Você está na página 1de 11

A dominação pelo consumo segundo vance

packard à luz da teoria crítica.


Francisca Candida Candeias de Moraes

Heloisa Candia Hollnagel

1. Introdução

Os primeiros ensaios teóricos sobre o consumo foram apresentados por Karl Marx e
Thorstein Veblen. O “fetiche da mercadoria” de Marx demonstrou como o processo de
transformação do produto em mercadoria retirou de cena a relação social do trabalho,
causando alienação e opressão (CORDEIRO e GAMERO, 2007); sob essa perspectiva a mer-
cadoria é uma ilusão sobre o produto, forjada pelo capitalismo.

De acordo com Veblen, o “motivo que está na raiz da propriedade é a emulação [e que]
a posse de riqueza confere honra; é uma distinção baseada na inveja” em um contexto
de competição social que se desenvolve junto com a propriedade privada (VEBLEN,
1934: 25-26).

Sob estes impactos, Adorno e Horkheimer (1947/1990) ampliaram os estudos marxistas,


incorporando novos conceitos à discussão, em especial sobre a “Indústria Cultural”.
Para Adorno, na cultura imposta às massas o indivíduo perde a capacidade de decisão
isenta, condicionada aos aspectos socioculturais vigentes. Outra contribuição da Es-
cola Frankfurtiana sobre a alienação na Sociedade Industrial é de Herbert Marcuse,
que percebia a grande velocidade da produção como razão da necessidade de rápido es-
coamento do consumo, pois após 2ª Guerra os países capitalistas atingiram taxas es-
táveis de crescimento econômico, os padrões de vida se elevaram e os padrões de con-
sumo acelerados.

O consumismo, em especial nos países ricos, é alvo de críticas mais intensas e fre-
qüentes desde os anos 50. Vance Packard, jornalista e crítico social norte-americano
escreveu “The Hidden Persuaders” (1957) abordando a questão ética do uso de técnicas
de pesquisa de comportamento dos consumidores pela indústria da propaganda; em “The
Waste Makers” (1960) denunciava as diversas estratégias para incentivar o consumo de
bens na sociedade americana da década de 50, época conhecida como o auge do “ameri-
can way of life”.

Estilo copiado em todo o mundo (influência da globalização?), pode ser observado em


diversos aspectos: na música, Pop e Rock; na moda, tênis de marcas americanas; no
passatempo, shopping centers e produções cinematográficas de Hollywood; na hora do
lanche, fast food, os adolescentes são bombardeados com produções e marcas interna-
cionais. Assistir televisão, navegar na Internet, falar ao celular integram o coti-
diano de muitos jovens nos grandes centros urbanos brasileiros, sob grande influên-
cia dessa corrente de pensamento.

A adolescência está relacionada à palavra latina “adolesco” (crescer) e, sob os as-


pectos psicológicos e comportamentais, é caracterizada por instabilidade, questiona-
mentos e intensa busca de “si mesmo” e da própria identidade. Para Piaget as mu-
danças na maneira como os adolescentes pensam sobre si mesmos, sobre seus relaciona-
mentos pessoais e sobre a natureza da sua sociedade têm como fonte comum o desen-
volvimento de uma nova estrutura lógica denominada “operações formais”: pensamento
necessário para a solução sistemática de problemas. Nesse estágio (dos 11 ou 12 anos
em diante) existe a capacidade de construir provas lógicas cujas conclusões estão
relacionadas ao raciocínio dedutivo (PIAGET e INHELDER, 1976).

Muito tem se discutido sobre os riscos implícitos relacionados à propaganda merca-


dológica dirigida ao público infanto-adolescente e especialistas têm mostrado sua
vulnerabilidade e dificuldade para absorver os anúncios publicitários de forma críti-
ca e reflexiva como fazem os adultos (HENRIQUES, 2007: 15; BJURSTRÖM, 2000).

Com o hiperconsumo, o esgotamento dos recursos naturais e e a cobrança da sociedade


pela preservação do meio ambiente, as empresas inserem a sustentabilidade na pauta
de marketing, no escopo das estratégias de responsabilidade social. O “marketing
verde” não traz apenas consequências positivas, mas também novas formas de manipular
informação no interesse próprio, como o ecobranqueamento (greenwashing em inglês) cu-
jo objetivo é dar à opinião pública uma imagem ecologicamente responsável dos
serviços ou produtos, apesar da atuação contrária aos interesses ambientais e soci-
ais.

Bauman (2008, p. 73) afirma que “numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa
ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação”. Na discussão mundial sobre o
desenvolvimento sustentável, abordagens contemporâneas como o “consumo verde” têm si-
do muito criticadas por não questionarem o consumismo e as estruturas de produção e
distribuição. Operando através da transferência regulatória do Estado para o merca-
do, transferido para o “poder do consumidor”, tal proposta não valoriza a redução do
consumo, a descartabilidade e a obsolescência, mas a reciclagem, as tecnologias lim-
pas, a redução de desperdício e o mercado verde, em uma lógica de repasse do custo
ambiental ao consumidor.

O Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Instituto Alana (2012) no suplemento


“Consumismo infantil na contramão da sustentabilidade” visou a reflexão e mudança de
comportamento dos brasileiros[1]. Mas a Educação Ambiental e as políticas públicas
são insuficientes frente ao contexto das crianças e adolescentes:

[…] consumo em massa, o viver numa grande cidade, a solidão na multidão, a expansão
da comunicação pela mídia, a tecnificação e a informatização do nosso cotidiano e as-
sim por diante. Na verdade, modificam-se as condições em que a criança convive com
os outros e constrói seu mundo interno e o mundo das suas relações sociais. (CASTRO,
1998: 8).
2. Metodologia

O estudo, exploratório descritivo e quali-quantitativo, utilizou questionários estru-


turados e fechados, aplicados online por meio da ferramenta Google Docs a adoles-
centes entre 11 e 17 anos, residentes em São Paulo e Porto Alegre, divulgado na pági-
na do ISS (Instituto de Sustentabilidade Social) no Facebook e LinkedIn e por cor-
reio eletrônico para pessoas do relacionamento pessoal das pesquisadoras.

As questões versavam sobre o perfil social (sexo, idade, raça, cidade, tipo de casa,
número de cômodos, tipo de propriedade da casa e número de moradores), o perfil fi-
nanceiro (mesada, gastos adicionais, principal fonte de renda da família e renda fa-
miliar média – critérios da Secretaria de Assuntos Estratégicos[2]), os equipamen-
tos/acessórios possuídos pelo respondente, o grau de importância atribuído à posse
ou às suas características, o impacto da televisão e Internet na ocupação do tempo
livre (quantidade de horas diárias despendidas em tais opções), a importância da mar-
ca (calça, camiseta/blusa, tênis), o estilo musical e os principais temas discutidos
com os amigos. Finalmente, para identificar os valores essenciais do público-alvo e
contrastá-los com o discurso e quais elementos definem seu papel social no grupo,
foi apresentada uma lista de valores identificados como relevantes no contexto do es-
tudo, a serem analisados de acordo com a prioridade atribuída.

3. Resultados da pesquisa

O perfil social dos 30 respondentes consistiu em 37% masculino e 63% feminino, com
distribuição linear das faixas etárias, excetuando a de 13 anos, com menor represen-
tatividade; houve 70% de declaração de raça branca, 20% parda, 7% indígena e 3%
amarela; 67% residentes em São Paulo e 27% no Rio Grande do Sul e, inesperadamente,
1% nos Estados de Santa Catarina e 1% em Minas Gerais.

Nas condições de moradia, 57% residem em casa de rua definida como “normal” e 27% em
apartamento, com 63% das residências com 4 a 5 pessoas e 30% com 2 ou 3; 30% indicam
10 cômodos ou mais, 17% 6 cômodos e 27% entre 7 e 9 cômodos; 47% habitam casa
própria dos pais, 33% casa alugada e 17% própria da família (avós, tios, etc).

No perfil financeiro, a pesquisa identificou-se que 57% afirma não receber mesada,
23% recebem até R$ 80, 13% de R$ 81 a R$ 290 e 6% entre R$ 441 e R$ 1.020, sendo que
20% ignora a fonte de recursos mensais e não sabe o volume de gastos adicionais à me-
sada.

No que se refere à posse e valorização de equipamentos relacionados às Tecnologias


de Informação e Comunicação (TICs), a tabela a seguir demonstra alto grau de im-
portância atribuído àqueles que estão diretamente relacionados à possibilidade de co-
municação direta com outras pessoas, em especial o celular (80%) e a Internet banda
larga (97%).

Tabela 1. Percepção dos adolescentes sobre a posse e o grau de valorização de equipa-


mentos de TIC’s.

POSSE GRAU DE VALORIZAÇÃO

Uso
Não Uso Sem Pouca/ Muita/ Sem
Equipamento pessoal/ Indiferente
possui coletivo resposta nenhuma Indispensável resposta
quarto

Computador
de mesa 10% 53% 30% 7% 30% 23% 40% 7%
(PC)

Celular 10% 17% 73% 0% 20% 0% 80% 0%

Tablet 40% 33% 27% 0% 47% 13% 37% 3%

Laptop 23% 23% 53% 0% 23% 7% 63% 7%

Vídeo game 33% 37% 30% 0% 43% 23% 30% 3%

Ipod 73% 0% 27% 0% 60% 13% 23% 3%

Smartphone 53% 3% 43% 0% 40% 7% 43% 10%

Televisão –

canais 13% 57% 30% 0 27% 13% 57% 3%

abertos

Televisão –
canais 27% 53% 20% 0% 17% 27% 53% 3%

fechados

Internet
3% 77% 20% 0% 0% 0% 97% 3%
banda larga

Linha

telefônica 17% 77% 7% 0% 10% 13% 73% 100%


fixa

Média 28% 39% 33% 1% 29% 13% 54% 100%


Na ocupação do tempo, destaca-se que 43% afirmam passar mais de duas horas diárias
assistindo televisão e 80% o mesmo tempo por dia na Internet, dos quais, respectiva-
mente, 10% e 43% com mais de seis horas diárias nessas atividades.

Em relação aos atributos de um celular ou iphone, considerando sua relevância nesse


universo, foi solicitada a avaliação da importância de seus componentes essenciais,
sendo destaque a valorização dos aplicativos de comunicação (Facebook, Instagram,
What´s App, Twiter, Ask, etc – 77%), a versão mais moderna do Android ou Mac-OS
(60%) e a quantidade de megapixels da câmera (60%), necessários para a interação pes-
soal, mais do que o tamanho da tela (43%) e a altura máxima do som (47%), como demon-
stra o gráfico 1.

Gráfico 1. Valorização das funcionalidades/ atributos de equipamentos de telefonia


móvel (dados em porcentagem).

Nas preferências de consumo, destacaram-se, na amostra, os seguintes resultados:

Estilo de música – o funk é a preferência principal (23%), seguido de pop e


rock (ambos com 17%) e sertaneja (13%);
Assunto preferido tratado com amigos – namoros e paqueras (33%), seguido por
games (23%) e, com mesmo percentual, sexo e “coisas da escola” (10%);
Marca de roupa – embora 77% afirmem não se importar com a etiqueta da calça e
63% da camiseta/blusa, a marca de tênis aparece com relevante para 83% da popu-
lação pesquisada, com preferência pelos calçados das marcas Vans (27%), Nike
(23%) e All Star (17%).

Para o tratamento dos valores, as respostas foram agrupadas em três blocos: os dire-
tamente relacionados ao indivíduo e suas relações pessoais diretas (amor, amizade,
família, honestidade, paz e harmonia e respeito); o segundo os de natureza instrumen-
tal, para o atendimento das necessidades de natureza prática nas relações sociais (d-
inheiro, status, responsabilidade, trabalho, independência, segurança e poder) e o
terceiro os denominados “direitos difusos”, de natureza mais fluida (meio ambiente e
direitos iguais).

No grupo dos valores pessoais, destaca-se a valorização similar de amizade, honesti-


dade e respeito, classificados por 97% como muito importante ou indispensável, en-
quanto amor, paz e harmonia e família foram considerados nessa faixa por 93% dos re-
spondentes.

Os valores de natureza instrumental têm média geral de 67% como importante ou essen-
cial; no entanto, com extrema disparidade na escala valorativa, com concentração de
importância em segurança (93%), responsabilidade (87%) e trabalho (83%), muito próxi-
mos daqueles na faixa intermediária: dinheiro (77%) e independência (70%). Os demais
valores apresentam uma distribuição mais homogênea nas respostas e a valorização si-
tua-se nos extremos opostos: poder, com 34% e status com 27%, havendo, respectiva-
mente, 41% e 47% de respostas indiferentes.

Os valores relacionados aos direitos difusos apresentaram-se mais importantes para


87% no que se refere à isonomia de direitos e 73% em relação ao meio ambiente.

A família é destaque nos resultados, com reconhecimento por 73% como sinônimo de
amor verdadeiro ou fator de proteção (27%); sendo indicado por 37% como o mais impor-
tante, em contraponto com as demais opções: um bom trabalho no futuro (20%), amigos
verdadeiros (17%), dinheiro (10%), fama ou luxo (ambos com 7%).

4. Discussão dos resultados

Para Colombo (2012: 34) “[…] independentemente de seu poder aquisitivo, o sujeito
contemporâneo é levado a sentir desejo e necessidade de possuir bens de consumo, de
ter status, de usar roupas da moda”; Castro (1998: 49) argumenta que os jovens nor-
malmente “não têm meios, no caso o poder aquisitivo, para adquirirem eles mesmas os
serviços e os bens necessitando, portanto, da aquiescência dos pais para tornar o
consumo uma realidade”.

No perfil financeiro, embora exista subjetividade na percepção do respondente, a


pesquisa identificou-se que apesar de 57% afirmar não receber mesada, apenas 43%
assinalaram essa opção e apenas 10% responderam a questão relacionada aos gastos adi-
cionais dos pais além da mesada, o que pode indicar o recebimento de valores avulsos
de recursos não associados diretamente pelos respondentes.

Na amostra há uma indicação de baixa percepção sobre o valor do dinheiro pelos re-
spondentes, pois 20% indica não saber qual o valor adicional à mesada que os pais
utilizam para atendimento de suas necessidades e o mesmo percentual desconhece a
fonte de recursos familiar. Saliente-se que, quando comparada a média total das
questões relacionadas à mesada recebida e aos gastos adicionais realizados pelos
pais, 17% utiliza, para o atendimento de suas necessidades, somas superiores ao at-
ualmente definido como renda da classe média ou alta de acordo com a nova classifi-
cação nacional. Esse resultado assume importância especial quando avaliada em con-
traponto aos que afirmam não receber mesada (57%), na medida em que corresponde a
62% dos respondentes que recebem.

Em relação ao tempo dedicado à televisão e Internet, os pesquisados se encontram em


idade escolar, período no qual pelo menos quatro horas diárias são destinadas a assi-
stir aulas, além do período para realização de atividades escolares. Dessa forma, o
tempo diário restante para relacionamento com a família fica reduzido a um período
mínimo, em fase crucial para o desenvolvimento da personalidade e aprendizado de val-
ores. Santos (2003) sinalizava o uso indiscriminado e incentivado pelas famílias de
recursos eletrônicos, como a televisão, o computador e o videogame como alternativa
para os pais se ocuparem com os afazeres domésticos e profissionais.

Segundo Strasburger (2004), crianças e adolescentes americanos dedicam em média 6,5


horas por dia assistindo televisão, jogando vídeo game ou usando o computador. Sob
uma perspectiva frankfurteana, isso pode significar que a alienação inerente à di-
visão do trabalho presente na sociedade industrial tende a se estender ao lazer.

Segundo Lipovetsky (2007: 07), “a febre do conforto ocupou o lugar das paixões nacio-
nalistas e os lazeres substituíram a revolução” a partir da segunda metade do século
XX. Conforme coloca Yaccoub (2011: 201) “[…] não há dúvidas que há uma diferença,
sim, percebida no modo de vida ou estilo de vida de um determinado grupo que, após a
política econômica adotada nos anos 1990, pôde adquirir certos bens que antes só er-
am acessíveis aos grupos mais abastados”. A autora relata que jovens oriundos de es-
tratos sociais populares possuíam celulares e tênis da moda que foram comprados pe-
los pais através de parcelamentos, em estudo em uma comunidade em São Gonçalo/RJ,
pois “através da aquisição de determinados objetos, esses indivíduos se sentiam in-
cluídos, […], proporcionar conforto está especialmente relacionado à posse de
eletroeletrônicos” (YACCOUB, 2011: 202).

Linn (2006: 29) destaca que “a mídia tem o poder de influenciar, inclusive, valores
essenciais, como escolhas de vida, definição de felicidade e de como medir o seu
próprio valor”. A pesquisa de Zaluar (1999) relata que muitos meninos/garotos dos
morros e favelas, com armas de última geração nas mãos como símbolo de poder, comple-
tam sua imagem com um boné importado, inspirado no Movimento Negro da América do
Norte, ouvem música black ou rap americanas, roubam ou compram com recursos de fur-
to, um tênis Nike americano último tipo. O presente estudo mostrou que 67% dos ado-
lescentes valorizam as marcas americanas de tênis Nike, Vans e All Star.

Para Maslow, as necessidades humanas podem ser identificadas em cinco níveis de moti-
vação, iniciando por um caráter de manutenção da vida e terminando nos fatores de na-
tureza psicossocial: fisiológicas (alimento, água, sono, ar, abrigo dos elementos,
roupa e sexo), segurança e proteção (segurança física, ordem, rotina, familiaridade
sobre a vida e sobre o ambiente, saúde e a certeza), sociais (afeto, amor, relaciona-
mento, inclusão e aceitação nos grupos sociais), status/ego (autoafirmação, auto-a-
ceitação, sucesso e independência) e autorrealização (satisfação pessoal com a real-
ização de algo bem feito) (AGUIAR, 2001).

Tradicionalmente os bens são valorados por sua capacidade de atender às necessidades


e desejos humanos e, na sociedade moderna os equipamentos associados às tecnologias
de comunicação e informação adquiriram alto grau de valorização não apenas por sua
posse, mas associada à capacidade de aumentar o relacionamento entre as pessoas. No
caso específico da população infanto-juvenil, esse aspecto se torna prioritário nas
preferências de consumo, como relatado em estudo sobre a geração “Z”, população nas-
cida após 1990, assim denominada pela característica marcante de “zapear”.

No estudo realizado, a população respondente, classificada no conceito de geração


“Z”, os resultados apresentam coerência com o estudo de Braz e colaboradores (2011),
no que se refere à valorização dos equipamentos de TIC’s no atendimento da necessi-
dade de interação social com o grupo, de terceiro nível (inclusão e associação nos
grupos sociais). Na amostra desta pesquisa, há total valorização de importância do
dinheiro nas idades de 12, 13, 16 e 17 anos e a falta de conhecimento do valor do
dinheiro pelo fato de suas necessidades básicas serem satisfeitas pelos pais são
identificadas nas duas pesquisas, o que pode ser resultante das constantes ofertas
da mídia televisiva e telemática que criam a ilusão de basta o desejo por determina-
do produto para garantir sua posse.

Da mesma forma, status e poder atualmente não se apresentam como elementos rele-
vantes para esse público nas duas pesquisas – provavelmente pela falta de percepção
da importância no contexto social adulto – havendo coerência nos resultados também
no que se refere ao grande número de horas diárias acessando a Internet.

Os adolescentes do estudo de Braz manifestam repúdio por aqueles que não apresentam
um visual compatível com o grupo, embora na presente pesquisa somente o tênis tenha
sido identificado com alta valoração, o que pode indicar uma concentração deste
grupo no item de vestuário diretamente relacionado ao campo visual imediato na maio-
ria do tempo – passam grande parte do tempo “teclando no celular”. Esse aspecto se
coaduna com a visão de Adorno de que as pessoas são fruto da indústria cultural domi-
nante, assim como comprovam a teoria de Packard de que as estratégias mercadológicas
seriam cada vez mais acirradas e direcionadas em torno do ter e não do ser, utilizan-
do valores humanos artificialmente construídos ou ampliados.

O estudo de Grossi e Santos (2007) demonstra a influência da sociedade de consumo


nas decisões e nas aquisições de crianças e jovens e como isso interfere na formação
de valores, muitas vezes na contramão dos direitos sociais de cidadania ou
menosprezando laços afetivos; os resultados da presente pesquisa mostram o oposto.

Os presentes resultados demonstram que, embora ainda considerem valores humanos e so-
ciais básicos, como amor e amizade, aparentemente há uma sólida tendência de val-
orização dos bens utilizados pelos pais como mecanismos de preenchimento do tempo do
filho, na medida em que precisam adotar mecanismos que supram sua falta durante o
período de afastamento. Esse resultado alerta para que, caso não haja consciência
dos pais de que os bens materiais não substituem sua presença na formação infanto-ju-
venil, cada vez mais se cumprirá a afirmativa de Packard sobre a criação de valores
artificiais e a de Adorno, sobre a influência cultural sobre a formação, à revelia e
aquiescência subjetiva dos pais. Esse é um fator relevante a ser pesquisado com
maior grau de detalhamento em futuros estudos, na medida em que tendem a fomentar o
comportamento alienado.

Considerações finais
No início do século XX, os pensadores da Escola de Frankfurt criticavam aspectos co-
mo “ditadura da produção” e o desencantamento do mundo, onde passam a vigorar a
fetichização dos objetos, o isolamento entre os indivíduos, o jugo da máquina sobre
o homem e o trabalho e o lazer alienado, situação ainda atual cem anos depois.

A consolidação do sistema capitalista permitiu o rápido desenvolvimento tecnológico


do século XX e este, por sua vez, contribuiu substancialmente para que a mídia e os
meios de comunicação de massa ganhassem força, com o uso de estratégias empresariais
perniciosas.

Pessoas sem condições financeiras suficientes para o supérfluo, para manter um sta-
tus social valorizado no contexto social no qual se inserem, estão cada vez mais sen-
do influenciadas por estímulos ambientais e culturais de natureza capitalista e mer-
cantilista.

O consumidor hipermoderno se utiliza dos objetos como valores exteriores de signifi-


cação, não no jogo da luta de classes, mas como signo que remete à sua própria perso-
nalidade e individualidade, abrindo mão, de forma consciente ou não, de valores
essenciais que comprometem seu desenvolvimento como ser humano integral.

A força e eficiência dessa estratégia psicológica e as estratégias de marketing con-


taram com o apoio de psicólogos renomados conhecedores da teoria freudiana do dese-
jo, assim como daqueles dedicados a fomentar o consumo como parte do valor humano,
cada vez mais explorada em prol dos interesses capitalistas.

A temática do consumo e da cultura de consumo sob a ótica da Teoria Crítica se mos-


tra cada vez mais atual considerando os aspectos culturais, econômicos, políticos,
sociais e psicológicas; no entanto, ainda se fazem necessárias muitas pesquisas e
análises para entender seu reflexo nos valores dos adolescentes de grandes
metrópoles.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

ADORNO, T.W. Textos Escolhidos – Adorno Vida e Obra – Conceito de Iluminismo (Em
parceria com Horkheimer). Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural.
1999.

ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Za-


har. 1985.

AGUIAR, R.M. A hierarquia das necessidades de Maslow em estudantes de diferentes cur-


sos universitários. s/n SP, 2001, <http://www.excelenciaemgestao.org/Portals/2/docu-
ments/cneg7/anais/T11_0393_1671.pdf>. [Consulta: 07 de agosto de 2013].

BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação de pessoas em mercadoria. Rio de


Janeiro: Zahar, 2008.

BJURSTRÖM, E. A criança e a propaganda na TV: um estudo crítico das pesquisas inter-


nacionais sobre os efeitos dos comerciais da TV em crianças. Interverbum (trad.). 2ª
ed. Kalmar: Conselho Nacional Sueco de Políticas de Consumo, 2000.

BRAZ, P.H.; FREY, E.H.; CRUZ, M.R.; CAMARGO, M.E. “Consumo da Geração “Z” Estratifi-
cado a Partir das Necessidades Humanas de Maslow”. En: VII Congresso Internacional
de Excelência em Gestão, 12 e 13 de agosto de 2011, <http://www.excelenciaemges-
tao.org/Portals/2/documents/cneg7/anais/T11_0393_1671.pdf>. [Consulta: 31 de agosto
de 2013].

CASTRO, L.R. Infância e Adolescência na Cultura do Consumo. 1ª ed. Rio de Janeiro:


Nau, 1998.

COLOMBO, M. “Modernidade: a construção do sujeito contemporâneo e a sociedade de con-


sumo”. Rev. bras. psicodrama, São Paulo, v. 20, n. 1, jun. 2012.

CORDEIRO, E.F.; GAMERO, P.D. “As novas relações de consumo à luz da Teoria Social
Contemporânea”. En: XV SIICUSP – Anais do 15º Simpósio Internacional de Iniciação
Científica da USP, 2007. <http://nmd.ufsc.br/files/2011/05/SIICUSPAs-novas-rela-
coes-de-consumo-a-luz-da-teoria-social-contemporanea.pdf>. [Consulta: 05 de setembro
de 2013].

GROSSI, P.K.; SANTOS, A.M. “Infância comprada: hábitos de consumo na sociedade con-
temporânea”. Revista Textos & Contextos Porto Alegre, v. 6, n. 2, pp. 443-454.
jul./dez. 2007.

HENRIQUES, I.V.M. Publicidade abusiva dirigida à criança. 2ª ed. Curitiba: Juruá,


2007.

LINN, S. Crianças do consumo: infância roubada. Cristina Tognelli (trad.). São Pau-
lo: Instituto Alana, 2006.

LIPOVETSKY, G. A Felicidade Paradoxal: Ensaio dobre a sociedade de hiperconsumo. Lis-


boa: Edições 70, 2007.

PACKARD, V. Estratégia do desperdício. São Paulo: Ibrasa, 1965. Título original: The
Waste Markers. 1960.

PACKARD, V. Nova Técnica de convencer. 5ª ed. São Paulo: Ibrasa, 1959. Título origi-
nal: Hidden Persuaders. 1957.

PIAGET, J.; INHELDER, B. Da Lógica da Criança a Lógica do Adolescente. São Paulo:


Ed. Pioneira, 1976.

SANTOS, A.M. “Obesidade Infantil: excessos na sociedade”. Boletim da saúde. Rio


Grande do Sul, v. 17, n. 1, pp. 98-104, 2003.

STRASBURGER, V. C. “Children, adolescents and the media”. Curr. Probl. Pediatr. Ado-
lesc. Health Care, v. 34, pp. 54-113, 2004.

VEBLEN, T. The theory of the leisure class. 1a edição de 1899. New York: The Modern
Library, 1934.

YACCOUB, H. “A chamada “nova classe média”: cultura material, inclusão e distinção


social”. Horiz. antropol. [online], v.17, n.36, pp. 197-231. 2011.

ZALUAR, A. A “Globalização do crime e os limites da exclusão local”, en SANTOS, José


Vicente Tavares dos (org.). En: Violência em tempo de globalização. São Paulo: Edito-
ra Hucitec, 1999.

[1]
http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/Arquivos/downloads/ebooks/caderno.pdf

[2]
http://www.sae.gov.br/vozesdaclassemedia/wp-content/uploads/Relat%C3%B3rio-Defini%C3
%A7%C3%A3o-da-Classe-M%C3%A9dia-no-Brasil.pdf.>.

Você também pode gostar