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Eugenia à Brasileira: Os discursos eugênicos nas páginas do jornal Diário dos

Campos, 1908-1921
Isaias Holowate1
Resumo:
No início do século XX, a sociedade ponta-grossense passou por um período de intensas
transformações sociais e culturais. Nessa época, uma série de ideias consideradas como
científicas foram importadas, apropriadas e ressignificada por grupos locais para atender
seus interesses de explicação e transformação de sua realidade. Uma dessas ideias foi a
eugenia, um movimento científico e social surgido na Inglaterra que tinha como objetivo
o aprimoramento da espécie humana através da seleção dos genitores. No meio local, a
eugenia, ressignificada ao meio local e amalgamada com diversos conceitos presentes na
identidade da população, foi utilizada de forma a atender às necessidades de uma
burguesia recém ascendida ao poder, dando origem a diversas ressignificações, de forma
com que entre o discurso sobre a eugenia no meio local e internacional existiram uma
série de divergências. Com o objetivo de estudar a produção dessas ressignificações sobre
a eugenia na sociedade ponta-grossense, o trabalho parte dos pressupostos da História das
Representações e utiliza como fonte as publicações do jornal local Diário dos Campos.
O trabalho será conduzido através de um levantamento dos discursos sobre a eugenia na
sociedade ponta-grossense, analisando suas representações e relações com o movimento
eugenista nacional e internacional.

Palavras-chave: Eugenia; Representações; Ressignificações.

Introdução
A presente pesquisa busca estudar os discursos produzidos sobre a eugenia na
sociedade ponta-grossense, utilizando-se das publicações do jornal O Progresso/Diário
dos Campos, enfocando o período de presença do jornalista carioca Hugo dos Reis no
jornal, entre 1908 e 1921. Busca-se compreender as características, ressignificações e os
usos que a eugenia teve ao ser representada por um grupo de intelectuais do meio social
ponta-grossense.

1
Mestrando em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Mail: isaiasholowate@gmail.com
A escolha por pesquisar sobre o periódico durante a passagem de Hugo dos Reis
ocorre porque nessas edições encontram-se produzidas pelos colaboradores do jornal uma
diversidade de representações sobre as mais variadas questões sociais do país, inclusive
da eugenia. Entre esses colaboradores da publicação havia a presença de diversos
intelectuais locais2 pertencentes a uma classe letrada, burguesa e defensora de ideais
progressistas da sociedade paranaense.
Utilizando-se de fontes jornalísticas nessa pesquisa, compreende-se o jornal como
uma é uma ferramenta que constrói uma realidade (ALSINA, 2009, p.45), atuando como
um instrumento político de legitimação e de contestação social “tendo a capacidade de
mobilizar ou de garantir a construção subjetiva do informado” (PONTES e SILVA, 2012,
p. 52).

Ponta Grossa no início do século

No início do século XX, a sociedade ponta-grossense passou por um período de


intensas transformações sociais, políticas, econômicas e culturais. A população da cidade,
que constava em 4774 habitantes de acordo com o Censo de 1890, saltou para 20771 no
Censo de 1920 (PINTO, 1980, p. 61).
O aumento populacional ocorreu em consonância com a modificação do espaço.
Anteriormente interiorana e dependente do meio rural, a cidade passa cada vez mais a
identificar-se como um núcleo próprio, um símbolo da pujança e do progresso do meio
local. Nesse período se estabeleceu uma distinção mais clara entre o rural e o urbano
(PEREIRA, 1996, pp. 97-115), criando-se com a urbanização e a industrialização um
sentimento de identidade urbana. A atuação na cidade, associado cada vez mais à riqueza
e ao progresso, acentuava e diferenciava o meio rural da urbanidade ponta-grossense. Tal
como afirma Zulian (1998, p. 40):

Transformações sensíveis na estrutura social e econômica vão se evidenciando


na Ponta Grossa do fim do século, que se manifestam na concentração urbana
e em contraste com a dispersão rural de proprietários em busca de outro tipo

2
Utiliza-se da conceituação defendida por Chaves e Karvat (2013, p. 2), para os intelectuais locais como
“notadamente escritores, que se pautando em diferentes leituras, autores e referências, participaram
ativamente das discussões locais”. Essa definição é relacionada com a definição de intelectuais regionais,
presentes na obra de Vilhena (1996) que defende a existência de uma intelectualidade regional que
ressignificava e debatia os conceitos científicos no início do século XX.
de atividade. Em função destas transformações, Ponta Grossa, que parecia
confundir-se com o campo que a invadia, assume “ares de cidade”.

A construção de uma identidade local ocorreu em um período de ascensão das


disciplinas científicas. Nessa época, uma série de discursos foram imiscuídos em questões
locais. Através deles, alguns grupos buscavam explicar o funcionamento do ser humano
na sua individualidade e na atuação em grupo através de regras científicas.
A ascensão das ciências foi o responsável, por exemplo, pela promoção da
Medicina e do Direito como disciplinas de maior poder nas disputas científicas e sociais.
Os avanços na ciência médica permitiram a descoberta de diversas doenças e seus
respectivos tratamentos, promovendo melhoria na saúde e qualidade de vida de grande
parte da população. O crescimento da área de atuação dos médicos e juristas, que
anteriormente disputavam espaço com a cultura consuetudinária, significou uma
transformação cultural e social, pois passaram a controlar, ordenar e modificar a vivência
de diversos grupos da população.
A ascensão das disciplinas científicas e a sua imiscuição nas áreas sociais
envolveu também o surgimento e utilização de teorias científicas que buscaram explicar
e aprimorar o funcionamento do meio social e que produziram resultados catastróficos.
O racismo científico e a eugenia são alguns deles.

A ascensão da eugenia

O preconceito relativo ao pertencimento a culturas diferentes, embora antigo e já


utilizado em diversas ocasiões para legitimar a escravidão, passou a partir da ascensão do
racismo científico, a ser utilizado como um critério supostamente científico de diferenciar
os seres humanos. Cada grupo, denominado genericamente como raça passou a receber
características próprias de forma a valorizar ou desvalorizar determinados grupos. Com
o refinamento das teorias, os subgrupos também receberam valorações. Por exemplo,
grupos de europeus ingleses eram valorizados pela sua pontualidade, germânicos pela
disciplina e indivíduos da África subsaariana, como nigerianos e senegaleses recebiam
epítetos de violentos, sexualizados e irracionais (LINNAEUS, 1758, p. 21). Essas
caracterizações dos indivíduos a partir do racismo, iriam permanecer nas sociedades
ocidentais, e inclusive na brasileira, representando uma das chagas sociais cuja solução
se apresenta como das mais complicada, e leva até mesmo em pleno século XXI, a
dificuldades da sociedade superar o racismo e as consequentes valorações que grupos
sociais estabelecem entre indivíduos oriundos das diferentes regiões do país.
Já a eugenia, surgiu a partir das teorias do antropólogo inglês Francis Galton. Seus
princípios embasavam-se em descobertas científicas da época e privilegiavam a
importância da aplicação na sociedade dos fundamentos eugenistas. Segundo Galton
(1868, p. 1), as características humanas - sociais, intelectuais - eram transmitidas
biologicamente e, portanto, a eugenização deveria ocorrer a partir do aprimoramento pela
seleção das características hereditárias desejáveis a partir de cruzamentos selecionados,
tanto estimulando que grupos com atributos superiores cruzassem entre si, quanto
evitando que indivíduos julgados como “inferiores” proliferassem.
Nessa teoria nota-se a influência da teoria da seleção natural de seu primo, o
naturalista Charles Darwin (DARWIN, 1859), que defendia que em um ambiente, os mais
aptos se reproduziriam melhor e sobreviveriam. Porém em um meio de ascensão do
racismo de dos nacionalismos, a teoria galtoniana, que por si, buscava embasar-se
principalmente na biologia e nas áreas médicas para uma atuação no meio social, foi
ressignificada em diversas regiões do globo de forma a atender aos interesses locais
(BLACK, 2003).
A historiadora Nancy Stepan (2005, p. 123), ao apontar para os diferentes
significados que a eugenia adquiriu, afirma que “a leitura feita dependia das
circunstâncias locais e de fatores ideológicos”. Sobre essas transformações no processo
de apropriação dos signos, o historiador Roger Chartier (1990, p. 52), afirma que:

A passagem de um sistema de representações a outro pode, desde logo, ser


entendida simultaneamente como uma ruptura radical (nos saberes, mas
também nas próprias estruturas do pensamento) e como um processo feito de
hesitações, de retrocessos, de bloqueios [...].

As particularidades da cultura deram origem a peculiaridades nas representações


sobre a eugenia, como por exemplo, as discussões sobre a miscigenação, alvo de
constantes debates na eugenia brasileira. No Brasil do início do século XX, os ideais
cientificistas estavam em um processo de fortalecimento e o racismo era uma ferramenta
amplamente usada para explicar o suposto “atraso brasileiro” em relação às nações mais
desenvolvidas, tal como defende a historiadora Lília Moritz Schwarcz (1993, p. 14) ao
afirmar que no Brasil, o “cruzamento de raças era entendido, com efeito, como uma
questão central para a compreensão dos destinos dessa nação”.
As recentes pesquisas sobre a eugenia (SILVEIRA, 2005; STEPAN, 2005;
STANCIK 2006; JANZ JUNIOR, 2011) apontam para a existência de uma diversidade
de debates sobre o tema no Brasil. Tais discussões caracterizam-se por sua
heterogeneidade de representações e ressignificações do pensamento eugênico, e segundo
Stepan (2005, p. 90) “O estilo eclético de boa parte das obras sobre a eugenia [...] indicam
que muito poucos médicos viam qualquer incompatibilidade entre o neolamarckismo1 e
outros tipos de hereditariedade”.

Discursos eugenistas em Ponta Grossa

As páginas do jornal Diário dos Campos no período de 1907 a 1921 apontam


para o fato de seus colaboradores se afinarem com diferentes perspectivas nos debates
sobre questões relativas ao aprimoramento da raça. Os colaboradores do periódico
colocaram em pauta diversas questões como a existência de raças, suas qualidades e
deficiências, a possibilidade de evolução natural da raça e sua decadência, os motivos que
levariam a isso e a possibilidade de promover a evolução da raça brasileira em direção a
uma perfectibilidade, por diversas formas.
Entre a população da classe média urbana ponta-grossense que publicava sua
forma de pensar as questões sociais do Brasil no início do século XX havia uma
diversidade de representações em relação à formação da raça brasileira. Alguns
colaboradores do periódico como Francisco Barbosa Maciel3 publicam artigos
demonstrando um pessimismo em relação à evolução racial. Outros acreditam no futuro
da nação4, que aos poucos alcançaria o ideal eugênico.

3
Maciel, era pessimista com relação à utilização apenas de práticas raciais para promover o aprimoramento
racial e, entre dezembro de 1915 e fevereiro de 1916, defendeu em uma série de artigos, com o título “A
germanização do Sul do Brasil”, que era necessária também uma eugenia cultural, baseada na alemanização
da cultura dessa região, como única forma de através da eugenização racial e cultural da população,
conseguir a melhoria das futuras gerações.
4
Do mesmo período do posicionamento de Maciel, tem-se a postura de Flávio Carvalho Guimarães, com
relação ao tema. Guimarães defende um determinismo geográfico em relação à eugenização da população.
Sua frase marcante, sobre as questões eugenicas é que segundo ele, a questão racial no Brasil “Não é um
mal hereditário. Ao contrário, todo homem é preso às leis mesológicas. A sociologia é tudo. A Biologia
entra como excessão.” (GUIMARÃES, 12 jan. 1916, p. 1)
Em certos casos, as declarações de jornais estrangeiros em relação à formação
racial brasileira eram tomadas como uma afronta aos brios da população morigerada
ponta-grossense. O editorial, intitulado “Como a imprensa Alemã agride a nação
brasileira” transcreve uma suposta matéria de um jornal alemão, reproduzida Diário dos
Campos trazendo uma representação que tratava a população como racialmente inferior,
degenerada e controlada por “taras morais”. Os termos reproduzidos evocam que o
discurso do jornal alemão afirmava um discurso de inferioridade racial brasileira. Esse
discurso era - na mesma matéria - negado por Hugo dos Reis, que afirmava uma
ilegitimidade dos estrangeiros em criticar a situação brasileira, e que esse discurso alemão
deveria ser tomado como afronta à honra da população. Essa suposta matéria era
percebida como uma afronta ao nacionalismo da população de brasileira e serviu para
insuflar a população contra os alemães por ocasião da entrada do Brasil na 1ª Guerra
Mundial. Ora, de acordo com esse editorial, os estrangeiros, não seriam dotados de
legitimidade para “rebaixar a raça brasileira”, mesmo que os “problemas raciais” fossem
reconhecidos. (DIÁRIO DOS CAMPOS, 10 jul. 1917, p. 1.)
O uso dos termos relativos à raça foi abundantemente empregado nas publicações
do periódico, sendo essa uma das questões preponderantes no discurso do jornal, presente
direta e indiretamente na maior parte das suas edições. Suas páginas funcionaram como
um espaço para que debates e diatribes entre os colaboradores ocorressem com o objetivo
de questionar e propor soluções ao problema brasileiro da raça, que era naquela época
uma das pautas centrais na formação da identidade brasileira.
Os colaboradores do jornal mantinham uma preocupação constante nos seus
editoriais em dialogar com os discursos científicos que estavam em destaque naquele
período. Citam constantemente nos seus escritos dos famosos pensadores da raça naquele
momento:

[...] fale o pediatra Fernando Figueira, doutrinando os discípulos na Faculdade


do Rio: tem estudado os sociólogos os efeitos das raças fortes em contato com
as fracas: esta dito que aquelas predominam. Todos os países, diz Gustave Le
Bon, que apresentam um excessivo numero de mestiços, estão votados, só por
este motivo, à perpétua anarquia, desde que não estejam governados por mão
de ferro. [...] tal será fatalmente o caso do Brasil, conta apenas com um terço
de brancos, sendo o resto da população constituída por negros e mulatos”.
(MACIEL, 31 mar. 1916, p. 1)
Essas constantes alusões aos pensadores da raça na publicação demonstram a
existência de uma apropriação do discurso científico por parte dos colaboradores.
Contudo, as ideias raciais foram ressignificadas por esses pensadores ponta-grossenses
de forma a atender às questões e expectativas desses homens no meio social em que
viviam. Numa Ponta Grossa miscigenada e recém-saída do período da escravidão, um
pensamento eugenista baseado no mendelismo, como no caso estadunidense, certamente
não condizia com a situação dessa sociedade.
Por conseguinte, a forma com que a eugenia é representada nesse periódico
buscou atender às demandas de um grupo de pensadores locais, que na situação social e
cultural daquele momento histórico pensavam serem necessárias determinadas práticas
de eugenia para a suposta “evolução da raça”. Um exemplo, de como os pensadores
eugenistas ponta-grossenses adaptam o discurso às necessidades locais pode ser
observado na oposição que a representação da eugenia de Maciel, - que defendia uma
inferioridade racial e cultural brasileira - sofre por parte de outros colaboradores.
Junqueira e Guerra, acusa Maciel de “impatriótico”, por apoiar esse discurso de
inferioridade brasileira, como observa-se nessa citação:

Dr. Barbosa Maciel, para se tornar notável, na História contemporânea


espezinha e degrada a raça a que pertence. S.s. num açodamento
comprometedor, consciente da sua fraqueza, visto como é um scientista, e de
antemão sabe a influencia a que obedece, nega de maneira odiosa e falsa, os
característicos componentes da nossa raça, deixando-os numa penumbra
ridícula, com o intuito preconcebido e torpede fazer prevalecer sobre nós os
caracteres hereditários de uma outra raça. (JUNQUEIRA E GUERRA, 29 mar.
1916, p.1)

Em Ponta Grossa, o pensamento eugenista serviu para legitimar os discursos


usuais de separação e segregação cultural e social dos que não pertenciam à cultura de
“homens de bem”. Além disso, a cientificidade - oriundo da “sciencia sociologica” como
no artigo de F. Barbosa Maciel da eugenia naquele momento histórico legitimava o
posicionamento dos colaboradores do jornal sobre as diversas questões sociais pertinentes
aos ponta-grossenses, como a miscigenação, os venenos raciais e a falta de instrução da
população pobre e recém imigrada para a cidade.5

5
Em um momento de fortalecimento do discurso científico, apoiar-se na Ciência legitimava o discurso
proferido e legitimava aquele que discursava. Nas páginas do periódico, observa-se a presença constante
de profissionais que possuíam a legitimidade e o poder simbólico para proferir tais discurso. É constante,
Apesar das posições divergentes existentes entre as representações que os
colaboradores do periódico tinham em relação ao que seria a questão racial, e
especificamente a questão racial brasileira, encontra-se algumas convergências de
pensamento, o que se deve em parte à postura de Hugo dos Reis. Um dos principais
colaboradores do jornal, Junqueira e Guerra (29 mar. 1916, p. 1) faz um elogio à
personalidade discursiva em relação à questão da raça dos escritos de Hugo:

Hugo seria incapaz, de asseverar num escrito assinado que os princípios


preponderantes da raça brasileira são herança do negro., isto é, o servilismo e
a subserviência, porquanto erudito como é, deve saber que os cimentos
componentes da nossa raça não se restringem a esses dois fatores de
inferioridade patente.

Reis se posiciona de forma contrária a determinados cruzamentos raciais,


principalmente em relação à miscigenação da raça branca com a negra e indígena, que
segundo ele, eram inferiores. Contudo, seu discurso sobre o aprimoramento racial
apresenta algumas diferenças significativas em relação ao pensamento eugenista de
Galton. A ideia de que a hereditariedade determinaria a evolução não encontra apoio no
seu pensamento eugenista. Prefere apoiar-se nas leis de determinismo sociológico sobre
a questão racial, apoiando-se na teoria de que em um determinado meio – clima,
vegetação e outras dificuldades adaptativas – determinam a possível existência e evolução
de um povo.
Na maioria das representações locais, a questão da eugenia esteve ligada ao
aprimoramento do meio natural e social através da preocupação com relação a uma série
de fatores que determinariam a condição da população. Eles acreditavam que o brasileiro
era uma raça em formação, que atingiria a perfectibilidade através do cruzamento –
europeia, africana e indígena – formando uma raça branca superior. Porém, para que esse
objetivo fosse atingido, alguns problemas existentes deveriam ser eliminados. Esses
entraves eram conhecidos como os “venenos raciais’.
Segundo os cientistas e médicos do período, os venenos raciais eram uma série de
males que ameaçavam a marcha da raça brasileira rumo à perfectibilidade. Compunha-se

entre os colaboradores, a presença de profissionais do Direito, Medicina, Àreas Educacionais e Políticas.


O posicionamento sobre o aprimoramento racial, embasado em autores como Lombroso, Galton, Romero,
entre outros, legitimava discurso dos colaboradores, mesmo que essas representações se distanciassem do
pensamento desses autores.
dos elementos no meio que prejudicavam o desenvolvimento da raça, tais como o tifo, a
febre amarela e a sífilis, a má qualidade da água, e do ar, a prostituição, o alcoolismo, os
jogos de azar, e a “vagabundagem”.
Desses diversos males que caracterizavam a degeneração, a existência de
prostíbulos que atuavam à luz do dia era um dos mais atacados pelos colaboradores, pois,
a prostituição era considerada um dos maiores problemas da cidade. A atuação das casas
de prostituição é tema deste editorial de 1913:

A dissolução dos costumes que anda a par e passo do progresso e da riqueza


publica, vae ganhando Ponta Grossa. Não poucas mulheres têm sido arrastadas
á prostituição, seduzidas pelos palavreados insinuantes dos cafténs que as
levam para a abjeção do lupanar, em que impera um vício baixo, sujo,
repugnantes, animalizado, bestialmente estúpido. (DIÁRIO DOS CAMPOS,
7 jan. 1913, p. 1.)

No mesmo editorial, é afirmado que a existência de “duas casas de perdição bem


no centro de Ponta Grossa” (DIÁRIO DOS CAMPOS, 7 jan. 1913, p. 1) representava
uma ameaça aos “bons costumes” da população morigerada da cidade. A prostituição era
considerada como a destruidora das famílias e do futuro da sociedade.
A existência dos males que impediam o processo de melhoramento das pessoas
era tomada pelos colaboradores do Diário dos Campos como uma das principais causas
da degeneração da sociedade ponta-grossense. A inação do Estado, que durante todo o
período analisado, não institucionalizou medidas visando impedir a proliferação desses
problemas considerada por seus defensores, como mais uma dificuldade para a cruzada
eugenista.
Mesmo sem esse apoio, diversos cientistas se propuseram a apresentar soluções
para o problema do atraso racial brasileiro e no contexto local, da população ponta-
grossense, como demonstra as páginas do Diário dos Campos, onde a presença de
discursos defendendo a possibilidade de aprimoramento racial foram amplamente
veiculados.
Nessa cidade, as propostas de atuação se caracterizaram, como já vimos, por ações
de políticas de branqueamento e combate aos venenos raciais. Complementarmente,
propunham estímulos à instrução e ao higienismo. Os defensores de práticas eugênicas
buscavam combater a miséria e o “atraso” civilizacional da população, de forma a impedir
que os males existentes passassem para as futuras gerações.
Considerações finais

Nas páginas do Diário dos Campos, entre os anos de 1908 e 1921, diversos
personagens publicaram discursos sobre a questão da eugenia, posicionando-se de
diversas formas em relação ao debate que se construía. Alguns compactuam com os
princípios da existência de uma população degenerada no país, como é o exemplo de J.
Eleutério da Luz ao afirmar que “o brasileiro é por definição desobediente às leis, incapaz
de pensar no melhor da sociedade”. (LUZ, 2 set. 1919, p. 1). Outros, como Junqueira e
Guerra defendiam que o processo de evolução da raça era dinâmico, sendo que “uma raça
qualquer [...] não pode estacionar: ou evolue ou degenera. (JUNQUEIRA E GUERRA,
17 abr. 1916, p. 1)
Através da leitura das fontes também é possível perceber que, na visão da maioria
dos colaboradores do jornal, as alterações eugenistas ocorreriam através da influência do
meio na sociedade. Para que houvesse o aprimoramento da população, seria necessário,
que o meio social em que esses indivíduos habitavam recebesse a interferência adequada.
Da mesma forma, a não-atuação provocaria o aumento dos males que causavam a
degeneração da população.
A variedade dos discursos e das práticas que os eugenistas propunham apontam
para a diversidade do pensamento eugenista ponta-grossense. Como vimos, esses
discursos não descartavam a presença da eugenia mendelista também, funcionando como
um amálgama do neolamarckismo e mendelismo
Nesse sentido é possível afirmar que as condições culturais da sociedade ponta-
grossense permitiram a existência, nas páginas do periódico, de representações eugenistas
que se baseavam em um amalgamento entre princípios de eugenia mendelistas e
neolamarckistas, havendo inclusive uma preponderância de princípios neolamarckistas.
Pode-se relacionar isso ao princípio defendido por Stepan (2005, p. 82) de que não
agradava aos pensadores brasileiros – e este trabalho também demonstra que não agradava
a muitos ponta-grossenses - uma teoria eugenista propriamente dura, pautada na
hereditariedade biológica das condições superiores da raça, pois isso impedia a ação dos
seres humanos para o melhoramento racial.
FONTES

Diário dos Campos. Como a Imprensa Alemã agride a nação brazileira. Ponta Grossa,
10 jul. 1917, p. 1.

______ . O cafetismo em Ponta Grossa. Ponta Grossa, 7 jan. 1913, p. 1.

GUIMARÃES. Flávio Carvalho. Carta aberta. Diário dos Campos. Ponta Grossa, 12
jan. 1916, p. 1.

JUNQUEIRA E GUERRA. Bennot falsificado – caçador caçado – caso Maciel versus


Júlio Xavier. O que pensa, longe das paixões actuais, alguém que observou o duello
ferido em Ponta Grossa. A philosophia de Hugo. Diário dos Campos. Ponta Grossa, 29
mar. 1916, p. 1.

______ . Enscenação Superflua: Besoiro escrevinhador. Diário dos Campos. Ponta


Grossa, 17 abr. 1916, p. 1.

LUZ. J. Eleutério da. Em pról da riqueza da pátria. Diário dos Campos. Ponta Grossa,
2 set. 1919, p. 1.

MACIEL. F. Barbosa. A germanização do sul do Brazil (conclusão). Diário dos


Campos. Ponta Grossa, 27 dez. 1915, p.1.

______ . Segunda epístola à Hugo dos Reis. Diário dos Campos. Ponta Grossa, 31 mar.
1916, p. 1.

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