaremos, na proximidade do Egito e do canal de
Suez, um Estado judeu de obediência britânica”. Dossiê…, idem, p., 247. É preciso acres-
centa algo a mais?
44. Rodinson faz a seguinte análise, depois de lembrar que a Inglaterra, nesses momentos,
se encontrava embarcada numa guerra de morte com os impérios centrais (Alemanha,
Áustria e Turquia): “Os grandes motivos da declaração descansavam no desejo de um
impacto propagandístico sobre os judeus da Europa Central e a esperança de recolher os
benefícios da futura liquidação do império otomano. Os judeus da Alemanha (onde tinha
estado a sede central da Organização Sionista até 1914) e da Áustria-Hungria tinham sido
conquistados para o esforço de guerra em grande medida porque se combatia contra a
Rússia czarista, perseguidora dos judeus. No território russo conquistado, os alemães se
apresentavam como protetores dos judeus oprimidos pelo “jugo moscovita” (aqui Rodin-
son cita proclamas do Estado maior alemão). A Revolução Russa reforçava as tendências
derrotistas na Rússia. Atribuía-se aos judeus russos, um papel importante no movimento
revolucionário. Era fundamental lhes dar motivos para que apoiassem a causa aliada. Não
é mera coincidência, que a Declaração Balfour fosse emitida cincodias antes da data
fatídica de 7 de novembro (25 de outubro do calendário russo), na qual os bolcheviques
tomaram o poder. Um dos objetivos da declaração era apoiar Kerensky. Pensava-se tam-
bém na força dos judeus norte-americanos, país que acabava de se incorporar aos Alia-
dos. Era preciso obter um esforço máximo, quando neles predominava o pacifismo. Era
preciso se antecipar aos sionistas alemães e austríacos que negociavam uma espécie de
‘Declaração Balfour’. Com relação a Palestina, Rodinson destaca a vinculação desta decla-
ração com os acordos, com Houssein, de Meca e com a França (tratado Sykes-Picot):
“Não era ruim a ideia de dispor no Oriente Próximo de uma população ligada à Inglaterra
pelo reconhecimento e a necessidade. Fazer da Palestina um problema especial, atribuir
desse jeito a Inglaterra uma responsabilidade particular, era obter uma base sólida para
fazer exigências durante a partição que seguirá à guerra” (RODINSON, Maxime. Israel... ,
idem. p. 47 e 48). Rodinson faz esta análise, principalmente, baseando-se nos documentos
do Gabinete de Guerra inglês, publicados posteriormente. Quase não é preciso esclarecer
que nas atas não existem marcas do suposto “agradecimento”, pelos inventos do doutor
Weizmann. Trata-se de outro mito histórico do sionismo.
74
45. Jon Rothschild, How the arabs were driven out of Palestine, Intercontinental Press,
Vol. 11, N° 38, Nova Iorque, 1973, pág. 1208.
46. Nathan Weinstock. The truth about Israel and Zionism, Pathfinder, 1970, pág. 5.
47. O professor Y. Baner, de Jerusalém, em “A revolta árabe de 1936”, New Outlook, jul-
agos-set. 1966, conclui: ...as condições para a vitória de 1948 foram criadas durante a
revolta árabe.(citado por Nathan Weinstock, idem, pág. 5).
49. Colocamos “feudais” entre aspas porque, no mundo muçulmano, é discutível a exis-
tência de um feudalismo no sentido clássico europeu. Ao falar de “feudais” árabes nos
referimos à velha classe dirigente, de raizes anteriores à penetração do capitalismo mo-
derno, detentora de vastas extensões de terras e cujos interesses se voltam, também,para o
comércio e a usura (que existia, apesar da proibição do Corão). As formas de posse da
terra e da extração do produto excedente dos camponeses foram, no Islã, muito comple-
xas, variando segundo o lugar e o momento histórico. Existe hoje toda uma discusão
entre os marxistas sobre como caracterizar o modo (ou modos) de produção e a formação
econômico-social do Islã anterior à penetração do capitalismo moderno centrado na
Europa. Separece inadequada a sua caracterização como feudal (no sentido clássico), têm
também objeções contra orótulo de “modo de produção asiático”, pelo menos com base
nas características deste modo de produção, tal como estudadopor Marx com relaçãoao
caso da Índia. Sobre esta discusão, os autores deste artigo não têm elementos para se
pronunciarem. Para mais dados, ver Maxime Rodinson, Islã e capitalismo (Buenos Aires,
Siglo XXI, 1973, esp. pp. 47 ss.). No entanto, independentemente disto, há aqui um pro-
blema político: aobsessão de, precipitadamente,rotular como “feudal” o mundo árabe
tem a ver com duas ideologias: a do colonialismo e a do estalinismo. Para a mentalidade
colonialista, falar de “feudal” é o mesmo que falar da “ noite negra da história, à qual
devemos levar a luz da civilização” (e das companhias petroleiras). Assim, buscando
justificar a opressão de um povo “atrasado” por outro mais adiantado, o sionismo veste
com a camisa “marxista” este velho “slogan” colonialista, quando diz representar o capi-
talismo (ou o socialismo) “progressista” em luta contra o feudalismo “reacionário”.
50. “Como exemplo vexatório dos erros perpetrados contra a classe trabalhadora dos
países subjugados pelos esforços combinados do imperialismo aliado e da burguesia de
diferentes nações, podemos citar o caso dos sionistas da Palestina. Com o pretexto de
criar um Estado judeu nesse país, onde os judeus formam uma minoria insignificante, o
sionismo entregoua população marginalizada dos trabalhadores árabes à exploração da
Inglaterra”. (II Congresso da Internacional Comunista (1920),Tese e adições sobre a
questão nacional e colonial.Buenos Aires, Editorial Pluma, 1973,vol.I, p. 192).
51. Proporção estimada com base na estatística apresentadana Antologia Israel, íd., p.
344.
52. The complete diaries of Theodor Herzl, vol. I, p. 88, cit.por Fawwas Trabulsi, íd., p.
131.
54. Este mesmo autor chama a atenção para o fato de que a metade das terras da Palestina
se encontrava em mãos de 250 famílias que eram, ao mesmo tempo, fortes usurários.
56. Id.
58. Para demonstrar que essas três palavras-de-ordem refletiam a prática diária do movi-
mento sionista na Palestina, basta citar David Hacohen, dirigente do partido de Golda
Meir, que foi membro do Parlamento israelense durante muitos anos e cumpria as fun-
ções de presidente do respectivo Comitê de Defesa e Relações Exteriores. Em carta publi-
76
59. Cit. por Peter Buch, La crisis de Medio Oriente. Buenos Aires, Elevé, 1971, p. 12.
61. Id.
65. Nesse momento,um grande número de judeus europeus, vítima das perseguições
nazistas, desejava, naturalmente, ir embora da Europa. O sionismo, porém, não admitia
de nenhum modo que partissem para outro país que não fosse a Palestina. Desta forma,
quando a “democrática” Inglaterra e os não menos “democráticos” EUA fecharam as
portas de seus territórios metropolitanos aos refugiados, o sionismo se negou a realizar
qualquer protesto. Foi o SWP dos EUA, por exemplo, que, ao mesmo tempo em que o
sionismo se negava a protestar, organizougrandes campanhas para exigir de Roosevelt
que acolhesse os refugiados. Por quê? Segundo explicava o rabino Wise – líder do sionis-
mo, nessa época, nos EUA –, estava-se negociando com Roosevelt o problema do Estado
[de Israel] e, portanto, tentavam atrapalhá-lo o menos possível. (Cfr. Peter Seid-
man, Socialist and the tight against anti-semitism -an answer to the B’nai B’rith Anti-
Difamation League, Nova Iorque,Pathfinder, 1973, pp. 19 ss.).Entretanto, a razão de
fundo é a apresentada por Ben Gurion, ao afirmar que o de que se tratava era da criação-
do Estado judeu e não de salvar judeus da Europa: “A Grã Bretanha está tentando separar
o problema dos refugiados da Palestina... Se os judeus tivessem que escolher entre os
refugiados, salvando os judeus dos campos de concentração, os dirigentes teriam miseri-
córdia [dos refugiados, N. da R.] e a energia do povo seria canalizada para salvar os ju-
deus de vários países. O sionismo seria, então, não somente retirado da agenda da opinião
pública na Grã Bretanha,nos Estados Unidos e no resto do mundo, mas também da opi-
nião pública judaica. Se permitíssemos a separação entre o problema dos refugiados e o
problema palestino, estaríamos arriscando a existência do sionismo”. (Ben Gurion, carta
de 17/12/38 ao Executivo sionista, cit. por Peter Seidman, id.p. 20). Para Ben Gurion era
preferível arriscar a existência de milhões de judeus que pediam refúgio a pôr em risco a
existência do sionismo na Palestina. O sionismo não “tinha misericórdia”. O que lhe
importava era conseguir colonizadores e não “canalizar a energia do povo para salvar os
judeus de vários países”.
Vimos que, para favorecer o seu projeto colonial, o sionismo não tinha escrúpulos em
admitir sem protestos o fechamento da imigração nos EUA e Inglaterra. Tampouco tinha
problemas para emular acordos como o Herzl-Plevhe, assinando pactos com Hitler, ou o
“Haavara”, assinado entre o Reich hitlerista e a Agência Judia. (Rodinson, id., p. 103).
67. “Inclusive, nesses momentos –sublinha Cliff- fazem todo o possível para provar que
não são inimigos do imperialismo, mas seus aliados. Assim, por exemplo, no processo por
porte de armas instaurado em 28 de novembro de 1944 contra Epstein, membro
do Hashomer Hatzair (o partido sionista “socialista revolucionário”) este declarou a seus
78
juízes: ‘Os senhores, que vêm da Inglaterra, saberão apreciar, com certeza, os perigos e
dificuldades que implicam as empresas de desenvolvimento e colonização dos países
atrasados. Na história da humanidade, nenhuma empresa de colonização tem tido lugar
sem se bater com o ódio dos indígenas. Serão precisos anos e, quiçá, gerações para que
esses homens [os “indígenas”, N. da R.] se tornem capazes de apreciar e compreender o
quanto essas empresas são benéficaspara o seu futuro. O povo inglês, porém, não tem
recuado diante da tarefa de desenvolver os países atrasados, sabendo que, agindo assim,
os senhores cumprem uma missão histórica e humanitária. Os senhores têm sacrificado
seus melhores filhos no altar do progresso’ (T. Cliff, Le Proche-Orient au carrefour, op.
cit.)
69. Michael Bar-Zohar, The armed prophet: A biography of Ben- Gurión. Londres, 1967,
p. 67. Bar-Zohar é um dos principais biógrafos israelenses de Ben Gurión.
72. Cit. por Moshe Sneh, Sair do círculo vicioso do ódio, em Dossiê... p. 672.
75. Shaul Ramati, “A Haganá: as milícias populares de Israel”. Em Antologia Israel, íd.,
pp. 77 e 78.
79. Publicado em Daavar, 29/9/67.Apud Jon Rotschild, íd., p. 1206 e Nathan Weinstock,
íd., p. 3.
81. Parte destes informes foi traduzida para o inglês e publicada na revista Middle East
International, Londres, abril, 1973, deonde os extraímos.
79
82. Id.
83. Id.
84. Menahem Begin,The revolt; story of the Irgun, p. 165.Cit.por Rodinson, Israel..., íd., p.
115 e Peter Buch, íd., p. 18.
88. Nações Unidas, 27º período de sessões, 9/10/1972, publicação A/ 8828, Espanhol.
“Em Israel, é a população árabe que tem o papel de reserva da mão-de-obra ‘estrangeira’
não qualificada (é preciso somar a isto os sete mil judeus georgianos imigrados recente-
80
“Este lumpemproletariado está formado em grande parte (85%) por judeus originários
dos países árabes, para os quais a possibilidade de empregos mais qualificados está mais
ou menos fechada. Tais ocupações requerem um grau de instrução que eles em geral não
têm. Filhos de famílias numerosas, logo tiveram que abandonar a escola pelo trabalho.
Assim, não menos de 20.000 jovens, na idade de 14 a 18 anos, não estudam nem traba-
lham. Outros dados reveladores: no ano de 1972, quando as proezas militares e científicas
de Israel surpreendiam o mundo, viviam no país 104 mil crianças – das quais mais de
54% judías – em famílias cujo pai não haviaconcluído mais do que o ensino básico e
fundamental. É nos setores desfavorecidos que se observa o número mais elevado (uma-
em cada cinco) de crianças subalimentadas, malnutridas ou que cresceramem condições
definidas como sendo de “desastre familiar”. É nesses setores que se recrutam os delinqüe
ntes juvenis. O ressentimento crescente desses milhares de judeus orientais, que se per-
guntam o que é feito por eles no momento em que Israel se orgulha de seus dois mil
milionários, encontra sua expressão política no voto a favor dos Panteras Negras, que
obtiveram 2% dos sufrágios emitidos na eleição para o Histadrut”.
91. Devem combater com empolgação... Pela invasão ou pela diplomacia, o império
israelense será edificado. Deverá compreender todos os territórios situados entre o Nilo e
o Eufrates(Ben Gurión,discurso na Universidade Hebraica de Jerusalém, 1950; cit. em
Dossiê..., íd., p. 248).
93. Citação de Trabulsi: “Deve-se lembrar que o Egito exigiu, inicialmente, que as tropas
da ONU evacuassem seus postos de observação na fronteira (não se fez menção de Gaza
ou de Sharm el-Sheikh) e que só em 18 de maio demandou formalmente a retirada das
81
tropas da ONU de seu território, depois de U Thant declarar que era tudo ou nada. Israel
não aceitou nunca a presença das tropas da ONU em suas fronteiras, e manteve sua posi-
ção quando novamente indagado sobre o assunto, após a ONU ter-se retirado do Egito”.
94. Citação de Trabulsi: Michel Bar-Zohar, Histoire secrete de la guerre d’Israel. París,
Fayard, 1968, pp. 149-50. O autor -um biógrafo israelense de Ben Gurion- relata que,
durante a guerra de junho, altos oficiais do Departamento de Estado costumavam perse-
guir os diplomatas israelenses com esta pergunta: “Quando atacarão a Síria?” (p. 305). A
vitória israelense representaria, de qualquer forma, uma derrota para a URSS. Bar-Zohar:
“Johnson entendeu que, se desse um jeito para neutralizar os soviéticos e dissuadi-los de
intervir no conflito, a derrota dos árabes frente a Israel seria interpretada pelo mundo
como uma terrível derrota da URSS... o mundo árabe, derrotado na guerra, experimenta-
rá um profundo ressentimento contra Moscou”, (p. 255). De fato, os elementos reacioná-
rios no mundo árabe capitalizaram o assunto. Parte das enormes demonstrações de massa
no Cairo, quando Nasser apresentou sua renúncia em9 de junho, eram dirigidas contra a
embaixada soviética. Outras tentativas do mesmo tipo fracassaram em Beirute”.
97. Citação de Trabulsi: “Uri Dan, cit. por M. Machover & M. Haneghbi em Lettre à tous
les ex -braves israéliens. Rouge, 22 de janeiro de 1969”.
de tudo, gravitou a existência de uma comunidade judia importante na África do Sul. Esta
comunidade, de mais de 115.000 pessoas, enviou dos EUA as maiores contribuições
financeiras para Israel. Os dirigentes sul-africanos têm também suas razões para tal cola-
boração. Para o primeiro ministro Verwoed é a necessidade de que “se unam todos os
brancos contra as hordas”. Um dirigente da comunidade judaica na África do Sul foi
claro. Yakob Oppenheimer escreveu no Herald Tribune: “Nossos dois países têm a mis-
são de manter ilhotas de civilização ocidental no meio do oceano da barbarie neolítica”.
Os países árabes têm aplicado, em consequência, um total boicote à África do Sul.
103. “Somos uma geração de colonizadores - diz Dayan-, e sem o capacete de aço e o
canhão não sabemos plantar uma árvore ou construir uma casa. Não recuamos diante do
ódio de centenas de milhares de árabes em torno a nós, não viramos nossas cabeças para
que não tremam de medo nossas mãos. Esse é destino de nossa geração... estar preparados
e armados, fortes e ásperos para que a espada não caia de nossas mãos...” (cit. en Jon
Rothschild, How and why the zionist expanded its borders, I.P, Vol. 11. Nº 39. 1973. pág.
1237). Nessa ocasião, acabava de dizer que a guerra contra os árabes “recém começa”.
Qualquer semelhança entre as arengas de Moshe Dayan e de Adolfo Hitler não são pura
casualidade.
104. Documento da Al Fatah, La revolución palestina y los judíos, Argel, 1970, pág.
16. Reedição mimeografada.
Cronologia
1897 - Primeiro congresso da Organização Sionista em Basileia (Suíça). Co-
meçam as gestões de Herzl perante as distintas potências.
1905 - Primeira revolução russa.
1914 - Começa a Primeira Guerra Mundial imperialista dos Aliados (Ingla-
terra, França, Rússia, Itália etc.) contra as potências centrais (Alemanha, o
Império Austro-húngaro, Turquia etc.). Em 1917 os EUA se incorporam aos
Aliados.
1915 - Acordo McMahon-Houssein. pelo qual a Inglaterra se compromete a
reconhecer a independência dos árabes, caso se sublevem contra o império
turco que os dominava.
1916 - Acordo secreto Sykes-Picot.Ignorando o anterior compromisso, a
Inglaterra assina um acordo secreto de repartição do Oriente Médio com o
imperialismo francês.
1917 - Revolução de fevereiro na Rússia. Cai o Czar.
02 de novembro: O imperialismo inglês emite a Declaração Balfour, em con-
tradição com os anteriores acordos.
07 de novembro: Revolução de Outubro na Rússia. Os soviets no poder.
1918 - Setembro: Os árabes tomam Damasco e derrotam o império turco.
Outubro: Os exércitos britânico e francês ocupam o Oriente Médio.
Novembro: Revolução na Alemanha e em toda a Europa Central. Destituição
do Kaiser e fimda Primeira Guerra Mundial.
1920 – A Grã Bretanha recebe o “mandato” da Sociedade das Nações sobre a
Palestina. Primeira rebelião árabe. A Inglaterra nomeia para o alto-
comando o dirigente sionista Herbert Samuel. Fundação da Haganá.
Julio: O Segundo Congresso da Terceira Internacional afirma a necessidade
de “desmascarar incansavelmente, diante das massas trabalhadoras de todos
os países e nações,particularmente os mais atrasados, a manobra organizada
pelas potências imperialistas, com a cumplicidade das classes privilegiadas
dos países oprimidos. [...] Podemos citar o caso dos sionistas da Palestina,
onde, sendo os judeus uma minoria insignificante, o sionismo, com o pretex-
84
palestino que coexista com Israel, e pelo acatamento das resoluções 242 e 338
da ONU, que legitimam o estado sionista.
Setembro: Milicianos fascistas libaneses e soldados israelenses invadem os
campos de refugiados civís de Sabra e Shatila, nos arredores de Beirute. As-
sassinam mais de mil pessoas, namaioria idosos, mulheres e crianças. O res-
ponsável é Ariel Sharon. Em Israel, o ato provoca uma onda de repúdio. Mo-
bilizadas pelo movimento Paz Agora, mais de meio milhão de pessoas se
manifestam, exigindo a queda do governo e o recuo da política de expansão
sionista.
Setembro: Acordo Israel-Líbano-EUA. Reagan e Mitterrand anunciam o
envio de uma força multinacional de paz. Serão 5.000 soldados de elite, nor-
te-americanos, franceses, britânicos e italianos. 300 assessores ianques prepa-
ram o novo exército governamental.
1983 - Atentado contra a embaixada norte-americana em Beirute. 63 mortos
e centenasde feridos.
1984 – Fevereiro: Insurreição popular em Beirute. Os EUA sofrem uma im-
portante derrota, já que são obrigados a retirar todos os marinescom a Sexta
Frota.
1985 - Fevereiro: Derrotado, Israel retira-se do Líbano mas permanece na
zona fronteiriça, onde promove a formação do mercenário Exército do Sul do
Líbano,mantendo suas tropas na chamada “faixa de segurança”.
Abril: Explode um restaurante no centro de Madri. Morrem 18 pessoas e
ficam 82 feridas. 15 são soldados norte-americanos.
1986- Janeiro: Reagan impulsiona o boicote econômico contra a Líbia, acu-
sando Khadafi de incitar à realizaçãode atentados terroristas contra Israel. A
Sexta Frota ianque usurpa águas territoriais da Líbia, ao se instalar no golfo
de Sidra.
Abril: Os EUA bombardeiam a Líbia. Todos os governos árabes, juntamente
com o Irã, condenam a agressão.
Dezembro: Escândalo nos EUA com a divulgação de um comércio de armas
para o Irã.
1987 - 09 de dezembro: Inícioda Intifada. Em Gaza, um dos territórios inva-
didos na guerra de 1967, em repúdio à morte de quatro trabalhadores pales-
tinos, cujacaminhonete foi abatida por um caminhão do exército israelense,
91
21 de maio: Por uma estreita margem, triunfa nas eleições israelenses o can-
didato da direita, Benjamin Netanyahu.
Abril: Israel bombardeia alvos civís no sul do Líbano.
Setembro: A abertura de um túnel ameaça os alicerces da mesquita de Al
Aqsa, em Jerusalém, uma das mais importantes. O fato é considerado como
uma provocação dos palestinos. Ocorre uma rebelião popular e o enfrenta-
mento com o exército do Israel deixa 70 mortos e centenas de feridos.
1998 - 23 de outubro: Em Wye Plantation (EUA), Netanyahu, primeiro mi-
nistro israelense, e Arafat, acordam a retirada das tropas israelenses de 13,1%
da Cisjordânia e a libertação de detentos palestinos. Dois meses depois, Israel
congelou o acordo.
1999 - 04 de setembro: Barak assina com Arafat, no Egito, uma versão modi-
ficada dos acordos de Wye Plantation; uma parte dos presos palestinossão
libertados e o exército de Israel se retira das zonas sob administração palesti-
na.
2000 - 24 de maio: O exército de Israel abandona, precipitadamente, o Líba-
no. Israel sofre uma dura derrota militar. O que estava planejado como uma
retirada gradual e planificada se transforma em debandada, deixando à pró-
pria sorte os mercenários fascistas cristãos do Exército do Sul do Líbano,
armados por Israel. Os guerrilheiros do Hezbollah ocupam todo essa região,
apropriando-se de tanques eartilharia deixados pelo exército israelense em
sua fuga e libertando centenas de resistentes libaneses presos.
Julho: Arafat, Barak e Clinton reúnem-se durante vários dias em Camp David
– residência de verão dos presidentes ianques – com o propósito declarado de
assinar um acordo de paz. Porém, a cúpula termina num fracasso.
10 de setembro: O Conselho Central Palestino prorroga até 15 de novembro
a proclamação de um estado palestino independente na Cisjordânia e Faixa
de Gaza. Esta proclamação estava prevista para 13 de setembro, quando ven-
ciam os acordos interinos com Israel.
Outubro: A Intifada se estende em todos os territórios ocupados e também
no interior de Israel. Em todo o mundo árabe cresce uma irreprimível onda
de solidariedade. NoIêmen saem às ruas 500.000 manifestantes, gritando
“morte aos Estados Unidos, morte a Israel!”. O Iraque anuncia o alistamento
96
Por um só Estado
Palestino, laico,
democrático e não racista
Com os acordos de Oslo, em 1993, a Organização pela Libertação da
Palestina (OLP) e seu movimento majoritário Al Fatah, liderado por Arafat,
abandonaram definitivamente a palavra de ordem “Por uma Palestina laica,
democrática e não racista” em todo o território da Palestina. Esta proposta,
que inclui o direito de retorno para todos os palestinos expulsos desde 1948 e
igualdade de direitos para todos os cidadãos palestinos, inclusive os judeus
que aceitem esse novo Estado, foi abandonado por Arafat em favor da supos-
ta “solução” dos “dois estados”, Israel e Palestina, que aparecia então como
uma “solução realista”. Mas a vida demonstrou que Israel, como criação
racista e genocida engendrada pelo imperialismo, jamais aceitará um estado
palestino soberano e autossuficiente, e que, no melhor dos casos, somente
estaria disposto a ceder um pequeno território totalmente dependente da
esmola internacional, privado até mesmo de água. Isto, que é o que Israel já
cedeu à ANP (Administração Nacional Palestina), não é nem nunca poderá
ser um Estado soberano onde vivam os palestinos.
Longe de um avanço na constituição de dois Estados soberanos, o que
se viu em realidade foi que Israel colonizou a Cisjordânia e a dividiu em pe-
quenos territórios economicamente inviáveis, despojando os palestinos de
suas fontes de água e terras férteis e destruindo até os seus olivais.
Esta realidade está levando um número cada vez maior de palestinos a
reconsiderar a luta por um só estado, ou seja, pela destruição do atual estado
de Israel.
Reproduzimos a seguir trechos de uma entrevista com Omar Bar-
ghouti, analista palestino e militante dos direitos humanos, pós-graduado em
engenharia elétrica pela Universidade de Colúmbia e doutorando em filosofia
109
[...]
Omar Barghouti: Ainda que, por diferentes motivos, eu seja muito crítico em
relação ao Hamas, reconheço que uma maioria de palestinos sob a ocupação
o elegeu democraticamente para governá-los e dirigir a luta por sua liberdade
e autodeterminação. O mundo tem que respeitar esta escolha democrática
dos palestinos, embora só a terça parte do povo palestino tenha participado
dessa eleição. Nem sequer foram levados em conta os outros dois terços, que
são os refugiados espalhados por todo o mundo e os cidadãos palestinos de
Israel.
Caberia aos palestinos pedir contas ao Hamas se este deixasse de os governar
corretamente ou de fazer valer os direitos dos palestinos, não aos Estados
Unidos nem à Europa, e, certamente, menos ainda a Israel.
Alguns dirigentes políticos palestinos tornaram-se, insidiosamente, cúmpli-
ces da dominação racista e colonial de Israel. Em vez de aprovar abertamente
a ocupação, seu papel é dar ao mundo a falsa impressão de que se trata de
uma simples disputa e de que é possível sentar tranquilamente à mesa e nego-
ciar, na Suíça ou em qualquer outro lugar. Assim, ocultam a realidade de um
conflito colonial que obriga a uma luta generalizada no terreno e exige o
111
Omar Barghouti
ra mais ou menos aberta, não tem mais recursos hoje em dia que a brutalida-
de, o terrorismo intelectual e a intimidação da comunidade internacional e
das autoridades ocidentais eleitas. Como demonstram várias pesquisas de
opinião recentes, os povos do mundo não apreciam nem apoiam o sionismo;
eles, simplesmente têm medo do sionismo, e isto faz uma enorme diferença.
[...]
Silvia Cattori: Vocês, palestinos, sabem melhor do que ninguém que os Esta-
dos Unidos e Israel usaram os atentados de 11 de setembro de 2001 para
qualificar qualquer resistência como “terrorismo”. Hoje, são as suas próprias
autoridades [palestinas] que se comprometem a seguir o mesmo caminho.
Abbas proclama que lutará contra os “terroristas do Hamas” em nome dos
“muçulmanos moderados”. O objetivo real não é combater a única resistên-
cia anticolonial que existe ainda na Palestina?
O. B.: Sim, mas o movimento sionista desempenhou um papel chave para
promover freneticamente esta teoria do ”choque de civilizações”, baseada na
falsa premissa de que o 11 de setembro foi uma luta entre os muçulmanos e o
resto do mundo, entre o Islã e a chamada civilização “judaico-cristã”. Infe-
lizmente, esse conceito neoconservador adotado pelo sionismo conquistou
uma posição predominante no Ocidente e influenciou a muitos europeus.
[...]
A palavra de ordem “dois Estados para dois povos” passou a ser um dogma.
E o movimento de solidariedade caiu em cheio nesse dogma consolidado.
Portanto, devemos pôr em questão essa doutrina e arrastar as pessoas conos-
co em vez de fazer com que se afastem. E, segundo a minha experiência, mui-
tas pessoas mudam e se radicalizam ao se confrontarem com fatos e argu-
mentos racionais, e com uma visão moral que impõe respeito. Quando a
gente se senta com elas e as ganha para a nossa causa, percebe que muitas
dessas pessoas são fundamentalmente honestas. São sinceras, gostam de nós,
apoiam a justiça, querem a paz, mas estão simplesmente mal informadas
porque ouviram tantos oradores, também palestinos, que vieram dizer para
eles: “dois estados para dois povos, é isto que os palestinos querem”.
[...] Mahmoud Abbas não tem nenhuma autoridade para ceder nada que seja
significativo. Ele não é Arafat. Carece de passado histórico na luta contra
113
paz, no sentido de um movimento que apoie uma paz justa, a única digna
desse nome. Mas, lamentavelmente, há um certo número de palestinos que
estão nesse “negócio” [da paz]. Sim, é um negócio: viajam com seus “parcei-
ros” israelenses, falam juntos, ficam em hotéis luxuosos, são convidados a
lugares de férias pelos governos suíço e norueguês, etc. Eles são fascinados
por isto, é uma empresa lucrativa. E o preço que pagam é fazer compromissos
que prejudicam os direitos fundamentais dos palestinos e, indiretamente,
compromissos que afetam sua própria dignidade. Deixam de falar por si
próprios e permitem que esses falsos fazedores de paz falem em nome dos
palestinos.
[...] Ser sionista hoje significa essencialmente crer que a limpeza étnica da
Palestina era aceitável ou justificável para permitir o estabelecimento do Es-
tado judeu; e que não se deve permitir retornarem os refugiados palestinos, a
fim de que se mantenha o “caráter judeu” – leia-se, a supremacia racista – do
Estado.
Esta é, para mim, a prova de moralidade de qualquer pessoa que trabalhe por
uma paz justa. A justificação da limpeza étnica e a negação dos direitos dos
refugiados com base na necessidade de manter a supremacia judia de Israel é
racismo. Quem defende essas posturas não pode ser considerado uma pessoa
moral. [...]
Os chamamentos palestinos ao boicote deixaram bem claro para os que se
consideram da esquerda israelense que sua atitude paternalista em relação a
nós era humilhante e colonial, e que a autodeterminação significa, acima de
tudo, nosso direito de decidir nosso destino e formular nossas aspirações à
justiça e à igualdade. Eles têm o costume de nos encarar como indígenas
estereotipados, quase como crianças imaturas às quais é preciso dizer o que
devem fazer para saberem se comportar.
Em 2005 a sociedade civil palestina expressou sua vontade defendendo o
chamamento ao BDS (boicote, desinvestimento e sanções) contra Israel,
apoiado maciçamente. No movimento de solidariedade com a Palestina,
ninguém mais pode ignorar este chamamento e continuar com formas de
apoio tradicionais e ineficazes. O BDS é simplesmente, hoje, a forma de soli-
dariedade com a Palestina moralmente mais sã e politicamente mais eficaz.
115
[...]
S. C.: Antes de ir à Palestina eu era como todo o mundo: acreditava que exis-
tem realmente pessoas muito más, os “antissemitas”. Mas subitamente, após
escrever um ou dois artigos em defesa dos direitos dos palestinos, descobri
com surpresa que eu também estava sendo acusada de “antissemita”. Sei
agora que esta palavra é uma arma muito eficaz nas mãos dos que querem
fazer calar as pessoas que criticam livre e honestamente Israel.
O antissemitismo existia nos anos 30. Mas, hoje, eu vejo que há muitas pesso-
as que odeiam os árabes, inclusive na esquerda. No que me diz respeito, ja-
mais encontrei um “antissemita”, isto é, alguém que odeie os judeus por
serem judeus. Em compensação, conheço muita gente interessada em fazer as
pessoas acreditarem que o antissemitismo é um fenômeno de grande ampli-
tude, para justificar a existência de Israel em terra árabe. Qual é sua posição a
este respeito?
O. B.: O antissemitismo não justifica Israel. Creio que o antissemitismo ainda
existe, ou seja, pessoas que odeiam os judeus por serem judeus, particular-
mente nos Estados Unidos e na Europa. Mas este fenômeno é agora mais
marginal do que nunca antes havia sido; ele está longe de ter influência em
algum país. A islamofobia, ao contrário, está crescendo perigosamente em
amplos setores, em toda a Europa e Estados Unidos. Como disse Noam
Chomski, o ódio aos árabes e aos muçulmanos é hoje verdadeiramente o
novo “antissemitismo”.
É importante, neste ponto, fazer uma definição muito clara: nosso conflito é
um conflito com o sionismo e com Israel enquanto entidade colonial. Eu me
oponho a todas as formas de racismo, inclusive o antissemitismo e o sionis-
mo. Eu mesmo, como a maioria dos palestinos, não tenho absolutamente
nada contra o judaísmo ou contra os judeus enquanto grupo religioso. Abso-
lutamente nada.
Estamos contra o Estado de Israel não porque seja “judeu”, mas porque é um
opressor colonial que nega os nossos direitos. Se os judeus israelenses renun-
ciam à sua existência colonial e a seus privilégios racistas e reconhecem nos-
sos direitos, não temos nenhum problema em conviver com eles em uma
116
As perspectivas da luta
palestina após o massacre
em Gaza
Waldo Mermelstein*
uma limpeza étnica gradual e contínua (em contraste com a limpeza étnica
quase que instantânea em 1948).
Já antes de 1967 havia surgido uma nova geração de palestinos, mais
educada, consciente e urbana, que passou a lutar de forma mais independente
dos governos árabes contra a ocupação sionista, formando uma organização
que começou a representar politicamente a diáspora palestina e a coordenar a
resistência: a OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Esta se dotou
de um programa que previa a volta dos refugiados e a formação de um estado
em toda a Palestina histórica, com direitos democráticos para todos, inde-
pendente de religião.
Após um período de lutas crescentes nos territórios ocupados, o ano
decisivo foi o de 1987, quando começou o levante contra a ocupação israelen-
se que assumiu na prática as bandeiras da OLP: a primeira intifada foi uma
imensa demonstração de força que colocou os sionistas contra a parede e
despertou simpatia inclusive entre os judeus israelenses. Incapaz de derrotá-
la, Israel optou, sob o patrocínio de seu grande aliado, os Estados Unidos,
pela negociação com cartas marcadas, para desviar a luta e cooptar um setor
da direção palestina.
Segundo os acordos de Oslo, de 1994, duas etapas foram estabelecidas:
a primeira, transitória, na qual Israel manteria o controle fundamental dos
territórios ocupados, cedendo o controle apenas de alguns centros urbanos
(Nablus e Ramala, entre outros), ficando a segunda etapa, de discussão dos
temas fundamentais, para um período de cinco anos. Israel preservaria o
controle das fronteiras, da segurança, do restante do território, da água, en-
fim da essência da vida nos Territórios Ocupados. Como contrapartida, a
OLP, colocando em prática as mudanças determinadas pelo Conselho Naci-
onal Palestino em 1988, reconheceu a legitimidade das fronteiras de 1948 de
Israel, aceitou um Estado palestino em 22% da Palestina histórica, renunciou
à luta armada contra a ocupação e Israel somente reconheceu a OLP como
representante do povo palestino. Todos os assuntos estratégicos - o desman-
telamento das colônias, o status de Jerusalém, o controle dos recursos hídri-
cos, o retorno dos refugiados e as fronteiras internacionais entre os dois esta-
dos - ficaram para o futuro. A OLP começou a administrar uma pequena
parte da Palestina, sem nenhum poder real, a não ser o de desempenhar o
120
papel de polícia de seu próprio povo para impedi-lo de seguir a luta que havia
encurralado os sionistas. Com esse simulacro de desocupação, Israel pôde
deixar de cumprir até suas obrigações mínimas como potência ocupante. Os
milhões de refugiados não tiveram nenhuma voz para decidir sobre os acor-
dos que tinham direta incidência em suas vidas (Beinin & Stein, 2005, pp. 21-
37). Paralelamente, os sionistas continuaram estabelecendo “fatos irreversí-
veis”: a colonização acelerada, uma rede imensa de postos de controle, estra-
das exclusivas e áreas militares que cortaram toda a continuidade do que
havia sobrado para o Estado-tampão palestino. Este foi o erro histórico da
OLP e o início de seu declínio inexorável: não o de negociar, como em toda
luta, mas o de fazer concessões de princípio, em troca de vagas promessas. A
frustração que sucedeu à euforia inicial gerou a segunda intifada em 2001.. A
reação israelense foi brutal, utilizando toda sua força militar contra a popula-
ção dos territórios ocupados e reduzindo ainda mais o papel da Autoridade
Palestina. É instituído a partir daí o monumento ao apartheid que é o Muro
que divide a Cisjordânia e Gaza é transformada em uma gigantesca prisão.
Com a desmoralização da OLP, fortaleceu-se um novo ator: o Hamas.
Inspirado na Irmandade Muçulmana egípcia este começou a atuar na resis-
tência nos anos 1980 e se baseou em uma rede eficaz de proteção social e na
crítica às concessões de Arafat. A sua brava resistência aos ataques dos sionis-
tas em Gaza só fez aumentar seu prestigio. Mas é essencial avaliar o programa
estratégico do Hamas, que é equivocado, pois propõe a implantação de um
estado islâmico na Palestina. A luta na Palestina não é entre diferentes religi-
ões, mas entre uma nação oprimida e seus opressores, entre as classes explo-
radas e seus exploradores; somente bandeiras nacionais e sociais amplas
permitirão unir os explorados e pobres palestinos, sem distinção de crenças e
costumes, bem como selar uma aliança com as imensas massas exploradas
árabes e poderão gerar apoio em um setor significativo entre os setores mais
explorados e conscientes dos judeus de Israel, elemento essencial para des-
montar o aparato sionista. Tampouco serve para incentivar a reduzida mas
crescente oposição à política de Israel entre as comunidades judaicas do
mundo. Além disso, os estados islâmicos, com seus diversos regimes políti-
cos, mantêm a exploração e a opressão capitalistas, como se verifica no Irã e
na Arábia Saudita.
121
Um ou dois estados?
Dada a supremacia de Israel, que nega qualquer tipo de solução estatal
digna deste nome aos palestinos, a discussão sobre a solução definitiva para o
conflito soa como algo longínquo enquanto não for desmontada a máquina
de opressão e guerra dos sionistas. Neste sentido, ganham importância todas
as pequenas e grandes conquistas contra o opressor sionista, cada colônia que
seja desmontada, o levantamento ao bloqueio à Gaza, a libertação dos prisio-
neiros. Mas este debate é essencial porque essas mesmas conquistas serão
temporárias enquanto existir o estado sionista agressor e colonizador na
região.
A base do conflito está na colonização sionista, para a qual os palesti-
nos, habitantes da região há séculos, perderam suas terras e suas casas e têm
pleno direito de reivindicar o que sempre foi seu. Em contraste, a pretensa
ligação milenar dos judeus do mundo com Israel é um mito, porém a sua
análise excede os limites deste artigo. Basta citar que, não por acaso, os sio-
nistas sempre foram minoritários entre as comunidades judaicas do mundo
até o Holocausto e que os judeus nos últimos dois mil anos foram uma ínfima
minoria religiosa na região.
No entanto, ainda que se chegasse à conclusão que os colonos judeus
constituíram, após mais de sessenta anos, uma nova nacionalidade judaica
israelense, seria certamente uma nacionalidade opressora e expropriadora de
outra nacionalidade, que já vivia na região. A volta dos refugiados e o des-
monte do estado sionista seguramente significariam uma redução significati-
va dos privilégios que lhes confere este status, mas isso é parte da correção da
injustiça histórica feita contra os palestinos.
Desde a Declaração Balfour em 1917 até a resolução 181 da ONU que
resolveu partilhar a Palestina, dando a maioria do seu território (51%) à mi-
noria da população (um terço), o erro recorrente foi o de dividir o território.
Em 1947, o trauma do Holocausto, o desejo de americanos e soviéticos de
ingressarem no Oriente Médio frente à falência dos britânicos, fez com que
123
esforço teria que ser apoiado mundialmente, afinal foram as potências mun-
diais e as próprias Nações Unidas que fizeram a partilha. Mas isso é incompa-
tível com a estrutura racista do estado de Israel, sem falar nos obstáculos
colocados pela ordem internacional de estados atualmente vigente.
Utópico? Não mais do que resolver os problemas em dois estados ou
achar que os sionistas irão ceder seus privilégios voluntariamente, mas segu-
ramente uma receita para começar a sanar as tremendas injustiças históricas
na região.
Referências bibliográficas:
ARURI, Nasser (Ed.). Palestinian Refugees: The Right of Return. Chippen-
ham: Pluto Press, 2001.
BEININ, Joel e STEIN L., Rebecca. The Struggle for Sovereignty: Palestine
and Israel 1993-2005. Stanford: Stanford University Press, 2006.
MASALHA, Nur. Expulsion of the Palestinians. Washington: Institute of
Palestine Studies, 1992.
PAPPE, Ilan. The Making of the Arab-Israeli Conflict 1947-1951. London:
I.B. Tauris & Co Ltd, 1994.
PAPPE, Ilan. A History of Modern Palestine. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 2004.
PAPPE, Ilan. The ethnic cleansing of Palestine. A History of Modern Pales-
tine. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
SHAFIR, GERSHON e PELED, Yoav. Being Israeli: The Dynamics of Multi-
ple Citizenship. New York: Cambridge University Press, 2005.
WEINSTOCK, Nathan. Zionism: False Messiah. Londres: Ink Links, 1979.
127