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CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O PAPEL SOCIAL DA EDUCAÇÃO

NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Raquel Dias Araujo 1

Resumo

O presente texto se insere no debate acerca da complexa relação entre educação e


sociedade no contexto do advento do capitalismo. O trabalho é fruto das reflexões
que temos empreendido nos últimos anos no âmbito da disciplina Política e
Planejamento Educacional, como docente do Curso de Pedagogia da Universidade
Estadual do Ceará – UECE e, mais especificamente, como resultado mais imediato das
discussões realizadas no espaço coletivo do Grupo de Estudo Marxismo e Educação,
abrigado no Centro de Educação da UECE, realizado sob nossa coordenação. Trata-se
de uma reflexão de natureza teórica, na qual a problemática é enfrentada à luz da crítica
marxista, ancorada na contribuição dos autores clássicos, tais como, Marx (1993, 1996a,
1996b), Marx e Engels (2009, 2004), Lênin (2005), bem como dos contemporâneos que
têm se dedicado ao estudo do fenômeno educacional, a saber, Mészáros (1981, 2005),
Saviani (2003), Horta (1985), Tonet (2003), Freitas (2003), Arce (2001), dentre outros.
Assumimos como objetivo central compreender o papel social da educação na
sociedade capitalista, buscando identificar os limites e as possibilidades de intervenção
desse complexo social no processo de construção da emancipação humana.

Palavras-chave: Educação, Sociedade, Capitalismo, Limites e Possibilidades.

Capitalismo, Estado e Educação: Primeiras Aproximações

A marca fundamental da sociedade capitalista é a relação de antagonismo


entre capital e trabalho, a divisão da sociedade em duas classes fundamentais, a
burguesia e o proletariado, conforme indicaram Marx e Engels, no Manifesto
Comunista (2009). A burguesia, como detentora dos meios de produção, explora,
domina e oprime a classe trabalhadora, que se vê obrigada, nas condições estabelecidas
pela classe economicamente dominante, a vender a sua força de trabalho em troca de
um salário que não atende nem as necessidades mais básicas, aquelas votadas à própria
reprodução da força de trabalho.

Nessa relação entre capital e trabalho, a minoria – a burguesia – domina a


maioria – a classe trabalhadora, sob o manto da democracia, velando as suas reais
intenções, a saber, manter-se como classe econômica e politicamente dominante e

1
Professora Adjunta do Centro de Educação – CED da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Doutora
em Educação. Coordenadora do Grupo de Estudo Marxismo e Educação – CED/UECE. Membro do
Comitê Científico da Revista Dialectus – periódico científico do Eixo Marxismo, Teoria Crítica e
Filosofia da Educação, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da
Universidade Federal do Ceará – UFC. Colaboradora do Eixo Marxismo, Teoria Crítica e Filosofia da
Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da UFC.
manter a classe trabalhadora sob sua dominação. Mas há uma pergunta que não quer
calar: como pode uma minoria se sobrepor a uma maioria esmagadora? O que explica
essa dominação?

Para manter essa estrutura econômica baseada na relação assalariada de


produção, a burguesia constituiu um instrumento regulador da sociedade, o qual assume
a função de estabelecer um modus vivendi para toda a sociedade, criando regras,
normas, formas de conduta, valores, idéias, as quais são reproduzidas e controladas
através das instituições políticas, jurídicas e militares que compõem o Estado burguês.
Sobre esse aspecto, é bastante elucidativa a citação de Marx e Engels (2009, pp. 38-9)
sobre o papel do Estado moderno:

Cada passo no desenvolvimento da burguesia foi acompanhado por


um avanço político correspondente desta classe [...] a burguesia, desde
o estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial,
conquistou para si mesma, no Estado representativo moderno,
influência política exclusiva. O governo do Estado moderno não é
senão um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a
burguesia.
Dessa forma, o Estado age por meio de sua função ideológica – com o fim
de reproduzir a ideologia dominante como a ideologia do conjunto da sociedade – e de
sua função repressiva – para controlar os trabalhadores quando estes não são
convencidos da ideologia dominante e reagem contra o governo, o regime ou o sistema.
Lênin (2005, p. 31), na esteira das elaborações marxianas acerca do Estado, ressalta que
o “[...] exército permanente e a política são os principais instrumentos do poder
governamental”.

Dentre as instituições que compõem o Estado e cumprem função ideológica,


encontra-se a escola. A escola, na sociedade capitalista, assume duas funções principais,
conforme ressalta Mészáros (1981): preparar a mão de obra para o mercado e reproduzir
a ideologia dominante. Em outro momento, ratifica a premissa aludida ao concluir que:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos,


serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os
conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em
expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um
quadro de valores que legitima os interesses dominantes [...]
(MÉSZÁROS, 2005, p. 35) (Grifo do autor).
Há que se ressaltar que essas funções não se realizem sem contradições. A
escola reflete no seu interior as contradições de classe, embora assuma um papel
predominantemente reprodutor das relações sociais de produção.
A instituição escolar na sua origem já se define pelo seu caráter de classe.
Na Grécia Antiga, a escola aparece, pela primeira vez na história, identificada como o
lugar do ócio, ou seja, o lugar para o qual se dirigiam aqueles que não tinham o que
fazer e precisava preencher o tempo ocioso. Com o advento do capitalismo, houve a
necessidade de a escola se universalizar tendo em vista as mudanças econômicas,
sociais, políticas e culturais que marcam o nascimento da sociedade burguesa. Uma
sociedade contratual, baseada no código escrito, centrada na cidade, tendo, ainda, a
indústria no centro do processo produtivo e a máquina como seu principal instrumento,
demandava um novo tipo de homem e mulher e de trabalhador e trabalhadora.

A escola deveria preparar os indivíduos, livres, para se comportarem como


cidadãos de direitos e deveres e, ao mesmo tempo, formá-los para a indústria. Portanto,
seria necessário ensinar, pelo menos, o mínimo necessário tanto para a vida em
sociedade como para o manuseio da máquina e dos novos instrumentos de trabalho.
Para tanto, as noções da leitura, da escrita e da matemática seriam imprescindíveis.
Porém, Adam Smith, um dos maiores representantes do pensamento liberal, apesar de
defender a instrução popular pelo Estado, alertava que o ensino deveria ser ministrado
aos trabalhadores “[...] em doses prudentemente homeopáticas”, conforme revelado por
Marx (1996a, p. 415).

Dessa maneira, a escola, na sociedade capitalista, embora tenha se


universalizado, já nasceu dicotomizada – um tipo de escola para a formação das elites
dirigentes da sociedade e um tipo de escola básica-profissionalizante para os
trabalhadores.

É importante ressaltar que a educação escolar, nos moldes da sociedade


contemporânea, constitui uma conquista contraditória da classe trabalhadora, pois, se,
por um lado, a escola aparecia como uma necessidade de reprodução do capital, por
outro, apresentava-se também como uma necessidade da classe trabalhadora de se
apropriar dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, dos quais
estava desprovida.

O Estado Burguês e os Mecanismos de Controle sobre o Complexo Educacional: O


Currículo, a Formação Docente e a Avaliação sob um Olhar Crítico
De que forma o capital se utiliza da escola para transformá-la em um
instrumento a seu serviço? Como a escola reproduz as relações sociais de produção?
Não seria a escola o lugar de formação do cidadão, discurso tão corrente no meio
educacional?

O Estado, como elemento regulador da sociedade, cria os mecanismos de


controle sobre a mesma. Um dos mecanismos fundamentais na sociedade capitalista tem
sido a escola com todas as suas regras. O Estado intervém na educação por meio do
planejamento, da política e da legislação educacional, conforme enumera Horta (1985).
No caso do planejamento, o Estado visa

[...] à implantação de uma determinada política educacional do Estado,


estabelecida com a finalidade de levar o sistema educacional a cumprir
as funções que lhe são atribuídas enquanto instrumento deste mesmo
Estado (HORTA, 1985, p. 195).
Assim, voltamos à questão inicial: que funções são atribuídas à educação
pelo Estado? Como já dissemos, a dupla função de preparar profissionalmente e incutir
a ideologia dominante. Para isso, o Estado cria uma legislação específica (no caso
brasileiro, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9.394/96 e as
leis complementares), cria e mantém as escolas públicas e aplica uma determinada
política educacional, ou seja, ações, medidas, programas voltadas a todos os níveis e
modalidade de ensino.

O Estado busca manter o controle sobre a educação escolar através de vários


mecanismos: o currículo, a formação de professores, a avaliação etc. Conforme
observou Arce (2001, pp. 258-9), no contexto específico do advento neoliberal, esse
caráter normativo e centralizador se acentou, sendo a “[...] a política educacional [...]
norteada por dois eixos centrais: a centralização e a descentralização [...]”. No que tange
ao caráter centralizador,

[...] cabe ao governo e somente a ele definir sistemas nacionais de


avaliação, promover reformas educacionais, estabelecer parâmetros de
um Currículo Nacional e estabelecer estratégias de formação de
professores centralizadas nacionalmente [...].
No nosso País, o currículo, por exemplo, está previamente definido nos
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
todos os níveis da educação – da educação básica à superior, passando pelo livro
didático, o qual, por sua vez, deve estar de acordo com os PCN para figurar na lista dos
livros adotados no Programa Nacional do Livro Didático. Quando a decisão chega à
escola e aos professores, ela já está bastante delimitada, tanto do ponto de vista da
escolha, quanto dos conteúdos previamente estabelecidos.

A avaliação constitui também um importante instrumento de controle. Para


a educação básica, foi definido o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –
IDEB, em 2007, “[...] para medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino
[...]” (MEC, 2013). Além disso, foi criado o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (SAEB) e junto com ele foram definidas a Prova Brasil e a Provinha
Brasil, como instrumentos de avaliação. No primeiro caso, são testes aplicados na
quarta e oitava séries (quinto e nono anos) do ensino fundamental e na terceira série do
ensino médio, com foco na leitura e na matemática. No segundo caso, é uma avaliação
aplicada aos alunos do segundo ano do ensino fundamental, com foco na leitura e
escrita. Para o ensino médio, foi criado, em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), que, na proposta reformulada, pode ser utilizado como forma de seleção
unificada nos processos seletivos das universidades públicas federais.

Para a educação superior, foi definido o Sistema Nacional de Avaliação da


Educação Superior (SINAES), criado pela Lei nº 10.861/04, imposto por medida
provisória e coordenado por uma Comissão Nacional da Educação Superior
(CONAES), de caráter majoritariamente governamental. Nesse Sistema, inclui-se o
Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), criado em 2004, em
substituição ao Provão, com o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de
graduação.

É preciso frisar que a lógica da avaliação não está separada da lógica da


escola. E como diz Freitas (2003, p. 14), “A escola, portanto, não é um local ingênuo
sob um sistema social qualquer. Dela espera-se que cumpra uma determinada função”.

Os sistemas de avaliação existentes no Brasil e os respectivos instrumentos


de avaliação decorrentes deles se caracterizam pelo seu caráter classificatório,
ranqueador, punitivo, padronizador etc., isentando o Estado de sua responsabilidade
sobre a qualidade do ensino, repassando-a as próprias instituições escolares, aos
docentes, aos pais e aos alunos, bem como mascaram a real situação das escolas e
universidades. Freitas (2003, p. 46) ressalta que os

[...] procedimentos de avaliação estão, portanto, articulados com a


forma que a escola assume como instituição social, o que, em nossa
sociedade a determinadas funções: hierarquizar, controlar e formar os
valores impostos pela sociedade (submissão, competição, entre outros)
[...].
No caso da formação de professores, o Estado definiu um Sistema Nacional
de Formação de Professores, o qual põe ênfase no “operacional” e nos “resultados”,
conforme registra Arce (2001), bem como indicando a possibilidade de uma formação
aligeirada do ponto de vista teórico.

A LDB, no seu artigo 62, indica que a formação docente para atuar na
educação básica far-se-á em nível superior, no entanto, abre exceção quanto à formação
dos professores da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental ao
indicar a formação em nível médio na modalidade normal.

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica


far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida,
como formação mínima para o exercício do magistério na
educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal
(BRASIL, 1996) (Grifos nossos).
Além disso, apesar de apontar a forma presencial dos cursos de formação de
professores como a preferencial, permite a formação na forma semipresencial e a
distância, por meio de cursos em regime especial, a exemplo dos que foram largamente
ofertados pelo Instituto de Estudos e Pesquisas do Vale do Acaraú – IVA,
pós-LDB/1996, bem como por intermédio da Universidade Aberta do Brasil - UAB.

Os Limites e as Possibilidades de Intervenção do Complexo Educacional no


Contexto da Sociedade Capitalista: “Fazer Pouco na Direção Certa ou Muito na
Direção Errada”?

Considerando esse complexo de relações contraditórias que permeia a


educação, vale a pena arguir: o que podemos fazer? Como devemos nos posicionar em
relação à educação? Até onde a educação poderia contribuir para a transformação social
visto que constitui uma instituição do Estado, no caso, o Estado da burguesia?

Agora, entramos no terreno mais difícil de delimitar. Se, por um lado, é


fundamental reconhecer os limites do sistema educacional considerando que,
predominantemente, assume a função reprodutora, por outro, não podemos negar in
totem a escola, como defendia Ivan Ilich com sua tese da desescolarização2. Nesse

2
Em que pese o caráter contestatório das teorizações de Ivan Illich, na sua obra Deschooling Society
(1971), traduzida para o português como “Sociedade sem Escolas”, não podemos deixar de registrar que
suas elaborações se inscrevem no campo das chamadas teorias reprodutivistas por condenar a escola a
sentido, identificar as possibilidades torna-se tão importante quanto demarcar os seus
limites, pois é no campo das possibilidades que agimos. Como diz Tonet (2003, p. 214),
“[...] É melhor fazer pouco na direção certa, do que muito na direção errada”.

Nesse campo das possibilidades, há dois aspectos que consideramos


importantes quando se trata de uma intervenção na perspectiva da emancipação humana
– a competência técnica e o compromisso político3, compreendidos em relação de
complementaridade.

Tomemos de empréstimo de Saviani (2003, p. 13) sua explicação sobre o


objeto da educação:

[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e


intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim,
o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos
da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado
e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas
para atingir esse objetivo (grifos nossos).
O trabalho educativo quem o realiza é o professor e a professora. Se a tarefa
da educação é “produzir direta e intencionalmente, em cada individuo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”, cabe
aos docentes no desempenho de seu papel, no exercício da profissão, atuar na sua área
de forma que socialize ao nível da síntese os conhecimentos historicamente acumulados
necessários ao processo de tornar-se humano do ser humano. Isto significa que cabe a
cada docente, em particular, apropriar-se dos elementos teórico-conceituais e
metodológicos relativos à sua área de formação.

Qual é questão que se apresenta aqui? É que a formação docente no quadro


da formação geral oferecida nas instituições de ensino médio ou superior tem sido cada
vez mais fragmentada, aligeirada, desprovida de reflexão crítica e de compreensão da
realidade. Dessa forma, para o educador e a educadora que assume uma postura

uma função meramente reprodutora da sociedade de classes e, portanto, nociva. Conforme analisa Saviani
(2003, p. 97), “[...] De acordo com esta proposta [de Ivan Illich], a escola não é apenas desnecessária e
prescindível, como até prejudicial. Portanto, o que de melhor a sociedade pode fazer é livrar-se das
escolas; é peso inútil [...]”.
3
Para aprofundar essa discussão em torno da competência técnica e do compromisso político como
componentes da ação docente, sugerimos conferir “Pedagogia Histórico-Crítica”, capítulo 2
“Competência Política e Compromisso Técnico: (o pomo da discórdia e o fruto proibido)” (SAVIANI,
2003), no qual o autor situa a polêmica levantada por Paolo Nosella, em seu artigo “O compromisso
político como horizonte da competência técnica”, em relação ao livro de Guiomar Namo de Mello,
“Magistério de 1º grau: da competência técnica ao compromisso político”.
transformadora, a tarefa de “produzir no individuo a humanidade” torna-se uma tarefa
hercúlea. É preciso considerar, pois,

[...] Se as circunstâncias em que este indivíduo [no nosso caso, o


docente] evoluiu só lhe permitem um desenvolvimento unilateral, de
uma qualidade em detrimento de outras, se estas circunstâncias apenas
lhes fornecem os elementos materiais e o tempo propício ao
desenvolvimento desta única qualidade, este indivíduo só conseguirá
alcançar um desenvolvimento unilateral e mutilado (MARX;
ENGELS, 2004, p. 36).4
Destarte, como nos ensinou Marx (1996b, p. 12), em suas famosas Teses
sobre Feuerbach e, mais particularmente, na Tese II,

A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade


objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o
homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o
caráter terreno de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou
não-realidade do pensamento isolado da práxis – é uma questão
puramente escolástica (Grifo do autor).
Nesse sentido, o segundo aspecto, a saber, da luta política e da organização
dos trabalhadores pela superação do sistema capitalista, ganha destaque, porém, sem se
sobrepor ao primeiro, pois, como revela a Marx, mais uma vez, nas Teses sobre
Feuerbach (1996b, p. 12), “[...] A coincidência da modificação das circunstâncias com a
atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida e compreendida
racionalmente como práxis revolucionária” (TESE III. Grifos do autor).

Vale ressaltar, em primeiro lugar, que a luta política não consiste numa
escolha da classe, mas, antes, é uma necessidade. Os docentes, como parte constituinte
da classe trabalhadora, que vende a força de trabalho aos empresários da educação ou ao
Estado (rede pública municipal, estadual e federal) em troca de um salário, precisam se
organizar como categoria profissional nas suas entidades sindicais para garantir
minimamente os seus direitos – condições de trabalho, carreira, piso salarial, formação
etc. - assim como se organizar politicamente como classe para tomar o poder e construir
ma sociedade socialista.

Nesse processo de luta política e de mudança das circunstâncias – da


realidade objetiva, o educador, como profissional e como classe, educa-se e reeduca-se a
si mesmo. Isto porque “[...] as circunstâncias são alteradas pelos homens [...] [e, nesse
caso] o próprio educador deve ser educado [...]” (MARX, 1996b, p. 12).

4
Extrato da obra A Ideologia Alemã, III, 2: “Fenomenologia do egoísta consigo mesmo ou a teoria da
justificação” (MARX; ENGELS, 1987).
Esse terreno da luta política extrapola os muros das escolas e das
universidades. Em Pedagogia Histórico-Crítica, Saviani (2003) vai desenvolver uma
teoria educacional, à luz do movimento histórico e das contradições das relações sociais
capitalistas, que “[...] busca compreender a questão educacional a partir dos
condicionamentos sociais” (p. 92). Trata-se, portanto, nas palavras do próprio autor
(2003, p. 92),

[...] de uma análise crítica porque consciente da determinação exercida


pela sociedade sobre a educação; no entanto, é uma análise
crítico-dialética e não crítico-mecanicista. Com efeito a visão
mecanicista inerente às teorias crítico-reprodutivistas considera a
sociedade determinante unidirecional da educação. Ora, sendo esta
determinada de forma absoluta pela sociedade, isto significa que se
ignora a categoria de ação recíproca, ou seja, que a educação é, sim,
determinada pela sociedade, mas que essa determinação é relativa e na
forma de ação recíproca – o que significa que o determinado também
reage sobre o determinante. Consequentemente, a educação também
interfere sobre a sociedade, podendo contribuir para a sua própria
transformação.
A questão que se apresenta, portanto, é saber em que medida a educação age
sobre o determinante – o conjunto das relações sociais dominantes – por meio da ação
recíproca, e quais as suas implicações concretas no processo de transformação social.
Por isso, a luta no interior das escolas e das universidades em prol da educação pública
e gratuita em todos os níveis não pode estar descolada da luta pela superação do
capitalismo, uma vez que, nesse sistema, a política social e educacional como uma
modalidade desta está subordinada à política econômica e dependente dela. Assim, a
defesa da educação pública e de uma escola única para todos será uma utopia se
acreditarmos que é possível apenas do ponto de vista das reformas educacionais. Uma
escola única para todos pressupõe uma sociedade única, isto é, uma sociedade sem
classes. Isto significa que o que está pressuposto é a superação da própria sociedade de
classes, uma vez que “A eliminação da propriedade privada constitui, portanto, a
emancipação total de todos os sentidos e qualidades humanas [...]” (MARX, 1993, p.
197).

Na esteira desse raciocínio, a constituição de uma escola única, que propicie


a formação omnilateral do ser humano só será possível no terreno da luta política, ou
seja, da conquista efetiva da emancipação total ou plena porque “[...] só é tal
emancipação porque os sobreditos sentidos e propriedades se tornaram humanos, tanto
do ponto de vista subjectivo como objectivo [...]” (MARX, 1993, p. 197). Marx
complementa afirmando que:

[...] a objectivação da essência humana, tanto do ponto de vista teórico


como prático, é necessária para humanizar os sentidos do homem e
criar a sensibilidade humana correspondente a toda a riqueza do ser
humano e natural (MARX, 1993, p.200) (Grifos do autor).
Nesse sentido, reafirmamos que a construção de uma escola única e de
formação omnilateral e, aliado a isso, a luta pela superação da ordem capitalista e pela
conquista da emancipação plena são tarefas do conjunto da classe trabalhadora
organizada como classe para exercer seu papel revolucionário na história.

Referências Bibligráficas

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dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação & Sociedade. Ano XXII,
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