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Natal-RN
2020
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Natal-RN
2020
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A citação de qualquer trecho desta dissertação é permitida desde que feita de acordo com as
normas da ética científica.
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DEDICATÓRIA
esse, sobretudo aos que o fazem sem se afastar da sala de aula e de toda a carga laboral que dela
advém. Quero dedicar mais essa etapa vencida e agradecer especialmente à minha companheira,
Fabia, amor de toda a vida, minha melhor amiga, parceira de todas as horas, meu alicerce,
suporte afetivo e psicológico para os momentos mais dificeis, dona do sorriso e do olhar que
me acolhem como porto seguro, seja qual for a situação, a pessoa que, ao lado de minha mãe,
mais me apoia, incentiva e acredita em minha capacidade. Aos meus filhos Vinícius e Isadora,
agradeço as trocas cotidianas e o amor. Vinícius, meu filho primogênito, que começou me
ensinando a ser pai e não parou mais de me ensinar, pois continua cotidianamente dando aula
de serenidade, maturidade e equilíbrio. À Minha caçula Maria Isadora, agradeço por ser
exemplo de determinação, disciplina e compromisso com tudo o que faz. Com filhos tão
incríveis como eles, eu não poderia fraquejar. Busquei, ao longo do desafio da escrita desse
trabalho, ser maduro, sereno e equilibrado como o Vinícius e ser comprometido, disciplinado e
determinado como a Maria Isadora.
Não poderia deixar de dedicar e agradecer aos amigos que a História me deu, aos
companheiros de muitas jornadas, com os quais tanto aprendo, não apenas sobre a profissão de
historiador ou acerca do ofício de ensinar, mas sobretudo, no que diz repeito a vida, sobre o que
acreditamos ser o papel mais relevante do conhecimento histórico, refletir sobre os problemas
que nos afligem na contemporaneidade à luz do saber histórico. Dedico esse trabalho aos meus
camaradas Bruno Marques, Clodomir Freire, Carlos Henrqique, Cleber Gomes, Danilo
Nogueira, Fabiano Sousa, Fábio Marins, George Mota, Márcio Michillis, Kleiton Andrade e
tantos outros aos quais me desculpo por não os citar nominalmente.
Por fim, e não menos importante, gostaria de dedicar esse trabalho a todos e a todas
que acreditam na educação, e em especial no ensino de História, como importante instrumento
de luta contra as desigundades, contra todas as formas de injustiça, contra as diversas formas
de preconceito e contra todo tipo de opressão e violência. Dedico as reflexões propostas, no
contexto desse estudo, aos que assumem o compromisso de fazer uso do conhecimento histórico
como instrumento de reflexão, crítica, conscientização e libercdade.
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AGRADECIMENTOS
apoio, incentivo e pelas inúmeras contribuições que proporcionaram ao estudo que realizamos,
os camaradas Plínio Ferreira (ES), Ygor Olindo (AM) Niltomar e Gladys (PB) Aletícia e Pedro
(TO), Manu e Leonam (MT), Blenda (AC), Francisco Carlos, Kleiton Andrade e Gerardo Jr
(RN) , Carla Amaro e Daniel Florence (SP), Andressa Garcia (PR), Michele (SC) e Maria
Aparecida (RS). Agradeço ainda, a todos os colegas do meu Ceará, com os quais estabeleço
uma verdadeira rede de aprendizagem colaborativa, aos quais homenageio através dos colegas
Gerardo Jr e Augusto Ridson, que além de serem importantes referências acadêmicas em meu
trabalho, contribuíram generosamente através de conversas, indicações de leitura e outras
orientações.
Gostaria de demonstrar minha gratidão a todos os meus colegas de trabalho e às
instituições educacionais com as quais possuo vínculo por terem me apoiado durante essa
caminhada. Agradeço a toda comunidade escolar da EEMTI – Walter de Sá Cavalcante, através
da pessoa de nossa diretora Cyntia Lopes e a todos os setembrinos, como carinhosamente
chamamos os membros da comunidade escolar do Colégio 7 de Setembro, agradecimento que
direciono simbolicamente à pessoa de minha coordenadora de área de estudo, Juliete Castro.
Para o final, deixei aqueles que dão sentido a tudo isso, com os quais estabeleci
laços afetivos, dentro do processo dialético de ensinar e aprender. Já se vão vinte anos de
profissão, tive contato com muitos jovens, cada qual um universo, muitos dos quais hoje se
tornaram amigos, alguns até mesmo colegas de profissão, embora a maioria tenha dado outros
rumos profissionais a sua vida, e certamente carregam consigo as experiências que construímos
juntos. A todos eles, minha gratidão, pois contribuíram na construção do profissional que hoje
sou.
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RESUMO
ABSTRACT
The study carried out seeks to reflect on the possibilities of building significant experiences of
historical learning, guided by the epistemology of the science of reference itself, aiming that
learning occurs in an active and collaborative way and, above all, the learner is at the center of
the process. The present study analyzes the historical learning process in school context,
focusing on the regular modality of EMTI – Ensino Medio em Tempo Integral (Full Time High
School) .The theoretical framework is based on the macro field of historical cognition, where
reside Didactics of History, which seeks to understand the process of formation of historical
culture, and Historical Education, which searches for a comprehension of the relationship that
teachers and students establish with historical knowledge, it’s structuring categories and
concepts. The dissertation's proposal is to discuss and reevaluate the role of the History teacher,
shifting the focus from teaching to learning, demonstrating the possibilities and potential arising
related to the adoption of a model that places the student as a protagonist in the construction of
his own knowledge and in which the teacher plays on the very important role of content curator,
research mentor / advisor and designer of learning experiences. As a result of this process, we
planned and proposed an elective course, in the form of a Historic Education Workshop,
inserted in the context of the diversified curriculum base of EMTI - Ensino Medio em Tempo
Integral (High School in Full Time), aimed at 1st and 2nd year students (10th grade-sophomore
and 11th grade-junior; based on American teaching system), containing historical learning
activities , developed in a hybrid learning context, using analog and / or digital resources,
designed with the purpose of developing the student engagement and protagonism, stimulated
by investigative curiosity and the pleasure of discovery, in order to provide challenging and
meaningful cognitive experiences. We intend to contribute to the reflection and construction of
a historical learning model capable of articulating the daily reality of those involved, the meta
historical concepts, categories of History analysis, and the substantive concepts, the historical
processes themselves, in order to contribute to the construction of a structure of historical
thought, inserted in a process of digital historical literacy, which allows learners to act as
historical subjects more aware of their social place they occupy, better expressing their ideas,
defending their rights more effectively, among many others learnings that strengthen the
increasingly full exercise of citizenship.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 14
ANEXOS
14
INTRODUÇÃO
especial a Educação Histórica1, bem como às Metodologias Ativas2, na busca por um modo
de envolver cada vez mais os estudantes no processo de produção do seu próprio
conhecimento, através do contato com a pesquisa, escrita e divulgação do conhecimento
histórico, oportunizando aos discentes a possibilidade de conhecer e experienciar na prática os
paradigmas epistemológicos da própria ciência histórica, seus métodos e técnicas de
investigação, sua forma de escrita e seus modos de divulgação de conhecimento.
Autores como Babel (2011) reforçam nossa compreensão acerca da importância de
pensar estratégias, metodologias de ensino/aprendizagem que oportunizem aos estudantes um
maior protagonismo na construção do próprio conhecimento, que priorizem a experiências
educativas capazes de promover mudanças de comportamento e que favoreçam uma inserção
social mais ativa, colaborativa e responsável.
1
A Educação Histórica é uma linha de pesquisa que tem por premissa a ideia de que os professores/historiadores
devem compreender que as questões epistemológicas da ciência história devem constituir parte significativa do
processo de aprendizagem histórica. Portanto, Educação Histórica se propõe a trabalhar a partir da própria
epistemologia da História, na qual a teoria e a metodologia da pesquisa em História são utilizadas no processo
de construção de conhecimento. Nessa perspectiva, a aprendizagem histórica deixa de ser validada pela
quantidade de informações que o aluno é capaz de reter e passa analisar o desenvolvimento de níveis de
proficiência do pensamento histórico dos alunos
2
A ideia central é que os estudantes sujeitos ativos da própria formação estejam no centro do processo de
aprendizagem e, desse modo, protagonizem a construção de seu próprio conhecimento, a partir de situações
problema que os desafie cognitivamente e os possibilitem aplicar conhecimento na solução de problemas,
mediação de conflitos, encaminhamento de tarefas, dentre outras situações contextualizadas.
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A aproximação com as TDICs pode ser explicada por diversos caminhos, que vão
desde uma formação técnica na área de tecnologia da informação, passando por experiências
educacionais exitosas com a utilização das TDICs na ensino de História, passando ainda pela
compreensão de que o trabalho com as TDICs pode resultar em poderosos instrumentos
educacionais, quando realizado de modo planejado e consciente, mas sobretudo pela
compreensão de que está entre os importantes papéis da escola contribuir com o processo de
letramento digital dos estudantes, notadamente em uma sociedade profundamente
informatizada quanto a que vivemos.
Autores como Lucchesi e Maynard (2019) afirmam ser fundamental que as escolas
estejam inseridas nesse processo, uma vez que o seu público é exatamente composto por
estudantes que nasceram a partir do final dos anos de 1990, público esse que já cresceu sob o
signo criado pelo Prensk (2012) que os identificou como nativos digitais. Além do mais, a
utilização das TDICs, inseridas em contextos educativos complexos e bem articulados, podem
contribuir sobremaneira para o desenvolvimento da autonomia discente e no desenvolvimento
de diversas outras habilidades absolutamente imprescindíveis no mundo contemporâneo,
notadamente marcado por uma forte e impactante transição entre a cultura letrada e a cultura
digital.
Nosso entendimento de letramento digital segue a compreensão de Dudeney (2016) ao
afirmar que letramentos digitais são um conjunto de “habilidades individuais e sociais
necessárias para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito
crescente dos canais de comunicação digital.” (DUDENEY, 2016, p. 17). O referido
entendimento encontra ressonância na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pois o
documento aponta, dentre as sete competências específicas do ensino de História, que o
estudante deve “Produzir, avaliar e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação
de modo crítico, ético e responsável, compreendendo seus significados para os diferentes
grupos ou estratos sociais”. (BRASIL, 2018, p. 402).
Nesse cenário no qual estamos inseridos e diante de tudo o que já fora exposto,
precisamos, enquanto educadores, contribuir não apenas com o processo de letramento digital
dos jovens estudantes, mas sobretudo oportunizar um contato com as TDICs que seja capaz
de contribuir para o aprendizado e consequentemente para uma inserção social competente,
segura e responsável desses estudantes no ciberespaço. Esse processo não está limitado ao
contato com os recursos tecnológicos, mas acima de tudo se faz necessário transformar o modo
como docentes e discentes enxergam as ferramentas tecnológicas, suas funções e
possibilidades de uso. Acessar as diversas plataformas de mídia não significa necessariamente
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apenas ter acesso às tecnologias, mas sim compreender como utilizá-las, como filtrar
conteúdo, como relativizar as informações encontradas, como analisar e confrontar e validar
fontes, como, e o que publicar, estão entre tantas outras questões que precisam ser apreendidas.
Foi exatamente diante de todas as questões motivadoras expostas até o presente
momento que, ainda em 2009, quando navegávamos pela WEB em busca de caminhos que
pudessem nos conduzir a concepções e práticas de ensino/aprendizagem que possibilitassem
um maior engajamento dos alunos no estudo da disciplina de História, que nos deparamos com
a Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB), um projeto de extensão universitária,
proposto pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), desenvolvido pelo
Departamento de História daquela universidade, contando com participação de docentes,
alunos de pós-graduação e de graduação. A ONHB, que é atualmente coordenada pelas
professoras doutoras Cristina Meneguello e Alessandra Pedro, e já faz parte do calendário
nacional de olimpíadas cientificas3 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), e está nesse ano de 2020, em sua 12ª edição, destaca em suas próprias
palavras que:
[...]firmou-se como uma empolgante competição para equipes de oitavo e nono anos
do ensino fundamental e do ensino médio de todo o Brasil, trazendo uma proposta
inovadora de estudar a história do Brasil, abordando temas fundamentais a partir de
documentos históricos, imagens, mapas, textos acadêmicos, pesquisas inéditas e
debates historiográficos. (ONHB, 2020)4
Naquela ocasião, no já distante ano de 2009, a ONHB ainda estava em sua primeira
edição e se tratava de uma experiência inédita para todos os envolvidos, organizadores,
professores orientadores e alunos. Naquele momento, mesmo ainda não tendo experimentado
o que seria a ONHB na prática, nosso feeling de educador apaixonado por ensino de História
e ávido por inovação, já sentia pistas de que de algum modo aquela inusitada proposta de
atividade, que misturava ensino de História, pesquisa, trabalho em grupo, internet e uma série
de outros ingredientes super interessantes, poderia se constituir uma poderosa ferramenta
educacional a serviço de uma aprendizagem histórica significativa e engajadora.
Atualmente, passados doze anos da primeira edição, e tendo participado como
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As Olimpíadas Científicas são consideradas momentos privilegiados para a divulgação científica e para a
descoberta e incentivo de novos talentos. O caráter competitivo estimula a inventividade dos alunos e professores,
além de fornecer elementos fundamentais ao Ministério da Educação para avaliar os estudantes brasileiros em
relação aos alunos de outros países. Como benefício adicional, muitas olimpíadas incentivam o trabalho em
equipe, reforçando hábitos de estudo, o despertar de vocações científicas e os vínculos de cooperação entre
equipes de estudantes e professores. Disponível em< http://memoria.cnpq.br/olimpiadas-cientificas> acessado
em 5 de março de 2019.
4
Disponível em <https://www.olimpiadadehistoria.com.br/paginas/onhb10/home acessado em 05 de março de
2019.
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se constituído em um ambiente privilegiado para reflexão acerca das relações da História com
os contextos sociais nos quais nos inserimos; leva-nos a todos, alunos e professores, a refletir
sobre questões do cotidiano, formular questionamentos do presente e buscar subsídios para
compreensão em outras temporalidades e à luz da análise dos processos históricos, o que nesse
sentido, articula-se com os princípios da Didática da História e coaduna ideias de Rüsen
(2006), e contribui para analisar as diversas formas e funções do pensar historicamente e do
conhecimento histórico na vida cotidiana, o que inclui o papel da História na esfera pública e
suas representações nos diversos meios de comunicação. Portanto, a ONHB se dispõe a
incentivar esse trabalho de desenvolvimento de uma estrutura de pensamento, estruturada à
luz das categorias e conceitos, estruturantes da História enquanto ciência, a fim de aprimorar
os processos de leitura de mundo através de suas propostas de trabalho com análise de fontes
documentais e da realização de atividades que possibilitem vivências permeadas por aspectos
importantes da epistemologia da ciência histórica.
Um outro aspecto que merece destaque é o fato desse trabalho se inserir em um
contexto social no qual observamos a intensificação do uso das tecnologias e de suas
aplicações no cotidiano das pessoas em geral, inclusive no cotidiano dos profissionais de
História que se veem cada vez mais diante desse novo escopo de trabalho que se apresenta
aos professores/historiadores. É nesse contexto que percebemos a necessidade do
desenvolvimento de habilidades e competências, exigidas para uma atuação eficiente na
contemporaneidade, pois diante desse verdadeiro arsenal de novas mídias, de novas formas de
interação social, de ampliação da disponibilidade e dos tipos de fontes que as plataformas
digitais proporcionam, surge também a necessidade de uma mudança no mind set desses
profissionais. Porém, é importante que reflitamos acerca desse novo contexto no qual as
TDICs tem ganhado destaque, a fim de evitar uma mera transposição das mesmas
metodologias tradicionais oriundas das antigas práticas analógicas, aplicadas sem grandes
ressignificações, apenas mudando as ferramentas analógicas para as digitais, com pouca
reflexão epistemológica e limitando o uso das TDICs como instrumentos sem perceber suas
potencialidades, subestimando suas possibilidades e as utilizando tão somente como pirotecnia
e nova roupagem para fazer mais do mesmo.
A História, enquanto ciência e como disciplina escolar, esteve por muito tempo distante
do interesse das pessoas comuns, dos indivíduos mais simples e dos jovens. Esse fenômeno
talvez se explique por conta de sua postura sisuda, formal e até antiquada. Porém, mesmo
durante esse longo período de distanciamento entre o público e a História ciência e disciplina
escolar, a História enquanto experiência humana nunca deixou de fascinar as pessoas, desde
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as mais eruditas as mais populares. Podemos observar isso no interesse em temáticas históricas
que são frequentes nas produções cinematográficas, em canais de tv por assinatura dedicados
exclusivamente à História, nas publicações de periódicos sobre a temática e até mesmo nos
debates sobre História que estão no cerne de debates acalorados travados nas mais distintas
esferas de atuação social. Esse fenômeno pode ser melhor compreendido ao observarmos que
durante muito tempo os historiadores restringiram seu espaço de atuação à academia e
divulgavam sua produção historiográfica basicamente através de suportes analógicos
clássicos, tais como ensaios, artigos, dissertações, teses e livros, todos impressos e com
ambiente de circulação restrito às universidades e demais ambientes acadêmicos, tais como
congressos, simpósios etc. Podemos observar essa discussão em Rüsen (2006):
Isto posto, podemos concluir que o público leitor dessa historiografia acadêmica
tradicional se restringia aos espaços de alcance da própria tradição acadêmica e que esse tipo
de leitor qualificado, já iniciado, via de regra, faz uso desse conhecimento dentro do mesmo
ambiente acadêmico. Logo, concluímos que a circularidade cultural do conhecimento histórico
esteve durante muito tempo restrita a um universo letrado, erudito, intelectualizado e bastante
hermético, com pouca repercussão fora da academia, ou seja, os historiadores, via de regra,
escrevem para os seus pares.
Estamos nos propondo a traçar caminhos que promovam o encontro desse público,
desse leitor, dessa audiência ávido por conhecimento histórico, que se deleita ao apreciar as
narrativas das experiências humanas, que gosta de refletir sobre como chegamos até ao ponto
no qual nos encontramos, que se diverte com os debates com temáticas históricas, mas que
não se sente motivado, tampouco preparado ou mesmo convidado a adentrar o ambiente
hermético dos historiadores profissionais, repleto de conceitos e categorias sofisticadas,
inacessíveis aos não iniciados, muitas vezes complexo até para os próprios pares.
Como resposta à questão que acabamos de levantar, estamos nos propondo traçar
estratégias de levar conhecimento histórico produzido com o devido rigor teórico
metodológico, seguindo os pressupostos epistemológicos da ciência histórica, para dentro das
salas de aula da Educação Básica. Porém, de um modo que os estudantes possam aprender
fazendo, se apropriando do método, dos conceitos e categorias, a fim de que se tornem agentes
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Em seu sentido mais simples, História Pública se refere à atuação dos historiadores
e do método histórico fora da academia: no governo, em corporações privadas, nos
meios de comunicação, em sociedades históricas e museus, até mesmo em espaços
privados. Os historiadores públicos estão atuando em todos os lugares, empregando
suas habilidades profissionais, eles são parte do processo público. Uma questão
precisa ser resolvida; uma política pública precisa ser elaborada; o uso de um recurso
ou uma atividade precisa ser melhor planejada – eis que os historiadores serão
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historiadores não reivindicam seu espaço de atuação na esfera pública, quando não produzem
conhecimento para circular em meios mais acessíveis aos leitores não especializados, como
por exemplo os ambientes digitais, quando não adaptam sua linguagem para estimular a leitura
de seus escritos, estão renegando seu papel social e deixando um vácuo de atuação que muitas
vezes é ocupado por um conhecimento construído com base em “achismos”, sem nenhum rigor
metodológico e fortemente marcado por manipulações ideológicas. Acerca desse debate,
Rüsen argumentou que:
Outro aspecto que devemos observar é o fato de que no ambiente escolar nem sempre
esse interesse acerca do conhecimento histórico, descrito acima, encontra ressonância e,
talvez, essa dicotomia possa ser explicada por diversos aspectos que vão desde as
metodologias utilizadas em sala de aula, que via de regra são centradas na figura do professor
e em narrativas históricas distantes da realidade dos estudantes, passando pela falta de
identificação dos discentes com as temáticas propostas pela historiografia escolar tradicional
e pela distância entre as narrativas históricas escolares e as questões contemporâneas, até
chegar na própria linguagem e ambiente utilizados para mediar a aprendizagem que, na
maioria das vezes é a mesma e enfadonha sala de aula com carteiras enfileiradas, o livro
didático e a lousa. Desse modo, os estudantes não se sentem desafiados a investigar, a
descobrir por conta própria, não conhecem a metodologia da pesquisa em História, pouco
entram em contatos com fontes primárias, não se sentem motivados a aprender e, via de regra,
se limitam a reter e reproduzir informações.
Diante do exposto, é fundamental que possamos levar para o universo escolar, para
dentro das salas de aula da Educação Básica, a compreensão acerca da teoria e da metodologia
da ciência histórica, pois, como afirma Moreira “O conhecimento histórico é por isso
interpretativo e inferencial, que resulta da actividade construtiva do historiador, do seu sistema
de valores, da sua experiência política e social e da sua formação cultural” (MOREIRA, 2004,
p. 46).
No entanto, o relato do historiador não pode ser arbitrário, assim, deve estar justificado
por evidências que existam sobre o assunto. Devemos oportunizar aos estudantes, experiências
ativas de aprendizagem que estimulem a reflexão acerca dos aspectos procedimentais da
construção do saber histórico, o contato com a historiografia acadêmica, bem como o
desenvolvimento de habilidades interpretativas inerentes a própria História enquanto ciência,
para que os mesmos sejam capazes de discernir entre o que é conhecimento histórico válido,
produzido dentro do rigor teórico metodológico, para que eles possam questionar inclusive as
próprias narrativas acadêmicas, uma vez que todo saber científico pode e deve ser questionado
para ser aprofundado.
Em síntese, o que propomos é a investigação, análise e reflexão acerca das narrativas
históricas e de seus propósitos dentro da sociedade contemporânea, sobretudo identificando as
narrativas que foram produzidas dentro dos paradigmas epistemológicos da ciência histórica
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e as distinguindo daquelas que foram construídas sem o mesmo rigor. Nesse sentido,
pretendemos trabalhar junto aos estudantes da Educação Básica a compreensão teórica e
metodológica da História enquanto ciência, a partir de práticas educativas inseridas na
metodologia da Educação Histórica, e pretendemos reaproximar a ciência histórica da didática
da História, a exemplo do que afirma Saddi (2010):
Nesse sentido, compreendemos que o limite dos espaços físicos das salas de aula e o
curto tempo de duração das aulas previstas para a disciplina de História nos currículos
escolares, não podem e nem devem ser limites a atuação dos professores/historiadores. Desse
modo, professores/historiadores devem buscar meios para atingir seus públicos, qualificados
ou não, discente ou público em geral, atuando por meio de plataformas analógicas e digitais
que tenham sido, ou não, elaborados com finalidade educativa. Acreditamos que
professores/historiadores devam produzir, divulgar e debater conhecimento histórico em
ambientes que não foram criados originalmente para esse fim, como por exemplo as diversas
redes sociais, pois através do uso de ferramentas digitais como podcasts, microblogs, vlogs,
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dentre outras tantas, os professores/historiadores podem divulgar sua produção e interagir com
os públicos difundindo conhecimento histórico, elaborado para ser publicado e circular nas
diversas plataformas digitais, superando assim os limites tradicionais de divulgação e dos
debates historiográficos, bem como seus suportes mais ortodoxos, os artigos, as dissertações,
as teses e em última instância os livros. Desse modo, oportunizaremos a mais diversa
audiência, o acesso ao conhecimento histórico científico, suscitando um rico debate acerca de
temáticas relevantes, ampliando os espaços e o tempo que os públicos de um modo geral
dedicam ao estudo de História e aos debates acerca de temas contemporâneos cujo
entendimento mais refinado passa, fundamentalmente, pela análise e compreensão de suas
origens históricas.
Porém, a questão não se encerra no modo como chegamos até os jovens, nem mesmo
nas ferramentas, linguagens ou suportes utilizados para ensinar e divulgar conhecimento
histórico, pois o cerne da questão talvez seja o modo como se ensina e como se aprende
História, a forma como nos apropriamos do conhecimento histórico e como o utilizamos em
nosso cotidiano como norte para nossas escolhas e posicionamentos.
Na Inglaterra dos anos 60/70, por exemplo, havia uma grande preocupação entre os
historiadores/professores de História ante ao grande desinteresse dos estudantes em relação à
História. Foi exatamente nesse contexto que alguns pesquisadores, com destaque para Peter
Lee, inspirados na educação matemática, decidiram elaborar propostas didáticas que
desafiassem cognitivamente os alunos e desse modo os mantivessem motivados a aprender,
como afirma Schmidt (2018).
Foi a partir do cenário acima apresentado, e diante desse desafio, que surgiu o que mais
tarde chamaríamos de Educação Histórica, que, em breves palavras, é um campo da pesquisa
em História que se propõe a estudar a formação do conhecimento histórico e os níveis de
proficiência das ideias históricas, estando bastante vinculado à própria epistemologia da
ciência histórica, de onde se baseiam as ideias para aprimorar a aprendizagem histórica.
Portanto, as discussões propostas pela Educação Histórica estão relacionadas ao estudo da
progressão, do avanço, da mudança do pensamento histórico, da existência de níveis de
desenvolvimento, de competências ou mesmo da existência de uma escala de proficiência na
qual os educandos em maior nível refletem e pensam historicamente de modo mais sofisticado.
A Educação Histórica, enquanto campo de pesquisa, tem ganho cada vez mais espaço
e se constituído em um profícuo campo investigativo presente em diversas linhas de pesquisas
de cursos de pós-graduação e em muitos eventos acadêmicos, pois possibilita aos
professores/pesquisadores investigar os processos de ensino e aprendizagem em História,
inseridos em uma fundamentação teórico-metodológica da própria epistemologia da História
e não apenas na fundamentação, nas teorias da educação, pedagogia ou psicologia, como era
costume hegemônico há bem poucos anos. A Educação Histórica articula a ciência histórica e
as práticas de ensino de modo a desenvolver o pensamento histórico como ferramenta de
mudança social através de uma profunda reflexão acerca da compreensão do passado e de sua
relação com o presente promovendo o desenvolvimento de importantes competências
cognitivas, tais como a evidência, a narrativa e a empatia, conceitos que trataremos de discutir
mais adiante.
Segundo Barca (2001), Educação Histórica se propõe a refletir acerca da cognição
histórica, tendo por base a própria racionalidade da ciência histórica, apontando ainda como
peculiaridade do referido campo de pesquisa o fato de ter como premissa teórica “[...] a
natureza do conhecimento histórico e, como pressuposto metodológico, a análise de ideias que
os sujeitos manifestam em e acerca da História, através de tarefas concretas” (BARCA, 2001,
p. 13).
A presente pesquisa foi inicialmente motivada por questões relacionadas a experiências
pessoais, vivências que nos levaram a ter contato e experienciar processos de aprendizagem
histórica que fizeram brilhar nossos olhos. Por não compreender de modo mais sistematizado
o que havia por trás daquelas práticas, decidimos investigar, ir mais fundo, mergulhar na teoria
que embasava aquelas experiências de aprendizagem histórica que, hoje, sabemos estar
vinculadas ao macrocampo da Cognição Histórica, onde situam-se também a Didática da
História, de matriz alemã e a Educação Histórica, de origem inglesa. Nas palavras de Miranda
(2014), a:
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Mais tarde, juntaram-se a nossa base teórica os estudos e práticas que relacionavam o
ensino de História e as TDICs, notadamente o campo das chamadas Humanidades Digitais,
que segundo Kirschenbaum (2010) “são um campo de estudo, pesquisa, ensino e invenção
relacionado à interseção da computação e as disciplinas das ciências humanas”. Como
podemos perceber, estamos nos referindo a um campo de pesquisa que já nasce em uma
concepção interdisciplinar e híbrida, que em suas próprias palavras Kirschenbaum (2010)
afirma que “É metodológico por natureza e interdisciplinar em escopo. Envolve investigação,
análise, síntese e apresentação de informações em formato eletrônico. Estuda como essas
mídias afetam as disciplinas em que são usadas”.
Todo esse arcabouço teórico orienta nosso trabalho, e apresentamos brevemente o que
nos conduzirá ao longo dos capítulos permeando nossas considerações, análises e debates que
proporemos ao longo desse trabalho dissertativo. No primeiro capítulo, discorreremos acerca
da experiência que tivemos com a Educação Histórica, com a qual tivemos nosso primeiro
contato a partir da experiência como professor orientador de equipes participantes da ONHB,
mais precisamente a partir do contato com as atividades propostas pela olimpíada. No segundo
capítulo, buscaremos analisar e debater acerca das questões relacionadas aos ambientes
digitais de aprendizagem e às Metodologias Ativas, à luz de experiências, por nós já
vivenciadas, de orientação remota de estudantes e ensino híbrido mediado pelo uso das TDICs.
Vivemos em sociedades historicamente marcadas pelo uso de tecnologias, e não é de
agora, pois desde sempre o homem precisou desenvolver ferramentas e utensílios para tornar
as tarefas mais fáceis de serem executadas, fato que periodicamente nos tira da zona de
conforto e nos exige uma readaptação diante do novo. Somos animais frágeis, não possuímos
grandes dotes físicos, não temos a força dos ursos, nem a visão das águias, tampouco a
agilidade dos felinos, muito menos o olfato dos caninos. Porém, mesmo tão frágeis,
conseguimos chegar ao topo da cadeia alimentar e continuamos a nos desenvolver, graças a
nossa grande capacidade de produzir e, sobretudo, transmitir cultura de geração para geração,
processo que na maior parte do tempo se deu através de experiências práticas que envolviam
o aprendiz de modo ativo no processo de aprendizagem.
Ao longo da nossa história, tivemos diversos momentos importantes no que diz respeito
a produção de instrumentos tecnológicos que impactaram profundamente nosso modo de vida,
nossa forma de se relacionar uns com os outros, a noção de tempo, espaço, dentre outras tantas
realidades que sofreram ressignificações ante ao avanços tecnológicos como por exemplo o
controle sobre o fogo, a invenção da roda, o desenvolvimento da escrita, passando pelo
desenvolvimento dos meios de transporte, dos meios de comunicação, chegando ao
aperfeiçoamento das fontes de energia, até chegar ao que contemporaneamente chamamos de
Era da Informação Digital.
Ao analisarmos os diversos campos da vida humana, como o mundo do trabalho, as
artes, os espaços de lazer e socialização, as ciências da saúde, a engenharia, as leis, a economia,
a política, dentre tantas outras áreas da vida humana em sociedade, perceberemos
significativas mudanças que vão desde as mais básicas a transformações verdadeiramente
revolucionárias. Isto posto, é natural que esperemos que a educação acompanhasse esse
mesmo processo de transformação, posto que se trata de área da vida humana notadamente
marcada pela reflexão acerca do mundo que nos cerca. Porém, estranhamente, verificamos que
31
Porém, essa perspectiva vem mudando, sobretudo a partir das pesquisas no campo da
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Cognição Histórica, com destaque para a Didática e da Educação Histórica, que a partir das
décadas de 1960 e 1970, na Alemanha e Inglaterra, começam a lançar luz sobre os saberes
históricos produzidos no ambiente escolar. Portanto, os estudos da Cognição Histórica,
enquanto campo de pesquisa, estariam voltados para a análise das especificidades do ensinar
e aprender história e, de tal modo, contribui para a compreensão de que a escola pode e deve
ser um ambiente de produção de conhecimento histórico.
Desse modo, a partir da compreensão da escola como ambiente de produção de saber
histórico, os professores da Educação Básica começaram a enxergar seus saberes e práticas
refletidos e sistematizados através de conceitos, teorias e metodologias sistematizadas dentro
dos padrões acadêmicos de produção e divulgação de conhecimento científico. No bojo desse
processo dialógico, observamos novos debates se inserindo e ganhando força dentro do
ambiente escolar, que fora aos poucos se reconstituindo como espaço de produção de
conhecimento e buscando legitimar suas práticas à luz das reflexões teórico-metodológicas.
Desde o já distante 2009, quando nos deparamos com a ONHB, ainda em sua primeira
edição, percebemos intuitivamente que ali estava promissora metodologia de ensino
aprendizagem de História. Naquele momento, distante há muitos anos das discussões
acadêmicas e sem multas leituras teóricas, pois quase sempre nos limitamos a ler historiografia
para tentar nos manter minimamente atualizados, ficava difícil compreender com maior
profundidade o porquê daquela experiência tanto nos encantar e envolver a todos, professores
e estudantes.
Aos poucos, com o passar dos anos e das edições da ONHB, estabelecemos contato
com outros colegas professores de História, de diferentes lugares do país, e em diversos
estágios de formação acadêmica fomos passando a debater acerca da metodologia apresentada
pela olimpíada, tentando desvendar a teoria que havia por trás daquela atividade que nos
parecia tão significativa e cujos impactos na aprendizagem dos estudantes eram notórios e
bastante relevantes. Nesse processo, ajudou muito o fato de termos formado uma espécie rede
de aprendizagem colaborativa, envolvendo alguns dos professores orientadores olímpicos com
os quais estabelecemos laços de amizade que, a priori se restringia ao interesse comum de
conhecer e experienciar de modo mais profundo a proposta da ONHB, mas logo em seguida
35
questões propostas pela olimpíada não apresentavam apenas um item correto, como era de
costume em questões de múltipla escolha, e que havia na verdade três alternativas corretas,
embora em níveis hierárquicos de proficiência e apenas uma alternativa errada. Ainda nessas
nossas discussões encontramos uma certa lógica, um modo de classificar esses níveis de
proficiência e, a grosso modo, definimos que a alternativa a qual é atribuída apenas um ponto
é a que apenas identifica uma informação que, via de regra, está contida no próprio documento
disponibilizado como suporte para a resolução da questão, ou que podemos localizar em uma
breve pesquisa. Em seguida, classificamos a alternativa a qual é atribuída quatro pontos como
a descritiva, aquela que apresenta um maior número de informações, dispostas de modo mais
sofisticado, mas elaborado e que às vezes até articula as discussões propostas em mais de um
dos documentos disponibilizados na questão, mas que não vai muito além do que as narrativas
já apresentam. Por fim, convencionamos que a alternativa de maior pontuação, aquela à qual
a olimpíada atribui a pontuação máxima, cinco pontos, é, em geral, uma inferência, uma
análise sofisticada acerca de uma temática histórica a qual só pode perceber aquele que for
capaz de um alto grau de abstração, quem for capaz inclusive de ler nas entrelinhas, nos
implícitos e ainda articular o conteúdo curricular a discussões contemporâneas. Aos poucos,
fomos analisando as tarefas, depois a seleção dos temas, as tipologias dos documentos, as
diversas vertentes do trabalho do historiador que apareciam em atividades propostas, tais como
o trabalho com história oral, a análise de imagens, o cotejo entre fontes, a produção de
narrativas a partir de pesquisa histórica, dentre tantos outros procedimentos do cotidiano de
trabalho de um historiador. Percebemos também que o contato com os trabalhos
disponibilizados no ambiente digital de aprendizagem da ONHB, desde as fontes primárias,
passando pelos textos acadêmicos até chegar aos diversos outros suportes como músicas,
vídeos, obras de arte, dentre outros, contribuíram para reforçar duas questões importantes, a
primeira, a noção de que tudo é fonte de pesquisa para o historiador, e a segunda, que foi a
contribuição na diminuição de delay existente entre a produção acadêmica e o ambiente
escolar da Educação Básica. Foi nesse momento, inserido nesse contexto de muitas
descobertas, que um de nós, que não consigo precisar quem, trouxe à baila a teoria da Cognição
Histórica, e nos apresentou a Didática da História e da Educação Histórica.
Ainda a reboque dessa energia colaborativa, no bojo dessa aprendizagem coletiva e
dessa troca de conhecimento entre colegas professores/historiadores, muitos de nós, em
diversas levas, foram buscando reaproximação com o ambiente acadêmico e retomando suas
trajetórias formativas, seja através dos cursos de formação on-line, ofertados pela própria
ONHB, seja nos cursos presenciais ofertados também pela olimpíada a um grupo de
37
Como já fora mencionado, a nossa pesquisa transita entre alguns campos teóricos,
notadamente a Educação Histórica e as Metodologias Ativas de ensino/aprendizagem, e se
ancora nos conceitos centrais de cada um dos referidos campos. Nessa perspectiva,
trabalhamos com a compreensão de que a metodologia da pesquisa em História pode e deve
ser utilizada no processo de ensino/aprendizagem. Segundo Barca (2012, p. 37), a Educação
Histórica cumpre um papel absolutamente relevante quando contribui para superar um
problema há muito identificado, amplamente relatado, mas ainda pouco enfrentado, que é o
distanciamento entre ensino e pesquisa, entre produção e reprodução de conhecimento, entre
teoria e prática. Ainda segundo a professora Barca (2004), a educação histórica trabalha com
a perspectiva da aula oficina5, na qual se deve utilizar situações de aprendizagem reais, em
5
A aula oficina consiste em um modelo de ensino de História pautado na construção do conhecimento a partir
38
do trabalho com fontes, historiografia, concepções, vestígios, tempo e recorte espaço temporal, conceitos e
categorias específicas da própria ciência histórica.
39
O trabalho com as fontes em sala de aula permite aos estudantes se inserirem como
protagonistas no processo de ensino aprendizagem, uma vez que ao manipular as fontes e as
utilizar como ponte entre ele e o conhecimento histórico, o estudante atua de modo consciente
e ativo na elaboração de saber histórico e não se posiciona apenas como mero expectador,
simples audiências das aulas conferência, aulas expositivas nas quais o professor narra uma
história pronta, acabada e hermética, a qual o estudante tem a responsabilidade de assimilar
como verdade sem ter instrumentos que o permitam refletir sobre, questionar, ressignificar e
se apropriar criticamente daquele conhecimento.
No que concerne a formação de um pensamento histórico complexo, do
desenvolvimento de um modo de pensar historicamente, de uma Consciência Histórica,
trabalharemos a partir da concepção desenvolvida por Lee (2006) e o que ele denominou de
Literacia Histórica, uma espécie de letramento histórico desenvolvido a partir do processo
educativo cotidiano das salas de aula da educação básica. Nessa perspectiva, as aulas
vivenciadas por professores e estudantes, ao trabalharem com fontes históricas dentro da
metodologia da Educação Histórica e da Aula Oficina, serão o que Schmidt (1998, p. 57)
entende como “(...) momento em que, ciente do conhecimento que possui, o professor pode
oferecer ao seu aluno a apropriação do conhecimento histórico existente, através de um esforço
e de uma atividade que edificou este conhecimento”. Ainda nesse sentido, Schmidt (1998)
defende a utilização do método de produção do conhecimento histórico como método
privilegiado de ensino, e que ela mesma define como um espaço de compartilhamento de
significados, de experiências individuais e coletivas, de relação dos sujeitos com os diferentes
saberes envolvidos na produção do saber escolar. Outra referência basilar para o nosso
trabalho são os estudos de Rüsen (2001) acerca da formação do que ele chamou de Consciência
Histórica. O trabalho de Jörn Rüsen contribuiu para a análise e reflexão sobre o ensino e
aprendizagem da história e influenciou pesquisas no campo da Educação Histórica em
Portugal, Inglaterra, Espanha, Canadá e Brasil.
40
Embora o conhecimento histórico que nos propomos a produzir tenha o espaço escolar
como ambiente de origem, e seja produzido dentro dos paradigmas epistemológicos da ciência
histórica, não podemos negar seu caráter inusitado e inovador, uma vez que os sujeitos
históricos responsáveis por sua produção, embora utilizem os métodos e técnicas oriundos da
produção acadêmica, são o que, via de regra, classificamos como público, aqueles que
comumente apenas consomem o conhecimento histórico produzido na academia e divulgado
através dos suportes científicos clássicos, artigos, monografias, dissertações, teses e livros.
Logo, quando utilizamos as metodologias ativas de ensino/aprendizagem e deslocamos o
centro da ação educativa no trabalho do estudante, que atuando dentro da perspectiva da
Educação Histórica, investiga a partir de pesquisas em fontes históricas e produz uma
historiografia escolar cujos principais meios de circulação e de divulgação pública serão as
plataformas digitais, sem dúvida estamos explorando as potencialidades educativas da
chamada História Pública, ou como muitos preferem, da Divulgação Pública da Ciência.
41
6
Para nomear e sustentar a expressão Historiografia Escolar Digital, remetemos a escrita da História feita na
escola por meio da ação do professor que use de forma crítica do potencial das tecnologias de informação e
comunicação na narrativa de sua aula e à construção de materiais didáticos digitais que explorem e extrapolem a
especificidade deste meio, levando-se em consideração inclusive a participação, a criatividade e a autoria dos
sujeitos posicionados como alunos. (COSTA, 2016).
42
Outra experiência que identificamos como bastante significativa é o contato com fontes
históricas de diversas origens e tipologias, tais como: textos de diversos tipos (manuscritos,
jornalísticos, publicitários, acadêmicos, letras de música, literatura, outros mais), imagens de
todos os tipos: (desenhos, pinturas, fotografias, trechos de filmes, dentre outros), objetos da
cultura material: (objetos de uso cotidiano, obras de arte, dentre outros). Todos esses ricos
vestígios da vida humana em sociedade ao longo do tempo e de suas relações sociais são
originários das mais diversas regiões do país e estão relacionadas a múltiplas temáticas, desde
as mais clássicas, chegando a temas de vanguarda na historiografia. Como podemos perceber,
a possibilidade de lidar com esse rico e diverso acervo documental nos serve, dentre outras
coisas, para que os estudantes compreendam que tudo é fonte histórica como afirma Bloch
(2001, p.79) “A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o que o homem
diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar sobre ele”. Além da
ampliação da noção do que é fonte histórica, os estudantes começam a refletir acerca do papel
das fontes no processo de elaboração do conhecimento histórico e aos poucos compreendem
que elas não falam por si próprias, que as fontes precisam ser selecionadas, lidas, analisadas,
questionadas, confrontadas e acima de tudo problematizadas. Compreendem ainda que as
fontes sozinhas não são nada sem as perguntas que lançamos sobre elas; sem as
problematizações não há história, o que os permite compreender o importante papel do
historiador no processo de investigação do passado à luz das questões do presente. Em última
instância, podemos mencionar a divulgação pública de produção acadêmica, artigos,
dissertações e teses, através da disponibilização dos textos como fonte de suporte para a
resolução das questões ou realização das tarefas.
7
Conceito híbrido formulado por Silva (2019) a partir da apropriação dos conceitos de Literacia Histórica
(BARCA, 2006) e Letramento Digital (BRAGA, 2007).
44
contidos em textos verbais e não verbais, estimula o engajamento espontâneo e verdadeiro por
meio de desafios cognitivos estimulantes, contribui para o desenvolvimento de um repertório
sócio-histórico e cultural, extremamente importante como instrumento de leitura de mundo.
Entendemos ser aqui que reside um dos mais importantes e significativos legados de
toda essa experiência, o desenvolvimento da consciência histórica dos educandos, pois a
consciência histórica é, segundo o que definiu Rüsen (2010), uma categoria que se relaciona
a toda forma de pensamento histórico, através do qual os sujeitos possuem a experiência do
passado e o interpretam como História. Nas palavras do próprio Rüsen, consciência histórica
é “(...) a suma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da
evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar,
intencionalmente, sua vida prática no tempo” (RÜSEN, 2010, p. 57).
Nosso objetivo não é historicizar a origem das olimpíadas científicas, nem mesmo
elencar as diversas experiências de atividades desse tipo, existentes no âmbito nacional e
internacional, tampouco estamos nos propondo a descrever detalhadamente o funcionamento
desta ou daquela olimpíada acadêmica, sobretudo porque isso já fora feito com muita
propriedade em trabalhos como o de Costa Júnior (2018).
Nosso foco é investigar, discutir e avaliar, a partir da experiência como professores
orientadores e estudantes olímpicos, que participaram de uma ou mais edições da ONHB, e da
50
Entendemos que a referida proposta está em perfeita consonância com diversas das
Competências Gerais da Educação Básica, estabelecidas pela BNCC, mas em particular com
a segunda competência, que estabelece que a Educação Básica deve ser capaz de “Exercitar a
curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação,
a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e
testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com
base nos conhecimentos das diferentes áreas. (BRASIL, 2018, p. 10). Nesse sentido,
8
Aprendizagem Significativa é um conceito oriundo da teoria de David Ausubel, focado na aprendizagem
cognitiva e, como tal, propõe uma explicação teórica do processo de aprendizagem. Ausubel baseia-se na
premissa de que existe uma estrutura na qual organização e integração de aprendizagem se processam. Para ele,
o fator que mais influencia a aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe ou o que pode funcionar como ponto de
ancoragem para as novas ideias.
51
Desse modo, acreditamos que o trabalho realizado a partir das questões e tarefas
propostas pela ONHB têm influenciado no modo como os discentes constroem suas leituras
de mundo, pois é a partir dos usos públicos do conhecimento da história que as pessoas
orientam seus posicionamentos e escolhas diante da vida e sedimentam sua Consciência
Histórica, fato que se articula com a décima competência geral estabelecida pela Base
Nacional Comum Curricular, para a Educação Básica. “Agir pessoal e coletivamente com
autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com
base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2018,
p. 10).
A Didática da História, enquanto subdisciplina da ciência histórica, possui um campo
de investigação formado por três grandes áreas. Uma dessas áreas estuda a formação da
consciência histórica produzida dentro do espaço escolar e é relacionada às atividades
desenvolvidas no contexto de atuação da história enquanto disciplina escolar. Essa primeira
vertente é de fato a que mais nos interessa no momento. O outro campo se preocupa com a
formação da consciência histórica feita a partir dos usos públicos da História, ou seja, fora dos
espaços efetivamente pesados para a produção do conhecimento histórico, mais distante da
influência da ciência histórica e da historiografia escolar. Esse segundo campo também nos
53
interessa, embora em menor grau, pois consideramos que de algum modo a relação que os
estudantes estabelecem com o conhecimento histórico, a partir das práticas de Educação
Histórica propostas pela olimpíada, e o modo como eles passam a interagir entre si e com os
outros ao seu redor, têm profundo impacto na formação de suas consciências históricas. Em
última instância, Didática da História se preocupa em investigar os pressupostos didáticos
inerentes da ciência histórica, logo, em outras palavras, a Didática da História se propõe a
questionar o próprio trabalho dos historiadores no sentido de compreender seus objetivos, suas
funções sociais, dentre outras. Sobre esse último campo, gostaríamos de citar, como forma de
explicação, uma fala da professora Cristina Meneguello, por ocasião de conferência no 30º
Simpósio Nacional de História, onde ela dizia: “A que(m) serve seu conhecimento?”
(MENEGUELLO, 2019) e destacou ainda duas pichações feitas nos muros do IFCH –
UNICAMP, onde a professora ministra suas aulas, que diziam; “Se sua arte não chega na
favela, sua arte é piada pra mim, se sua militância não tá na quebrada, sua militância é piada
pra mim”. Nesse momento, no qual recordamos essas citações, veio-nos novamente à cabeça
nossa compreensão acerca de uma das funções mais nobres da História, que ao nosso ver reside
na possibilidade de estimular a reflexão acerca das experiências humanas e, à luz das mesmas,
contribuir para a construção de um mundo mais justo e solidário.
A Educação Histórica, por sua vez, possui uma matriz inglesa e, como já fora dito
anteriormente, surge em um contexto de crise da disciplina de História, no qual estudantes
demonstravam pouco interesse pelo estudo de História nas escolas. Nesse contexto, foi criado
no Reino Unido o chamado Projeto 13-16, cujo propósito era enfrentar a situação de descrédito
pelo qual o Ensino de História estava passando e desenvolver uma cultura de aprender pela
pesquisa e por meio de desafios cognitivos. Para Peter Lee (2006), o cerne do problema estava
na dicotomia entre o que era ensinado e o significado que os alunos davam ao que era ensinado.
O Projeto 13-16 defendia a ideia de que a aprendizagem histórica deveria se concentrar no
desenvolvimento do pensar historicamente, ou seja, no desenvolvimento da cognição histórica.
Uma das razões pelas quais as pessoas mudaram foi constatar que anteriormente, as
crianças encaravam a História como maçadora e inútil e os pais também a achavam
assim; com o Projecto[sic], as crianças passaram a olhar para a História como uma
disciplina séria. Era necessário haver algo que as crianças aprendessem
progressivamente, que se operassem mudanças de idéias[sic passim] e que elas
conseguissem perceber essas mudanças. De facto, as crianças relacionavam melhor
suas idéias em História. Peter Lee (2001, p. 14)
de História? Quais os conceitos, quais as imagens que História fornecia às crianças?” (LEE,
2001, p.14). Foram essas as primeiras questões a orientar as pesquisas acerca da Cognição
Histórica dos estudantes ingleses. O trabalho realizado por Dickinson e Lee (1978), foi
pioneiro no que se refere a pesquisa no campo da Cognição História e introduziu historiadores
em um campo que, até então, era ocupado apenas por teóricos da educação. A partir dos
referidos estudos, foi desenvolvido um modelo de progressão de ideias baseado na natureza
da explicação histórica que fora aprofundado anos depois pelo próprio Lee e por Dickinson.
Ashby e Lee (1987) mergulharam ainda mais fundos nos estudos acerca da cognição histórica,
com estudantes entre na faixa etária entre 11 e 18 anos, e formularam uma escala de progressão
cognitiva mais detalhada e melhor sistematizada, na qual as ideias dos estudantes ficaram
organizadas em categorias, como podemos observar na citação a seguir.
De acordo como o modelo de progressão cognitiva proposto por (Lee, 2001, p. 15), o
desenvolvimento da aprendizagem deveria ocorrer pela apropriação dos Conceitos
Substantivos (escravo, camponês, operário, artesão), bem como pela compreensão dos
Conceitos de Segunda Ordem, que por sua vez se relacionam aos paradigmas da ciência
histórica, aspectos da própria teoria e metodologia da pesquisa em História. (SCHMIDT E
GARCIA, 2006a, p. 9) reforçam a teoria de Peter Lee.
Ainda nessa perspectiva, Lee (2006) defende que para ocorrer avanço na escala de
aprendizagem histórica, é necessária a noção aplicável de Literacia Histórica. Tal conceito está
relacionado às competências interpretativas e de compreensão do passado que permitem ler o
mundo historicamente: é uma espécie de Letramento Histórico.
55
Saber ler diferentes fontes históricas, com suportes diversos (fotografia, pinturas,
documentos escritos, depoimentos orais, cultura material); b) Saber selecionar fontes
para confirmação ou refutação de hipóteses; c) Saber entender o nós (identidade) e
os outros (alteridade) em diferentes tempos e espaços; d) Saber levantar novas
hipóteses de investigação. (GERMINARI, 2011, p. 59)
Tabela 1 – Dados quantitativos de equipes inscritas nas Edições da ONHB, de 2009 a 20019
estudo de caso acerca da sua experiência como professor orientador de equipes participantes
da ONHB entre os anos de 2011 e 2012 e articulou a referida experiência a teoria e
metodologia da Educação Histórica, propondo ainda a análise dos resultados da experiência.
Um outro trabalho extremamente importante para os que pretendem entender a Olimpíada
Nacional em História do Brasil, sua estrutura de funcionamento, suas características explícitas
e implícitas é o trabalho do professor/pesquisador Costa Júnior (2016). Em seu trabalho
publicado com o título de A Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB) e o Ensino
Médio Integrado no IFRN, Costa Júnior (2016) investiga e analisa a experiência de utilização
da ONHB como ferramenta pedagógica inserida no contexto do ensino médio integrado do
IFRN e no percurso promove uma importante e rica descrição da metodologia da olimpíada,
detalhando seu funcionamento prático, o ambiente digital no qual ela está hospedada, a divisão
das fases e tarefas propostas entre a 1ª e a 9ª edição. Discutiremos melhor a contribuição de
cada um dos trabalhos que se propuseram a investigar aspectos que de algum modo se
relacionam com as teorias e práticas da ONHB e suas contribuições para a Educação Básica.
Gostaria imensamente de a partir desse momento do texto me concentrar na análise de
discussão das questões e atividades propostas pala ONHB, ao longo de suas edições, à luz da
teoria e metodologia da Educação Histórica, sobretudo porque considero que os trabalhos que
antecedem ao nosso contemplam perfeitamente a descrição e análise do formato da ONHB.
Porém, em respeito ao meu leitor, que pode ser não iniciado no tema, nos permitiremos uma
breve apresentação da proposta metodológica e do modelo de questões e atividades utilizadas
pela ONHB, tomando por referências os principais trabalhos de Miranda (2013) e Costa Júnior
(2016).
A Olimpíada Nacional em História do Brasil – ONHB é, segundo sua própria
descrição, contida em seu site oficial, um projeto de extensão da Universidade Estadual de
Campinas, desenvolvido pelo Departamento de História por meio da participação de docentes,
alunos de pós-graduação e de graduação, com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Telecomunicações (MCTIC), por meio do edital de Olimpíadas Científicas do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A ONHB é
atualmente coordenada pelas profas. dras. Cristina Meneguello, Alessandra Pedro e Raquel
Gryszczenko Alves Gomes. Trata-se portanto, de uma competição destinada a estudantes da
Educação Básica, das redes pública e privada de ensino, cursando a partir do 8º ano do Ensino
Fundamental ao último ano do Ensino Médio, que organizados em equipes de quatro
componentes, sendo três estudantes e um professor orientador, oportuniza uma espetacular
experiência organizada com base em um proposta inovadora que é a de estudar a História do
58
Brasil a partir documentos históricos, imagens, músicas, filmes, mapas, textos acadêmicos,
pesquisas inéditas e debates historiográficos.
Atualmente, a ONHB é composta de seis fases realizadas em ambiente digital on-line,
com duração de uma semana, nas quais os estudantes e seus professores/orientadores são
desafiados a responder questões de múltipla escolha contendo quatro alternativas, sendo uma
delas errada e três corretas. As alternativas de resposta possuem pontuação diferentes, que
variam de acordo com o nível de análise proposto por cada uma delas. Logo, as alternativas
estão organizadas em níveis diferentes de proficiência, sendo atribuída a cada uma delas uma
pontuação distinta e progressiva, de acordo com o nível de complexidade analítica, como
podemos identificar nos escritos de Miranda (2015, p. 81):
até mesmo apresentam discussões oriundas dos novíssimos debates historiográficos. Logo, são
consideradas as de nível mais complexo e sofisticado.
Para discutir os diferentes níveis de proficiência presentes nas alternativas de cada uma
das questões da ONHB, no que se refere à natureza do conhecimento histórico, e para
argumentar em favor da compreensão de que os indivíduos elaboram ideias históricas em
escala gradual de sofisticação, gostaria de recorrer às palavras da professora Isabel Barca em
defesa da ideia da existência de estágios progressivos de pensamento histórico, bem como no
destaque da relevância e dos efeitos da utilização das fontes históricas no processo de
ensino/aprendizagem de História. Em suas próprias palavras, Barca (2012) afirma,
Saber "ler" fontes históricas diversas, a vários níveis, com mensagens diversas e com
formatos também diversos. Saber confrontar as fontes nas suas mensagens, nas suas
intenções, na sua validade. Saber selecionar as fontes, para confirmação e refutação
de hipóteses descritivas e explicativas. Saber entender, ou procurar entender, o "Nós"
e os "Outros", nos seus sonhos e angústias, nas suas grandezas e misérias, em
diferentes tempos, diferentes espaços. Saber levantar novas questões, novas
hipóteses a investigar. O que constitui, afinal, a essência da progressão do
conhecimento. (p. 134-135).
argumentamos ser a base teórica por trás da ONHB, e está intimamente relacionada aos
teóricos da educação que se dedicaram aos estudos da cognição, porém com a relevante
diferença de ser pensada e posta em prática pelos próprios historiadores e não pelos estudiosos
da educação.
Além das questões, a ONHB propõe a realização de diversas tarefas através das quais
busca promover o desenvolvimento de habilidades e competências, por meio de atividades
relacionadas ao universo de trabalho do historiador. Desse modo, promove o contato dos
estudantes da educação básica com atividades complexas e sofisticadas que os desafiam e
estimulam à pesquisa, promove letramentos tecnológicos, estimula o olhar crítico e analítico,
desenvolve a alteridade, valoriza a tolerância e o respeito às diferenças, aguça o senso de
solidariedade e justiça, fomenta a elaboração de posicionamentos lógico argumentativo diante
de situações de conflito, oportuniza experiências de negociação de ponto de vista, promove
uma espécie de iniciação científica e estimula a aprendizagem ativa e autônoma.
Nesse sentido, compreendemos que a proposta de trabalho formulada e posta em
prática pela ONHB, há mais de uma década, já se mostrava vanguarda, uma vez que estava
focada no desenvolvimento integral dos estudantes. Já em sua primeira edição, em 2009, a
ONHB propunha uma discussão que hoje está presente nas competências gerais da Educação
Básica, estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em 2018. A
questão que abriu a primeira fase da primeira edição propõe, em clara metalinguagem, uma
reflexão acerca da relação entre o ser humano e as TDICs.
Uma mensagem antecedia a versão impressa da prova, deixando claro que aquela era
uma atividade on-line e que deveria ser respondida em sua plataforma nativa, a digital, estando
ali a versão para impressão, tão somente como suporte aos que ainda não estão tão adaptados
à leitura em ambientes digitais. A mensagem dizia “Este documento não serve como prova. A
prova deve ser feita pela internet” (ONHB, 2009) e em seguida apresentava a seguinte questão.
As primeiras cinco fases de nossa Olimpíada acontecem por meio digital. Você está
agora, provavelmente, diante de um computador. Essa máquina tem uma história, e
62
essa faz parte da sua própria história. Observe estas propagandas de micro-
computadores [sic], ambas da década de 1980; a primeira trata do modelo TK 85 e a
segunda, de um modelo posterior, o TK 95.
Propaganda do TK 85 Propaganda do TK 95
Palavras-chave: Computador; Palavras-chave: Computador;
Comunicações; Tecnologia Séc XX Comunicações; Tecnologia
Séc XX
Alternativas
A. As propagandas indicam que o computador tornava-se um equipamento pessoal,
utilizado nos lares.
B. A propaganda do TK95 apela para a questão da informação, tanto em seu texto
como na imagem, demonstrando outros usos potenciais para aquela máquina.
C. O TK 85 era um equipamento pouco sofisticado, o que tornava extremamente
lento para o usuário comum navegar na internet.
D. À medida que havia mais recursos tecnológicos, o computador se tornava mais
presente na vida das pessoas, deixando de ser um equipamento prioritariamente de
trabalho, trazendo recursos de lazer. (ONHB, 2009)9
O gabarito oficial trouxe a seguinte pontuação para cada uma das alternativas. Para a
alternativa (A) fora atribuída a pontuação mínima (1 ponto), para a alternativa (B) fora
atribuída a segunda maior pontuação (4 pontos), para alternativa (C) não foi atribuída
pontuação nenhuma (0 pontos) e para a alternativa (D) fora atribuída a pontuação máxima (5
pontos).
9
Primeira questão da Primeira fase da Primeira edição. Disponível em:
https://drive.google.com/drive/folders/0B24Pob8ONI7TZmZYcDBZV0FoRE0> acessado em 15 de julho de
2019
63
Outro aspecto que é uma tônica da ONHB, e que se apresenta já nessa primeira questão,
é a abordagem de temáticas pouco ortodoxas e incomuns no currículo de História como
disciplina escolar na educação formal. O paradigma de elaboração das questões se pauta muito
mais pela proposta de desenvolvimento de competências relacionadas ao próprio saber
histórico do que por um currículo baseado nos fatos históricos, muito embora eles não sejam
negligenciados e tenham seu espaço reservado. Competências gerais, como as propostas pela
BNCC também são alvo das atividades propostas pela olimpíada que visa promover
conhecimento; pensamento científico crítico e criativo; repertório cultural; comunicação;
cultura digital; trabalho e projeto de vida; argumentação; autoconhecimento e autocuidado;
empatia e cooperação; responsabilidade e cidadania, tal como encontramos em BRASIL
(2018).
Gostaríamos também de destacar as variadas tarefas propostas pela ONHB, que vão
desde a classificação de fontes por período de produção e período sobre a qual se refere,
possibilitando ao estudante refletir sobre a questão das múltiplas temporalidades, noções de
assimetria temporal, dentre outras. Atividades que propõem a análise iconográfica de desenhos
de origem popular e erudita, passando por ilustrações produzidas por viajantes, mapas
históricos, passando ainda por obras de arte de artistas, consagrados ou não, e fotografias, que
oportunizam a educação do olhar, a inserção das obras em seu contexto de produção, a
compreensão da arte como reflexo da sociedade na qual ela se insere socialmente, dentre outras
questões. Até chegar as atividades que particularmente consideramos mais complexas e mais
impactantes na contribuição para o desenvolvimento da Consciência Histórica dos estudantes,
que é a produção de narrativas historiográficas.
Foram diversas as atividades propostas como forma de promover o desenvolvimento
da capacidade de ler o passado a partir da epistemologia da História e de produzir narrativas
históricas em contexto escolar, o que chamamos de Historiografia Escolar Digital, todas elas
já listadas no quadro 1 desse mesmo trabalho dissertativo. Segundo Rüsen apud Barca et al.
(2010, p. 12), as narrativas são a face material da Consciência Histórica. Logo, consideramos
que através da análise dessas narrativas históricas, produzidas pelos estudantes, podemos
compreender o modo como eles se apropriam do conhecimento histórico, as relações que eles
estabelecem entre presente e passado bem como a utilização dos marcos temporais por eles
selecionados. Iremos nos propor a analisar em nosso segundo capítulo algumas dessas
narrativas escolares.
65
caso. Não nos disporemos a explorar nesse trabalho essa importante questão, mas espero que
outros colegas o façam.
Não obstante ao grande avanço que observamos nas pesquisas na área do Ensino de
História, como o surgimento de diversos grupos de pesquisa e, inclusive com perceptível
ampliação do espaço dos debates sobre ensino nos eventos acadêmicos de História, como é o
caso dos simpósios promovidos pela ANPUH, que além de apresentarem um evento específico
de ensino em paralelo, a ANPUH Educação, ainda contam com seminários temáticos de ensino
dentro do próprio evento geral. Mesmo com todo esse movimento acontecendo, ainda é
significativa a permanência de práticas tradicionais de ensino de História nas escolas
brasileiras. Nesse modelo, o professor praticamente monopoliza a fala durantes as aulas,
fazendo ele próprio as leituras dos textos, as inferências, as ponderações, as análises, os
contrapontos. Na maioria das ocasiões, as conclusões às quais o professor chegou a partir da
leitura dos livros didáticos, e de outros elementos de sua própria trajetória formativa, são
apresentadas aos alunos, de modo resumido, por meio de uma explanação oral e/ou a partir de
um esquema resumo escrito no quadro, projetado em uma tela ou em algum suporte correlato.
Logo, conclui-se que a partir desse tipo de prática, desse modelo de aula, os estudantes não
são estimulados a pensar historicamente e, quando muito, se esforçam para memorizar fatos
históricos e descrevê-los com a maior riqueza de detalhes possível. Articular esse
conhecimento histórico com o presente, lançar perguntas contemporâneas sobre esses
processos históricos, utilizar o saber histórico para refletir acerca do universo sócio-histórico
e cultural no qual ele se insere, é tarefa incomum dentro desses contextos formais e tradicionais
de ensino/aprendizagem histórica.
caráter dinâmico e transitório do conhecimento histórico. Logo, na maioria das vezes o saber
histórico chega ao estudante de modo pronto e acabado, não oportunizando que o discente
possa se apropriar de modo mais complexo do referido saber e da trajetória epistemológica
percorrida até que aquela narrativa pudesse ser apresentada a ele. É nesse vácuo de atuação
que compreendemos que a ONHB encontrou seu espaço de inserção e “acertou no alvo”, como
podemos perceber na fala de Meneguello (2016).
Há pouco espaço para o cotejo das fontes, para narrativas contraditórias, para o estudo
desafiador e instigante das evidências históricas. Logo, desse modo a fonte perde
completamente sua aura de encanto, de ponte entre o passado e o presente, de indício de algo
a ser investigado, pesquisado, debatido, relativizado, questionado e aprofundado. Isto posto,
acreditamos que o cenário descrito empobrece o processo de ensino-aprendizagem de história,
o torna enfadonho, desestimulante e o que é mais grave, pouco reflexivo.
As pesquisas sobre ensino de História têm uma visão da escola numa perspectiva
reprodutivista. Vista como um bloco coeso, sem contradições, mesmo quando
declara algumas experiências inovadoras, a escola é sempre o espaço da reprodução
da cultura, sistema e ideologia dominantes. As pesquisas, na sua grande maioria, são
frutos de experiências ditas “alternativas” em sala de aula. Relatam experiências de
ensino com fontes primárias, com músicas, com teatro, com filmes/vídeos, com
estudos do meio, com fichas de leitura, com produção de textos, com/sem livros
didáticos, entre outras. Raramente essas experiências têm uma ligação sistemática e
efetiva com equipes de universidades (sejam ou não da Prática de Ensino). São, no
mais das vezes, experiências individuais de professores cansados da desmotivação
dos alunos com as aulas de História. Não extrapolam os muros da escola; são
circunscritas, não raramente, àquela disciplina, naquela sala de aula. (COSTA e
OLIVEIRA, 2007, p. 154)
O que estamos tentando discutir e aprofundar é a análise acerca das contribuições que
a metodologia utilizada na ONHB, que acreditamos ser permeada pelos princípios teórico
metodológicos da Educação Histórica e das Metodologias Ativas, pode oferecer para o
processo de ensino-aprendizagem ativo, colaborativo e significativo. Desejamos ainda avaliar,
como forma de mensurar os impactos das referidas práticas, analisar a repercussão da
participação dos estudantes na ONHB em sua compreensão sobre as categorias e conceitos
historiográficos; metodologia da produção do conhecimento histórico; dentre outros aspectos
da epistemologia da ciência histórica.
69
(...) no Brasil são relativamente tradicionais as Olimpíadas nos campos das ciências
da vida, exatas e tecnológicas como as já conhecidas Olimpíada Brasileira de
Matemática, de Química, de Física, entre outras, sempre associadas às ciências
exatas e naturais. Já o campo das ciências humanas, ainda que fundamental para a
formação intelectual e cognitiva e para a cultura científica entendida de forma mais
ampla e global, é ainda tema pouco privilegiado e as iniciativas em termos de acesso,
divulgação e inclusão são poucas ou pouco conhecidas. A divulgação científica ainda
se estende pouco para estes campos de competência – a história, a literatura, as
ciências humanas em geral – campos esses que ficam muitas vezes relevados a
“curiosidades menores” que adornam publicações científicas de cunho geral. Do
mesmo modo, uma vaga “curiosidade histórica” alimenta um mercado editorial
atento, mas não necessariamente criterioso, de forma que o interesse pela história
oscila entre um misto de erudição (mas sem muito peso) e de curiosidades
desalinhavadas, aos moldes de antigos almanaques ao estilo do “Eu sei Tudo”.
(MENEGUELLO, 2016, p. 2)
universidade, a utilização dos ambientes digitais que, como efeito colateral, acaba por
estimular uma espécie de letramento digital a partir do contato com a dinâmica de uma
atividade realizada, quase que em sua totalidade, em ambiente digital de aprendizagem. Tais,
em muito contribuem bastante no sentido de desenvolver “habilidades individuais e sociais
necessárias para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito
crescente dos canais de comunicação digital” (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016, p.
17). Nesse sentido, percebemos uma estreita articulação com duas das competências gerais
apontadas pela BNCC, as competências 4 e 5, quando afirmam que os estudantes da Educação
Básica devem ser capazes de:
educacional articulado com a Escola Básica, foi Miranda (2013), em seu trabalho monográfico
de conclusão do curso de especialização em metodologia do ensino de História da
Universidade Estadual do Ceará em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), intitulado
“Projeto da ONHB na E.E.M. Tenente Mário Lima: Do ensino de história a educação
histórica”, defendido e publicado em 2013. O trabalho de Miranda (2013) busca fazer, através
de uma metodologia de observação participante, um estudo de caso da experiência vivida por
ele, como professor orientador de equipes olímpicas durante a 3ª e 4ª edições, 2011 e 2012,
em uma escola da rede estadual do Ceará. O referido trabalho é, dentre os que encontramos
dentro da mesma temática, o que mais se aproxima em termos teórico-metodológicos do
estudo que objetivamos realizar, uma vez que ele se propõe dentre outras coisas, a analisar a
experiência da ONHB à luz dos conceitos de Consciência Histórica e Educação Histórica,
como podemos perceber nas palavras do autor.
Outro trabalho que se debruça sobre a ONHB enquanto objeto de estudo é o trabalho
dissertativo de Costa Júnior (2017) intitulado “A Olimpíada Nacional em História do Brasil -
ONHB e o Ensino Médio Integrado no IFRN”. Nela podemos encontrar um histórico da
ONHB contendo desde suas origens, o contexto no qual a olimpíada surgiu, seus principais
idealizadores, passando pela estrutura de funcionamento, regras de participação, organização
das fases, o formato das questões e demais atividades, diversos dados estatísticos sobre os
participantes até chegar em seu objeto principal de investigação, que é a análise dos possíveis
diálogos entre a ONHB e o Ensino Médio Integrado no IFRN, como o próprio autor afirma.
A presente dissertação teve como objetivo analisar se a ONHB age ou não como
facilitadora no desenvolvimento de práticas pedagógicas integradoras no Ensino
Médio Integrado, com base no PPP do IFRN. Dessa forma, discutimos sobre o
Ensino Médio Integrado, considerando os princípios orientadores da prática
pedagógica no IFRN e a proposta para o ensino de História nessa instituição;
desenvolvemos um estudo acerca da ONHB, considerando os seus objetivos,
características e contribuições para o ensino de História no Ensino Médio Integrado;
e analisamos as atividades propostas pela ONHB tendo como parâmetros os
princípios orientadores da prática pedagógica expressos no PPP do IFRN: a pesquisa
como princípio pedagógico; o trabalho como princípio educativo; o respeito à
diversidade; e a interdisciplinaridade. (COSTA JUNIOR, 2017, p. 144)
72
Outro trabalho que teve um objeto de pesquisa relacionado com a ONHB, e que foi
recentemente publicado foi o de Simas (2018). Em sua dissertação, o autor trabalha com a
proposta de analisar o ensino de História indígena dentro da sala de aula e a influência do uso
de documentos presentes nas questões da ONHB. Publicado com o título “Pensamento
histórico de estudantes da educação básica sobre a temática Indígena: Um estudo de caso a
partir de documentos e propostas da Olimpíada Nacional em História do Brasil”, a pesquisa
de Simas (2018) se aproxima do estudo que pretendemos realizar no que se refere a investigar
e refletir sobre as transformações processadas nas ideias dos estudantes, na chamada
consciência histórica . Porém, com o recorte específico da temática indígena e a não
abordagem acerca das contribuições das Metodologias Ativas e do uso das TDICs como
elemento importante na formação da rede de pesquisadores que aprendem de modo
colaborativo, bem como a ausência de uma análise sobre a dimensão formativa da ONHB,
bem como a falta de uma discussão sobre o papel da ONHB como espaço para a divulgação
de conhecimento Histórico, suficientemente nossos objetos e objetivos de pesquisa.
Também gostaria de destacar o trabalho publicado por Pinheiro (2018), cujo foco é o
estudo do sistema avaliativo utilizado pela ONHB e a proposição de um método de avaliação
a ser utilizado na escola básica, baseado no sistema de avaliação em questão. Em seu trabalho,
Pinheiro (2018) propõe o desenvolvimento e a aplicação no Ensino Médio de um modelo de
avaliação objetiva de múltipla escolha semelhante ao utilizado na ONHB, ou seja, onde existe
apenas uma alternativa errada e demais apresentam níveis diferentes de proficiência. Em seu
trabalho, a professora Laira Pinheiro propôs o desenvolvimento do que ela chamou de Guia
Prático para Professores do Ensino Médio: A prova Objetiva no Ensino de História e o Sistema
de Múltiplas Escolhas e Pontuações. Seus principais referenciais teóricos são oriundos da
educação, nomes como Cipriano Carlos Luckesi, Jussara Hoffmann, Vasco Pedro Moretto e
Philippe Perrenoud dentre outros. Consideramos muito interessante o trabalho da colega
professora e acreditamos que suas contribuições serão importantes quando por ocasião da
elaboração das metodologias avaliativas que proporemos dentro da disciplina eletiva que
73
propomos ofertar como produto de intervenção escolar. Entendemos que a proposta de modelo
avaliativo formulada por Pinheiro (2018) está em consonância com a teoria da Educação
Histórica e se propõe a valorizar o processo de formação da consciência histórica, como
podemos perceber em suas palavras.
10
Texto disponível em https://www.olimpiadadehistoria.com.br/paginas/onhb10/home> acessado em 18 de
novembro de 2018.
74
tecnologias na vida humana, muita coisa precisa ser ponderada e analisada. Há problemas que
vão desde a esfera comportamental, como por exemplo o cyberbullying, a superexposição e os
diversos distúrbios comportamentais relacionados, muitas vezes, do uso excessivo de
tecnologia e da relação de dependência estabelecida entre o usuário e os gadgets11, passando
por questões mais estruturais como a eliminação de postos de trabalho, nas quais atividades
profissionais humanas se tornam obsoletas ou mesmo desaparecem ante aos processos de
automação, passando por processos de fragilização e, em alguns casos, perda de habilidades
humanas específicas, tais como a capacidade de guardar informações na memória e a escrita à
mão com grafia cursiva, até chegar ao lamentável fenômeno de precarização das relações de
trabalho onde os novos sistemas de gerenciamento de serviços via aplicativos vendem a ideia
de uma lógica de trabalho inovadora, flexível e mais livre, vendem a imagem e o conceito de
empreendedorismo agregado, mas na verdade exploram a mão de obra de trabalhadores que
são expostos a situações precárias de trabalho e sem nenhuma proteção da legislação
trabalhista.
Enfim, poderíamos ficar por bastante tempo elencando e debatendo acerca de como
praticamente tudo, em menor ou maior grau, sofreu algum tipo de impacto e se transformou a
partir das TDICs, mas, em consonância com nossos objetivos específicos nesse trabalho,
vamos focar no modo como as pessoas mudaram, ao longo do tempo, seu modo de interagir
com as informações, de consumir conteúdo e, sobretudo, o modo como aprendem.
Considerando que, desde as sociedades mais antigas, o conhecimento tem se constituído um
privilégio e, por muitas vezes, elemento fundamental de distinção social, se informar, buscar
conhecimento e aprender deveria ser um desejo humano natural e inquestionável. Porém,
cientes do poder e do prestígio que o conhecimento e a sabedoria podem conferir a um
indivíduo, alguns grupos sociais decidiram tutelar o acesso à informação e ao conhecimento,
tornando o que deveria ser um direito universal e inalienável em mercadoria cara e cobiçada
e/ou instrumento poderoso de distinção social e manutenção de privilégios. Foi então que,
ainda durante a antiguidade, o conhecimento se tornou um importante e eficiente instrumento
de manutenção do poder e prestígio dos nobres e bem-nascidos, que tinham o direito e o
privilégio do acesso à educação, enquanto a maioria dos membros da sociedade só aprendiam
o suficiente para realizar o trabalho produtivo a eles designado.
Mais tarde, durante a Idade Média europeia, não fora muito diferente, pois na ocasião
11
Gadget ou gizmo é uma gíria tecnológica pra designar dispositivos eletrônicos portáteis, criados para facilitar
funções específicas e úteis no cotidiano, que possuem inovações tecnológicas, são produzidos de modo
inteligente ou com desenho mais avançado.
76
escolas da educação básica, e até mesmo algumas universidades, estão na contramão desse
movimento. Ao observamos atentamente as unidades escolares, sejam as da educação básica
ou superior, perceberemos que sua essência e estrutura básica se mantiveram sem grandes
alterações durante os últimos séculos. Ainda insistimos em um tipo de escola inspirada no
modelo de produção industrial, com propostas de educação massificada, currículos
padronizados e prescritos para alunos organizados em séries, divididas por faixas etárias, onde
alunos são submetidos as mesmas experiências educativas uns dos outros, sem respeitar sua
individualidade, a diversidade de modos de aprender, os múltiplos tipos de inteligências, os
diferentes ritmos e caminhos de aprendizagem. Portanto, podemos concluir que tais modelos
escolares pressupõe a existência de uma escala uniforme e linear de desenvolvimento
intelectual. O padrão geral dos modelos escolares trabalha, impõe regras, horários, e padrões
de comportamento a serem seguidos, não previamente discutidas e acordadas com a
comunidade discente, além de exigirem o uso de uniformes e de ainda usarem sirenes, que em
muito lembram o típico apito das fábricas. Nesse modelo de escola, claramente inspirado na
disciplina de controle do operário fabril, o professor é a figura central do processo educacional,
o detentor do saber, portanto, o foco das ações está no ensinar, isso é o que importa. O
estudante não é estimulado a ser protagonista do próprio processo de aprendizagem, e as
práticas pedagógicas são focadas em acumular o maior volume possível de informações. Como
podemos perceber, esse modelo de educação bancária, no qual o estudante é tratado como
mero expectador passivo, sendo-lhe negado o protagonismo de aprendiz ativo, em pouco
contribui para o desenvolvimento de habilidades e competências verdadeiramente
significativas e libertadoras, pois como diz Freire (1996. p.27) “Ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
Infelizmente, a escola básica contemporânea tarda a perceber o fato de que sua inserção
na contemporaneidade só se dará de modo eficiente e significativo mediante uma abertura para
o novo e, sobretudo, pela conscientização de que o uso do argumento de autoridade e das
metodologias passivas tradicionais não são suficientes para sensibilizar, gerar engajamento e
impactar positivamente as novas gerações. Não é à toa que assistimos a inúmeras crises no
contexto escolar que vão desde as queixas relacionadas a falta de interesse dos estudantes,
passando pela indisciplina, falta de concentração, dentre tantas outras queixas, a ponto de
alguns pais chegarem a cogitar medidas radicais e polêmicas como a retirada dos filhos da
escola e fazerem opção pela polêmica educação domiciliar ou homeschooling.
Porém, as escolas mais atentas, mais antenadas, conseguem perceber que já passou da
hora de se abrir para a educação 4.0, um modelo de educação caseado no learning by doing,
no experienciar, no colocar a mão na massa, no protagonismo do aluno enquanto sujeito ativo
no processor de aprendizagem. De acordo com José Morán (2015), as instituições
educacionais mais atentas às transformações e aos rumos do mundo, percebem que existe a
possibilidade de dois caminhos a seguir, um de adequação mais suave e paulatina, e outro mais
amplo, com mudanças mais profundas, mas em ambos os casos, o caminho passa pela inserção
de metodologias ativas, uma vez que o foco deve estar na promoção de um envolvimento
maior do aluno, no estímulo ao aprender e a aprender.
Diante da ampliação das formas de acesso à informação, dentro do contexto de uma
sociedade para a qual o conhecimento está há um click de distância, é natural que estudantes
não aceitem instruções dogmáticas, esquemas fechados, pressupostos científicos doutrinários
e expostos, muitas vezes, sem grandes reflexões, observação empírica ou debates como
estratégia de mediação da construção de conhecimento. Também não estranhamos que nesse
contexto escolar por nós descrito, apareçam tantos diagnósticos de transtornos como o TDAH
– Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e o TOD – Transtorno Opositivo-
Desafiador, uma vez que consideramos que o modelo de educação passiva contribui, de algum
modo, para a apatia dos discentes ante aos processos de ensino/aprendizagem, uma vez que as
metodologias passivas pouco envolvem os estudantes em atividades desafiadoras de
construção de conhecimento e não estimulam uma postura ativa por parte do discente. Além
disso, a exposição dos conteúdos curriculares feita de modo tradicional, ou seja, centrada na
figura do professor, pode soar autoritário e impositivo, tendendo a não levar em conta os
saberes prévios dos alunos, suas experiências de vida, e todo o conhecimento por eles
construído através dos mais diversos percursos, que vão desde os mais clássicos, como suas
leituras, passando por modos alternativos de aprender como o uso dos filmes, séries, podcasts,
viagens, visitas a instituições de história e memória, contatos com a tradição oral, interação
com elementos da cultura material e imaterial, como pinturas, esculturas, músicas, danças, arte
em geral, dentre outras tantas possibilidades de se aprender lendo o mundo ao nosso redor.
Porém, não é nossa intenção afirmar a inexistência dos referidos transtornos, em absoluto,
80
apenas estamos tentando compreender que fatores podem ter contribuído para o aparente surto
desses tipos de transtorno na contemporaneidade, ou pelo menos para o agravamento dos
sintomas observados nos casos já existentes, bem como relativizar alguns diagnósticos
possivelmente precipitados. Vivemos em uma sociedade exposta cotidianamente a estímulos
incontáveis e multissensoriais, muitas telas, sons e cores; verdadeiras centrais multimidia são
portadas por nós, cotidianamente em nossos bolsos, onde temos na palma das mãos, músicas,
filmes, séries, jogos, realidade aumentada etc. Enfim, diversos tipos de estímulos estão ao
alcance da mão. Logo, como poderíamos gerar engajamento por parte dos alunos se, muitas
vezes, antes mesmo de estabelecermos sequer vínculos afetivos com eles, investimos em
longas, cansativas e desestimulantes exposições orais e escrevemos grandes quantidades de
informações no quadro. Acreditamos que esse modelo expositivo, passivo, que não é capaz de
gerar engajamento, não estimula o desejo de aprender, não fomenta o olhar crítico,
questionador e investigativo, mas muito pelo contrário, contribui para a reprodução de um
modelo de ensino/aprendizagem baseado na baixa reflexividade e na mecânica memorização
de informações.
Pois bem, é diante desse cenário que enxergamos um contraste entre um ambiente
escolar que, via de regra, pouco se transformou ao longo dos últimos três séculos, tanto em
sua estrutura física quanto em seus paradigmas teórico-metodológicos e a juventude desse
“admirável mundo novo”, a chamada Geração Z, nascida após o ano 2000, geração essa que
foi a primeira a já nascer em um mundo solidamente dominado pela internet, pelas mídias
digitais e pela cibercultura. Portanto, o que estamos defendendo é a necessidade da escola
caminhar ao encontro desses estudantes, utilizando metodologias ativas de
ensino/aprendizagem, oportunizando a esses jovens estudantes o contato com o método
científico de produção de conhecimento, como o método investigativo, com o aprender pela
pesquisa, com práticas de aprendizagem colaborativa, com estratégias de aprendizagem
81
A escola padronizada, que ensina e avalia a todos de forma igual e exige resultados
previsíveis, ignora que a sociedade do conhecimento é baseada em competências
cognitivas, pessoais e sociais, que não se adquirem da forma convencional e que
exigem proatividade, colaboração, personalização e visão empreendedora.
(MORÁN, 2015, P 16)
e particularidades físicas, dentre tantos outros tantos produtos e/ou serviços que podem ser
customizados, respeitando assim a enorme diversidade humana. Em contrapartida, na
educação as redes escolares, públicas e privadas, lamentavelmente insistem no caminho da
produção em série e na padronização do atendimento, logo em uma atividade tão complexa e
que tantas especificidades envolve, como é o caso da aprendizagem humana. Talvez isso
decorra do fato de termos muitas instituições de ensino, quando na verdade deveríamos ter
mais instituições de aprendizagem. A principal diferença em mover o foco do ensino para a
aprendizagem reside no fato de que a atenção principal passa a estar realmente sobre o
principal objetivo do processo, que é aprender, e levaria a reflexões sobre as necessidades
específicas dos alunos e em seu processo de aprendizagem.
Feitas as devidas reflexões sobre ensino personalizado, gostaríamos de deixar claro
que não estamos sendo ingênuos, pois sabemos que as políticas educacionais, tanto na esfera
pública quanto na privada, passam inevitavelmente pela questão dos custos e, portanto, não
estamos defendendo um atendimento totalmente individualizado, personalizado para cada
estudante, mas sim um meio termo entre essa educação massificada, padronizada e generalista,
feita em escala industrial e um modelo como uma maior customização das ações didáticas,
que possa se adequar melhor aos múltiplos contextos que encontramos no cotidiano das
escolas e salas de aula, algo mais artesanal, no melhor sentido do termo, onde a arte/ciência
do ofício de professor/historiador seja utilizada para desenhar situações de aprendizagem
estimulantes, significativas, que promova engajamento, que estimulem o olhar crítico e uma
postura questionadora, em outras palavras, que as ações didáticas tenham o aluno como foco
principal, que o professor/historiador atue como curador, como argumentam (BARBOSA;
MOURA, 2013, p.55) que afirmam que em um ambiente de aprendizagem ativa, o professor
atua como orientador, supervisor, facilitador do processo de aprendizagem, e não apenas como
fonte única de informação e conhecimento. Portanto, cabe ao professor selecionar materiais,
organizar situações de aprendizagem e promover ações através das quais os discentes possam
construir conhecimento e
Uma alternativa interessante para caminhar nesse sentido são as Metodologias Ativas
84
de ensino aprendizagem, que segundo Barbosa e Moura (2013, p.55) ocorrem quando o aluno
interage com o assunto em estudo – ouvindo, falando, perguntando, discutindo, fazendo e
ensinando – sendo estimulado a construir o conhecimento ao invés de recebê-lo de forma
passiva através do professor. As referidas metodologias apresentam uma significativa
quantidade de estratégias inovadoras de ensino/aprendizagem que contribuem para um maior
engajamento dos discentes, retirando o foco do ensino e jogando luz sobre a aprendizagem.
Nesse sentido, o aluno se torna mais responsável pela própria aprendizagem e atua como
sujeito ativo na construção do próprio conhecimento.
Cremos que as metodologias ativas se constituem em estratégias eficientes de
aprendizagem através da vivência de experiências mais próximas das situações reais, nas quais
o conhecimento é mobilizado de modo mais natural, bem próximo do que nas situações de
aprendizagem não formais que permeiam no cotidiano. Portanto, dentro do contexto da
educação formal e escolarizada, as ferramentas que mais se aproximam do modo como
aprendemos em nosso cotidiano são as metodologias ativas, através das quais podemos
experienciar a aprendizagem em pares e/ou em grupos, a aprendizagem baseada em problemas,
dentre outros tantos modos de aprender nos quais os estudantes são os sujeitos ativos e
principais responsáveis pelo processo de aprendizagem. Nesse sentido, as metodologias ativas
de aprendizagem contribuem para a construção de uma aprendizagem realmente significativa,
que não se baseia apenas na memorização descontextualizada de informações; promove a
integração das áreas de conhecimento, uma vez que nas situações reais de aprendizagem, ou
nas simulações, a exemplo do que ocorre na vida real, os conhecimentos não se apresentam
isolados nas caixinhas das disciplinas; estimula uma postura reflexiva, uma vez que em
situações reais, simuladas ou mesmo a partir da análise das evidências históricas, os discentes
se deparam com questões de ordem moral, ética, dentre outras; contribui para o
desenvolvimento da criticidade, uma vez que são defrontados com questões complexas da
existência humana e dos diversos modos de organização social, o aluno precisa questionar as
informações disponíveis e, invariavelmente, aprofundar o conhecimento acerca daquela
realidade e/ou contexto; desafia os estudantes a analisar a situação, refletir, formular hipóteses
e propor intervenções/soluções para diversas questões a eles apresentadas.
É provável que algumas pessoas, mesmo diante de tantas evidencias e indícios que
apontam para os impactos positivos das práticas pedagógicas pautadas pelas de metodologias
ativas, ainda resistam em construir estratégias didáticas baseadas nos princípios norteadores
das referidas metodologias. Esse fenômeno pode ser compreendido de diversos modos, desde
a concepção de que as metodologias ativas são mais um modismo, dos tantos que aparecem e
85
desaparecem de tempos em tempos na educação, passando pelos que não se sentem seguros
em abrir mão do controle sobre o tempo pedagógico, e acreditam na eficácia da aula centrada
no professor gestor das ações didáticas, centradas na ação do mestre e na demonstração, tendo
ainda os que consideram que as atividades didáticas com foco no aluno consomem muito
tempo e dificultam o cumprimento dos conteúdos curriculares, até chegar aos que temem o
novo, não se sentem confortáveis partilhar o protagonismo com os discentes, consideram que
as tecnologias são meros adereços, penduricalhos, apenas ilustrações, adereços e pura
pirotecnia que, na maioria das vezes, desviam o foco do que realmente importa que é a aula
expositiva, centrada no professor, o especialista e sujeito melhor capacitado gerir o processo
de ensino/aprendizagem.
Pois bem, seria muito fácil responsabilizar o professor pela não adesão imediata e sem
receita às propostas da chamada educação 4.0, inclusive alegando tudo o que elencamos como
fatores que afastam muitos colegas das práticas não centradas no professor. Porém, é preciso
perceber que por trás do já mencionado receio que alguns colegas nutrem acerca de propostas
educacionais menos ortodoxas, existe uma significativa carga cultural construída ao longo de
muitos anos de práticas docentes nas quais o professor e o ensino eram o foco. Muitas dessas
práticas nem sequer “parecem ensino”, uma vez que o papel do professor se desenvolve bem
mais nos bastidores, no planejamento e na mediação, do que efetivamente no palco já
sacralizado da sala de aula. Portanto, precisamos observar que durante muitos anos, ensinar
era a ação central e mais valorizada do labor docente.
É provável que muitos dos colegas professores tenham escolhido a profissão inspirados
que foram por grandes professores que passaram por suas vidas em algum momento de sua
formação e, mesmo que inconscientemente, reproduzem muitas vezes práticas daqueles de
seus mestres. Porém, é preciso observar que as práticas de nossos antigos e queridos mestres
são datadas, estão inseridas em um contexto histórico específico, e mesmo que funcionassem
bem naquele contexto, talvez não funcionem bem diante de outra geração de estudantes,
86
inseridas em um outro contexto histórico bastante diferente. Também é possível, que alguns
professores tenham certo apego por monopolizar a atenção em sala de aula, gostem de falar
em público e de serem admirados por seu conhecimento e habilidades didáticas. Não
desejamos fazer aqui nenhum juízo de valor quanto a isso, sobretudo porque entendemos ser
absolutamente compreensível nutrir um certo orgulho pelo bom trabalho realizado, pelo
compromisso, dedicação e zelo com o qual desempenhamos nossa atividade profissional,
então apenas estamos tentando refletir acerca das possíveis origens desse apego pelo ensinar,
bem como sobre as diversas forças que obstaculizam a caminhada rumo a uma educação com
foco no aprendente e na aprendizagem, não mais no ensinar . Nesse sentido, Morán (2015)
argumenta no âmbito de uma reflexão acerca da necessidade de mudança de paradigma ante a
enorme e intensa dinâmica das transformações sociais.
A educação formal está num impasse diante de tantas mudanças na sociedade: como
evoluir para tornar-se relevante e conseguir que todos aprendam de forma
competente a conhecer, a construir seus projetos de vida e a conviver com os demais.
Os processos de organizar o currículo, as metodologias, os tempos e os espaços
precisam ser revistos. (MORÁN, 2015, p. 15)
A discussão que estamos propondo nos fez lembrar uma frase que vimos, há alguns
anos, em uma camisa ostentada orgulhosamente por um colega professor, na qual líamos: “Eu
ensino. Qual é o seu superpoder?” Por muito anos nós também nutrimos esse sentimento de
orgulho por ensinar e, embora hoje o brio permaneça e a paixão pela educação ainda seja forte,
nos impulsionando a continuar a caminhada, podemos dizer que estamos aos poucos
transformando o orgulho e a satisfação pessoal de ensinar em grande entusiasmo e forte
motivação para planejar e desenvolver situações de aprendizagem significativas e
contextualizadas.
Portanto, se fossemos fazer hoje uma camisa com uma frase que descrevesse nosso
“superpoder”, ela certamente não poderia começar com o “EU”, uma vez que nossa prática
não está centrada na ação do professor, mas sim na promoção de ambientes e experiências
capazes de despertar nos discentes diversas habilidades à serviço do aprendizado. Logo, um
recurso simbólico ou metafórico, ainda no campo dos heróis e seus superpoderes, que talvez
expresse bem nossas convicções, estaria distante do super-homem e muito mais próximo do
Batman, por ser um super-herói que ao invés de possuir habilidades sobre humanas, utiliza
exatamente a conjugação das potencialidades humanas a fim de enfrentar os desafios. Quando
pensamos em um super professor, imaginamos um sujeito munido do seu cinto de utilidades,
composto de um arsenal de estratégias e artefatos pedagógicos, que ele lança mão a partir de
87
e criativas para que eles aprendam a empreender e a lidar de forma cooperativa com
os desafios do mercado. [...] Antigamente, quando me perguntavam se, com todas
essas tecnologias digitais, o professor iria perder seu lugar e eu dizia: não, o professor
é sempre importante. E é verdade. Mas, hoje, algumas das funções do professor que
eram importantes anos atrás começam a ser menos importantes. Por exemplo:
disponibilizar conteúdo. O professor era alguém que se preocupava muito em
transmitir o conteúdo, mas hoje esse conteúdo está muito mais disponível e você
acha qualquer coisa que você quiser. Então, uma parte disso, a tecnologia já
disponibiliza. Outra parte que o professor fazia era a tutoria, tirar dúvidas. Ele ainda
vai fazer isso, mas uma parte das dúvidas, as mais previsíveis, a tecnologia responde.
Em alguns cursos que usam muita inteligência artificial, 80% das dúvidas dos alunos
são respondidas por boots, robôs, etc. Então, uma parte do que o professor fazia, que
era tirar dúvidas, a tecnologia vai fazer. E, aí, a gente pergunta: o professor sobrou?
Não. A parte principal, aquilo no qual o professor é relevante, que é ajudar o aluno
a desenvolver competências cognitivas, socioemocionais, visão de futuro, isso a
tecnologia não vai fazer. O papel fundamental do professor é o de mentor, o de
orientar. (MORÁN, 2019, p. 1-2)
consonância com o que preconiza a BNCC, como podemos verificar, por exemplo, no texto
das competências gerais dois e cinco do referido documento, o qual afirma que as atividades
educativas devem:
Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar
orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do
que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer”
(considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece
referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens
essenciais definidas na BNCC. (BRASIL, 2019, p. 13).
Nesse contexto, podemos nos questionar acerca do que uma disciplina como a de
História, ou mesmo uma área de conhecimento como a das Ciências Humanas, profundamente
vinculadas às questões de análise e reflexão, aparentemente menos prática, pode contribuir no
sentido de oportunizar experiências capazes de promover o “saber fazer’? De que modo essa
área do conhecimento pode contribuir para o desenvolvimento de competências práticas que
sejam relevantes e possuam aplicação prática na vida cotidiana, nas relações sociais, no mundo
do trabalho etc? Consideramos, com base em Freire (1996), que a resposta para esse
questionamento se inicia na compreensão de que as competências atitudinais são,
invariavelmente, resultado de aprendizagens sociais, de valores éticos e morais, construídos a
partir de experiências sociais vivenciadas de modo individual ou coletivo, dentro e fora do
ambiente escolar, em situações de educação formal ou informal, mas sem dúvida, fortemente
permeada pelo conjunto de saberes e fazeres sobre os quais se debruça as disciplinas que
compõem as chamadas ciências humanas.
como a de Schuhmachuer (2014), demonstram que uma parcela considerável das queixas e
alegações dos colegas professores, no sentido de explicar e justificar a não utilização das
TDICs em suas atividades educativas cotidianas, gira em torno da ausência de infraestrutura
tecnológica e da falta de treinamento e suporte por parte das redes educacionais.
Propomos então, uma reflexão acerca dos obstáculos que se interpõem entre o uso das
ferramentas tecnológicas por parte dos professores em sua vida cotidiana e a transposição
didática dessas práticas para a formulação de atividades significativas de aprendizagem, dentro
e fora do ambiente escolar. A primeira grande barreira se encontra na infraestrutura, pois nem
todas as redes e unidades escolares, da rede pública e até mesmo da rede privada, estão
adequadas à utilização plena dos diversos recursos tecnológicos; muitas vezes falta até mesmo
o básico, como uma razoável conexão com a internet, como podemos observar nos dados
obtidos por uma pesquisa realizada recentemente.
Por outro lado, há também realidades diferentes, nas quais o investimento foi até feito,
porém os gestores educacionais destinaram os recursos para a aquisição de grandes e caros
equipamentos, tais como computadores desktop e/ou notebooks para montagem de
laboratórios de informática, projetores multimídia, tablets, lousas digitais, impressoras em
três dimensões, kits de robótica, laboratórios de práticas maker12, kits de materiais para
metodologia STEAM13.
12
Ênfase no aprender fazendo, na cultura “maker”: aprender a partir de projetos reais, problemas significativos,
histórias de vida, jogos. Ganham relevância os laboratórios multifuncionais, os laboratórios “maker”, onde os
alunos testam suas ideias, desenvolvem programas, experimentam soluções reais, contam histórias, elaboram
jogos, entre outras atividades. (MORAN, 2018, p. 70-71)
13
Do inglês Science, Technology, Engineering, Arts and Mathematics, o STEAM é uma metodologia que utiliza
95
Todo esse volume de trabalho docente, praticamente invisível aos olhos externos,
demanda tempo, energia e muita consciência teórico-metodológica, que muitas vezes não
dispomos plenamente e/ou não estamos dispostos e/ou motivados a mobilizar em um contexto
de longas jornadas de trabalho em sala de aula, muitas vezes três turnos inteiros, além da
grande quantidade de trabalho que já levamos pra casa, principalmente relacionados às
incontáveis avaliações que precisamos elaborar e corrigir com bastantes frequência. Essa
realidade esmagadora é, provavelmente, o maior obstáculo a uma transformação significativa
no paradigma educacional e nas práticas docentes, pois muitas vezes desestimula professores
que, exaustos e oprimidos pela carga laboral, se limitam a praticar, alguns até com grande
maestria, a tradicional aula expositiva tradicional, o que Barca (2004) chama de Aula
Conferência. “[...] baseia-se numa lógica do professor como detentor do verdadeiro
conhecimento, cabendo aos alunos – por normas e catalogadas como seres que ‘não sabem
nada’, ‘não pensam’ ” – receber as mensagens e regurgitá-las corretamente em teste escrito.
Quando mais reflexivo, as aulas são planejadas dentro do que Barca (2004) denominou de
Aula Colóquio, como podemos ver em suas próprias palavras.
contribuindo para que mudanças se efetivem, como por exemplo o que ocorreu na Rede de
Ensino Pública Estadual do Ceará e na Rede Municipal de Fortaleza, com a implementação de
um terço da carga horária do trabalho docente destinada a atividades extra sala, tais como
planejamento, elaboração e correção de avaliações, pesquisa e produção de materiais
didáticos, dentre outras atividades inerentes ao labor docente. É importante destacar que essa
determinação é oriunda da chamada Lei nº 11.738/2008, conhecida popularmente como Lei
do Piso Salarial, e que só fora implementada anos mais tarde, depois de muita pressão da
categoria e, muito provavelmente ante ao contexto diferenciado que se apresentava a partir da
reestruturação das propostas para o novo ensino médio. Um bom exemplo das referidas
transformações, que contribuíram para a reestruturação do trabalho docente, está na
implantação da modalidade de ensino médio em tempo integral, contemplando a BNCC e a
chamada matriz curricular diversificada, que impulsionou a adoção de práticas docentes mais
significativas, melhor articuladas com a vida prática, pautadas no estabelecimento de uma
comunidade aprendente, na aprendizagem colaborativa e no protagonismo estudantil, como
podemos observar no trecho do documento norteador da organização curricular das escolas de
tempo integral da Rede Pública Estadual do Ceará, no qual se preconiza que a escola deverá
estruturar seu projeto pedagógico com base em três dimensões da prática educativa: “1. A
escola deve ser concebida como comunidade de aprendizagem; 2. A aprendizagem
cooperativa deve ser o método pedagógico estruturante; 3. O protagonismo estudantil é um
princípio imperativo para a proposta de ensino médio.” (CEARÁ, 2016, p. 4). O documento
em questão ainda propõe que as principais dimensões pedagógicas da proposta curricular das
escolas em tempo integral devem ser: “a) a pesquisa como princípio pedagógico e o trabalho
como princípio educativo; b) a desmassificação do ensino; c) itinerários formativos
diversificados. (CEARÁ, 2016, p. 4).
Consideramos que a experiência vivenciada na educação básica, atuando como
professor nas redes pública e privada, permite lançar um olhar crítico sobre essas duas
realidades distintas. Desde 2001, temos trabalhado em escolas privadas da cidade de Fortaleza,
capital do Estado do Ceará, unidade da federação que tem se destacado nacionalmente por
obter grandes resultados em diversas avaliações educacionais externas de larga escala, através
de seus estudantes, nos exames de larga escala como no ENEM, e também nos vestibulares
mais tradicionais e extremamente concorridos, como o do ITA, IME, FUVEST e UNICAMP.
A partir de 2009, passamos também a exercer, como servidor público, a função de professor
da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado do Ceará. É desse lugar de fala, do qual
pudemos enxergar e vivenciar uma boa parte dessas duas realidades tão distintas em diversos
99
aspectos, que proporemos algumas reflexões sobre os dois distintos contextos educativos.
Trabalhamos por muitos anos em escolas destinadas a jovens de alto poder aquisitivo, cujos
pais, via de regra, possuem alguma graduação de nível superior e oferecem uma espetacular
estrutura de estudos aos filhos, como a educação em tempo integral, ensino bilíngue, cursos
de artes, viagens de ampliação cultural, etc. Os estudantes das escolas de alto padrão da rede
privada têm a sua disposição vários tipos de laboratórios, desde os já clássicos laboratórios de
ciências, como os de química, física e biologia, com toda a aparelhagem necessária, aos mais
recentes laboratórios de robótica, laboratórios Maker e STEAM, dentre outros. A
infraestrutura de tecnologia é excelente, com internet, projetores multimídia, lousas digitais e
tudo o que há de melhor. São ofertadas ainda, cursos de alto desempenho, para alunos que se
destacam nos estudos, a fim de que eles possam competir em alto nível nas diversas olimpíadas
acadêmicas como as tradicionais OBMEP, OBF, OBB, OBQ, OBA, OBR, dentre outras tantas.
Na última década, as olimpíadas na área de ciências humanas, como a já tradicional ONHB,
que estreou há mais de uma década, no já distante 2009, até a OCHE, que teve sua primeira
edição bem mais recentemente, em 2019, mas que já surge conquistando seus adeptos e
ganhando espaço nesse meio das olimpíadas do conhecimento.
O que se conhece acerca da realidade das escolas públicas da educação básica,
sobretudo as das redes estaduais e municipais, da conta de uma realidade bem diferente da
encontrada nas escolas privadas, sobretudo as de alto padrão. Essa afirmação se baseia
observação empírica, uma vez que vivenciamos as duas realidades, atuando como professor
na Rede Pública Estadual do Ceará, bem como em uma grande rede de escolas da iniciativa
privada, mas sobretudo em um consistente estudo acerca do NSE – Nível Socioeconômico dos
estudantes da educação básica das redes pública e privada realizado por Alves, Soares e Xavier
(2014).
formação de nível superior, alguns sequer concluíram a educação básica, embora certamente
existem exceções. Os alunos da rede pública têm acesso limitado à tecnologia, tanto na escola
quanto em casa e não possuem grandes experiências com atividades educativas
extracurriculares e/ou não formais, tais como viagens e visitas a museus. Via de regra, não há
muitos laboratórios funcionando, na maioria dos casos não há grande estímulo para que eles
participem de olimpíadas científicas, tampouco há a oferta de cursos de alto desempenho.
Conforme exposto, e comparando as duas realidades apresentadas, poderíamos
concluir apressadamente que a formação dos estudantes da rede pública fatalmente será menos
eficiente e menos significativa do que a dos alunos das escolas privadas de alto padrão. De
fato, ainda há uma grande distância a percorrer no sentido de aproximar esses dois mundos,
de tornar a educação verdadeiramente um direito, e não um privilégio dos que podem pagar,
mas sem dúvida alguma existem lutas sendo travadas e projetos sendo desenvolvidos no
sentido de promover uma educação pública de qualidade e capaz de gerar impacto social nas
comunidades nas quais se insere. Acreditamos que o caminho da construção de uma educação
pública que de fato repercuta significativamente na vida dos jovens das periferias brasileiras,
passe necessariamente por uma mudança de paradigma que seja capaz de promover situações
de aprendizagem nas quais o aluno esteja no centro, e não o professor, a aprendizagem seja o
foco, e não ensino, e o conhecimento seja construído através de atividades contextualizadas e
significativas, vinculadas ao contexto sociocultural dos aprendentes.
e nossas ações eram por vezes guiadas por uma certa dose de intuição e empirismo. Nossas
práticas eram construídas na esteira das experiências pessoais e coletivas, sendo permeadas
pelas aprendizagens construídas através de vivências em espaços de convívio social, desde
nossa formação inicial na graduação até chegar a nossa experiência profissional como
professor da educação básica.
Uma das principais fontes de energia para a utilização práticas inovadoras de ensino/
aprendizagem foi o forte desejo de acertar e, principalmente, o feedback positivo dos
estudantes diante de práticas educativas que os estimulassem a agir como sujeitos ativos no
processo de aprendizagem, atividades nas quais eles pudesses aprender fazendo, se sentissem
desafiados a encarar um problema que pudessem resolver de modo criativo, por meio do
levantamento de informações via pesquisa, da formulação de hipóteses, da elaboração de
teorias e da sistematização do conhecimento.
Desde muito tempo acreditamos que um dos principais propósitos do ensino de
História é oportunizar aos estudantes experiências através das quais eles possam desenvolver
habilidades e competências que os permitam fazer uma leitura cada vez mais proficiente do
mundo que os cerca. Entendemos que o papel mais importante do saber histórico não reside
no acúmulo de informações, pois isso apenas nos legaria um conhecimento enciclopédico e,
quando muito, alguma erudição. Nesse sentido, acompanhamos as ideias de Seixas (2009),
que por ocasião da formulação de um proposta para a reformulação do Ensino de História no
Canadá, argumenta acerca do amplo consenso entre os pesquisadores de Educação Histórica
acerca da compreensão de que o pensamento histórico deve ter um lugar central no currículo
de História. Compreendemos que a História, enquanto ciência, tenha entre os seus mais
relevantes papeis, contribuir para o desenvolvimento da criticidade, educar o olhar para a
percepção da enorme pluralidade das experiências humanas, estimular a percepção das
permanências, rupturas e descontinuidades, identificar as inúmeras forças que interagem nos
processos históricos, identificar os diversos agentes sociais e os múltiplos pontos de vista sobre
os fatos sociais.
O que estamos tentando defender é que talvez o grande papel do professor de História
em nossos dias, contexto no qual as informações estão fartamente disponíveis e as narrativas
históricas estão há um click de qualquer um que deseje acessá-las, seja o de assegurar que a
base teórica de nossos alunos seja solidamente edificada, para que eles possam entrar em
104
contato com as mais diversas análises e narrativas, estando habilitado para questioná-las,
criticá-las, à luz de uma compreensão teórico metodológica da construção do conhecimento
histórico. Portanto, nossos argumentos vão na direção de uma aula de História que seja um
misto de:
de um esforço em estreitar os laços entre a academia e a educação básica, mesmo que nos
primeiros momentos ainda fortemente marcado por uma ideia de hierarquia de saberes que
pouco reconhecia o conhecimento produzido no contexto da educação básica, como podemos
perceber no histórico do surgimento do ProfHistória, disponibilizado no site oficial do
programa.
15
Disponível em <https://profhistoria.ufrj.br/sobre_programa/historico_programa> acessado em 15 de março
de 2020.
107
a partir de seu lugar social, do seu cotidiano e interesses. Nesse sentido, as questões do presente
formuladas pelos alunos, serviriam exatamente de ponto de partida para a produção do
conhecimento histórico, em situações híbridas de aprendizagem, por meio da educação formal
ou não, dentro e fora da sala de aula, como já podíamos observar no final da década de noventa
a partir do PCN de História.
estimular o olhar para a percepção dos detalhes, oportunizar o contato com o patrimônio
histórico e cultural material e imaterial, dentre outras tantas habilidades a serem desenvolvidas
a partir da análise dos inúmeros vestígios das experiências humanas que nos servem de
evidências da vida em sociedade em sua enorme complexidade.
Há alguns anos, quando a maioria dos acervos ainda não estava digitalizado, e não
havia material, tampouco catalogados disponibilizado on-line para consulta, pensar no
planejamento e execução de atividades que envolvessem fontes seria um trabalho hercúleo e
bastante complicado de se realizar. Talvez, dentro da esfera de História local fosse mais
factível, mas era praticamente inviável pensar em acessar acervos nacionais e até
internacionais. Hoje temos uma, já existem muitos acervos digitalizados, catalogados e de fácil
acesso. Há ainda muitos museus e diversos outros tipos de instituições de memória as quais
podemos visitar por meio digital, e podemos ainda visitar virtualmente monumentos e cidades
sem ter que nos deslocar, ler livros, ouvir músicas, ver filmes, séries, curtas, acessar
propagandas, acervos de jornais, dentre tantos outros vestígios da experiência humana que
podemos consultar, enquanto fontes históricas, utilizando os recursos das TDICs, que a
realização de um trabalho educativo com a utilização desses materiais se tornou mais do que
factível e se coloca praticamente como imperativo ante a uma sociedade formada por jovens
acostumados conviver com verdadeiras centrais multimídia dentro dos bolsos e na palma das
mãos.
Uma das primeiras e mais exitosas experiências de utilização das TDICs no ensino de
História foi a empreendida pela ONHB. Desde de sua primeira edição, ainda em 2009,
pudemos observar o trabalho que a proposta de trabalho, desenvolvida pela ONHB,
relacionava de modo bastante harmonioso a educação histórica e uso das tecnologias, tão
presentes no trabalho do historiador contemporâneo, como podemos observar nas palavras da
professor Maria Auxiliadora Schmidt, por ocasião da abertura do XXI Congresso
Internacional de Jornadas de Educação Histórica.
Talvez alguns colegas professores mais resistentes ao uso das TDICS reflitam e se
questionem acerca da necessidade da utilização dos recursos tecnológicos para realizar um
bom trabalho de educação histórica com seus alunos. Há também resistências institucionais e
diversos tipos de preconceitos, que se manifestam de muitos modos, tais como associar o
trabalho com as novas tecnologias digitais a “enrolação de aula”, alegar suposta
superficialidade, dizer que se trata de modismo, dentre outras tantas formas de resistir e
menosprezar a decisão dos colegas que optam por atuar como historiadores do seu tempo.
Aos colegas que ainda resistem, que demonstram certo incômodo, desconforto e,
sobretudo, um certo desdém às possibilidades de ensino híbrido mediado pelas TDICs, em
ambientes presenciais ou de modo remoto, talvez seja importante lembrar, a partir dos escritos
de Marc Ferro, que mencionou a existência referências feitas ao cinematógrafo, no início do
século XX, como passatempo dos iletrados, média dos idiotas. Ferro (1992), como podemos
observar em suas próprias palavras “Além do mais, no início do século XX, o que é o
cinematógrafo para os espíritos superiores, para as pessoas cultivadas? ‘Uma máquina de
idiotização e de dissolução, um passatempo de iletrados, de criaturas miseráveis exploradas
por seu trabalho”. (p. 79).
Contemporaneamente, temos observado uma profusão de conteúdo e debates sobre
História ocuparem os ambientes mais populares e profanos das diversas redes sociais, e esses
espaços são vistos por muitos historiadores como locais de discussões superficiais, de muito
achismo e, portanto, não adequados para a construção de conhecimento histórico. Porém, esse
olhar de certo desprezo e preconceito lançado pelos historiadores sobre as discussões de temas
históricos realizadas em espaços públicos, sobretudo no que se refere aos realizados em
ambientes digitais, não os impede de acontecer. Consequentemente, os referidos debates
públicos acerca de relevantes temas da História são conduzidos pelos mais diversos tipos de
“historiadores” não profissionais, que vão desde experientes jornalistas a jovens youtubers,
verdadeiros digital Influencers de História.
Acreditamos que os processos constitutivos da Cultura Histórica não admitam “vácuo
de poder”, ou seja, a ausência de historiadores nesses processos é preenchida por outros
segmentos sociais, por outras narrativas e outros modos de interpretar a experiência humana.
111
O que podemos perceber, a partir das palavras de Ginzburg (2010) e de Noiret (2015),
é uma necessidade de que professores de história/historiadores ocupem os ambientes digitais,
nos quais nossos alunos já transitam com bastante desenvoltura do uso das ferramentas, mas
infelizmente sem a mesma propriedade no que diz respeito os aspectos relacionados à
epistemologia da História. A referida situação pode implicar em consequências graves,
sobretudo no que diz respeito a construção da Cultura Histórica dos jovens, que não maioria
das vezes não possuem suporte teórico metodológico pra lidar com distorções históricas
publicadas com relativa frequência. Logo, o que estamos nos propondo a discutir são modos
eficientes e significativos do professor/historiador atuar na esfera pública de produção e
divulgação de conhecimento histórico, utilizando as TDICs como importante aliada no
112
Uma das discussões sempre presentes nos embates travados no campo dos estudos
acerca do currículo de História é a que gira em torno do que devemos realmente ensinar em
História e como devemos ensinar, e nesse contexto seguimos a ideia de um ensino de História
transformativo, defendido por Lee (2016), ocasião na qual o autor levanta questões acerca das
contribuições do ensino de História para as mudanças no modo de ler o mundo.
Nós não podemos dar um conjunto puro de condições suficientes para serem
cumpridas, antes que possamos dizer que alguém “sabe (algo da) história”, mas
talvez seja permitido tentar uma meta mais modesta de sugerir algumas condições
necessárias. Estas devem incluir a compreensão do que uma forma histórica de olhar
para o mundo envolve e uma vontade e capacidade de empregar tal entendimento,
juntamente com conhecimento substantivo do passado, com a finalidade de
orientação no tempo. (Lee, 2016, p. 120).
113
1. Compreender a história como uma forma de ver o mundo. Isto envolve uma compreensão da disciplina
de história, isto é, das ideias-chave que tornam o conhecimento do passado possível, e dos diferentes
tipos de reivindicações feitas pela história, incluindo o conhecimento de como podemos inferir e testar
afirmações, explicar eventos e processos e fazer relatos do passado.
3. Desenvolver uma imagem do passado que permita que os alunos se orientem no tempo. Trata-se de
conhecimento substantivo coerente (às vezes chamado de conteúdo histórico), organizado sob a forma
de um passado histórico utilizável, em diferentes escalas. Isso significa ajudar os estudantes a abandonar
a visão do presente como algo separado do passado por uma espécie de apartheid temporal, permitindo-
lhes, em vez disto, localizarem-se no tempo e verem o passado simultaneamente como repressor e como
responsável por possibilidades para o futuro
114
Por conseguinte, nosso plano de intervenção escolar tem por objetivo contribuir para a
superação de problemas enfrentados no cotidiano da Educação Básica, tais como o
desestímulo dos estudantes ante as aulas de História, a compreensão equivocada de que a
História é um conhecimento já pronto, acabado e imutável, a equivocada visão de que o
conhecimento histórico possui pouca, ou nenhuma, relação com os problemas reais da
contemporaneidade, enfrentados por eles em seu cotidiano, desconstruir a terrível visão da
História como uma matéria “decorativa” nos dois sentido possíveis da palavra, o de meramente
memorizar informações, bem como o de adornar, ilustrar, decorar no sentido enfeitar, o que
levaria o estudo de história, quando muito, para uma dimensão da cultura geral, da erudição,
115
distante das questões do dia a dia e sem uma função social clara.
Nesse contexto, propomos a criação de uma disciplina eletiva a ser ofertada na escola
E.E.M.T.I.. – Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Walter de Sá Cavalcante, escola da
Rede Pública Estadual do Ceará, situada no bairro da Cidade dos Funcionários, em Fortaleza.
Para propor a criação da referida disciplina eletiva, nos baseamos nas orientações do próprio
Ministério da Educação (MEC), que orienta que as escolas de tempo integral devem ofertar,
além da base curricular comum, disciplinas eletivas que contemplem os seguintes eixos
temáticos: Educação em Direitos Humanos; Educação Científica; Formação Profissional/e-
Jovem – Informática; Educação Ambiental e Sustentabilidade; Mundo do Trabalho;
Comunicação, Uso de Mídias, Cultura Digital e Tecnológica; Esporte, Lazer e Promoção de
Saúde; Artes e Cultura; Clubes Estudantis e Desenvolvimento de Projetos, além do
aprofundamento de conteúdos da BNCC. No estado do Ceará há documentos específicos
construídos para orientar a implementação do sistema de tempo integral nas escolas públicas
para rede estadual; um deles é o Documento Orientador: Ensino Médio em Tempo Integral na
rede estadual do Ceará, no qual podemos ler orientações coadunam nossa proposta de oferta
de disciplina eletiva nos moldes que estamos descrevendo.
Nesse contexto, planejamos oferecer uma disciplina eletiva, a ser ministrada dentro dos
paradigmas da Aula-Oficina (BARCA, 2004). A referida disciplina irá trabalhar com a
metodologia da Educação Histórica e da Didática da História, considerando que o
116
próprio método da pesquisa em História como principal ferramenta didática a proposta da Aula
Oficina estabelece uma sequência de procedimentos e práticas a serem seguidas, como
observamos a seguir.
Pretendemos, desse modo, contribuir não somente para a formação de uma consciência
histórica dos estudantes, mas contribuir, a partir do exemplo e da experiência, com o processo
de formação continuada de outros colegas professores. Segundo Barca (2001), é importante
que os professores tenham contato e vivam a experiência da pesquisa histórica e, a partir dessa
vivência, aprofundem o debate em torno de conceitos inerentes ao saber histórico. Desse
modo, o conhecimento histórico produzido nas Aulas Oficina não será apenas resultado de
uma descoberta espontânea, casual ou de algo transmitido mecanicamente por um meio
externo, através de uma aula expositiva centrada na fala do professor. Teremos então, um
conhecimento resultante do trabalho realizado por todos os envolvidos no processo de
ensino/aprendizagem, bem como da interação com os meios físicos, sociais, culturais,
simbólicos, nos quais os sujeitos são envolvidos de modo ativo na construção de um
conhecimento mais significativo.
Nesse sentido, os envolvidos se relacionarão de modo mais consciente com o mundo
no qual estão inseridos e serão capazes de se posicionar de modo mais seguro e eficiente ante
aos desafios do mundo que nos cerca, como por exemplo exercer de modo pleno a cidadania,
utilizar de modo eficiente e em benefício pessoal e coletivo as Novas Tecnologias da
Informação e Comunicação (NTICs), filtrar e questionar as informações que circulam nas
diversas mídias, dentre tantos ganhos sociais.
118
Partindo da premissa de que nosso objetivo principal é tentar devolver para sociedade,
através da nossa prática docente, aquilo que aprendemos durante esses anos de estudo no
Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (PPGEH) do ProfHistória/UFRN,
decidimos planejar e ofertar um produto educacional que pudesse articular o arcabouço
teórico-metodológico, do qual nos apropriamos durante a pesquisa, com propostas de
atividades práticas capazes de oportunizar experiências de aprendizagem histórica, ativas,
significativas e libertadoras, que favoreçam o desenvolvimento de autonomia por parte dos
educandos. Nesse sentido, seguimos o entendimento de Berbel (2011, p.26) quando afirma
que o professor “é o grande intermediador desse trabalho, e ele tanto pode contribuir para a
promoção de autonomia dos alunos como para a manutenção de comportamentos de controle
sobre os mesmos”. Logo, como já anunciamos, com certa provocação no título desse trabalho,
HOJE NÃO VAI TER AULA, compreendemos que as ações educativas devem ter foco no
desenho de vivências de aprendizagem nas quais o aprendiz esteja no centro e o “[...] professor
atua como facilitador ou orientador para que o estudante faça pesquisas, reflita e decida por
ele mesmo, o que fazer para atingir os objetivos estabelecidos” (BERBEL, 2011, p. 29).
Entendemos ainda que as características constitutivas de uma disciplina eletiva, inserida no
contexto da base curricular diversificada do Ensino Médio em Tempo Integral, são bastante
favoráveis ao desenvolvimento de práticas como as que descrevemos, uma vez que, via de
regra, tais turmas são formadas por estudantes que se inscreveram a partir de seu próprio
interesse e afinidade com a temática e/ou, muitas vezes, com o próprio professor.
com uns sete computadores, do tipo desktop, bastante obsoletos e com um acesso à internet
muito lento e instável.
Em resumo, a impressão que tivemos ao observar o processo de implementação da
nova modalidade de ensino, o tempo integral, foi que toda correria e o improviso feito para
dar início, mesmo que precário, à modalidade de ensino médio em tempo integral na
E.E.M.T.I. Walter Sá Cavalcante, estava muito mais ligado ao anseio de acrescentar mais
unidades escolares às estatísticas governamentais do EMTI, do que um esforço autêntico no
sentido da melhoria da qualidade do ensino.
Diante do exposto, e na perspectiva de contribuir para a superação das dificuldades e
desigualdades apresentadas, foi que decidimos escolher a escola pública, especificamente a
E.E.M.T.I.. Walter Sá Cavalcante, como locus de nossa proposta de intervenção escolar. A
referida escolha se justifica por uma série de questões, que vão desde a estrutura curricular
diferenciada do EMTI, que possibilita a oferta de disciplinas eletivas dentro do espectro da
base curricular diversificada, permitindo uma maior flexibilidade na escolha dos temas, na
definição da abordagem metodológica e na seleção de matérias, sobretudo por não se prender
a conteúdos substantivos, que praticamente ditam a base dos currículos tradicionais, até chegar
a possibilidade de propor atividades capazes de estimular a cognição histórica e de tal modo
fomentar o desenvolvimento de uma estrutura de pensamento histórico que permita aos
discentes ler o mundo de modo mais crítico e reflexivo, com maior proficiência e à luz do
conhecimento histórico, exercendo na plenitude sua condição de sujeito histórico e cidadão.
16
Trata-se de uma categoria utilizada por François Hartog para caracterizar modos específicos de experiências
como o tempo, nas quais ocorre uma relação dialética entre as instâncias temporais, passado, presente, futuro,
não havendo dominância de uma sobre a outra.
17
Meta 3 – PNE: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17
(dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino
médio para 85% (oitenta e cinco por cento)
18
Meta 6 – PNE: Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas
públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica
122
da construção de novas escolas, bem como por meio da imprescindível adequação das
unidades escolares já existentes às necessidades específicas impostas pelo currículo do EMTI.
Consideramos que, lamentavelmente, o compromisso assumido pelo poder público de
construção de novas escolas e, sobretudo, o da adequação das unidades escolares já existentes,
como podemos perceber no § 2º do DOE de 21 de julho de 2017 “As escolas já existentes ou
em funcionamento que passem a ofertar o Ensino Médio em tempo integral deverão ter suas
instalações arquitetônicas adaptadas em conformidade com a proposta pedagógica
estabelecida nesta Lei”. (CEARÁ, 2017, p.1), infelizmente as adaptações arquitetônicas não
foram realizadas a contento, fato que pudemos comprovar empiricamente em nosso cotidiano
de trabalho na E.E.M.T.I. Walter Sá Cavalcante. Lamentavelmente, a falta de adequação da
infraestrutura escolar às demandas curriculares do EMTI, compromete significativamente a
efetivação da proposta pedagógica das EMTI, fato que discutiremos mais detalhadamente um
pouco mais a diante.
No entanto, não obstante a todas as dificuldades enfrentadas no cotidiano do chão da
escola, sobretudo as relacionadas aos problemas de infraestrutura mencionados anteriormente,
ainda que de passagem, entendemos que a nossa proposta de produto educacional baseada
utilização de metodologias ativas e cooperativas de ensino/aprendizagem e fundamentada nos
princípios científicos da Educação Histórica dialoga de modo bastante harmônico e articulado
com a proposta curricular do EMTI.
abertura, a defesa de importantes princípios e fundamentos que nortearam sua elaboração, tais
como a formação do ser humano de modo integral, respeito e estímulo às potencialidades dos
indivíduos e a defesa de uma educação pública de qualidade que possa assegurar
aprendizagem, desenvolvimento e emancipação humana. É exatamente nessa perspectiva de
educação emancipadora em que ancoramos nossa proposta de disciplina eletiva, cujas
atividades buscam oportunizar experiências através das quais os estudantes possam
desenvolver uma melhor percepção dos conflitos de interesses, dos jogos de poder, das
disputas de narrativas, do ordenamento social, dentre tantas outras questões de extrema
relevância para uma melhor compreensão do nosso lugar dentro dessa arena social que é a vida
em comunidade. Logo, nossa proposta de disciplina eletiva, nossa Oficina de Educação
Histórica, serve de modo harmônico ao projeto educação emancipadora expresso nos
documentos oficiais do Estado do Ceará.
A organização da escola em tempo integral é uma estratégia defendida por todos que
querem que a educação formal desenvolvida em estabelecimentos públicos consiga
proporcionar aos filhos de trabalhadores uma formação integral e que respeite seus
potenciais, direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Nesse sentido, deve ser
uma política fundamentada na concepção de uma educação que desenvolva na sua
integralidade as dimensões física, afetiva, cognitiva, intelectual e ética do ser
humano, por meio da ampliação do tempo, espaço e currículo. (CEARÁ, 2016, p.2)
Desse modo, fica demonstrado o compromisso como um modelo educacional que visa
situar o aluno no centro do processo de aprendizagem, através da abordagem de problemas
cotidianos a partir de recortes temáticos e por meio de ferramentas investigativas oriundas do
próprio método científico de pesquisa, oportunizando a estudantes e professores a
experimentação de diversas estratégias metodológicas na construção do conhecimento dentro
do contexto escolar. Podemos observar ainda a tendência a uma aprendizagem contextualizada
e articulada a uma abordagem transdisciplinar, compreendendo que em situações cotidianas
os diversos saberes que, por muito tempo estiveram rigidamente divididos em disciplinas, se
apresentam de modo interligado e complexo. Tal modelo educativo também se apresenta como
integral no sentido que não se limita a exercer uma função meramente instrucional, muito pelo
contrário, se propõe a contribuir com o desenvolvimento integral do educando, dentro de uma
“noção de integralidade não consiste apenas em ampliar o tempo, mas em atender os
estudantes nas suas necessidades de formação integral, favorecendo o desenvolvimento de
competências pessoais, sociais, acadêmicas e profissionais” (CEARÁ, 2019, p. 6).
A experiência com o EMTI na rede pública do Estado do Ceará é relativamente recente,
uma vez que a primeira experiência ocorreu em 2006, com o Colégio Estadual Justiniano de
Serpa, em Fortaleza, para depois, em 2008, ofertar a modalidade de ensino médio integrado
ao profissionalizante e em tempo integral em 25 unidades escolares distribuídas no estado. Em
2019 esse número ultrapassou as 115 unidades escolares, sendo ofertado agora, não mais
apenas no ensino profissionalizante, mas também a modalidade de ensino regular.
Segundo a SEDUC-CE, a elaboração da matriz curricular das escolas em tempo
127
dos estudos acerca das categorias e conceitos estruturantes das disciplinas da base comum
curricular, uma vez que, via de regra, não conseguimos trabalhar tais pontos como
gostaríamos. As dificuldades ocorrem devido a uma série de fatores, que vão desde a
exiguidade de tempo ante a uma carga horária reduzida, passando por salas de aula bastante
heterogêneas, formadas por estudantes com níveis e interesses diversos, até chegar a
obrigatoriedade de cumprimento do currículo básico repleto do que Lee (2001) chamou de
conceitos substantivos, os fatos e processos históricos propriamente ditos, tais como a
Revolução Francesa, e Independência do Brasil, dentre outros. Podemos perceber essa
perspectiva, expressa com certa clareza, em diversos documentos oficiais acerca do EMTI no
estado do Ceará, onde se afirma que:
Outro aspecto bastante interessante que podemos observar nas orientações acerca da
elaboração das propostas de componentes eletivos, é o fato de não haver uma obrigatoriedade
de divisão e organização dos estudantes em turmas separadas por série, embora muitas escolas
assim o façam. Nesse sentido, vale a pena refletir e ponderar acerca do fato de que o nível de
proficiência de um estudante em uma determinada área do conhecimento não necessariamente
é determinado pela série curricular formal a qual ele está vinculado. É possível argumentar em
defesa da ideia em questão, sobretudo porque parte desse processo de amadurecimento
acadêmico muitas vezes pode ocorrer fora dos ambientes de educação formal, por meio de
estratégias de autodidatismo, por um processo autônomo de busca de conhecimento ou mesmo
pelo próprio contato como a cultura histórica que permeia as relações sociais nas quais as
pessoas estão inseridas. É bastante comum encontrarmos estudantes que, mesmo estando em
séries iniciais do ensino médio, demonstram um nível de maturidade, análise, e interpretação
dos processos históricos, das categorias e dos conceitos. É interessante perceber que a ONHB,
possivelmente, tenha seguido essa perspectiva quando não separou os participantes por níveis
de escolaridade, permitindo inclusive a composição de equipes formadas por estudantes de
diferentes níveis, situados entre os dois anos finais do ensino fundamental, 8º e 9º anos, e as
três séries do ensino médio. Reforçando essa ideia, destacamos que pesquisadores como Barca
(2000 e 2004), Lee (2002 e 2006), Schmidt e Garcia (2006) e Schmidt e Cainelle (2004),
enfatizam a importância de buscar compreender o processo de desenvolvimento das
132
Em cada tempo eletivo, os estudantes devem ser enturmados de acordo com suas
escolhas ou necessidades, independentemente da série que cursam. Esse
procedimento de enturmação se justifica por duas razões: a primeira, permite a
ampliação das possibilidades de oferta de componentes curriculares eletivos pela
escola; a segunda, não menos importante, permite a interação entre os estudantes
com diferentes experiências, que, em potencial, pode ressignificar a aprendizagem
escolar. (CEARÁ, 2017, p.1).
19
O formulário disponibilizado pela SEDUC-CE para elaboração da ementa das disciplinas eletivas a serem
ofertadas em rede estadual segue o padrão do que apresentamos na figura 4 da página 105.
133
(...) para perceber História e o que se procura ensinar nas escolas, é necessário
começar por identificar as multiplicidades conceptuais que envolvem esta disciplina
134
nomeadamente no que diz respeito ao seu próprio significado, que na verdade pode
incluir muitos sentidos diferentes, bem como quando pensamos no tempo histórico
e em tudo o que ele pode efetivamente incluir. (2019, p.108).
Uma estrutura deve ser um ponto de vista geral de padrões de mudanças a longo
prazo, não um mero esboço de história folheando picos do passado. Deve ser
ensinada rapidamente e sempre revisitada, pois assim os alunos podem assimilar
novas histórias em relação à estrutura existente ou adaptar a mesma. Seguindo
Rüsen, essa matéria deve ser a história humana, não alguns subconjuntos
privilegiados dela. Uma UHF20 irá seguir, inicialmente, amplos desenvolvimentos
nas sociedades humanas, questionando sobre os padrões de mudança na subsistência
20
UHF (Estrutura Histórica Utilizável) - Uma estrutura deve ser um ponto de vista geral de padrões de mudanças
a longo prazo, não um mero esboço de história folheando picos do passado. Deve ser ensinada rapidamente e
sempre revisitada, pois assim os alunos podem assimilar novas histórias em relação à estrutura existente ou
adaptar a mesma (LEE, 2006, p. 131-150)
135
Hoje em dia, o papel das aulas de História assume ainda maior importância quando
os alunos são confrontados, diariamente, com uma sociedade totalmente
mediatizada, movimentada, pluralista e complexa. Os jovens têm cada vez mais
acesso aos mass media, que inundam as suas vidas de informações que precisam ser
descortinadas e contextualizadas. Sendo agora outros os desafios, a História tem de
assumir o seu papel na formação para a cidadania, numa sociedade mais dinâmica e
também criar as devidas motivações para uma abordagem do presente em conjunto
com toda a informação (ou desinformação) que também rodeia cada um dos jovens
estudantes (BARCA, BASTOS & CARVALHO, 1998, Apud DIAS-
TRINDADE; DE CARVALHO, 2019, p.111)
Docente como uma espécie de orquestrador epistemológico, cujo papel social fosse
radicalmente distinto do aspecto legislativo e autoritário herdado da culturalmente
envolvente modernidade. Suas atitudes e práticas se destinariam a formar os alunos
no pluralismo epistemológico e a partir de um debate coletivo e dialogado sobre os
fins da história em uma sociedade dessacralizada e plural. (MARTÍN, 2007, p. 71)
Esperamos que a partir dessa abordagem do Ensino de História, focado muito mais em
desenvolver habilidades do que no acúmulo de informações, possamos instrumentalizar
melhor os discentes, a fim de que eles possam pensar historicamente e refletir sobre o mundo
de modo cada vez mais autônomo e crítico, a fim de que desse modo possam atuar como
sujeitos históricos verdadeiramente livres e conscientes do lugar social que ocupam na
sociedade, expressando melhor suas ideias, defendendo de modo mais eficiente seus pontos
de vista, conhecendo seus direitos e identificando possíveis violações, dentre tantas outras
aprendizagens que possibilitem seu fortalecimento enquanto cidadão.
Contemporaneamente, os grandes debates, as diversas polêmicas, as questões de ordem
cultural, política, filosófica, de consumo, dentre outras tantas, passam pelo mundo digital e,
portanto, é possível e relevante refletir sobre a nossa presença e atuação nos ambientes digitais.
Cada vez mais e mais processos estão deixando de ocorrer no mundo físico e migrando parcial
ou integralmente para os ambientes digitais. Podemos citar como exemplo uma série de
atividades ligadas a esfera privada da vida, tais como as transações bancárias, os sistemas de
entrega de comida, aplicativos de transporte, dentre outros, mas também as diversas esferas de
governo estão migrando muitos dos seus serviços para os ambientes digitais, como por
exemplo os próprios bancos, os títulos de eleitor, a carteira nacional de habilitação, a
documentação do carro, a carteira de trabalho, dentre tantos outros. Logo, o que podemos
observar é que não podemos mais negligenciar o debate das TDICs nas escolas, precisamos
promover atividades que possibilitem um letramento digital, uma familiarização dos discentes
com as ferramentas tecnológicas e, sobretudo, precisamos alertar para todos os riscos inerentes
a esse ambiente. Promover esse processo de letramento digital por meio de atividades que
envolvam o conhecimento histórico foi o caminho por nós escolhido, quando planejamos
138
nossas sequências didáticas da Oficina de Educação Histórica, pois acreditamos que dominar
as ferramentas das novas tecnologias, suas linguagens, mecanismos de interatividade,
processos de produção e difusão de conteúdo, saber filtrar, avaliar, validar e classificar uma
informação e/ou um conteúdo passa a ser, em nossos dias, um condição absolutamente
indispensável para se exercer na plenitude o que denominamos de e-cidadania, cidadania
eletrônica e/ou digital.
disso, aproveitar as possibilidades ensejadas pelas TDICs, tanto no que concerne a realização
das pesquisas, consulta a acervos e utilização das diversas ferramentas digitais, quanto na
divulgação e publicização do resultado dos trabalhos.
Compreendemos, portanto, que nossa proposta de trabalho, focada em atividades cujo
principal objetivo é o desenvolvimento dos conceitos de segunda ordem, pode contribuir para
a construção do que Lee (2006) denominou de UHF - Usable Historical Farmworks 21, uma
estrutura histórica utilizável, um modo de pensar historicamente através do qual lemos e
interpretamos o mundo. Acreditamos ainda que, a aprendizagem dos conceitos de segunda
ordem, também chamados de conceitos estruturais ou meta-históricos, por se relacionar
diretamente com a própria natureza do conhecimento histórico, torna-se bem mais relevante e
desejável do que um modelo de aprendizagem mnemônica pautada pelo acúmulo de
informações e conceitos substantivos. Nosso entendimento leva em consideração o contexto
de uma sociedade altamente informatizada, na qual o volume de informações disponíveis e
circulando é cada vez maior, e uma evidência disso é a velocidade com que os dispositivos de
armazenamento se tornam obsoletos, a exemplos, disquete, cd, dvd, zip-drive, blu-ray, pen-
drive, hd interno e externo, sdd, armazenamento em nuvem, etc. Mesmo com tudo isso, nada
parece dar conta do enorme volume de informações produzidas cotidianamente uma vez que
a internet é um universo em expansão. Nesse sentido, insistir em uma educação focada no
paradigma informativo nos parece um erro lamentável, por conseguinte, pensar em um Ensino
de História cujo foco seja os transmissão dos conceitos substantivos, chega a ser desalentador.
É importante porém, deixar claro que não estamos advogando em defesa do abandono
do estudo de conceitos substantivos, até mesmo porque não há como trabalhar a expansão do
aparato conceitual discente e contribuir com o desenvolvimentos de habilidades como a de
investigação, interpretação e argumentação, valências absolutamente relevantes e que
possibilitam estabelecer conexões explicativas coerentes, sem que esses processos sejam
constituídos inseridos em um contexto específico, como o de estudo dos processos históricos
trazidos à baila no bojo das discussões acerca dos conceitos substantivos. Acreditamos, como
base nos escritos de Lee (2008), que os discentes precisam compreender de que modo o
conhecimento histórico é construído, Não se trata de uma pretensão de formar jovens
historiadores, mas sim de favorecer o conhecimento do método, pois a medida que os discentes
compreendem que o conhecimento histórico História segue determinados parâmetros de
produção, afastam-se do relativismo e do ceticismo. Portanto, é de suma importância
21
A sigla UHF é originária do inglês Usable Historical Farmworks e seria, a grosso modo, um modo de pensar
e refletir o mundo à luz da experiência histórica, suas categorias de análise e conceitos epistemológicos.
145
compreender o papel das fontes como evidências históricas, perceber que são passíveis de
leitura e interpretação e, que cumprem um papel de fio condutor atuando na articulação entre
as temporalidades, os conceitos substantivos e os de segunda ordem. A articulação dos objetos
de estudo, os conceitos substantivos, e das ferramentas epistemológicas de análise, os
conceitos de segunda ordem, nos impele a reflexão, como fizera Lee (2008), sobre o próprio
currículo de História e acerca do que de fato restará das aulas de História.
Um bom exemplo, que nos permite refletir acerca do debate que estamos propondo
entre um ensino focado em conceitos substantivos ou conceitos de segunda ordem, é a análise
equivocada acerca do papel do conhecimento histórico e do Ensino de História, que podemos
depreender a partir das ideias históricas que circulam na internet. A maior parte das ideias
históricas que são publicadas nos ambientes da web e/ou nas redes sociais, são oriundas de
uma cultura histórica que, na maior parte, foi forjada no contexto da educação formal, escolar,
durante as aulas de História. É comum observar, notadamente nas diversas redes sociais, a
produção e veiculação de memes que evidenciam a compreensão equivocada que muitos têm
do papel do conhecimento histórico, e atribuímos tal equívoco a um modelo de
ensino/aprendizagem de História focado nos conceitos substantivos e no acúmulo de
informações, levando as pessoas a interpretarem a função social do conhecimento histórico
muito mais como um repositório memória, fatos e história, do que como um conhecimento
capaz de ser utilizado na interpretação da vida humana em sociedade ao longo do tempo. Desse
modo, as pessoas fazem postagens em tom de humor se referindo ao enorme volume
acontecimentos, supostamente relevantes ocorridos nos últimos anos, e afirmando lamentar e
ser solidário aos professores de história/historiadores que terão a incumbência de, em breve,
explicar tudo.
É bem provável que essas afirmações foram produzidas e veiculadas em tom jocoso,
irônico e baseado no senso comum acerca de qual seria a função social do Ensino de História
e/ou da História, que a grosso modo, na visão da maioria dos não iniciados, seria registrar e
explicar um enorme volume de fatos acumulados ao longo da história. Diante do exposto,
supomos que, uma significativa parcela das pessoas que teve contato com o conhecimento
histórico, seja em ambientes formais ou não formais de aprendizagem, reproduz uma visão
simplista e pouco aprofundada acerca do modo como é produzido o conhecimento histórico,
dos aspectos epistemológicos da ciência história e tampouco de sua função social, como
podemos observar nas narrativas contidas nos memes a seguir.
146
22
Figura 1 - 1 minuto de silêncio por todos os professores de história que terão de explicar essa zona no
futuro! https://br.pinterest.com/pin/118571402676689772/
23
Figuras 2 e 3 - Internet não perdoa e vários memes com Temer são criados.
https://www.otempo.com.br/politica/internet-nao-perdoa-e-varios-memes-com-temer-sao-criados-1.1475187
147
As duas hipóteses não são excludentes entre si, muito pelo contrário, se completam em
uma relação harmônica e dialética, pois uma vez que o modelo de Ensino de História, ao qual
a pessoa foi submetida tenha um viés majoritariamente informativo e priorize a memorização
de fatos, mesmo que com algum nível de criticidade na análise dos processos históricos,
provavelmente não dê conta de oportunizar aos aprendentes o desenvolvimento de um modo
de pensar historicamente, o que Lee (2002) chamou de Estrutura Histórica Utilizável. De tal
modo, o processo de ensino/aprendizagem de História que se centra na ação do professor e na
transferência de informações, tem dificuldade de promover aprofundamentos significativos na
cognição histórica dos estudantes ou de contribuir com a formação de uma consciência
histórica mais complexa, estruturada e sofisticada, como propõem teóricos como Barca
(2005), Schmidt (2009), Rüsen (2010) e Cerri (2011).
Portanto, em consequência dessa realidade, na qual ainda encontramos práticas de
ensino/aprendizagem de História que se pautam pelo paradigma tradicional, já descrito
anteriormente, muitas pessoas não se apropriaram adequadamente das ferramentas
epistemológicas que as possibilitem enxergar o mundo a partir das categorias e conceitos de
análise da ciência histórica e dos chamados conceitos estruturantes ou meta-históricos, fato
que contribui para interpretações equivocadas da História, de sua função enquanto ciência e,
de tal modo, acaba por promover a difusão de uma visão equivocada de História como um
amontoado de fatos e da figura do professor/historiador como de um antiquário.
Por conseguinte, exatamente no intuito de desconstruir essa compreensão equivocada
do papel social do conhecimento histórico e da atuação do professor de história/historiador,
na lida com o referido conhecimento, foi que planejamos atividades de aprendizagem histórica
que levam os estudantes a experienciar diversas etapas do processo de construção do
conhecimento histórico, desde a seleção e validação de fontes, análise, cotejo, levantamento
de hipótese que podem ser comprovadas ou não, até a construção e divulgação de narrativas
históricas.
Nos alinhamos ao paradigma da Cognição Histórica, através do qual nos propomos
investir em um modelo de aprendizagem histórica pautado pelo desenvolvimento de uma
estrutura de pensamento histórico, construída a partir do protagonismo discente, da atuação do
professor como designer de situações de aprendizagem, curador de conteúdo e mentor de todo
o processo de aprendizagem histórica realizada a partir de experiências práticas de pesquisa.
148
Diante do exposto, compreendemos que o Ensino de História precisa, cada vez mais,
figurar entre os importantes objetos de estudo das pesquisas acadêmicas, para que essas
venham fomentar reflexões acerca da aprendizagem histórica e, consequentemente,
repercutirem em mudanças nas práticas docentes. É exatamente nesse espaço que se inserem
iniciativas como os programas de pós-graduação em Ensino de História, em especial o
ProfHistória, e as pesquisas no macrocampo da Cognição Histórica e em seus subcampos,
Didática da História e Educação Histórica, entre outras iniciativas de estímulo ao debate acerca
do Ensino e da aprendizagem histórica, como por exemplo, os grupos de trabalho e pesquisa
sobre Ensino de História, os Laboratórios de pesquisa em ensino de História, exemplificado
com o LEAH - Laboratório de Ensino e Aprendizagem em História - UFC e o LAPEDUH –
Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica – UFPR, dentre outros tantos ambientes e
iniciativas que buscam refletir acerca do ensino e a aprendizagem de história. Espaços de
pesquisa e debates, como os que foram referidos, promovem e divulgam reflexões
imprescindíveis sobre Ensino de História enquanto campo de investigação científica e, de tal
modo, contribuem para o aperfeiçoamento das práticas docentes, da divulgação do
conhecimento histórico e, sobretudo, da valorização da ciência histórica e do labor docente.
A reflexão que estamos fazendo vai ao encontro de um modelo de
ensino/aprendizagem histórica que contribua para uma formação integral do indivíduo, através
do desenvolvimento de valências intelectuais, capacidades, habilidades e competências, que
permeiam a esfera conceitual, procedimental e atitudinal. Entendemos que a aprendizagem
histórica tenha, dentre suas tantas finalidades e utilidades, a responsabilidade contribuir para
formação integral do educando, contribuindo para seu desenvolvimento intelectual, social e
afetivo, a exemplo do que argumenta Pratis (1996) como sendo as finalidades educativas da
História.
pelas diversas formas de expressão da arte, até chegar às plataformas digitais de produção e
divulgação do conhecimento produzido.
Avançando um pouco mais no texto da BNCC, voltamos a encontrar referências às
questões atitudinais, mas nesse caso relacionando diretamente a importância da utilização das
TDICs, notadamente os ambientes digitais, e acerca das interações sociais que são
estabelecidas nesses ambientes, nos quais muitas vezes surgem e se proliferam episódios de
preconceito, ódio e violência. A BNCC argumenta que as Ciências Humanas possuem um
importante papel no combate a esses eventos de intolerância, preconceito, e violência de
qualquer ordem, e para isso prevê que sejam enfatizadas “[...] as aprendizagens dos estudantes
relativas ao desafio de dialogar com o Outro e com as novas tecnologias. Considerando que as
novas tecnologias exercem influência, às vezes negativa, outras vezes positiva, no conjunto
das relações sociais” [...] (BRASIL, 2018, p. 562). Observamos ainda a preocupação em
estimular o papel do discente na construção do seu próprio conhecimento, como sujeito ativo
de sua formação, como observamos no trecho em que a BNCC afirma ser necessário que o
Ensino de Ciências Humanas:
De modo geral, o que podemos perceber é que nossa proposta de trabalho, nosso
percurso formativo organizado em forma de Oficina de Educação Histórica, encontra respaldo
também no texto da BNCC, notadamente na forte preocupação com um modelo de
ensino/aprendizagem de caráter significativo, contextualizado e, sobretudo, fortemente
marcado pela valorização do aprendizado das categorias e conceitos estruturantes do saber
152
histórico, e é por esse caminho que estamos caminhando, a partir das atividades propostas na
Oficina de História. Desse modo, compreendemos também que nossa Oficina de educação
Histórica vai ao encontro do que afirma Rüsen (2010) quando defende que a aprendizagem
histórica precisa superar o modelo que prioriza a apreensão de informações, “[...] e surgir
diretamente da elaboração de respostas e perguntas que se façam ao acervo de conhecimentos
acumulados, é que poderá ela ser apropriada produtivamente pelo aprendizado e se tornar fator
de determinação cultural da vida prática humana” (RÜSEN, 2010, p. 44). Logo, entendemos
que o papel do saber histórico na Educação Básica é também de suma importância para o
próprio fortalecimento da História enquanto ciência, pois ao oportunizar aos aprendentes
reflexões sobre a epistemologia da História, os permite a apropriação de ferramentas do saber
histórico e, consequentemente, a formação de uma consciência histórica mais aprimorada. Por
conseguinte, compreendemos que a base teórica e o formato metodológico e aadotado em
nossa Oficina de Educação Histórica, presente explicitamente em cada uma das atividades por
nós planejada e descritas nas sequências didáticas em anexo a esse trabalho dissertativo, nos
pemitirá promover experiências de aprendizagem significativas capazes de oportunizar aos
jovens um desenvolvimento crítico e reflexivo que os permita compreender melhor as diversas
dinâmicas e contextos sociais, interpretando, comparando, analisando e refletindo acerca das
diversas questões inerentes à vida, sempre à luz da experiência histórica, como afirma Abud
(2017):
Como vimos na citação anterior, Peter Lee se refere claramente à aprendizagem escolar
como pouco capaz de oportunizar uma apropriação mais sofisticada dos conceitos, uma vez
que lida, via de regra, com processos de ensino/aprendizagem que apenas reproduzem as
narrativas históricas sacralizadas na historiografia escolar contida nos livros didáticos. No
trecho em que se refere aos limites da apreensão dos conceitos via dicionários ou a partir de
experiências tradicionais de aprendizagem escolar, Lee (2011) afirma que parte importante da
compreensão e da apropriação dos conceitos deve ser buscada e apreendida nos contextos das
156
experiências vividas, ou seja, nos registros das experiências históricas contidas nos mais
diversos tipos de fontes disponíveis para investigação, análise e interpretação. Isto posto,
concluímos que as experiências de aprendizagem como a que estamos desenhando, que
envolvam atividades com fontes históricas, o emprego da metodologia de pesquisa dos
historiadores, e o protagonismo da ação discente, se constituem em importantes aliadas na
construção da Estrutura Histórica Utilizável dos discentes.
As propostas de atividade serão planejadas a fim de que possamos estimular os
discentes a desenvolver um olhar mais crítico e reflexivo, capaz de ler o mundo a partir de
uma Estrutura Histórica Utilizável, estabelecendo nexos entre presente e passado à luz da
epistemologia da História. Nesse sentido, promoveremos experiências de aprendizagem
histórica provocativas que, via de regra, partiram de perguntas de pesquisa baseadas em
problemas contemporâneos, para as quais buscaremos respostas na experiência humana,
registrada através das mais diversas tipologias de fontes históricas. Nessa perspectiva,
contemplaremos debates relacionados aos mais diversos eixos temáticos, tais como Educação
em Direitos Humanos (EDH), Mundo do Trabalho (MTP), Educação Ambiental e
Sustentabilidade (EAS), Comunicação, Uso de Mídias, Cultura Digital e Tecnologia (CMT) e
Artes e Cultura (ARC), pois afinal de contas, parafraseando a célebre coleção da Editora
Brasiliense, Tudo é História, ou pelo menos tudo tem História.
Cientes e convencidos de que não podemos, muito menos devemos, encapsular o
passado em processos de causa e efeito, tampouco construir experiências de aprendizagem
histórica deslocadas dos contextos de inserção social dos grupos humanos às quais se destina,
é que construímos nossa Oficina de Educação Histórica, apostando em uma relação dialética
e harmônica entre a aprendizagem dos conceitos substantivos e conceitos de segunda ordem.
No que concerne às questões metodológicas e às estratégias didáticas a serem postas
em prática, utilizaremos como principal referência o modelo de Aula-Oficina de Barca (2004)
cuja essência é o estudante como sujeito ativo de sua própria formação, detentor de ideias
prévias formuladas a partir de experiências de vida diversas, o professor como pesquisador e
investigador social, designer de experiências de aprendizagem e provocador de atividades
problematizadoras.
Nossas atividades se desenvolvem em ambiente híbrido de ensino/aprendizagem, ou
seja, parte delas ocorrerão no espaço físico da sala de aula e dentro da carga horária da
disciplina, já outra parte acontecerá remotamente, fora da carga horária presencial do
componente eletivo, como estratégia para incitar os alunos a investirem mais tempo no estudo
e nas pesquisas relacionadas às atividades e temáticas que proporemos. Utilizaremos as TDICs
157
Esta é uma característica fascinante da produção histórica, que devemos passar aos
alunos sem cair no relativismo de considerar que todas as respostas sobre o passado
têm a mesma validade. [...] Tarefas em torno de materiais históricos concretos, que
vinculem de algum modo a diversidade da História e que possibilitem a reflexão
contribuem para estimular o raciocínio dos jovens. (p.39)
documentos fonte, pelos debates e pelas pesquisas propostas, é outra importante etapa de nossa
metodologia de trabalho e sempre deve resultar na realização de um trabalho concreto,
individual ou coletivo, tais como uma exposição de fotografias, a construção de uma
apresentação cultural, a publicação de um artigo, a montagem de um dossiê da disciplina, a
construção de um memorial, dentre diversas outras formas de comunicar e publicizar
conhecimento, sejam elas analógicas ou digitais.
Nas atividades que se relacionam ao eixo de Introdução à História, a parte mais teórica
da nossa Oficina, na qual nos dedicamos a estudos de natureza mais epistemológica da
História, selecionamos atividades com fontes que nos oportunizam desenvolver um trabalho
com conceitos meta-históricos, tais como evidência histórica, narrativa histórica,
multiperspectiva, disputas narrativas, relação entre memória, história e historiografia,
patrimônio histórico, identidade, mudanças, permanências, descontinuidades, verdade
histórica e os demais conceitos estruturais que nos auxiliam a identificar, nomear, classificar
e parametrizar a experiência humana, de modo que possamos construir um repertório
conceitual que contribua para a aprendizagem histórica dos chamados conceitos substantivos
e, acima de tudo, para a formulação de um modo de pensar historicamente.
Nos trabalhos com recorte temático nos propomos a discutir aspectos cujo principal fio
condutor foram questões relacionadas aos problemas enfrentados pelos jovens da nossa
comunidade escolar, problemas com os quais tivemos contato a partir de informações
coletadas via censo escolar, reuniões de pais e mestres, dados gerados pelo Núcleo de
Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS) da escola, dossiês confeccionados pelo Projeto
de Diretor de Turma (PDT), e a partir de pesquisa própria realizada via formulário eletrônico.
A partir da análise desse rico arsenal de dados, pudemos perceber que os temas relacionados
às questões identitárias, às questões ético-raciais, à representatividade, à desigualdade social,
justiça e injustiças, violência, opressão, exclusão, preconceitos de toda ordem, ao papel do
social do estado, às relações de poder, dentre outros, eram muito relevantes pro contexto
socioeconômico e cultural no qual nos inserimos enquanto comunidade escolar. Isto posto,
procuramos planejar e ofertar atividades cujas temáticas pudessem fomentar reflexões sobre
essas questões, de tal modo que contribuíssem para a desconstrução do senso comum, sem
fundamentação científica, baseado em achismos ou manipulação histórica, discutisse e
combatesse revisionismos históricos sem rigor teórico metodológico, os usos e abusos
políticos, econômicos e ideológicos da História, a produção e divulgação de fake news, a
distorção da verdade histórica para fins privados e de interesse de grupos específicos e as
narrativas históricas unilaterais, que não dão vez nem voz aos periféricos e excluídos da
164
História.
Como estratégia avaliativa, escolhemos trabalhar com a perspectiva de avaliação
contínua, poi desse modo podemos, a partir do feedback que as avaliações fornecem, refletir
sobre os caminhos percorridos, avaliar os resultados obtidos e, se necessário for, reposicionar
as estratégias. Trabalhamos com um entendimento acerca de avaliação no qual o processo
avaliativo se dá ao longo da realização das atividades, a cada realização de atividade, a cada
mudança de ponto, a cada passo na caminhada rumo a construção de uma estrutura mais
complexa de pensamento histórico. Nesse sentido, nossas avaliações não apresentam caráter
quantitativo, tampouco seguem uma escala preestabelecida, pois a mudança ocorrida no modo
de pensar historicamente é única em cada indivíduo, apesar de que para fins didáticos
procuremos trabalhar com categorias e conceitos cada vez mais universais, é possível
identificar as sutilezas da estrutura de pensamento histórica de cada indivíduo a partir do como
como ele se apropria dos conceitos substantivos e de segunda ordem, de como ele os utiliza
para expressar um ponto de vista, para defender uma ideia, para comunicar um fato ou mesmo
interpretá-lo, e, sobretudo, para elaborar narrativas históricas.
A diversidade de atividades propostas, das tipologias de fontes utilizadas e dos modelos
de desafios cognitivos propostos é significativa, e oferecem desde experiências de seleção e
classificação de fontes históricas escritas, passando por leitura análise e interpretação de fontes
imagéticas, estáticas como fotos, pinturas, charges, etc, e em movimento como filmes,
documentários, séries, etc, passando ainda pela visita guiada a instituições de memória como
museus, análise crítico-reflexiva de livros didáticos, pesquisa e elaboração de uma expografia,
leitura e interpretação de fontes da cultura material, utilização da literatura como fonte,
construção de narrativas escritas, imagéticas, com objetos, dentre outras.
As atividades propostas na disciplina foram formuladas seguindo os paradigmas
epistemológicos do campo da Cognição Histórica, macrocampo da pesquisa em História onde
se situa a Educação Histórica. Segundo Lee (2005), uma aprendizagem histórica consistente
só ocorre quando os discentes se apropriam das categorias de análise da própria ciência
histórica, passando a pensar historicamente, e isso só ocorre quando trabalhamos a
aprendizagem dos chamados conceitos de segunda ordem, conceitos estruturais ou meta-
históricos, que estão relacionados diretamente com a pesquisa histórica preocupado em
compreender as ideias históricas dos alunos através do qual pretendemos oportunizar aos
discentes o contato com atividades que favoreçam o desenvolvimento de um modo de pensar
historicamente.
As experiências em educação histórica, planejadas e disponíveis nas sequências
165
didáticas, buscam partir sempre de uma situação problema ou de uma questão contemporânea,
para a qual buscamos na articulação entre presente e passado, tentar compreender suas raízes
históricas. Mesmo cientes dos riscos de anacronismos, decidimos agir de modo cauteloso e
atento, mas não abrir mão de promover experiências de aprendizagem histórica estimulantes,
prazerosas, instigantes, contextualizadas e significativas.
Sabemos que não há um consenso acerca do que seria uma aprendizagem histórica
significativa, mas segundo Seffner (2001, 2018), sem dúvida sabemos o que não é
significativo, e certamente as práticas baseadas na transmissão de informação e ancoradas na
memorização, não estão entre as práticas significativas. O autor afirma ainda que “Um ponto
importante é a afirmação de que o ensino de História é um ensino de situações históricas. Mais do que
nomes, datas e acontecimentos, o professor deve propiciar ao aluno a compreensão de como se
estrutura uma dada situação [...]” (SEFFNER, 2018, p. 36) reforçando nossa ideia de
proporcionar aos alunos uma aprendizagem de História em situações históricas, ou seja, por
meio de atividades que lidam diretamente como a produção do conhecimento histórico, com
o modo como se estrutura o pensamento histórico.
Desenvolvemos um plano de aula inspirado na metodologia da Aula-Oficina, de Barca
(2004), modelo no qual o discente está no centro das atividades e o professor tem importante
atuação como um designer de experiências de aprendizagem, curador de conteúdo, par mais
experiente, mentor e orientador nas atividades de pesquisa. Essa é a base fundamental da
metodologia utilizada na disciplina, através da qual os discentes agem ativamente no processo
de construção do próprio conhecimento histórico. Nesse sentido, encontramos mais uma vez
respaldo nos escritos de Seffner (2018):
em evidências históricas, bem como pretendemos fazê-los lançar um olhar reflexivo sobre
conhecimento histórico contido nos manuais didáticos, há muito aparentemente consolidado e
sacralizado, estimular a crítica às narrativas hegemônicas, a história dos vencedores. Porém, é
importante que seja dito, que mesmo nas atividades através das quais propomos a relativização
das narrativas históricas, deixamos bastante claro que tal procedimento só é possível de ser
feito, respeitando os paradigmas teórico metodológicos da ciência histórica.
Desse modo, aproveitamos pra nos debruçar sobre a questão dos revisionismos
históricos, sobre os riscos de discursos hegemônicos, narrativas únicas, e exaltamos a
importância de outras narrativas, da história vista de baixo etc. Procuramos evidências
temáticas relacionadas ao cotidiano dos jovens da periferia, mas partindo sempre do princípio
que é possível construir outras narrativas, abordar a História da juventude periférica sob outro
ponto de vista, que não o da violência, da escassez, da ausência, da desigualdade etc. Propomos
abordar as Histórias de resistência das comunidades da periferia do sistema capitalista como
exemplos positivos de luta, de protagonismo, de cultura etc.
Nesse sentido, tomamos por exemplo a própria historiografia escolar, que registra, com
maior destaque e amplitude, as mazelas dos grupos vítimas de violência e opressão, como por
exemplo os povos negros e indígenas, dando pouca ênfase a suas conquistas, suas estratégias
de sobrevivência e de enfrentamentos dos processos de exclusão. Assumimos o compromisso
de promover atividades de valorização dos grupos das periferias geográficas, sociais,
econômicas etc, que muitas vezes se tornam periféricos também na historiografia escolar.
Compreendemos que trazer esses debates para o ambiente de sala de aula, sobretudo em uma
escola da rede pública, é fundamental para o processo de conscientização, construção
identitária e, sobretudo, promoção da autoestima a partir da elaboração de referências
históricas positivas acerca de suas origens, de sua ancestralidade e de suas matrizes culturais,
além de oportunizar a construção de importantes referências e de representatividade. Nessa
perspectiva, desenvolvemos diversas atividades a fim de trabalhar a partir de uma perspectiva
de História que normalmente os discentes não encontram nos livros didáticos. Desenhamos
atividades que trabalham questões problemas do presente, com base em fontes históricas de
origem na cultura, tais como música, cinema, literatura, etc. Sobre a questão dos povos
indígenas mesmo, por exemplo, utilizamos desde fontes clássicas de origem na literatura,
como os relatos dos viajantes, passando por depoimentos orais de importantes lideranças
indígenas, acessados através de entrevistas gravadas em vídeo, passando ainda por
documentários cinematográficos, até chegar às múltiplas representações dos povos indígenas
e os olhares que lançamos, na contemporaneidade, sobre esses grupos étnicos.
167
Nossos objetivos pricipais ao promover o debate sobre os povos indígenas era, acima
de tudo, contribuir para a descontrução de esteriótipos e arquetipos preconceituosos,
generalizadores e equivocados, largamente difundidos em nossa sociedade, bem como
promover uma valorização e respeito à cultura dos povos nativos americanos, vítimas da
expropriação de suas terras, de violência física e simbólica que os humilhou, aculturou e
assassinou em processos sistematizados de etnocífio e genocídio.
A diversidade de fontes e a pluralidade de tipologia, origem etc, está ligada a nossa
ideia de que precisamos partir sempre de uma referência importante e significativa para os
aprendentes, pois não adianta selecionar as fontes mais eruditas e sofisticadas se aquele
material não conseguir servir de ponte entre o professor, o aluno, o passado e o presente.
Precisamos de engajamento, o discente precisa sentir que o saber histórico é uma ferramenta
importante para a compreensão de questões que o afligem, e problemas cotidianos, de
situações que aparentemente não possuem nenhuma vinculação ou nexo de causalidade com
processos históricos, mas que na verdade podem ser explicadas ou minimamente
contextualizadas e problematizadas com base na experiência humana, objeto de estudo do
saber histórico.
A análise de situações não pode ser feita apenas em cima do que está dado, mas
precisa levar em conta as faltas e as possibilidades. Se o mundo é um conjunto de
possibilidades, então a história de um determinado país, indivíduo ou instituição, é
o registro das possibilidades que se efetivaram. Cabe ao professor de História montar
atividades e roteiros de trabalho onde seja possível mostrar de que forma se deram
essas disputas, que procedimentos estiveram envolvidos, que ações foram
empreendidas, que grupos agiram, que estratégias utilizaram, que resultados foram
obtidos, etc. (SEFFNER, 1998, p.34).
Tentamos, sempre que possível e oportuno, estimular o cotejo entre as fontes históricas
e os livros didáticos, pois acreditamos ser possível enriquecer o trabalho em sala de aula e
aguçar o olhar crítico dos discentes, quando experienciamos o contato com fontes que mostram
além do que enxergávamos olhando apenas através da janela limitada da narrativa didática
escolar.
Como fora demonstrado, nosso trabalho, a partir da Oficina de Educação Histórica,
insere-se em uma perspectiva inovadora de currículo, na qual a aprendizagem discente das
bases epistemológicas da ciência de referência, no caso a História, é compreendida como
muito mais relevante do que propriamente o acúmulo de informações típicas dos modelos
curriculares que privilegiam o estudo dos conceitos substantivos. Não se trata de negligenciar
a importância dos fatos históricos, tampouco dos processos históricos e suas diversas relações
de causalidade e repercussão, mas acreditamos que quando o estudante desenvolve um modo
de pensar historicamente, quando ele desenvolve um modo de enxergar os processos a partir
de uma estrutura de pensamento historicamente coerente, os ganhos em aprendizagem, em
maturidade e em reflexão e em criticidade são muito mais profundos. Nesse aspecto, seguimos
muito entusiasmadamente as ideias de Seffner (2018):
único livro didático, mesmo que este livro seja muito bom. Inevitavelmente
passamos a idéia de que toda a história está contida ali. Não existe nada mais
desestimulante para o aluno do que saber, já em março, tudo o que ele vai estudar
até dezembro, e transformar o ano escolar num lento avanço em direção a última
página do livro. (SEFFNER, 2018, p. 42).
.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que se refere aos estudos realizados durante o percurso através do qual nos
apropriamos das experiências e do referencial teórico que nos permitiu elaborar nosso artefato
didático, lamentamos não ter tido tempo de explorar as questões epistemológicas contidas nas
tarefas discursivas propostas pela ONHB e, em especial, não ter mergulhado fundo na análise
das ideias históricas dos estudantes olímpicos, disponíveis na vasta historiografia escolar
176
Temos consciência que, para além dessa lacuna específica que destacamos, relacionada
a possibilidade de análise das ideias históricas dos estudantes, expressas nas narrativas
históricas, ainda existem muitas outras questões que não tivemos condições de responder no
presente trabalho, e que há um verdadeiro universo epistemológico a ser investigado dentro
do contexto da experiência olímpica, sobretudo no que concerne aos seus impactos na
aprendizagem discente e das práticas docentes, recorte temático que muito nos instiga e que
ainda pretendemos explorar em novos estudos. No entanto, acreditamos ter contribuído com
reflexões relevantes no sentido de aprofundar conhecimento sobre o legado olímpico e,
sobretudo, acerca do modo como podemos nos apropriar da referida experiência, ou mesmo
nos inspirar nela, para propor outras experiências significativas de aprendizagem histórica.
Uma provocação feita por minha orientadora, durante o processo da pesquisa, me tirou
da zona de conforto, me fez ir para além da análise e descrição da metodologia utilizada pela
ONHB e me levou a trilhar um caminho diferente do que eu havia planejado inicialmente. A
referida reflexão me fez compreender que, embora fosse super importante identificar, mapear,
catalogar e até problematizar a experiência olímpica, já era hora de cortar o cordão umbilical,
buscar os referenciais teóricos, a ciência por trás do método e, acima de tudo, propor práticas
de aprendizagem histórica que pudessem ser inseridas em meu contexto de atuação
profissional, que pudessem contribuir de modo tão significativo na vida de meus alunos, no
cotidiano de nossas aulas.
Foi inspirado e motivado pelos propósitos há pouco mencionados, que elaboramos uma
proposta de ensino de história na qual os alunos estão no centro do processo, como importantes
músicos de uma orquestra e o professor atua como maestro, o músico mais experiente, um
mentor, aquele que orienta, aconselha, provoca e questiona, guiando os discentes no caminho
de uma educação histórica contextualizada, significativa e libertadora, através de experiências
de aprendizagem que possam articular o saber escolar com a formação para vida, a formação
acadêmica com conscientização cidadã, o conhecimento histórico com a leitura do mundo, o
respeito à diversidade com a consciência crítica e a defesa dos direitos da pessoa humana.
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