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ANDRÉ VINÍCIUS BEZERRA MAGALHÃES

HOJE NÃO VAI TER AULA:


EducAÇÃO Histórica e Aprendizagem
ColaborATIVA a partir da experiência
com a ONHB

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte


2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de História

HOJE NÃO VAI TER AULA: EducAÇÃO Histórica e Aprendizagem


ColaborATIVA a partir da experiência com a ONHB

ANDRÉ VINÍCIUS BEZERRA MAGALHÃES

Natal-RN
2020
2

ANDRÉ VINÍCIUS BEZERRA MAGALHÃES

HOJE NÃO VAI TER AULA: EducAÇÃO Histórica e Aprendizagem


ColaborATIVA a partir da experiência com a ONHB

Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade


Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Ensino de História pelo
Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em
Ensino de História.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Vanessa Spinosa

Natal-RN
2020
3

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes – CCHLA
Magalhães, André Vinícius Bezerra.
Hoje não vai ter aula: educAÇÃO histórica e aprendizagem
colaboraATIVA a partir da experiência com a ONHB / André
Vinícius Bezerra Magalhães. - Natal, 2020.
256f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Programa de Pós-Graduação em Ensino de História,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020.
Orientadora: Prof. Dra. Vanessa Spinosa.

1. Educação Histórica - Dissertação. 2. Letramento Histórico


Digital - Dissertação. 3. ONHB - Olimpíada Nacional em História
do Brasil - Dissertação. 4. Metodologias Ativas - Dissertação.
5. Ensino de História - Dissertação. I. Spinosa, Vanessa. II.
Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94:37

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710


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ANDRÉ VINÍCIUS BEZERRA MAGALHÃES

HOJE NÃO VAI TER AULA: EducAÇÃO Histórica e Aprendizagem


ColaborATIVA a partir da experiência com a ONHB

Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como


requisito para a obtenção do título de Mestre em Ensino de História pelo Programa de Pós-
Graduação Mestrado Profissional em Ensino de História.

A citação de qualquer trecho desta dissertação é permitida desde que feita de acordo com as
normas da ética científica.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora:

_____________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Vanessa Spinosa (Orientadora) UFRN

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Haroldo Louguercio Carvalho UFRN

____________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Cristina Meneguello UNICAMP


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DEDICATÓRIA

Nesse exato momento, no qual escrevo essa dedicatória, como forma de


agradecimento, procuro historicizar o processo que me trouxe até aqui, e retorno à adolescência
na casa de meus queridos pais, Magalhães e Fatima, aos quais devo tudo o que sou como ser
humano. Meus pais, que mesmo diante de todas as adversidades e dificuldades enfrentadas por
um casal de classe média para educar os filhos, sempre tiveram uma convicção inabalável no
poder da educação e nela fizeram seu maior investimento, muitas vezes se privando de
satisfazer vontades pessoais em prol da nossa educação, minha e de meus irmãos. Dedico
especialmente à minha mãe, que nunca desistiu de mim, mesmo eu não tendo sido um
adolescente fácil de lidar, fato que confesso sem nenhum orgulho. Minha mãe é uma mulher
pequenina no tamanho, mas enorme na força, garra e determinação, e sempre pareceu saber, ou
talvez tenha sido pura teimosia ou muito amor, que eu tinha potencial, e de tudo fez, e ainda
faz, para me incentivar e apoiar. Portanto, não poderia começar essa dedicatória, de outro modo,
que não fosse agradecendo aos meus pais.
Sem dúvida toda minha família, tios, tias e primos, certamente tiveram sua
contribuição na construção de minha trajetória como pessoa e como profissional, e por esse
motivo também a eles, como forma de gratidão, dedico esse trabaho. Porém, há alguns a quem
gostaria de fazer um agradecimento nominal, dada a enorme importância que tiveram na
construção desse caminho, e dedicar carinhosamente essa dissertação que é fruto de muita
dedicação e esforço. Meus irmãos, Eduardo (Dudu) e Emanuelle (Manuzinha), cada um ao seu
modo, sempre demonstram admiração e orgulho, torcendo por mim e me incentivando nos
momentos mais difíceis. Minha vozinha Lourdes, minha segunda mãe, que ajudou a me criar e
sobre a qual nem consigo falar sem que a emoção me turve os olhos: suas orações e amor são
uma força absolutamente necessária em minha vida. Meu querido tio e padrinho Rúbens, que
sempre fora uma fonte de inspiração, exemplo de dedicação aos estudos e do potencial
transformador da educação. A minha queridíssima sogra Marizete, que contrariando o senso
comum, é para mim mais uma mãe, um verdadeiro presente que a vida me deu, mulher forte e
inspiradora, sempre presente em nossas vidas com sua positividade e luz.
Reservei esse espaço especial para dedicar esse trabalho a minha família nuclear,
minha esposa Fabia e meus filhos Vinícius e Isadora, aos quais aproveito para agradecer a
parceria e paciência que tiveram comigo nos momentos de angústia, nervosismo e tensão que
marcam a trajetória de todos os que se dedicam à realização de um trabalho acadêmico como
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esse, sobretudo aos que o fazem sem se afastar da sala de aula e de toda a carga laboral que dela
advém. Quero dedicar mais essa etapa vencida e agradecer especialmente à minha companheira,
Fabia, amor de toda a vida, minha melhor amiga, parceira de todas as horas, meu alicerce,
suporte afetivo e psicológico para os momentos mais dificeis, dona do sorriso e do olhar que
me acolhem como porto seguro, seja qual for a situação, a pessoa que, ao lado de minha mãe,
mais me apoia, incentiva e acredita em minha capacidade. Aos meus filhos Vinícius e Isadora,
agradeço as trocas cotidianas e o amor. Vinícius, meu filho primogênito, que começou me
ensinando a ser pai e não parou mais de me ensinar, pois continua cotidianamente dando aula
de serenidade, maturidade e equilíbrio. À Minha caçula Maria Isadora, agradeço por ser
exemplo de determinação, disciplina e compromisso com tudo o que faz. Com filhos tão
incríveis como eles, eu não poderia fraquejar. Busquei, ao longo do desafio da escrita desse
trabalho, ser maduro, sereno e equilibrado como o Vinícius e ser comprometido, disciplinado e
determinado como a Maria Isadora.
Não poderia deixar de dedicar e agradecer aos amigos que a História me deu, aos
companheiros de muitas jornadas, com os quais tanto aprendo, não apenas sobre a profissão de
historiador ou acerca do ofício de ensinar, mas sobretudo, no que diz repeito a vida, sobre o que
acreditamos ser o papel mais relevante do conhecimento histórico, refletir sobre os problemas
que nos afligem na contemporaneidade à luz do saber histórico. Dedico esse trabalho aos meus
camaradas Bruno Marques, Clodomir Freire, Carlos Henrqique, Cleber Gomes, Danilo
Nogueira, Fabiano Sousa, Fábio Marins, George Mota, Márcio Michillis, Kleiton Andrade e
tantos outros aos quais me desculpo por não os citar nominalmente.
Por fim, e não menos importante, gostaria de dedicar esse trabalho a todos e a todas
que acreditam na educação, e em especial no ensino de História, como importante instrumento
de luta contra as desigundades, contra todas as formas de injustiça, contra as diversas formas
de preconceito e contra todo tipo de opressão e violência. Dedico as reflexões propostas, no
contexto desse estudo, aos que assumem o compromisso de fazer uso do conhecimento histórico
como instrumento de reflexão, crítica, conscientização e libercdade.
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AGRADECIMENTOS

Poder exercitar a gratidão é, para mim, nesse momento, um verdadeiro presente,


uma possibilidade de, em meio a tanto obscurantismo, autoritarismo, retrocessos sociais,
negação da ciência, ataques ao próprio conhecimento histórico e ao trabalho docente, poder
agradecer, o que nos possibilita perceber, que mesmo em tempos tão sombrios, inúmeras coisas
belas ainda resistem ao nosso redor.
Gostaria de iniciar agradecendo ao ProfHistória - Mestrado Profissional em Ensino
de História, programa através do qual diversos professores de História, de vários lugares do
país, puderam retornar à universisdade, retomar o contato com os estudos acadêmicos, oxigenar
as ideias, renovar as leituras, conhecer e/ou aprofundar os estudos acerca de algumas teorias,
trocar experiências com outros colegas professores, iniciar novas pesquisas e, sobretudo,
disponibilizar suas produções acadêmicas e artefatos didáticos para consulta, apropriação e
ressignificação. Aproveito para agradecer, de modo todo especial, ao PPGEH - Programa de
Pós-Graduação em Ensino de História da UFRN, e a todos os professores, aos quais presto
reverência através da pessoa da minha orientadora, a professora Vanessa Spinosa, que tanto se
dedicou ao processo de orientação, com um olhar sempre atento aos detalhes, alertando sobre
os equívocos e sugerindo caminhos. Agradeço ainda ao meus colegas de turma, aos quais
homenageio por intermédio dos companheiros Bruno Marques e Danilo Nogueira, parceiros de
primeiro hora e companheiros de jornada que levarei para a vida.
Não poderia deixar de agradecer à ONHB – Olimpíada Nacional em História do
Brasil, essa incrivel experiência de aprendizagem histórica, a qual reputo como uma das
principais responsáveis por me conduzir de volta à universidade, por provocar em mim o desejo
de refletir de modo mais sistêmico sobre os aspectos teóricos e metodológicos que permeiam o
estudo, a aprendizagem e o ensino de história. Agradeço especialmente às professoras Cristina
Meneguello e Leca Pedro e ao professor Marcelo Firer, por idealizar e conduzir essa fantástica
aventura de Educação Histórica que é a ONHB. Agradeço ainda à Georgia Martin e Carla Dias,
colegas historiadoras com importante participação nos bastidores da jornada olímpica, através
das quais homenageio a todos os elaboradores, validadores e monitores da ONHB. Quero
agradecer de modo muito especial ao grupo de colegas professores orientadores que se formou
desde as primeiras edições olímpicas e que tem se tornado, ao longo desses doze anos, um
espaço de amizade, colaboração acadêmica, ambiente de partilha e de realização de inúmeros
projetos coletivos nas áreas de ensino e pesquisa em História. Quero abraçar e agradecer pelo
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apoio, incentivo e pelas inúmeras contribuições que proporcionaram ao estudo que realizamos,
os camaradas Plínio Ferreira (ES), Ygor Olindo (AM) Niltomar e Gladys (PB) Aletícia e Pedro
(TO), Manu e Leonam (MT), Blenda (AC), Francisco Carlos, Kleiton Andrade e Gerardo Jr
(RN) , Carla Amaro e Daniel Florence (SP), Andressa Garcia (PR), Michele (SC) e Maria
Aparecida (RS). Agradeço ainda, a todos os colegas do meu Ceará, com os quais estabeleço
uma verdadeira rede de aprendizagem colaborativa, aos quais homenageio através dos colegas
Gerardo Jr e Augusto Ridson, que além de serem importantes referências acadêmicas em meu
trabalho, contribuíram generosamente através de conversas, indicações de leitura e outras
orientações.
Gostaria de demonstrar minha gratidão a todos os meus colegas de trabalho e às
instituições educacionais com as quais possuo vínculo por terem me apoiado durante essa
caminhada. Agradeço a toda comunidade escolar da EEMTI – Walter de Sá Cavalcante, através
da pessoa de nossa diretora Cyntia Lopes e a todos os setembrinos, como carinhosamente
chamamos os membros da comunidade escolar do Colégio 7 de Setembro, agradecimento que
direciono simbolicamente à pessoa de minha coordenadora de área de estudo, Juliete Castro.
Para o final, deixei aqueles que dão sentido a tudo isso, com os quais estabeleci
laços afetivos, dentro do processo dialético de ensinar e aprender. Já se vão vinte anos de
profissão, tive contato com muitos jovens, cada qual um universo, muitos dos quais hoje se
tornaram amigos, alguns até mesmo colegas de profissão, embora a maioria tenha dado outros
rumos profissionais a sua vida, e certamente carregam consigo as experiências que construímos
juntos. A todos eles, minha gratidão, pois contribuíram na construção do profissional que hoje
sou.
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E quem garante que a História


É carroça abandonada
Numa beira de estrada
Ou numa estação inglória

A História é um carro alegre


Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue

Cancion Por La Unidad de Latino América


(Milton Nascimento)
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RESUMO

O estudo realizado busca refletir sobre as possibilidades de construção de experiências


significativas de aprendizagem histórica, norteadas pela própria epistemologia da ciência de
referência, objetivando que a aprendizagem ocorra de modo ativo, colaborativo e, sobretudo,
que o aprendente esteja no centro do processo. O presente estudo analisa o processo de
aprendizagem histórica no contexto escolar, com recorte focal na modalidade regular do EMTI
- Ensino Médio em Tempo Integral. O referencial teórico está fundamentado no macrocampo
da cognição histórica, onde residem a Didática da História, que busca compreender o processo
de formação da cultura histórica, e a Educação Histórica, que busca a compreensão da relação
que professores e alunos estabelecem com o saber histórico, suas categorias e conceitos
estruturantes. A proposta da dissertação é discutir e reavaliar o papel do docente de História,
deslocando o foco do ensino para a aprendizagem, demonstrando as possibilidades e
potencialidades advindas da adoção de um modelo que situe o aluno como protagonista na
construção do próprio conhecimento e no qual o professor assume o importantíssimo papel
curador de conteúdo, mentor/orientador de pesquisas e designer de experiências de
aprendizagem. Como resultado desse processo, planejamos e propusemos uma disciplina
eletiva, em formato de Oficina de Educação Histórica, inserida no contexto da base curricular
diversificada do EMTI – Ensino Médio em Tempo Integral, voltada para alunos de 1º e 2º anos,
contendo atividades de aprendizagem histórica, desenvolvidas em um contexto híbrido de
aprendizagem, utilizando recursos analógicos e/ou digitais, pensados com o propósito de
promover o engajamento e protagonismo discente, estimulados pela curiosidade investigativa
e pelo prazer da descoberta, com o intuito de proporcionar experiências cognitivas desafiadoras
e significativas. Pretendemos contribuir para a reflexão e construção de um modelo de
aprendizagem histórica capaz de articular a realidade cotidiana dos envolvidos, os conceitos
meta-históricos, categorias de análise da História, e os conceitos substantivos, os processos
históricos propriamente ditos, de modo a contribuir para a construção de uma estrutura de
pensamento histórico, inserida em um processo de letramento histórico digital, que possibilite
aos aprendentes atuar como sujeitos históricos mais conscientes do lugar social que ocupam,
expressando melhor suas ideias, defendendo de modo mais efetivo seus direitos, dentre tantas
outras aprendizagens que fortaleçam o exercício cada vez mais pleno da cidadania.

Palavras-Chave: Educação Histórica. Letramento Histórico Digital. ONHB - Olimpíada


Nacional em História do Brasil. Metodologias Ativas. Ensino de História.
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ABSTRACT

The study carried out seeks to reflect on the possibilities of building significant experiences of
historical learning, guided by the epistemology of the science of reference itself, aiming that
learning occurs in an active and collaborative way and, above all, the learner is at the center of
the process. The present study analyzes the historical learning process in school context,
focusing on the regular modality of EMTI – Ensino Medio em Tempo Integral (Full Time High
School) .The theoretical framework is based on the macro field of historical cognition, where
reside Didactics of History, which seeks to understand the process of formation of historical
culture, and Historical Education, which searches for a comprehension of the relationship that
teachers and students establish with historical knowledge, it’s structuring categories and
concepts. The dissertation's proposal is to discuss and reevaluate the role of the History teacher,
shifting the focus from teaching to learning, demonstrating the possibilities and potential arising
related to the adoption of a model that places the student as a protagonist in the construction of
his own knowledge and in which the teacher plays on the very important role of content curator,
research mentor / advisor and designer of learning experiences. As a result of this process, we
planned and proposed an elective course, in the form of a Historic Education Workshop,
inserted in the context of the diversified curriculum base of EMTI - Ensino Medio em Tempo
Integral (High School in Full Time), aimed at 1st and 2nd year students (10th grade-sophomore
and 11th grade-junior; based on American teaching system), containing historical learning
activities , developed in a hybrid learning context, using analog and / or digital resources,
designed with the purpose of developing the student engagement and protagonism, stimulated
by investigative curiosity and the pleasure of discovery, in order to provide challenging and
meaningful cognitive experiences. We intend to contribute to the reflection and construction of
a historical learning model capable of articulating the daily reality of those involved, the meta
historical concepts, categories of History analysis, and the substantive concepts, the historical
processes themselves, in order to contribute to the construction of a structure of historical
thought, inserted in a process of digital historical literacy, which allows learners to act as
historical subjects more aware of their social place they occupy, better expressing their ideas,
defending their rights more effectively, among many others learnings that strengthen the
increasingly full exercise of citizenship.

Keywords: Historical Education. Digital Historical Literacy. ONHB – Olimpíada Nacional em


História do Brasil (National Olympics in Brazilian History), Active Methodologies. History
teaching.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC - Base Nacional Comum Curricular


EM - Ensino Médio
EMTI - Ensino Médio em Tempo Integral
E.E.M.T.I.- Escola de Ensino Médio em Tempo Integral
MPC – Metodologia da Pesquisa Científica
ONHB - Olimpíada Nacional em História do Brasil
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
PPGEH - Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da UFRN
ProfHistória - Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História
SEDUC-CE - Secretaria de Educação do Estado do Ceará
SIGE - Sistema Integrado de Gestão Escolar
TDICs - Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação
TICs - Tecnologias da Informação e Comunicação e Ensino de História
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UHF - Usable Historical Farmworks - Estrutura Histórica Utilizável
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 - UMA QUESTÃO DIALÉTICA: COMO A PRÁTICA NOS LEVOU À TEORIA


E DE QUE MODO A TEORIA NOS AJUDOU A RESSIGNIFICAR A PRÁTICA. .................. 33

1.1 - O CONTATO COM A EDUCAÇÃO HISTÓRICA A PARTIR DA EXPERIÊNCIA COM A ONHB........... 34


1.2 - DIÁLOGOS E INTERCONEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS ENTRE AS TEORIAS DA
COGNIÇÃO HISTÓRICA, AS METODOLOGIAS ATIVAS E AS TDICS...................................................................... 37
1.3 - UM PROCESSO LETRAMENTO HISTÓRICO DIGITAL A PARTIR DA EXPERIÊNCIA COM A ONHB
........................................................................................................................................................................................................................ 47
1.4 - POR QUE A ONHB É UM SUCESSO DE PÚBLICO E CRÍTICA? INVESTIGANDO A BASE TEÓRICA
QUE FUNDAMENTA ESSA EXPERIÊNCIA EXITOSA DE APRENDIZAGEM HISTÓRICA ............................ 56
1.5 – UM ENCONTRO OPORTUNO E NECESSÁRIO: UMA DIALÉTICA DO CONHECIMENTO ENTRE OS
SABERES ACADÊMICO E ESCOLAR ........................................................................................................................................ 65
CAPÍTULO 2 – MENOS ENSINO E MAIS APRENDIZAGEM: AS METODOLOGIAS ATIVAS
A SERVIÇO DE UMA EDUCAÇÃO SIGNIFICATIVA, E DO PROTAGONISMO DISCENTE
............................................................................................................................................................... 74

2.1 – METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS,


CONCEITOS E EXPERIÊNCIAS..................................................................................................................................................... 87
2.2 – APRENDIZAGEM HISTÓRICA POR MEIO DE EXPERIÊNCIAS ATIVAS E HÍBRIDAS DE
EDUCAÇÃO HISTÓRICA .............................................................................................................................................................. 101
2.3 – APRENDIZAGEM HISTÓRICA TRANSFORMATIVA .......................................................................................... 112
CAPÍTULO 3 – UMA OFICINA DE HISTÓRIA: A CONSTRUÇÃO DE UMA DISCIPLINA
ELETIVA BASEADA EM PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA E METODOLOGIAS
ATIVAS DE APRENDIZAGEM ..................................................................................................... 118

3.1 – O ENSINO MÉDIO EM TEMPO INTEGRAL NO ESTADO DO CEARÁ ......................................................... 120


3.2. – O PAPEL DAS DISCIPLINAS ELETIVAS COMO COMPONENTE DA BASE CURRICULAR
DIVERSIFICADA DO NOVO ENSINO MÉDIO .................................................................................................................... 127
3.3 – A HISTÓRIA POR ESCOLHA: A ELABORAÇÃO DE UM COMPONENTE ELETIVO BASEADO NO
TRABALHO COM CATEGORIAS E CONCEITOS ESTRUTURANTES DO CONHECIMENTO HISTÓRICO.
..................................................................................................................................................................................................................... 133
3.4 - A OFICINA DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA: APRENDIZAGEM ATIVA E SIGNIFICATIVA .................. 159
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 171

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 177

ANEXOS
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INTRODUÇÃO

A presente dissertação e a pesquisa, da qual se originou, resultam de uma inquietação


relacionada a questões empíricas vivenciadas no cotidiano das salas de aula da educação
básica. Seus principais elementos motivadores estão intrinsecamente ligados às preocupações
de um professor de História que enxerga a sala de aula como um espaço privilegiado para a
produção de conhecimento e não apenas como um simples ambiente de transposição e
reprodução de saberes, que vislumbra um modelo de ensino de História por meio do qual seja
possível educar pela pesquisa e, de tal modo, promover uma aprendizagem verdadeiramente
significativa. Foi com base nas premissas apresentadas e na convicção de que as aulas de
História precisam superar a tradicional e enfadonha exposição de relatos históricos, pautados
em narrativas lineares que, via de regra, estão centradas na figura do professor, cujo principal
suporte didático é, na maioria das vezes, um livro didático impresso contendo textos
construídos em linguagem formal e pouco estimulante, através do qual o estudante se depara
com narrativas históricas prontas e acabadas acerca das quais ele não se sente cognitivamente
desafiado a refletir, a levantar hipóteses e tampouco é estimulado a questionar o conhecimento
histórico nelas contido. Em outras palavras, estamos dizendo que, em um significativo número
de salas de aula da educação básica, o ensino de História tem sido pouco desafiador, uma vez
que não traz, por exemplo, a alegria, a inquietação e o clima de descoberta, tão presentes no
contexto da pesquisa, para dentro da sala de aula. Os estudos de Cainelli (2017) corroboram
nossa percepção acerca das práticas contemporâneas de ensino de História na educação básica,
quando afirma que:

Em pesquisas recentes sobre o ensino de História no Brasil nos aspectos relacionados


a metodologia do trabalho docente podemos afirmar que a forma de ensinar História
não se afastou do seu início no século XIX. Muitas das características que
predominavam em sala de aula naquele período ainda podem ser vistas no século
XXI. Podemos citar entre elas, o ensino mnemônico, as leituras e explicações do
texto, o apego ao livro didático, as avaliações de centradas em questões de múltipla
escolha. (CAINELLI, 2017, p. 851).

Nesse contexto, o que temos observado é um modelo de ensino/aprendizagem centrado


na figura do professor, mediado por narrativas históricas herméticas, lineares e cristalizadas
contidas nos livros didáticos que, por sua vez, são na maioria das vezes as únicas fontes de
conhecimento histórico utilizadas em sala de aula. Nessa metodologia, o estudante tem seu
papel no processo educativo limitado à condição de expectador, do qual se espera que,
apreenda, de modo passivo, o maior volume de informações possível.
Consideramos importante esclarecer que, quando propomos uma reflexão acerca do
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tradicional modelo de ensino/aprendizagem, centrado na figura do professor, e destacamos a


importância de uma mudança de paradigma que desloque o foco do ensino para aprendizagem,
não estamos defendendo que o aprendente seja alçado ao centro do processo e que o professor
passe a assumir uma posição de coadjuvante, muito pelo contrário, o que propomos é um
modelo de aprendizagem histórica no qual estudantes e professores atuem colaborativamente,
e no qual ambos assumam papéis relevantes nas experiências de aprendizagem. Deste modo,
o protagonismo docente não sofrerá nenhum tipo de prejuízo em favor do protagonismo
discente e ambos assumirão posturas ativas diante das dinâmicas de aprendizagem, cabendo
ao professor uma relevante atuação na curadoria de conteúdos, no desenho de experiências de
aprendizagem, na orientação de pesquisas, na mentoria de estudos e na mediação e
orquestração das dinâmicas de aprendizagem.
Isto posto, e seguindo as ideias de Pagès e Fernández (2010, p. 284) acerca de quais
devem ser os objetivos do ensino de História, defendemos que as aulas de História devam se
propor a trabalhar de modo mais intenso com a compreensão do tempo histórico e das
categorias e conceitos históricos estruturantes da ciência histórica, tais como: memória,
história, patrimônio, permanências, rupturas, descontinuidades, simultaneidade, evidência,
significância, compreensão empática, dentre outros. São os chamados conceitos de segunda
ordem, também conhecidos como conceitos estruturais ou meta-históricos, que estão
diretamente relacionados a própria natureza do conhecimento histórico, como formulou o
grupo inglês da History Education, segundo Barca (2011).
Logo, um importante papel da própria ciência histórica é oferecer à didática da História
um modelo conceitual que permita ler, refletir e interpretar as narrativas históricas e o
conhecimento histórico nelas contido. Essa talvez seja a maior contribuição da História
enquanto ciência para o ensino de História, sobretudo na educação básica. Portanto, partindo
da compreensão de que é preciso apostar no protagonismo dos estudantes como sujeitos
históricos ativos na constituição de sua própria formação intelectual, começamos a pesquisar
e buscar por um suporte teórico-metodológico que nos permitisse adotar estratégias que
tornassem mais eficiente, estimulante e significativa a aprendizagem histórica no cotidiano
das salas de aula. Foi assim que chegamos ao campo de pesquisa da Cognição Histórica, em
16

especial a Educação Histórica1, bem como às Metodologias Ativas2, na busca por um modo
de envolver cada vez mais os estudantes no processo de produção do seu próprio
conhecimento, através do contato com a pesquisa, escrita e divulgação do conhecimento
histórico, oportunizando aos discentes a possibilidade de conhecer e experienciar na prática os
paradigmas epistemológicos da própria ciência histórica, seus métodos e técnicas de
investigação, sua forma de escrita e seus modos de divulgação de conhecimento.
Autores como Babel (2011) reforçam nossa compreensão acerca da importância de
pensar estratégias, metodologias de ensino/aprendizagem que oportunizem aos estudantes um
maior protagonismo na construção do próprio conhecimento, que priorizem a experiências
educativas capazes de promover mudanças de comportamento e que favoreçam uma inserção
social mais ativa, colaborativa e responsável.

É recorrente, entre os estudiosos de Educação das últimas décadas, a ideia de que já


não bastam informações para que crianças, jovens e adultos possam, com a
contribuição da escola, participar de modo integrado e efetivo da vida em sociedade.
Embora imprescindíveis, as informações em si teriam, quando apenas retidas ou
memorizadas, um componente de reprodução, de manutenção do já existente,
colocando os aprendizes na condição de expectadores do mundo. (BABEL, 2011, p.
25).

Ainda nesse contexto de reflexão acerca do Ensino de História, e na busca por


estratégias que contribuíssem para a superação dos limites e problemas relacionados ao
paradigma tradicional de ensino, já apresentado anteriormente, nos deparamos com escritos e
debates que refletiam acerca do uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação
(TDICs) no ensino de História, debates esses que foram aprofundados na disciplina de
Tecnologias da Informação e Comunicação e Ensino de História (TICs), ministrada como
componente optativo do ProfHistória na Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), pela professora Dra. Vanessa Spinosa, que viria a se tornar, além de minha
orientadora, uma importante referência e grande incentivadora nessa caminhada.

1
A Educação Histórica é uma linha de pesquisa que tem por premissa a ideia de que os professores/historiadores
devem compreender que as questões epistemológicas da ciência história devem constituir parte significativa do
processo de aprendizagem histórica. Portanto, Educação Histórica se propõe a trabalhar a partir da própria
epistemologia da História, na qual a teoria e a metodologia da pesquisa em História são utilizadas no processo
de construção de conhecimento. Nessa perspectiva, a aprendizagem histórica deixa de ser validada pela
quantidade de informações que o aluno é capaz de reter e passa analisar o desenvolvimento de níveis de
proficiência do pensamento histórico dos alunos
2
A ideia central é que os estudantes sujeitos ativos da própria formação estejam no centro do processo de
aprendizagem e, desse modo, protagonizem a construção de seu próprio conhecimento, a partir de situações
problema que os desafie cognitivamente e os possibilitem aplicar conhecimento na solução de problemas,
mediação de conflitos, encaminhamento de tarefas, dentre outras situações contextualizadas.
17

A aproximação com as TDICs pode ser explicada por diversos caminhos, que vão
desde uma formação técnica na área de tecnologia da informação, passando por experiências
educacionais exitosas com a utilização das TDICs na ensino de História, passando ainda pela
compreensão de que o trabalho com as TDICs pode resultar em poderosos instrumentos
educacionais, quando realizado de modo planejado e consciente, mas sobretudo pela
compreensão de que está entre os importantes papéis da escola contribuir com o processo de
letramento digital dos estudantes, notadamente em uma sociedade profundamente
informatizada quanto a que vivemos.
Autores como Lucchesi e Maynard (2019) afirmam ser fundamental que as escolas
estejam inseridas nesse processo, uma vez que o seu público é exatamente composto por
estudantes que nasceram a partir do final dos anos de 1990, público esse que já cresceu sob o
signo criado pelo Prensk (2012) que os identificou como nativos digitais. Além do mais, a
utilização das TDICs, inseridas em contextos educativos complexos e bem articulados, podem
contribuir sobremaneira para o desenvolvimento da autonomia discente e no desenvolvimento
de diversas outras habilidades absolutamente imprescindíveis no mundo contemporâneo,
notadamente marcado por uma forte e impactante transição entre a cultura letrada e a cultura
digital.
Nosso entendimento de letramento digital segue a compreensão de Dudeney (2016) ao
afirmar que letramentos digitais são um conjunto de “habilidades individuais e sociais
necessárias para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito
crescente dos canais de comunicação digital.” (DUDENEY, 2016, p. 17). O referido
entendimento encontra ressonância na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pois o
documento aponta, dentre as sete competências específicas do ensino de História, que o
estudante deve “Produzir, avaliar e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação
de modo crítico, ético e responsável, compreendendo seus significados para os diferentes
grupos ou estratos sociais”. (BRASIL, 2018, p. 402).
Nesse cenário no qual estamos inseridos e diante de tudo o que já fora exposto,
precisamos, enquanto educadores, contribuir não apenas com o processo de letramento digital
dos jovens estudantes, mas sobretudo oportunizar um contato com as TDICs que seja capaz
de contribuir para o aprendizado e consequentemente para uma inserção social competente,
segura e responsável desses estudantes no ciberespaço. Esse processo não está limitado ao
contato com os recursos tecnológicos, mas acima de tudo se faz necessário transformar o modo
como docentes e discentes enxergam as ferramentas tecnológicas, suas funções e
possibilidades de uso. Acessar as diversas plataformas de mídia não significa necessariamente
18

apenas ter acesso às tecnologias, mas sim compreender como utilizá-las, como filtrar
conteúdo, como relativizar as informações encontradas, como analisar e confrontar e validar
fontes, como, e o que publicar, estão entre tantas outras questões que precisam ser apreendidas.
Foi exatamente diante de todas as questões motivadoras expostas até o presente
momento que, ainda em 2009, quando navegávamos pela WEB em busca de caminhos que
pudessem nos conduzir a concepções e práticas de ensino/aprendizagem que possibilitassem
um maior engajamento dos alunos no estudo da disciplina de História, que nos deparamos com
a Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB), um projeto de extensão universitária,
proposto pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), desenvolvido pelo
Departamento de História daquela universidade, contando com participação de docentes,
alunos de pós-graduação e de graduação. A ONHB, que é atualmente coordenada pelas
professoras doutoras Cristina Meneguello e Alessandra Pedro, e já faz parte do calendário
nacional de olimpíadas cientificas3 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), e está nesse ano de 2020, em sua 12ª edição, destaca em suas próprias
palavras que:

[...]firmou-se como uma empolgante competição para equipes de oitavo e nono anos
do ensino fundamental e do ensino médio de todo o Brasil, trazendo uma proposta
inovadora de estudar a história do Brasil, abordando temas fundamentais a partir de
documentos históricos, imagens, mapas, textos acadêmicos, pesquisas inéditas e
debates historiográficos. (ONHB, 2020)4

Naquela ocasião, no já distante ano de 2009, a ONHB ainda estava em sua primeira
edição e se tratava de uma experiência inédita para todos os envolvidos, organizadores,
professores orientadores e alunos. Naquele momento, mesmo ainda não tendo experimentado
o que seria a ONHB na prática, nosso feeling de educador apaixonado por ensino de História
e ávido por inovação, já sentia pistas de que de algum modo aquela inusitada proposta de
atividade, que misturava ensino de História, pesquisa, trabalho em grupo, internet e uma série
de outros ingredientes super interessantes, poderia se constituir uma poderosa ferramenta
educacional a serviço de uma aprendizagem histórica significativa e engajadora.
Atualmente, passados doze anos da primeira edição, e tendo participado como

3
As Olimpíadas Científicas são consideradas momentos privilegiados para a divulgação científica e para a
descoberta e incentivo de novos talentos. O caráter competitivo estimula a inventividade dos alunos e professores,
além de fornecer elementos fundamentais ao Ministério da Educação para avaliar os estudantes brasileiros em
relação aos alunos de outros países. Como benefício adicional, muitas olimpíadas incentivam o trabalho em
equipe, reforçando hábitos de estudo, o despertar de vocações científicas e os vínculos de cooperação entre
equipes de estudantes e professores. Disponível em< http://memoria.cnpq.br/olimpiadas-cientificas> acessado
em 5 de março de 2019.
4
Disponível em <https://www.olimpiadadehistoria.com.br/paginas/onhb10/home acessado em 05 de março de
2019.
19

professor orientador de todas as edições da ONHB, procuramos avaliar o modo como a


referida experiência impactou nossa prática profissional, identificar os legados deixados pelas
vivências educativas propostas e experienciadas por alunos e professores e, sobretudo,
perceber de onde partimos e onde chegamos após todo esse caminho de experiência e
aprendizado. Consideramos que a referida atividade teve profunda influência em nossa vida
acadêmica e profissional. Compreendemos que o contato com a ONHB, e com sua proposta
metodológica de ensino de História, tenha contribuído para acelerar nosso caminho rumo ao
que buscávamos em relação ao ensino de História, tenha nos mostrado na prática, e de modo
sistematizado, muitas das coisas sobre as quais refletíamos mas não tínhamos conseguido
ainda sistematizar enquanto prática. Toda essa experiência contribuiu para que pudéssemos
repensar nossas práticas enquanto professores de História, trouxe muitos de nós de volta à
universidade para estudos de pós graduação, mestrado e doutorado, na maioria dos casos
depois muitos anos afastados do ambiente acadêmico, e, sobretudo, nos reacendeu o brilho no
olho e nos incentivou a pesquisar.
Particularmente, depois de retornar à universidade por ocasião do Mestrado
Profissional em Ensino de História (ProfHistória) e impulsionado pelas leituras que fizemos
acerca de diversas teorias relacionadas ao Ensino de História, passamos a compreender que a
ONHB se constitui em bem mais do que uma Olimpíada Científica, mais que uma simples
competição estudantil, que não se trata apenas de um evento através do qual estudantes de todo
o país põem a prova seus conhecimentos em História do Brasil, que vai, inclusive, além de
somente um instrumento educacional, para se situar como um ambiente de reflexão sobre o
próprio processo de ensino/aprendizagem de História, como um espaço de formação docente
e de divulgação de conhecimento histórico. Compreendemos que a ONHB tem se constituído
como um complexo ambiente digital de ensino-aprendizagem ativa e colaborativa, inserido no
campo da Cognição Histórica, nos quais se inserem a Educação da História e a Didática da
História, capaz de oportunizar imensas experiências e possibilidades educativas, além
contribuir sobremaneira com a qualidade do ensino de História em todo o país.
Ao longo de todos esses anos, a ONHB tem cumprido um papel absolutamente
relevante como ambiente de divulgação de conhecimento histórico, como espaço público para
realização de importantes debates historiográficos, como espaço de formação continuada de
professores e, sobretudo, como espaço de reflexão acerca da relevância e dos usos do
conhecimento histórico e, consequentemente, do próprio papel do ensino da História na
educação básica. O ambiente privilegiado de reflexão que fora criado a partir da rede de
relações que se estabeleceu ao longo desses anos, a partir da experiência com a ONHB, tem
20

se constituído em um ambiente privilegiado para reflexão acerca das relações da História com
os contextos sociais nos quais nos inserimos; leva-nos a todos, alunos e professores, a refletir
sobre questões do cotidiano, formular questionamentos do presente e buscar subsídios para
compreensão em outras temporalidades e à luz da análise dos processos históricos, o que nesse
sentido, articula-se com os princípios da Didática da História e coaduna ideias de Rüsen
(2006), e contribui para analisar as diversas formas e funções do pensar historicamente e do
conhecimento histórico na vida cotidiana, o que inclui o papel da História na esfera pública e
suas representações nos diversos meios de comunicação. Portanto, a ONHB se dispõe a
incentivar esse trabalho de desenvolvimento de uma estrutura de pensamento, estruturada à
luz das categorias e conceitos, estruturantes da História enquanto ciência, a fim de aprimorar
os processos de leitura de mundo através de suas propostas de trabalho com análise de fontes
documentais e da realização de atividades que possibilitem vivências permeadas por aspectos
importantes da epistemologia da ciência histórica.
Um outro aspecto que merece destaque é o fato desse trabalho se inserir em um
contexto social no qual observamos a intensificação do uso das tecnologias e de suas
aplicações no cotidiano das pessoas em geral, inclusive no cotidiano dos profissionais de
História que se veem cada vez mais diante desse novo escopo de trabalho que se apresenta
aos professores/historiadores. É nesse contexto que percebemos a necessidade do
desenvolvimento de habilidades e competências, exigidas para uma atuação eficiente na
contemporaneidade, pois diante desse verdadeiro arsenal de novas mídias, de novas formas de
interação social, de ampliação da disponibilidade e dos tipos de fontes que as plataformas
digitais proporcionam, surge também a necessidade de uma mudança no mind set desses
profissionais. Porém, é importante que reflitamos acerca desse novo contexto no qual as
TDICs tem ganhado destaque, a fim de evitar uma mera transposição das mesmas
metodologias tradicionais oriundas das antigas práticas analógicas, aplicadas sem grandes
ressignificações, apenas mudando as ferramentas analógicas para as digitais, com pouca
reflexão epistemológica e limitando o uso das TDICs como instrumentos sem perceber suas
potencialidades, subestimando suas possibilidades e as utilizando tão somente como pirotecnia
e nova roupagem para fazer mais do mesmo.
A História, enquanto ciência e como disciplina escolar, esteve por muito tempo distante
do interesse das pessoas comuns, dos indivíduos mais simples e dos jovens. Esse fenômeno
talvez se explique por conta de sua postura sisuda, formal e até antiquada. Porém, mesmo
durante esse longo período de distanciamento entre o público e a História ciência e disciplina
escolar, a História enquanto experiência humana nunca deixou de fascinar as pessoas, desde
21

as mais eruditas as mais populares. Podemos observar isso no interesse em temáticas históricas
que são frequentes nas produções cinematográficas, em canais de tv por assinatura dedicados
exclusivamente à História, nas publicações de periódicos sobre a temática e até mesmo nos
debates sobre História que estão no cerne de debates acalorados travados nas mais distintas
esferas de atuação social. Esse fenômeno pode ser melhor compreendido ao observarmos que
durante muito tempo os historiadores restringiram seu espaço de atuação à academia e
divulgavam sua produção historiográfica basicamente através de suportes analógicos
clássicos, tais como ensaios, artigos, dissertações, teses e livros, todos impressos e com
ambiente de circulação restrito às universidades e demais ambientes acadêmicos, tais como
congressos, simpósios etc. Podemos observar essa discussão em Rüsen (2006):

(...) devido a crescente institucionalização e profissionalização da história, a


importância da didática da história foi esquecida ou minimizada. Durante o século
XIX, quando os historiadores definiram sua disciplina, eles começaram a perder de
vista um importante princípio, a saber, que a história é enraizada nas necessidades
sociais para orientar a vida dentro da estrutura tempo. (p. 08)

Isto posto, podemos concluir que o público leitor dessa historiografia acadêmica
tradicional se restringia aos espaços de alcance da própria tradição acadêmica e que esse tipo
de leitor qualificado, já iniciado, via de regra, faz uso desse conhecimento dentro do mesmo
ambiente acadêmico. Logo, concluímos que a circularidade cultural do conhecimento histórico
esteve durante muito tempo restrita a um universo letrado, erudito, intelectualizado e bastante
hermético, com pouca repercussão fora da academia, ou seja, os historiadores, via de regra,
escrevem para os seus pares.
Estamos nos propondo a traçar caminhos que promovam o encontro desse público,
desse leitor, dessa audiência ávido por conhecimento histórico, que se deleita ao apreciar as
narrativas das experiências humanas, que gosta de refletir sobre como chegamos até ao ponto
no qual nos encontramos, que se diverte com os debates com temáticas históricas, mas que
não se sente motivado, tampouco preparado ou mesmo convidado a adentrar o ambiente
hermético dos historiadores profissionais, repleto de conceitos e categorias sofisticadas,
inacessíveis aos não iniciados, muitas vezes complexo até para os próprios pares.
Como resposta à questão que acabamos de levantar, estamos nos propondo traçar
estratégias de levar conhecimento histórico produzido com o devido rigor teórico
metodológico, seguindo os pressupostos epistemológicos da ciência histórica, para dentro das
salas de aula da Educação Básica. Porém, de um modo que os estudantes possam aprender
fazendo, se apropriando do método, dos conceitos e categorias, a fim de que se tornem agentes
22

ativos e reflexivos da construção do próprio saber, se sintam estimulados e engajados a


aprender. Pretendemos realizar essa experiência a partir de proposição de atividades
educacionais nas quais os estudantes sejam protagonistas no processo educativo, desviando o
foco do ensino para o processo de aprendizagem histórica, utilizando as TDICs para
oportunizar o acesso, manipulação e estudo de documentos históricos que, na maioria dos
casos, estariam inacessíveis sem os acervos digitais, como ambiente que possibilite a
realização de tarefas desafiadoras, individuais e/ou coletivas, como ferramentas fundamentais
de comunicação rápida e sistematização de resultados. Portanto, o que nos propomos tem por
objetivo geral o desenvolvimento do que Silva (2019) chamou de Letramento Histórico
Digital, um conceito híbrido formulado a partir dos conceitos de Literacia Histórica (BARCA,
2006) e de Letramento Digital (BRAGA, 2007).
A necessidade de dialogar com as pessoas, fora do ambiente acadêmico, de levar
conhecimento histórico para a esfera pública e de pensar na função transformadora do
conhecimento histórico fez surgir, no contexto da produção e divulgação do conhecimento
histórico, uma preocupação com a divulgação pública no conhecimento histórico. Quando
falamos em visão transformadora da História, estamos recorrendo a ideia de Lee (2016) na
qual ele defende que se não reivindicarmos o caráter transformador do conhecimento histórico,
e não destacarmos que o conhecimento histórico interfere em nossos posicionamentos no
presente, correremos o risco do saber histórico ser reduzido a um amontoado de fatos presos
ao passado e, por conseguinte, sem a menor relevância no presente.
Diante desse contexto, e dialogando com as demandas oriundas de uma sociedade na
qual a informação tem se tornado cada vez mais livre e fluida, não admitindo exclusivismos
pragmáticos pautados em argumentos de suposta autoridade intelectual, é que surge uma
corrente historiográfica denominada História Pública. A expressão Public History foi utilizada
pela primeira vez nos Estados Unidos, ainda nos anos de 1970 pelo professor Robert Kelley,
da Universidade de Santa Bárbara, na Califórnia, que passou a usar o termo para se referir à
atuação de historiadores e do método histórico fora da academia. Foi também o professor
Kelley que criou, em 1978, a revista The Public Historian (O Historiador Público), onde em
seu primeiro número encontramos o que talvez seja a primeira definição de História Pública:

Em seu sentido mais simples, História Pública se refere à atuação dos historiadores
e do método histórico fora da academia: no governo, em corporações privadas, nos
meios de comunicação, em sociedades históricas e museus, até mesmo em espaços
privados. Os historiadores públicos estão atuando em todos os lugares, empregando
suas habilidades profissionais, eles são parte do processo público. Uma questão
precisa ser resolvida; uma política pública precisa ser elaborada; o uso de um recurso
ou uma atividade precisa ser melhor planejada – eis que os historiadores serão
23

convocados para trazer à baila a questão do tempo: isso é História Pública.


(KELLEY, 1978)

Em breves palavras, a chamada História Pública procura estabelecer um diálogo entre


a produção acadêmica e não acadêmica do conhecimento histórico, visto que os lugares de
produção de conhecimento histórico têm se multiplicado, ultrapassado os muros das
universidades e, de tal modo, exigido um novo posicionamento dos historiadores diante de
suas estratégias de produção e divulgação do saber histórico.
Durante conferência intitulada Olimpíada Nacional em História do Brasil: política de
formação docente e ensino de História para a Educação Básica, realizada por ocasião do 30o
Simpósio Nacional de História, a professora Cristina Meneguello, mentora da ONHB e uma
de suas coordenadoras, iniciou uma discussão exatamente sobre esse cenário da dimensão
pública do conhecimento histórico. Na ocasião, a professora defendia que o conhecimento
histórico precisa se articular com as demandas sociais e de algum modo ultrapassar os muros
da universidade e chegar até as pessoas, se constituindo em importante ferramenta para leitura
do mundo. Naquele contexto, Meneguello (2019) chegou a usar a expressão “Divulgação
Pública da Ciência” se referindo a um tipo de conceito híbrido, uma espécie de meio do
caminho entre o campo da História Pública e o da Divulgação Científica. Ainda na mesma
conferência, Meneguello mencionou pichações que encontrou nas paredes do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UNCICAMP, local onde ministra aulas há vários
anos, nas quais se encontravam questionamentos acerca do alcance e do impacto social do
conhecimento acadêmico produzido na universidade; uma das pichações dizia: “Seu
conhecimento acadêmico chega na Perifa?” Outras forças incidem sobre historiadores e
professores de História exercendo pressão para que a produção e divulgação do conhecimento
histórico rompa as fronteiras da academia e se posicione nos espaços públicos de discussão
nos quais a sociedade e os públicos não especializados se fazem cada vez mais presentes.
São muitas as discussões acaloradas promovidas em ambientes virtuais nas quais as
diferentes memórias, individuais e coletivas, frequentemente tem colocado o conhecimento
histórico no centro de debates públicos e com ampla repercussão. A busca por conteúdos de
História tem se tornado cada vez maior entre o público não especializado, o que demonstra
que há interesse da sociedade em conhecer e debater sobre História. O referido interesse tem
impulsionado bastante a produção editorial, audiovisual, museológica, dentre outras
produções que podem ser utilizadas em situações de aprendizagem, desde que sejam
devidamente problematizadas, pois nem sempre essa produção de conhecimento histórico tem
seguido corretamente os rigores metodológicos da ciência histórica. Portanto, quando os
24

historiadores não reivindicam seu espaço de atuação na esfera pública, quando não produzem
conhecimento para circular em meios mais acessíveis aos leitores não especializados, como
por exemplo os ambientes digitais, quando não adaptam sua linguagem para estimular a leitura
de seus escritos, estão renegando seu papel social e deixando um vácuo de atuação que muitas
vezes é ocupado por um conhecimento construído com base em “achismos”, sem nenhum rigor
metodológico e fortemente marcado por manipulações ideológicas. Acerca desse debate,
Rüsen argumentou que:

Como os historiadores do século XIX se esforçaram para tornar a história uma


ciência, este público foi esquecido ou redefinido para incluir apenas um pequeno
grupo de profissionais especialistas treinados. A didática da história não era mais o
centro da reflexão dos historiadores sobre sua própria profissão. Ela foi substituída
pela metodologia da pesquisa histórica. A “cientifização” da história acarretou um
estreitamento consciente de perspectiva, um limitador dos propósitos e das
finalidades da história. (RÜSEN, 2006, p.8)

Outro aspecto que devemos observar é o fato de que no ambiente escolar nem sempre
esse interesse acerca do conhecimento histórico, descrito acima, encontra ressonância e,
talvez, essa dicotomia possa ser explicada por diversos aspectos que vão desde as
metodologias utilizadas em sala de aula, que via de regra são centradas na figura do professor
e em narrativas históricas distantes da realidade dos estudantes, passando pela falta de
identificação dos discentes com as temáticas propostas pela historiografia escolar tradicional
e pela distância entre as narrativas históricas escolares e as questões contemporâneas, até
chegar na própria linguagem e ambiente utilizados para mediar a aprendizagem que, na
maioria das vezes é a mesma e enfadonha sala de aula com carteiras enfileiradas, o livro
didático e a lousa. Desse modo, os estudantes não se sentem desafiados a investigar, a
descobrir por conta própria, não conhecem a metodologia da pesquisa em História, pouco
entram em contatos com fontes primárias, não se sentem motivados a aprender e, via de regra,
se limitam a reter e reproduzir informações.

Num primeiro momento, a relação historiador/historiografia/público há de se ser


colocada em perspectiva histórica, no sentido de que tanto os sujeitos desse tripé
quanto os meios (as mídias) de sua conexão variaram em cada tempo/espaço
considerado. Em segundo lugar, no contexto dessa relação nos dias atuais, o advento
dos meios digitais, nomeadamente a internet, alterou dramaticamente os elementos
constituintes do trinômio. Por fim, neste quadrante, em que a prática historiadora
extravasa para além dos circuitos institucionais tradicionais de tal modo a se
questionar o próprio sentido da história como disciplina acadêmica, a reflexão sobre
o papel social do historiador profissional impõe-se com fragorosa urgência.
(MALERBA, 2016, p. 135)

Há, portanto, uma grande ambiguidade nesse fenômeno de popularização do


25

conhecimento histórico, dessa dessacralização do saber historiográfico, pois, se por um lado é


muito positivo e extremamente bem vindo que cada vez mais pessoas se interessem por
consumir e produzir conhecimento histórico, é também bastante preocupante perceber que a
massificação desse conhecimento produzido sem o rigor metodológico dos historiadores,
muitas vezes sem o uso de fontes ou sem relativizá-las através da análise crítica dessas fontes,
tem produzido e difundido, através de diversos suportes, mas sobretudo as mídias digitais, um
tipo de conhecimento histórico superficial, distorcido e muitas vezes completamente
equivocado. Acerca desse debate, Malerba (2016) questiona:

Mas quem é o historiador, hoje? O profissional acadêmico treinado na universidade


cada vez mais especializado que escreve para os pares em revistas indexadas e
ranqueadas, o diletante amador que escreve em seu blog, ou o escritor leigo de
história e autor de best-seller? A depender da resposta a essa questão, variará o que
podemos e devemos entender pelo segundo item do tripé: o que é historiografia, qual
historiografia? Assim também para o que entendemos por “público”: os
historiadores, leitores de nós mesmos, o internauta curioso do passado ou o leitor
diletante, que seleciona seus livros de história com base na indicação das colunas
dos mais vendidos dos cadernos de cultura? A complicar a equação, a questão da
historicidade: “historiadores”, “historiografia” e “audiência” não foram sempre a
mesma coisa em todo lugar e em qualquer época. (2016, p. 137)

Diante do exposto, é fundamental que possamos levar para o universo escolar, para
dentro das salas de aula da Educação Básica, a compreensão acerca da teoria e da metodologia
da ciência histórica, pois, como afirma Moreira “O conhecimento histórico é por isso
interpretativo e inferencial, que resulta da actividade construtiva do historiador, do seu sistema
de valores, da sua experiência política e social e da sua formação cultural” (MOREIRA, 2004,
p. 46).
No entanto, o relato do historiador não pode ser arbitrário, assim, deve estar justificado
por evidências que existam sobre o assunto. Devemos oportunizar aos estudantes, experiências
ativas de aprendizagem que estimulem a reflexão acerca dos aspectos procedimentais da
construção do saber histórico, o contato com a historiografia acadêmica, bem como o
desenvolvimento de habilidades interpretativas inerentes a própria História enquanto ciência,
para que os mesmos sejam capazes de discernir entre o que é conhecimento histórico válido,
produzido dentro do rigor teórico metodológico, para que eles possam questionar inclusive as
próprias narrativas acadêmicas, uma vez que todo saber científico pode e deve ser questionado
para ser aprofundado.
Em síntese, o que propomos é a investigação, análise e reflexão acerca das narrativas
históricas e de seus propósitos dentro da sociedade contemporânea, sobretudo identificando as
narrativas que foram produzidas dentro dos paradigmas epistemológicos da ciência histórica
26

e as distinguindo daquelas que foram construídas sem o mesmo rigor. Nesse sentido,
pretendemos trabalhar junto aos estudantes da Educação Básica a compreensão teórica e
metodológica da História enquanto ciência, a partir de práticas educativas inseridas na
metodologia da Educação Histórica, e pretendemos reaproximar a ciência histórica da didática
da História, a exemplo do que afirma Saddi (2010):

Desta forma, consolidava-se a divisão entre Ciência Histórica e Didática da História


a partir da redução da primeira à metodologia da pesquisa e da segunda à
metodologia de ensino. O fim desta separação exigia tanto uma ampliação da
concepção de Ciência Histórica quanto de Didática da História. Era preciso que a
Ciência Histórica percebesse os seus vínculos com a vida prática humana e que a
Didática da História compreendesse a sua relação com o trabalho metódico dos
historiadores. (p.71).

Desejamos também refletir acerca da atuação dos professores/historiadores nos


ambientes digitais de produção e divulgação de conhecimento histórico, além de analisar os
impactos da utilização das metodologias ativas e do uso das TDICs no processo mudança do
nível de proficiência dos estudantes no que se refere ao pensamento histórico, da formação do
repertório sócio-histórico e cultural, estruturado a partir de leituras não lineares, baseadas em
caminhos pavimentados de modo autônomo nos quais hiperlinks e hipertextos contribuem para
o aprofundamento das pesquisas e estimulam uma leitura crítica, multifacetada e reflexiva de
mundo que corrobora para a construção de significados através de processos de leitura que
segundo Lévy (1996) consiste em:

[...] selecionar ideias e em esquematizar, em construir uma rede de remissões internas


ao texto, em associar a outros dados, em integrar as palavras e as imagens a uma
memória pessoal em reconstrução permanente, então os dispositivos hipertextuais
constituem de fato uma espécie de objetivação, de exteriorização, de virtualização
dos processos de leitura. (p. 43).

Nesse sentido, compreendemos que o limite dos espaços físicos das salas de aula e o
curto tempo de duração das aulas previstas para a disciplina de História nos currículos
escolares, não podem e nem devem ser limites a atuação dos professores/historiadores. Desse
modo, professores/historiadores devem buscar meios para atingir seus públicos, qualificados
ou não, discente ou público em geral, atuando por meio de plataformas analógicas e digitais
que tenham sido, ou não, elaborados com finalidade educativa. Acreditamos que
professores/historiadores devam produzir, divulgar e debater conhecimento histórico em
ambientes que não foram criados originalmente para esse fim, como por exemplo as diversas
redes sociais, pois através do uso de ferramentas digitais como podcasts, microblogs, vlogs,
27

dentre outras tantas, os professores/historiadores podem divulgar sua produção e interagir com
os públicos difundindo conhecimento histórico, elaborado para ser publicado e circular nas
diversas plataformas digitais, superando assim os limites tradicionais de divulgação e dos
debates historiográficos, bem como seus suportes mais ortodoxos, os artigos, as dissertações,
as teses e em última instância os livros. Desse modo, oportunizaremos a mais diversa
audiência, o acesso ao conhecimento histórico científico, suscitando um rico debate acerca de
temáticas relevantes, ampliando os espaços e o tempo que os públicos de um modo geral
dedicam ao estudo de História e aos debates acerca de temas contemporâneos cujo
entendimento mais refinado passa, fundamentalmente, pela análise e compreensão de suas
origens históricas.
Porém, a questão não se encerra no modo como chegamos até os jovens, nem mesmo
nas ferramentas, linguagens ou suportes utilizados para ensinar e divulgar conhecimento
histórico, pois o cerne da questão talvez seja o modo como se ensina e como se aprende
História, a forma como nos apropriamos do conhecimento histórico e como o utilizamos em
nosso cotidiano como norte para nossas escolhas e posicionamentos.
Na Inglaterra dos anos 60/70, por exemplo, havia uma grande preocupação entre os
historiadores/professores de História ante ao grande desinteresse dos estudantes em relação à
História. Foi exatamente nesse contexto que alguns pesquisadores, com destaque para Peter
Lee, inspirados na educação matemática, decidiram elaborar propostas didáticas que
desafiassem cognitivamente os alunos e desse modo os mantivessem motivados a aprender,
como afirma Schmidt (2018).
Foi a partir do cenário acima apresentado, e diante desse desafio, que surgiu o que mais
tarde chamaríamos de Educação Histórica, que, em breves palavras, é um campo da pesquisa
em História que se propõe a estudar a formação do conhecimento histórico e os níveis de
proficiência das ideias históricas, estando bastante vinculado à própria epistemologia da
ciência histórica, de onde se baseiam as ideias para aprimorar a aprendizagem histórica.
Portanto, as discussões propostas pela Educação Histórica estão relacionadas ao estudo da
progressão, do avanço, da mudança do pensamento histórico, da existência de níveis de
desenvolvimento, de competências ou mesmo da existência de uma escala de proficiência na
qual os educandos em maior nível refletem e pensam historicamente de modo mais sofisticado.

Ademais, há um consenso de que as investigações e reflexões relativas a esta área


ancoram-se, teórica e metodologicamente na epistemologia da História, na
metodologia da investigação das Ciências Sociais e na Historiografia. Nos
referenciais da epistemologia da História, particularmente no campo da filosofia e
da teoria, são definidos e recortados os objetos de investigação da Educação
28

Histórica, como o estudo das ideias relacionadas à formação do pensamento histórico


dos alunos; no âmbito da metodologia das Ciências Sociais, como a Sociologia e a
Antropologia, são referenciados os princípios metodológicos da investigação, como
os elementos da investigação qualitativa e quantitativa, que permitem olhar a escola
e os sujeitos no universo escolar. Finalmente, na Historiografia, em sentido amplo,
podem ser selecionados e analisados os conteúdos que serão investigados, por
exemplo, aqueles pertinentes à formação do pensamento histórico de jovens e
criança. Nesse sentido, a Educação Histórica tem se constituído, por exemplo, como
teoria e aplicação à educação em geral e, ao ensino de História, em particular, de
princípios da cognição histórica, pois parte-se do pressuposto de que existe uma
cognição própria em História. (SCHMIDT, 2018, p. 9)

A Educação Histórica, enquanto campo de pesquisa, tem ganho cada vez mais espaço
e se constituído em um profícuo campo investigativo presente em diversas linhas de pesquisas
de cursos de pós-graduação e em muitos eventos acadêmicos, pois possibilita aos
professores/pesquisadores investigar os processos de ensino e aprendizagem em História,
inseridos em uma fundamentação teórico-metodológica da própria epistemologia da História
e não apenas na fundamentação, nas teorias da educação, pedagogia ou psicologia, como era
costume hegemônico há bem poucos anos. A Educação Histórica articula a ciência histórica e
as práticas de ensino de modo a desenvolver o pensamento histórico como ferramenta de
mudança social através de uma profunda reflexão acerca da compreensão do passado e de sua
relação com o presente promovendo o desenvolvimento de importantes competências
cognitivas, tais como a evidência, a narrativa e a empatia, conceitos que trataremos de discutir
mais adiante.
Segundo Barca (2001), Educação Histórica se propõe a refletir acerca da cognição
histórica, tendo por base a própria racionalidade da ciência histórica, apontando ainda como
peculiaridade do referido campo de pesquisa o fato de ter como premissa teórica “[...] a
natureza do conhecimento histórico e, como pressuposto metodológico, a análise de ideias que
os sujeitos manifestam em e acerca da História, através de tarefas concretas” (BARCA, 2001,
p. 13).
A presente pesquisa foi inicialmente motivada por questões relacionadas a experiências
pessoais, vivências que nos levaram a ter contato e experienciar processos de aprendizagem
histórica que fizeram brilhar nossos olhos. Por não compreender de modo mais sistematizado
o que havia por trás daquelas práticas, decidimos investigar, ir mais fundo, mergulhar na teoria
que embasava aquelas experiências de aprendizagem histórica que, hoje, sabemos estar
vinculadas ao macrocampo da Cognição Histórica, onde situam-se também a Didática da
História, de matriz alemã e a Educação Histórica, de origem inglesa. Nas palavras de Miranda
(2014), a:
29

Cognição Histórica, vertente cognitivista-sociointeracionista dos estudos em Ensino


de História (que investigam as concepções prévias de indivíduos acerca de conceitos
históricos, especialmente estudantes e professores) e os projetos educacionais que
visam a promoção de uma melhoria cognitiva dos sujeitos investigados, que
compõem o campo de estudos da Educação Histórica. (p.92)

Mais tarde, juntaram-se a nossa base teórica os estudos e práticas que relacionavam o
ensino de História e as TDICs, notadamente o campo das chamadas Humanidades Digitais,
que segundo Kirschenbaum (2010) “são um campo de estudo, pesquisa, ensino e invenção
relacionado à interseção da computação e as disciplinas das ciências humanas”. Como
podemos perceber, estamos nos referindo a um campo de pesquisa que já nasce em uma
concepção interdisciplinar e híbrida, que em suas próprias palavras Kirschenbaum (2010)
afirma que “É metodológico por natureza e interdisciplinar em escopo. Envolve investigação,
análise, síntese e apresentação de informações em formato eletrônico. Estuda como essas
mídias afetam as disciplinas em que são usadas”.

As humanidades digitais constituem um território científico relativamente novo,


decorrentes da interseção entre as Humanidades, as Ciências Sociais e as tecnologias
digitais. Essa composição parece desafiar o modo contemporâneo de produzir
ciência na medida em que a seara de produção, armazenamento e circulação do
conhecimento está sobreposta em um mesmo ambiente digital. (MOURA, 2019).

Mais à frente, entramos em contato com concepções teóricas mais relacionadas a


questões metodológicas e procedimentais, como por exemplo às Metodologias Ativas de
ensino/aprendizagem e o Ensino Híbrido, cujas principais características são exatamente a
articulação das atividades a que nos propormos, marcadas pela alternância entre momentos de
estudo on-line e off-line, atividades digitais e analógicas, encontros de orientação e debates
presenciais e à distância, individuais e em grupo, combinando o uso de ferramentas digitais e
analógicas, pesquisa de campo e pesquisa nos motores de busca on-line, leitura e análise
individual e coletiva de documentos, dentre outras. Por metodologias ativas compreendemos
as estratégias capazes de transferir o foco da ação do professor para o trabalho do aluno, do
ensino para a aprendizagem, de uma educação instrucional pra uma aprendizagem
investigativa, de um modelo de transmissão de informações para um paradigma de construção
de conhecimento. O conceito de Metodologia Ativa é recente, porém seus princípio nem tento,
pois autores como Freire, Dewey, Knowles, Rogers e Vygotsky já defendiam há muito os
princípios básicos que a norteiam, notadamente o engajamento e protagonismo do aprendente
em seu próprio processo de aprendizagem.
30

Todo esse arcabouço teórico orienta nosso trabalho, e apresentamos brevemente o que
nos conduzirá ao longo dos capítulos permeando nossas considerações, análises e debates que
proporemos ao longo desse trabalho dissertativo. No primeiro capítulo, discorreremos acerca
da experiência que tivemos com a Educação Histórica, com a qual tivemos nosso primeiro
contato a partir da experiência como professor orientador de equipes participantes da ONHB,
mais precisamente a partir do contato com as atividades propostas pela olimpíada. No segundo
capítulo, buscaremos analisar e debater acerca das questões relacionadas aos ambientes
digitais de aprendizagem e às Metodologias Ativas, à luz de experiências, por nós já
vivenciadas, de orientação remota de estudantes e ensino híbrido mediado pelo uso das TDICs.
Vivemos em sociedades historicamente marcadas pelo uso de tecnologias, e não é de
agora, pois desde sempre o homem precisou desenvolver ferramentas e utensílios para tornar
as tarefas mais fáceis de serem executadas, fato que periodicamente nos tira da zona de
conforto e nos exige uma readaptação diante do novo. Somos animais frágeis, não possuímos
grandes dotes físicos, não temos a força dos ursos, nem a visão das águias, tampouco a
agilidade dos felinos, muito menos o olfato dos caninos. Porém, mesmo tão frágeis,
conseguimos chegar ao topo da cadeia alimentar e continuamos a nos desenvolver, graças a
nossa grande capacidade de produzir e, sobretudo, transmitir cultura de geração para geração,
processo que na maior parte do tempo se deu através de experiências práticas que envolviam
o aprendiz de modo ativo no processo de aprendizagem.
Ao longo da nossa história, tivemos diversos momentos importantes no que diz respeito
a produção de instrumentos tecnológicos que impactaram profundamente nosso modo de vida,
nossa forma de se relacionar uns com os outros, a noção de tempo, espaço, dentre outras tantas
realidades que sofreram ressignificações ante ao avanços tecnológicos como por exemplo o
controle sobre o fogo, a invenção da roda, o desenvolvimento da escrita, passando pelo
desenvolvimento dos meios de transporte, dos meios de comunicação, chegando ao
aperfeiçoamento das fontes de energia, até chegar ao que contemporaneamente chamamos de
Era da Informação Digital.
Ao analisarmos os diversos campos da vida humana, como o mundo do trabalho, as
artes, os espaços de lazer e socialização, as ciências da saúde, a engenharia, as leis, a economia,
a política, dentre tantas outras áreas da vida humana em sociedade, perceberemos
significativas mudanças que vão desde as mais básicas a transformações verdadeiramente
revolucionárias. Isto posto, é natural que esperemos que a educação acompanhasse esse
mesmo processo de transformação, posto que se trata de área da vida humana notadamente
marcada pela reflexão acerca do mundo que nos cerca. Porém, estranhamente, verificamos que
31

é exatamente nesse campo da vida humana, a educação, que as transformações ocorrem de


modo mais lento e enfrentam as maiores resistências, ao ponto de verificarmos que em sua
estrutura base, em seus paradigmas mais significativos, inúmeras permanências de práticas
cujas relações remontam contextos sócio-históricos já há muito superados.
É possível reforçar a argumentação que estamos tentando construir observando a
enorme diversidade de fontes históricas relacionadas ao universo escolar que evidenciam as
permanências na contemporaneidade da estrutura física e de muitos dos paradigmas da escola
do século XIX. São vastos os registros escolares disponíveis que descortinam as práticas
escolares anacrônicas, descoladas do seu tempo e presas ao passado, como por exemplo as
salas de aulas com carteiras enfileiradas, um professor à frente da turma posicionado em um
patamar mais alto, na posição autoritária e distante de detentor do saber, a proferir verdadeiros
colóquios, palestras e/ou conferências, alunos apáticos, desconcentrados, desmotivados ou
minimamente preocupados em copiar o que está sendo transmitido para muito em breve
regurgitar tudo de volta em uma enfadonha e pouco desafiadora prova escrita. Há
documentação que registra o que estamos afirmando, e é vasta e diversa, desde escritos,
fotografias, filmes etc. Estas dão conta que nos escolares do século XXI pouca coisa mudou,
sobretudo se compararmos aos outros setores da vida humana, tais como fábricas, mercado
financeiro, comércio, bancos, meios de transporte, dentre outros. Uma simples fotografia de
quaisquer um desses setores há algumas décadas atrás já são o suficiente para testemunhar as
grandes transformações, mas não podemos dizer o mesmo das escolas, pois não
estranharíamos muito uma sala de aula do século XIX.
Diante do exposto, o que propomos é uma reflexão acerca do modelo de educação e de
escola que temos, marcada por inúmeras permanências oriundas de outros contextos sócio-
históricos, e o modelo de educação e de escola que podemos propor, bem mais articulada com
a realidade contemporânea, fortemente marcada pelas novas tecnologias, na qual as TDICs
estejam presentes desde as questões mais corriqueiras do dia a dia às mais complexas.
Podemos observar o uso das tecnologias em situações cotidianas como na solicitação de um
carro por aplicativo, a observação do horário de passagem do ônibus no aplicativo (app) do
transporte público, a utilização da conta bancária, no pedido de uma refeição, na compra de
ingressos de shows e cinemas, na forma de aprender a utilizar algum aparelho doméstico a
partir de um vídeo hospedado em um servidor de streaming, ouvir música via streaming,
passando pela realização da inscrição em uma avaliação de larga escala, como por exemplo o
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), pela inscrição em concursos públicos, até chegar
em ações mais complexas como a realização de pesquisas em bases de dados, a aprendizagem
32

colaborativa em redes de aprendizagem on-line, a educação a distância, o ensino remoto, os


debates em fóruns com temáticas específicas, o estudo via podcast, dentre outros. O fato é que
não podemos esperar que os jovens que nasceram em uma sociedade altamente tecnológica e
que estão expostos a incríveis estímulos visuais, auditivos e sensoriais mantenham-se
interessados, concentrados e motivados em aulas cujos modelos e paradigmas datam de dois
séculos atrás.
Precisamos compreender que o uso das TDICs é imperativo e se constitui como
excelente aliado, no sentido de estreitar laços entre os interesses desses jovens tão adeptos às
tecnologias. Portanto, entendemos que o Ensino de História deverá aprender como eles
aprendem, e aprender com eles, em uma relação dialética mediada pelos ambientes digitais de
aprendizagem. Pois, como afirma Cerri (2007) “(...) a História do Ensino de História deverá
enfrentar, mais cedo ou mais tarde, a história que se aprende independente da escola.”
Por ocasião do terceiro capítulo dessa dissertação, apresentaremos a proposta de
indicar uma ação prática de intervenção educacional na Escola de Ensino Médio em Tempo
Integral Walter Sá Cavalcante (E.E.M.T.I.), uma escola da Educação Básica da rede pública
estadual do Ceará. Pretendemos, à luz do pressupostos e da metodologia da Aula Oficina, de
Barca (2004a), apresentar o planejamento de uma disciplina eletiva, componente da base
curricular diversificada do E.E.M.T.I., na qual proporemos atividades inspiradas no referencial
teórico que esboçamos até aqui e que apresentaremos de modo mais detalhado ao longo do
texto dissertativo. Pretendemos desenvolver um trabalho com análise de fontes históricas, em
formato de oficina, com o protagonismo discente, utilizando meios analógicos e digitais para
acesso aos acervos e norteado pelos pressupostos da Educação Histórica. Proporemos a
utilização de metodologias ativas, tais como aprendizagem baseada em problemas, instrução
por pares, ensino personalizado, dentre outras.
Esperamos que a documentação produzida a partir da elaboração do projeto da
disciplina eletiva, seus planos de aula, fontes selecionadas, propostas de atividades descritas
etc, bem como toda a experiência do percurso registrada nessa dissertação, resulte em um
material que possa ser útil a outros colegas professores/pesquisadores em suas caminhadas.
33

CAPÍTULO 1 - UMA QUESTÃO DIALÉTICA: COMO A PRÁTICA NOS


LEVOU À TEORIA E DE QUE MODO A TEORIA NOS AJUDOU A
RESSIGNIFICAR A PRÁTICA.

Durante muito tempo a escola fora vista como um espaço de reprodução do


conhecimento produzido na academia. Nesse sentido, estabeleceu-se até mesmo uma certa
hierarquia entre os profissionais que atuavam nos dois espaços, estando sempre o
professor/historiador, com atuação na universidade, em posição de maior prestígio quando
comparado ao profissional da Educação Básica. Nesse contexto, a escola era vista como
espaço de reprodução de conhecimento e, quase nunca, como espaço de produção de saber
histórico. Havia a compreensão de que cabia ao professor da Educação Básica a realização de
uma mediação didática entre os saberes complexos e sofisticados produzidos na academia e o
universo escolar.

Temos afirmado que a concepção de disciplina escolar está intimamente associada à


de pedagogia e à de escola e, portanto, ao papel histórico de cada um desses
componentes. Ao concebermos a disciplina escolar como produção coletiva das
instituições de ensino, admitimos que a pedagogia não pode ser entendida como uma
atividade limitada a produzir métodos para melhor ‘transpor’ conteúdos externos,
simplificando da maneira mais adequada possível os saberes eruditos ou acadêmicos.
(Bittencourt, 2004, p. 49).

Porém, essa perspectiva vem mudando, sobretudo a partir das pesquisas no campo da
34

Cognição Histórica, com destaque para a Didática e da Educação Histórica, que a partir das
décadas de 1960 e 1970, na Alemanha e Inglaterra, começam a lançar luz sobre os saberes
históricos produzidos no ambiente escolar. Portanto, os estudos da Cognição Histórica,
enquanto campo de pesquisa, estariam voltados para a análise das especificidades do ensinar
e aprender história e, de tal modo, contribui para a compreensão de que a escola pode e deve
ser um ambiente de produção de conhecimento histórico.
Desse modo, a partir da compreensão da escola como ambiente de produção de saber
histórico, os professores da Educação Básica começaram a enxergar seus saberes e práticas
refletidos e sistematizados através de conceitos, teorias e metodologias sistematizadas dentro
dos padrões acadêmicos de produção e divulgação de conhecimento científico. No bojo desse
processo dialógico, observamos novos debates se inserindo e ganhando força dentro do
ambiente escolar, que fora aos poucos se reconstituindo como espaço de produção de
conhecimento e buscando legitimar suas práticas à luz das reflexões teórico-metodológicas.

1.1 - O CONTATO COM A EDUCAÇÃO HISTÓRICA A PARTIR DA EXPERIÊNCIA


COM A ONHB

Desde o já distante 2009, quando nos deparamos com a ONHB, ainda em sua primeira
edição, percebemos intuitivamente que ali estava promissora metodologia de ensino
aprendizagem de História. Naquele momento, distante há muitos anos das discussões
acadêmicas e sem multas leituras teóricas, pois quase sempre nos limitamos a ler historiografia
para tentar nos manter minimamente atualizados, ficava difícil compreender com maior
profundidade o porquê daquela experiência tanto nos encantar e envolver a todos, professores
e estudantes.
Aos poucos, com o passar dos anos e das edições da ONHB, estabelecemos contato
com outros colegas professores de História, de diferentes lugares do país, e em diversos
estágios de formação acadêmica fomos passando a debater acerca da metodologia apresentada
pela olimpíada, tentando desvendar a teoria que havia por trás daquela atividade que nos
parecia tão significativa e cujos impactos na aprendizagem dos estudantes eram notórios e
bastante relevantes. Nesse processo, ajudou muito o fato de termos formado uma espécie rede
de aprendizagem colaborativa, envolvendo alguns dos professores orientadores olímpicos com
os quais estabelecemos laços de amizade que, a priori se restringia ao interesse comum de
conhecer e experienciar de modo mais profundo a proposta da ONHB, mas logo em seguida
35

se estendeu para outras atividades e interesses dentro e mesmo fora da História.


De modo absolutamente despretensioso e espontâneo, acabamos construindo uma rede
de aprendizagem colaborativa entre professores com atuação profissional na Educação Básica,
tanto nas redes públicas quanto nas redes privadas, com experiência em diferentes realidades
regionais, oriundos dos mais diversos contextos escolares que vão desde escolas particulares
de alto padrão, passando por pequenas escolas privadas, escolas municipais, estaduais e
federais, profissionais de diferentes idades, oriundos de diversas regiões do país, múltiplas
culturas, muitos sotaques, percursos formativos e histórias de vida bastante diversas. A
referida rede de aprendizagem colaborativa fora composta por profissionais de História das
mais diferentes regiões do país, desde Coari - AM (Ygor Olinto), passando por Santarém - PA
(Eurenice Silva), Acre (Blenda), entrando por São Luiz - MA (Joan Botelho), Fortaleza - CE
(Cleber Gomes, Márcio Michilis, Fabiano Silva, Fabio Martins , Marcelo Holanda, Carlos
Henrique, George Mota, dentre tantos outros), Natal e Mossoró - RN (Francisco Carlos,
Gerardo Jr, Kleiton Andrade), Campina Grande e João Pessoa-PB (Niltomar e Glayds),
passando por Jacobina-BA (Carla Corte), Ibatiba-ES (Plínio Ferreira), entrando pelo Tocantins
(Aletícia e Pedro), chegando ao Rio de Janeiro (Pedro), em Lucianópolis - SP (Carla Amaro)
e a Campinas - SP (Daniel), descendo para Curitiba - PR (Andressa Garcia), descendo um
pouco mais para Florianópolis - SC (Michele) até chegar a Porto Alegre - RS (Maria Aparecida
e Andressa Garcia). Hoje essa rede é bem maior, tanto na quantidade de pessoas, quanto no
que diz respeito aos projetos que realizamos coletivamente, as inúmeras trocas e o aprendizado
em rede.
Toda essa diversidade aqui representada, o fato de estarmos em diferentes estágios de
formação, a maioria graduados, muitos mestres e alguns doutores, além do fato de termos
estudado em universidades diferentes, de termos vivido em contextos socioculturais diversos,
de atuarmos profissionalmente em contextos sociais distintos, dentre tantos outros aspectos
que enriqueceram nossa convivência enquanto grupo de professores que, originalmente se
reuniam por conta da ONHB, mas que com o passar do tempo passou a partilhar saberes,
leituras, referências, experiências e até mesmo propósitos. Pois bem, foi nessa troca de
conhecimentos, de referências bibliográficas, de experiências práticas e debates, que acabamos
por ter os primeiros contatos e sistematizar as diversas teorias por trás daquela experiência que
nos aproximara e que tanto encantava a todos.
Foi através desse ambiente de aprendizagem ativa e colaborativa que esse grupo de
professores chegou às primeiras conclusões acerca das práticas metodológicas contidas na
ONHB. Foi de modo empírico, observando e testando que chegamos à conclusão de que as
36

questões propostas pela olimpíada não apresentavam apenas um item correto, como era de
costume em questões de múltipla escolha, e que havia na verdade três alternativas corretas,
embora em níveis hierárquicos de proficiência e apenas uma alternativa errada. Ainda nessas
nossas discussões encontramos uma certa lógica, um modo de classificar esses níveis de
proficiência e, a grosso modo, definimos que a alternativa a qual é atribuída apenas um ponto
é a que apenas identifica uma informação que, via de regra, está contida no próprio documento
disponibilizado como suporte para a resolução da questão, ou que podemos localizar em uma
breve pesquisa. Em seguida, classificamos a alternativa a qual é atribuída quatro pontos como
a descritiva, aquela que apresenta um maior número de informações, dispostas de modo mais
sofisticado, mas elaborado e que às vezes até articula as discussões propostas em mais de um
dos documentos disponibilizados na questão, mas que não vai muito além do que as narrativas
já apresentam. Por fim, convencionamos que a alternativa de maior pontuação, aquela à qual
a olimpíada atribui a pontuação máxima, cinco pontos, é, em geral, uma inferência, uma
análise sofisticada acerca de uma temática histórica a qual só pode perceber aquele que for
capaz de um alto grau de abstração, quem for capaz inclusive de ler nas entrelinhas, nos
implícitos e ainda articular o conteúdo curricular a discussões contemporâneas. Aos poucos,
fomos analisando as tarefas, depois a seleção dos temas, as tipologias dos documentos, as
diversas vertentes do trabalho do historiador que apareciam em atividades propostas, tais como
o trabalho com história oral, a análise de imagens, o cotejo entre fontes, a produção de
narrativas a partir de pesquisa histórica, dentre tantos outros procedimentos do cotidiano de
trabalho de um historiador. Percebemos também que o contato com os trabalhos
disponibilizados no ambiente digital de aprendizagem da ONHB, desde as fontes primárias,
passando pelos textos acadêmicos até chegar aos diversos outros suportes como músicas,
vídeos, obras de arte, dentre outros, contribuíram para reforçar duas questões importantes, a
primeira, a noção de que tudo é fonte de pesquisa para o historiador, e a segunda, que foi a
contribuição na diminuição de delay existente entre a produção acadêmica e o ambiente
escolar da Educação Básica. Foi nesse momento, inserido nesse contexto de muitas
descobertas, que um de nós, que não consigo precisar quem, trouxe à baila a teoria da Cognição
Histórica, e nos apresentou a Didática da História e da Educação Histórica.
Ainda a reboque dessa energia colaborativa, no bojo dessa aprendizagem coletiva e
dessa troca de conhecimento entre colegas professores/historiadores, muitos de nós, em
diversas levas, foram buscando reaproximação com o ambiente acadêmico e retomando suas
trajetórias formativas, seja através dos cursos de formação on-line, ofertados pela própria
ONHB, seja nos cursos presenciais ofertados também pela olimpíada a um grupo de
37

professores orientadores de equipes finalistas e realizado na UNICAMP, ou mesmo através de


cursos de pós-graduação, especializações, mestrados e doutorados. Nesse contexto, o
ProfHistória se destacou como um caminho natural para muitos de nós, que desejávamos
pesquisar no campo do Ensino de História e, sobretudo, porque como profissionais lotados em
sala de aula, estávamos buscando formação exatamente para aperfeiçoar a nossa prática e não
fazia sentido se afastar da escola na busca dessa, por essa formação, e, como é do
conhecimento de todos nós, os programas de mestrado acadêmico em História distanciam o
pesquisador do ensino e, na maioria das vezes, não são simpáticos a pesquisas nessa área.
De volta à academia, nos deparamos com um suporte teórico enorme que nos permitiu
refletir de modo mais consistente sobre aquela prática que tanto nos encantara e foi exatamente
naquele contexto que tomamos ciência das novas discussões teórico metodológicas da própria
ciência histórica e nos deparamos com os as principais referências da Didática da História e
da Educação Histórica, bem como encontramos base teórica para discutir novas metodologias
de ensino/aprendizagem, notadamente as que inserem os estudantes no centro do processo,
como sujeitos ativos e protagonistas da construção do próprio conhecimento, notadamente as
metodologias ativas e o ensino híbrido.

1.2 - DIÁLOGOS E INTERCONEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS ENTRE AS


TEORIAS DA COGNIÇÃO HISTÓRICA, AS METODOLOGIAS ATIVAS E AS
TDICs

Como já fora mencionado, a nossa pesquisa transita entre alguns campos teóricos,
notadamente a Educação Histórica e as Metodologias Ativas de ensino/aprendizagem, e se
ancora nos conceitos centrais de cada um dos referidos campos. Nessa perspectiva,
trabalhamos com a compreensão de que a metodologia da pesquisa em História pode e deve
ser utilizada no processo de ensino/aprendizagem. Segundo Barca (2012, p. 37), a Educação
Histórica cumpre um papel absolutamente relevante quando contribui para superar um
problema há muito identificado, amplamente relatado, mas ainda pouco enfrentado, que é o
distanciamento entre ensino e pesquisa, entre produção e reprodução de conhecimento, entre
teoria e prática. Ainda segundo a professora Barca (2004), a educação histórica trabalha com
a perspectiva da aula oficina5, na qual se deve utilizar situações de aprendizagem reais, em

5
A aula oficina consiste em um modelo de ensino de História pautado na construção do conhecimento a partir
38

contextos concretos em que se valoriza o papel do estudante como sujeito da produção do


próprio conhecimento. Barca (2012, p. 38) relata ainda que o contato com a teoria e a
metodologia da educação histórica desperta, em um significativo grupo de professores no
ensino fundamental e médio, o desejo de seguir por este caminho, percebendo que tal
metodologia possibilita a construção de aulas que oportunizam aos alunos a formação de um
pensamento histórico complexo e consistente.

A Educação Histórica pressupõe uma aposta na inter-relação da teoria e práticas de


Ensino de História, situando-se a investigação na sua interface: por um lado,
alimenta-se dos princípios da aprendizagem situada, do saber histórico e sua
epistemologia (conceitos substantivos e de segunda ordem), dos procedimentos
metodológicos da pesquisa social; por outro lado, à luz desses fundamentos teóricos
em simbiose, explora concepções e práticas dos agentes educativos, sobretudo dos
alunos, colocando estes perante tarefas desafiantes. Os resultados dos estudos –
alguns em interação com professores que iniciam um perfil de investigador social –
têm fornecido pistas frutuosas para o desenvolvimento do pensamento histórico.
(BARCA, 2012, p. 37).

Como podemos perceber, a utilização das práticas orientadas teórico-


metodologicamente pela Educação Histórica, além de manter motivados docentes e discentes,
instiga nos envolvidos o desejo de pesquisar e promovem junto aos estudantes o
desenvolvimento do pensamento histórico que se desenvolve de modo mais sofisticado e com
maior embasamento científico. Em outras palavras, os estudantes desenvolvem a habilidade
de pensar historicamente a partir das práticas de Educação Histórica.
Uma das grandes discussões acerca do ensino de História na contemporaneidade se
relaciona à inserção de fontes, documentos históricos, no universo cotidiano das práticas de
ensino/aprendizagem na sala de aula, como podemos perceber nos próprios Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), que destacam a necessidade de demonstrar aos estudantes a
metodologia através da qual se produz conhecimento em história, o que nos leva diretamente
a relação estabelecida entre o historiador e suas fontes, de todas as origens e tipologias, sejam
elas escritas, orais, imagéticas, objetos da cultura material, etc, todas estão no cerne da
metodologia da pesquisa em história.

Na transposição do conhecimento histórico para o nível médio, é de fundamental


importância o desenvolvimento de competências ligadas à leitura, análise,
contextualização e interpretação das diversas fontes e testemunhos das épocas
passadas – e também do presente. Nesse exercício, deve-se levar em conta os
diferentes agentes sociais envolvidos na produção dos testemunhos, as motivações
explícitas ou implícitas nessa produção e a especificidade das diferentes linguagens

do trabalho com fontes, historiografia, concepções, vestígios, tempo e recorte espaço temporal, conceitos e
categorias específicas da própria ciência histórica.
39

e suportes através dos quais se expressam. Abre-se aí um campo fértil às relações


interdisciplinares, articulando os conhecimentos de História com aqueles referentes
à Língua Portuguesa, à Literatura, à Música e a todas as Artes, em geral. Na
perspectiva da educação geral e básica, enquanto etapa final da formação de cidadãos
críticos e conscientes, preparados para a vida adulta e a inserção autônoma na
sociedade, importa reconhecer o papel das competências de leitura e interpretação
de textos como uma instrumentalização dos indivíduos, capacitando-os à
compreensão do universo caótico de informações e deformações que se processam
no cotidiano. Os alunos devem aprender, conforme nos lembra Pierre Vilar, a ler nas
entrelinhas. E esta é a principal contribuição da História no nível médio. (BRASIL,
2006, p. 22).

O trabalho com as fontes em sala de aula permite aos estudantes se inserirem como
protagonistas no processo de ensino aprendizagem, uma vez que ao manipular as fontes e as
utilizar como ponte entre ele e o conhecimento histórico, o estudante atua de modo consciente
e ativo na elaboração de saber histórico e não se posiciona apenas como mero expectador,
simples audiências das aulas conferência, aulas expositivas nas quais o professor narra uma
história pronta, acabada e hermética, a qual o estudante tem a responsabilidade de assimilar
como verdade sem ter instrumentos que o permitam refletir sobre, questionar, ressignificar e
se apropriar criticamente daquele conhecimento.
No que concerne a formação de um pensamento histórico complexo, do
desenvolvimento de um modo de pensar historicamente, de uma Consciência Histórica,
trabalharemos a partir da concepção desenvolvida por Lee (2006) e o que ele denominou de
Literacia Histórica, uma espécie de letramento histórico desenvolvido a partir do processo
educativo cotidiano das salas de aula da educação básica. Nessa perspectiva, as aulas
vivenciadas por professores e estudantes, ao trabalharem com fontes históricas dentro da
metodologia da Educação Histórica e da Aula Oficina, serão o que Schmidt (1998, p. 57)
entende como “(...) momento em que, ciente do conhecimento que possui, o professor pode
oferecer ao seu aluno a apropriação do conhecimento histórico existente, através de um esforço
e de uma atividade que edificou este conhecimento”. Ainda nesse sentido, Schmidt (1998)
defende a utilização do método de produção do conhecimento histórico como método
privilegiado de ensino, e que ela mesma define como um espaço de compartilhamento de
significados, de experiências individuais e coletivas, de relação dos sujeitos com os diferentes
saberes envolvidos na produção do saber escolar. Outra referência basilar para o nosso
trabalho são os estudos de Rüsen (2001) acerca da formação do que ele chamou de Consciência
Histórica. O trabalho de Jörn Rüsen contribuiu para a análise e reflexão sobre o ensino e
aprendizagem da história e influenciou pesquisas no campo da Educação Histórica em
Portugal, Inglaterra, Espanha, Canadá e Brasil.
40

No que se refere à dimensão pública do conhecimento histórico e de sua relação com


o Ensino de História, compreendemos ser vital que o professor/historiador, durante suas
atividades, seja no planejamento e/ou na mediação dos momentos didáticos, esteja sensível
aos processos históricos que estão postos no cotidiano das relações com as quais seus alunos
estabelecem relação cotidiana e às dinâmicas do mundo presente, para poder propor atividades
que lancem luz sobre a historicidade desses temas e de suas vinculações históricas. Desse
modo, o professor demonstrará que o mundo ao nosso redor, e toda a teia de relações
socioculturais, econômicas, políticas, ambientais, dentre outras, constituem uma grande
oficina, um enorme laboratório de estudos sobre a humanidade, repleto de problemas
intensamente estimulantes a serem investigados e analisados. Um bom exemplo dessa
articulação entre os saberes históricos acadêmicos e seus usos na esfera pública, como
ferramenta de leitura de mundo, é a articulação de competências leitoras capazes de
instrumentar os estudantes no sentido de ler de modo mais crítico tanto a história escolar e
acadêmica, quanto a história que se faz presente nas relações cotidianas das pessoas. Foi nesse
contexto que nos deparamos com a História Pública ou, no mínimo, com a Divulgação Pública
da Ciência, um conceito híbrido entre o campo da Divulgação Científica e da História Pública.

(...) uma possibilidade não apenas de conservação e divulgação da história, mas de


construção de um conhecimento pluridisciplinar atento aos processos sociais, às suas
mudanças e tensões. Num esforço colaborativo, ela pode valorizar o passado para
além da academia; pode democratizar a história sem perder a seriedade ou o poder
de análise. Nesse sentido, a história pública pode ser definida como um ato de “abrir
portas e não de construir muros” […] (ALMEIDA; ROVAI; 2011. p. 07).

Embora o conhecimento histórico que nos propomos a produzir tenha o espaço escolar
como ambiente de origem, e seja produzido dentro dos paradigmas epistemológicos da ciência
histórica, não podemos negar seu caráter inusitado e inovador, uma vez que os sujeitos
históricos responsáveis por sua produção, embora utilizem os métodos e técnicas oriundos da
produção acadêmica, são o que, via de regra, classificamos como público, aqueles que
comumente apenas consomem o conhecimento histórico produzido na academia e divulgado
através dos suportes científicos clássicos, artigos, monografias, dissertações, teses e livros.
Logo, quando utilizamos as metodologias ativas de ensino/aprendizagem e deslocamos o
centro da ação educativa no trabalho do estudante, que atuando dentro da perspectiva da
Educação Histórica, investiga a partir de pesquisas em fontes históricas e produz uma
historiografia escolar cujos principais meios de circulação e de divulgação pública serão as
plataformas digitais, sem dúvida estamos explorando as potencialidades educativas da
chamada História Pública, ou como muitos preferem, da Divulgação Pública da Ciência.
41

Ao analisarmos a relação da História Pública ou da Divulgação Pública da Ciência com


o Ensino de História na Educação Básica, podemos refletir acerca das possibilidades de
construção de novos métodos, plataformas e ambientes de divulgação do conhecimento
histórico, que possibilitem atingir outros públicos, além da tradicional audiência desse
conteúdo que é formada, quase que exclusivamente, por profissionais e estudantes de História.
Desse modo, acreditamos poder contribuir para oportunizar a um público não iniciado, a uma
audiência “não qualificada”, o acesso a discussões sobre história, memória e historiografia,
produzidas dentro dos ritos e rigores metodológicos da ciência histórica restritas aos ambientes
das universidades e aos suportes tradicionais, tais como: artigos, dissertações, teses e livros,
fato que mantinha esse conhecimento circunscrito a um pequeno universo de leitores que,
invariavelmente, se contentava em ler e escrever uns para os outros. Podemos tomar como
exemplo da experiência que estamos tentando descrever as tarefas de produção textual
propostas pela ONHB. Durante onze edições a olimpíada propôs aos estudantes que
realizassem pesquisas e produções escritas para ser publicadas em ambiente digital, mas
também disponibilizou a versão analógica para impressão o que possibilitou a muitos dos
professores orientadores realizarem exposições e/ou publicações com as produções da
historiografia escolar de seus orientandos. Muitos professores/pesquisadores perceberam a
grande importância dessas produções e o enorme potencial que elas tinham no sentido de
serem objeto de estudo e de análise da repercussão dessa prática de produção de uma
Historiografia Escolar Digital6 e passaram a investigar os impactos e a repercussão de tal
prática no desenvolvimento de habilidades e competências históricas de seus
alunos/orientandos. Podemos citar, como exemplo desse movimento em direção a
investigação científica das referidas práticas educativas, o trabalho de Costa Júnior (2016, p.
67) onde o mesmo apresenta um estudo sobre as atividades que estamos discutindo.

Neste artigo, tencionamos discutir a participação de estudantes do Ensino Médio


Integrado (EMI) do Campus Mossoró do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) na Olimpíada Nacional em História do
Brasil (ONHB), considerando seu potencial para o processo de ensino-aprendizagem
de História.
Diante da vastidão de material de que dispomos a respeito das provas da ONHB,
resolvemos usar, como recorte, a elaboração de jornais realizada pelas equipes na 4ª

6
Para nomear e sustentar a expressão Historiografia Escolar Digital, remetemos a escrita da História feita na
escola por meio da ação do professor que use de forma crítica do potencial das tecnologias de informação e
comunicação na narrativa de sua aula e à construção de materiais didáticos digitais que explorem e extrapolem a
especificidade deste meio, levando-se em consideração inclusive a participação, a criatividade e a autoria dos
sujeitos posicionados como alunos. (COSTA, 2016).
42

fase da 3ª Olimpíada. Esses jornais foram intitulados Gazeta do Jovem Historiador.


Na oportunidade, os alunos realizaram pesquisas com história oral e entrevistaram
trabalhadores cujas profissões estão em declínio em face do desenvolvimento
tecnológico. Também visitaram antigos lugares de trabalho que perderam a
importância que tiveram há décadas.

Ainda nesse contexto, de análise do desenvolvimento do pensamento histórico dos


alunos, percebemos empiricamente uma série aprendizagens que a experiência vivenciada a
partir das práticas de Educação Histórica, das Metodologias Ativas de Aprendizagem, da
utilização das TDICs e das práticas de Ensino Híbrido, legou aos alunos. Podemos destacar
algumas dessas “heranças” de aprendizagem oriundas das referidas práticas educativas,
orientadas pelo arcabouço teórico que acabamos de mencionar.

Um dos importantes legados é o significativo crescimento do número de horas


dedicadas ao estudo de História. Em geral, reclamamos que a disciplina de História, enquanto
disciplina escolar, tem uma baixa carga horária da Educação Básica, na maioria dos casos,
duas ou no máximo três horas por semana. Então, caso tomemos como verdade que nossos
alunos fazem as tarefas e atividades que propomos para casa, talvez essa carga horária semanal
dedicada a aprendizagem histórica possa ser ampliada em mais duas ou três horas, isso sendo
muito otimista. Porém, se analisarmos a experiência dos alunos que participam da ONHB, e
somarmos o tempo necessário para a leitura das questões e fontes documentais a elas
relacionadas, com o tempo necessário para as pesquisas e debates realizados de modo híbrido,
parte presencialmente na escola e parte por meio dos ambientes digitais de aprendizagem,
feitos ou não com propósito educacional, como por exemplo o WhatsApp, adicionando ainda
o tempo necessário para a realização das tarefas, poderemos facilmente constatar que ocorre
um salto vertiginoso no número de horas dedicadas ao estudo de História. Não é difícil
comprovar essa afirmação, uma vez que dados do próprio ambiente digital de aprendizagem
oficial da olimpíada apontam para o enorme número de horas que os estudantes passam
logados nas salas virtuais das equipes situada no portal da própria ONHB. Outro modo de
verificar é através de observação participante, pois o professor está presente física ou
virtualmente em grande parte desses momentos de estudo. Outro modo de levantar dados sobre
essa significativa alteração comportamental é através de coleta de informações coletadas por
meio de entrevistas realizadas via formulário de coleta de dados da própria olimpíada, bem
como através de entrevistas realizadas utilizando a ferramenta do Google Forms. Por ocasião
da realização da disciplina eletiva a que nos propomos como estratégia de intervenção escolar,
pretendemos realizar esse levantamento para verificar esse fenômeno do crescimento do
43

número de horas dedicadas ao estudo de História.

Outra experiência que identificamos como bastante significativa é o contato com fontes
históricas de diversas origens e tipologias, tais como: textos de diversos tipos (manuscritos,
jornalísticos, publicitários, acadêmicos, letras de música, literatura, outros mais), imagens de
todos os tipos: (desenhos, pinturas, fotografias, trechos de filmes, dentre outros), objetos da
cultura material: (objetos de uso cotidiano, obras de arte, dentre outros). Todos esses ricos
vestígios da vida humana em sociedade ao longo do tempo e de suas relações sociais são
originários das mais diversas regiões do país e estão relacionadas a múltiplas temáticas, desde
as mais clássicas, chegando a temas de vanguarda na historiografia. Como podemos perceber,
a possibilidade de lidar com esse rico e diverso acervo documental nos serve, dentre outras
coisas, para que os estudantes compreendam que tudo é fonte histórica como afirma Bloch
(2001, p.79) “A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o que o homem
diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar sobre ele”. Além da
ampliação da noção do que é fonte histórica, os estudantes começam a refletir acerca do papel
das fontes no processo de elaboração do conhecimento histórico e aos poucos compreendem
que elas não falam por si próprias, que as fontes precisam ser selecionadas, lidas, analisadas,
questionadas, confrontadas e acima de tudo problematizadas. Compreendem ainda que as
fontes sozinhas não são nada sem as perguntas que lançamos sobre elas; sem as
problematizações não há história, o que os permite compreender o importante papel do
historiador no processo de investigação do passado à luz das questões do presente. Em última
instância, podemos mencionar a divulgação pública de produção acadêmica, artigos,
dissertações e teses, através da disponibilização dos textos como fonte de suporte para a
resolução das questões ou realização das tarefas.

Destacamos ainda, o desenvolvimento de um processo de Letramento Histórico


Digital7 e de iniciação científica, sobretudo a partir da rica experiência de produção de
narrativas históricas no ambiente escolar. Consideramos que a referida atividade suscite nos
envolvidos uma reflexão sobre o modo como o conhecimento histórico é produzido, destaca
seu caráter dinâmico e transitório, aguça o olhar crítico e reflexivo sobre temáticas de grande
relevância social, mas ainda pouco presentes na educação formal, promove reflexões acerca
das categorias e conceitos estruturantes da História enquanto ciência, estimula o
desenvolvimento da habilidade leitora no que concerne a percepção das sutilezas e implícitos

7
Conceito híbrido formulado por Silva (2019) a partir da apropriação dos conceitos de Literacia Histórica
(BARCA, 2006) e Letramento Digital (BRAGA, 2007).
44

contidos em textos verbais e não verbais, estimula o engajamento espontâneo e verdadeiro por
meio de desafios cognitivos estimulantes, contribui para o desenvolvimento de um repertório
sócio-histórico e cultural, extremamente importante como instrumento de leitura de mundo.

Nos aspectos mais relacionados às questões digitais, gostaríamos de destacar o


aprimoramento da utilização dos motores de busca na web, através da utilização de palavras-
chave, da criação de Google Alerts, ferramenta com a qual podemos criar avisos sobre algum
tema ou conteúdo de nosso interesse, a descoberta Google Scholar, ou Google Acadêmico,
ferramenta que permite pesquisas mais focadas na produção científica, produzida com o
critério e o rigor acadêmico, minorando as chances de manuseio de conteúdo falso ou baseado
em mera especulação, o que popularmente chamamos de ‘achismo”. Na mesma esteira de
triagem de conteúdo, está também o YouTube Edu, ambiente digital inserido na maior
plataforma mundial de compartilhamento de vídeos, mas cujo foco específico está em vídeos
educacionais. Diversas outras aplicações, criadas ou não para fins educacionais são
apropriadas pelos estudantes como ferramentas de suporte à pesquisa e/ou aos debates
realizados por ocasião da realização das atividades, aplicações como Hangouts que consiste
em uma plataforma multimídia de comunicação que inclui mensagens instantâneas, chat de
vídeo, SMS e VOIP, embora esse último recurso tenha sido praticamente engolido nos últimos
anos pelo WhatsApp, aplicativo através do qual estudantes e professores podem partilhar desde
mensagens instantâneas de texto, passando por áudios gravados, por chamadas de áudio e
vídeo, pela realização de vídeo conferências, chegando até ao compartilhamento de arquivos
dos mais diversos formatos, textos, vídeos, imagens, dentre outros. O debate e a aprendizagem
colaborativa são a tônica dos ambientes digitais de estudo. A produção das narrativas históricas
a várias mãos, ou seja, a escrita dos textos com coautoria dentre alunos e professor orientador,
é também uma experiência que fora bastante potencializada pelas ferramentas digitais como
por exemplo o Google Docs, através do qual podemos escrever em modo online e os demais
usuários autorizados, os coautores, podem inserir comentários, fazer alterações, propor
inserções e retiradas de trechos, dentre outras possibilidades. As próprias redes sociais, que
sempre aparecem como grandes vilãs por “roubarem” o precioso tempo dos jovens e, quase
sempre, em atividades de pouca produtividade intelectual, podem e devem ser apropriadas
para fins educacionais. Nossa experiência nos mostrou que os alunos se apropriaram das redes
sociais para aprender e para atuar no lugar no qual se inserem socialmente, através de usos que
vão do mais simples, pois estão dentro da funcionalidade para qual a ferramenta foi pensada,
que é interagir com outras pessoas, passando pela criação e publicação de conteúdo
45

sociocultural engajado, chegando a utilização dos perfis como ambiente de ciberativismo.


Nossos alunos estabeleceram contatos via rede social com diversos pesquisadores, autores de
livros, responsáveis por instituições de memória e patrimônio, indivíduos com vinculações
com processos históricos que estávamos estudando e, a partir dessas interações puderam tirar
dúvidas, coletar indicações de importantes referências bibliográficas para as pesquisas, receber
novas fontes, dentre outras formas de interação oportunizadas pelas TDICs.

No que se refere às questões atitudinais, podemos destacar o desenvolvimento da


habilidade de trabalhar em equipe e de negociar pontos de vista divergentes, o estímulo ao
desenvolvimento de habilidades de argumentação e do debate de ideias baseada em uma lógica
argumentativa, bem como o respeito a pluralidade de ideias, crenças, costumes como fomento
a convivência cidadã, minimizando os conflitos provocados pelas inúmeras diferenças de
diversas ordens.

No que se refere ao que chamamos de Iniciação Científica, a experiência com as tarefas


da ONHB legou aos alunos conhecimentos relacionados às convenções da escrita acadêmica,
a necessidade de referenciar corretamente tudo o que for escrito, as regras de citação de
autoria, o contato com a estrutura e as demais caraterísticas das produções científicas, tais
como ensaios, artigos, dissertações e teses. A experiência em questão permite aos estudantes
da Educação Básica um contato precoce com o universo acadêmico e científico, contribuindo
assim para uma espécie de letramento científico que será bastante útil por ocasião da sua
chegada desses estudantes nos cursos de ensino superior.

A maior parte dessas habilidade e competências descritas até então, foram


desenvolvidas por ocasião da realização das diversas atividades propostas pela ONHB, mas
em especial a partir da realização das tarefas de produção textual, nas quais os estudantes e
seus professores orientadores são desafiados a realizar um pesquisa que resulte na produção
de um texto historiográfico a ser publicado e avaliado pela comissão organizadora da
olimpíada, mas também por outros estudantes espalhados na vastidão do território nacional.
Nesse sentido, podemos inclusive acrescentar a dimensão de divulgação pública da História,
uma vez que os saberes históricos produzidos por estudantes e professores da Educação
Básica, dos mais distantes lugares do país, muitos deles tratando da chamada História Local,
mas que ao serem publicizados nacionalmente a partir das plataformas digitais, passam
merecidamente a ser vistos como História do Brasil. Pesquisas e narrativas que resultam em
uma Historiografia Escolar Digital. Tais procedimentos, inseridos nas novas perspectivas de
pesquisa em História, a partir de um conjunto de novos paradigmas proporcionados pelas
46

transformações introduzidas via Humanidades Digitais, que tem readequado às metodologias


historiográficas ante as novas formas de acesso às fontes, novas formas de armazenamento das
fontes e até mesmo novos modos de produzir fontes, uma vez que algumas fontes sequer
existem em meio analógico, pois são produzidas, circulam e existem apenas no meio digital.
Nesse contexto, em que a apropriação e a divulgação de conhecimento histórico ocorrem
dentro desse ciclo digital, atrelado a um regime de historicidade contemporâneo mediado pelas
TDICs, que inserimos as produções de Historiografia Escolar Digital dos nossos alunos.

As propostas de tarefas, via de regra, partem de uma situação problema localizada


historicamente na contemporaneidade, são em geral questões com as quais os jovens possuem
algum tipo de vinculação, temáticas que lhes são caras, com as quais eles possuem alguma
identificação. A partir da apresentação do problema a olimpíada estimula a busca, através de
pesquisa, pelas vinculações que aquele problema tem com a nossa História e desse modo nos
propõe a historicização de diversos temas contemporâneos, enchendo de significado tudo o
que está sendo estudado. Logo, o nível de envolvimento e interesse dos estudantes da
realização das pesquisas e na construção das narrativas é altíssimo e, como efeito colateral
desse alto envolvimento, temos a realização de lindos e consistentes trabalhos historiográficos,
feitos por jovens ainda na Educação Básica, alguns deles ainda no Ensino Fundamental séries
finais. Outro legado importante dessas tarefas reside no despertar de uma lógica de pensamento
histórico que desenvolve nos estudantes o hábito de historicizar todas as questões humanas.
A seguir, apresentamos um quadro sintético e sistematizado das tarefas de produção de
narrativas históricas propostas pela ONHB ao longo desses onze anos.

Quadro 1 – Tarefas de produção de Historiografia Escolar Digital na ONHB, 2009-2019


TAREFAS DE HISTORIOGRAFIA ESCOLAR PROPOSTAS PELA ONHB
Edição Temática Descrição
1ª ONHB
Patrimônio Histórico: Inventário Patrimonial: selecionar, fotografar e descrever um
2009
Material e Imaterial patrimônio histórico da cidade
2ª ONHB Gazeta do Jovem Historiador: escrever um jornal digital
Narrativa Histórica
2010 contendo matérias com vinculações historiográficas.
Gazeta do Jovem Historiador: escrever um jornal digital:
3ª ONHB
Mundo do Trabalho Mudanças e permanências nos ofícios e nas relações de
2011
trabalho. Pesquisa a partir da metodologia da História Oral
Gazeta do Jovem Historiador: escrever um jornal digital;
4ª ONHB Conflitos no
Pesquisar e escrever sobre conflitos cotidianos, disputas
2012 Cotidiano
presentes nas relações políticas e socioeconômicas.
Patrimônio Histórico, Folder turístico: contexto - aspectos relevantes da história
5ª ONHB
História Local, local e sua relação com um lugar de memória, um patrimônio
2013
História e Memória. material ou imaterial representativo da história local
“Memórias da Censura”
6ª ONHB
Ditadura Civil Militar Pesquisa a partir da metodologia da História Oral e produzir
2014
um panfleto contendo memórias da Censura
47

“Preconceito: tão longe, tão perto”


7ª ONHB Pesquisar, a partir da metodologia da História Oral, sobre as
Pré-Conceito
2015 diversas formas de pré-conceito: étnico, de gênero, geracional,
religioso, social ou classe, deficiência, etc.
“Minha escola, escola minha”
8ª ONHB
A Escola Caracterização da Escola Levantamento histórico e situacional
2016
e parte de pesquisa documental)
“O Ensino de história é um direito”.
Levantamento sobre o papel do Ensino de História na
9ª ONHB
Ensino de História Educação Básica, sua importância, sua própria historicidade e
2017
os recentes ataques dos quais vem sendo alvo. Pesquisa em
legislação, documentos escolares, entrevistas, etc.
Discurso sobre a proposta de Reforma da Previdência
Leis, Justiça, Direitos
10ª ONHB Pesquisa e elaboração de um discurso a ser proferido no
Humanos e Cidadania
2018 Congresso Nacional discutindo historicamente a questão da
na História
previdência social e a proposta de reforma.
“Os Excluídos fazem História”
Pesquisar e levantar dados para a escrita de um tópico de um
11ª ONHB Os Excluídos da
livro didático, texto nos moldes de um artigo científico, acerca
2019 História
de um personagem relevante para a história local e nacional,
mas não tem destaque nos manuais didáticos.
Fonte: Elaboração própria. Dados disponíveis em < www.olimpiadadehistoria.com.br>

Conforme destacamos no início deste Capítulo, a participação na ONHB foi um meio


de discutir as teorias existentes por trás da referida prática educativa. Desse modo,
pretendemos lançar luz sobre a teoria que fundamenta aa práticas e a partir de então, nos
apropriando da teoria e do método, propor ações de intervenção para o cotidiano das aulas de
História e de tal modo atingir um número muito maior de estudantes.

1.3 - UM PROCESSO LETRAMENTO HISTÓRICO DIGITAL A PARTIR DA


EXPERIÊNCIA COM A ONHB

Compreendemos que a ONHB, enquanto olimpíada científica, cumpre alguns


importantes papéis, tais como: estimular estudantes e professores da educação básica a
mergulhar profundo na análise e estudo de fontes históricas, promover uma significativa
reflexão por parte dos discentes e docentes acerca da própria teoria e metodologia da ciência
histórica, divulgar conhecimento historiográfico a partir da disponibilização de textos
acadêmicos, propiciar o processo de letramento digital por parte de alunos e professores,
através de usos das TDICs, além de favorecer a formação continuada de professores a partir
do contato com o material da própria competição, mas sobretudo através dos cursos ofertados
nas modalidades on-line e presencial.
Durante as onze edições da ONHB pudemos observar o quanto a participação na
48

referida atividade teve significativa influência no modo como os estudantes e professores


envolvidos se relacionam com a História enquanto disciplina, enquanto ciência e sobretudo
como poderoso instrumento de leitura de mundo, a partir dos usos públicos do saber histórico.
Decidimos investigar a teoria e a metodologia que embasa a ONHB a fim de
compreender o que há por trás dessa atividade que há pouco mais de uma década encanta
milhares de estudantes, motiva os assoberbados docentes da educação básica a investirem
tempo e dedicação na orientação dos estudantes e ainda repercute no retorno desses
professores à universidade através dos cursos de pós-graduação. É notório também a
percepção dos impactos dessa experiência nas reflexões acerca do ensino de história nas
práticas docentes, na divulgação científica e na produção de uma historiografia escolar digital,
produzida a partir da ONHB como ambiente digital de aprendizagem ativa e colaborativa.
Porém, decidimos utilizar como recorte investigativo a análise da repercussão das práticas de
Educação Histórica e Metodologias Ativas no desenvolvimento da Consciência História dos
estudantes do Ensino Médio.
Consideramos, a priori, que a experiência promovida pela ONHB se insere na
perspectiva do campo da Cognição Histórica, do qual integram os estudos sobre a Educação
Histórica e da Didática da História. Tais perspectivas teórico-metodológicas trabalham com a
ideia de propor desafios cognitivos, articuladas com os objetos de estudo da ciência histórica,
a fim de estimular nos estudantes a construção de um raciocínio histórico, um modo de pensar
historicamente a partir da compreensão de conceitos e categorias estruturantes da ciência
histórica. É nessa perspectiva que nos debruçaremos, no segundo capítulo desse trabalho na
análise das questões e tarefas propostas pela ONHB.
Trabalhamos como hipótese de que a metodologia avaliativa na ONHB trabalha com
níveis de proficiência em história, os quais podem ser identificados e classificados a partir das
atividades propostas, sejam questões ou tarefas. No mundo contemporâneo, no qual as
informações estão a um “click”, ensinar história apenas a partir de narrativas, geralmente
levadas aos alunos através de aulas expositivas, onde o saber histórico aparece sacralizado e
registrado em um livro didático do qual o professor é sacerdote e guardião, faz com que esse
cenário torne o ensino de história no mínimo desestimulante. Por outro lado, trabalhar o ensino
de história na perspectiva da Educação Histórica, utilizando o próprio método da pesquisa em
história como estratégia de ensino, oportuniza aos estudantes o contato com uma espécie de
letramento científico, através do qual compreenderão os paradigmas epistemológicos da
própria ciência histórica, podendo ainda questionar narrativas históricas tradicionais e ser
sujeito da construção de novos conhecimentos históricos.
49

Pois bem, é perfeitamente compreensível que ao pensarmos em olimpíadas acadêmicas


as associemos, quase que imediatamente, a alunos de alto rendimento, estudantes
extremamente focados, disciplinados e com grande aptidão para determinadas áreas do
conhecimento, pois comumente é exatamente esse o público desse tipo de atividade educativa.
Nesse sentido, as olimpíadas acadêmicas seriam um espaço competitivo cuja principal função
seria desenvolver e aprofundar as potencialidades já existentes e demonstradas por
determinados grupos de estudantes. Porém, embora a realidade da grande maioria das
experiências com esse tipo de olimpíada não fuja muito do que fora descrito acima, o que
ocorre com a ONHB é bastante diferente.

Não obstante o aspecto competitivo e de alto rendimento inerente a esse tipo de


atividade educativa, conseguimos identificar uma série de outras possibilidades e
potencialidade educacionais no bojo dessas atividades olímpicas, em especial na ONHB –
Olimpíada Nacional em História do Brasil. Por se tratar de uma olimpíada realizada em equipe
e sob supervisão de um professor orientador, a ONHB não exige um determinado nível de
conhecimento prévio de seus participantes. Em outras palavras, a ONHB não está preocupada
em premiar os que já “sabem muita História” mas sim, em fomentar a pesquisa e o
desenvolvimento de um pensar histórico, o que Jörn Rüsen (2010) definiu como Consciência
Histórica.

Entendemos ser aqui que reside um dos mais importantes e significativos legados de
toda essa experiência, o desenvolvimento da consciência histórica dos educandos, pois a
consciência histórica é, segundo o que definiu Rüsen (2010), uma categoria que se relaciona
a toda forma de pensamento histórico, através do qual os sujeitos possuem a experiência do
passado e o interpretam como História. Nas palavras do próprio Rüsen, consciência histórica
é “(...) a suma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da
evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar,
intencionalmente, sua vida prática no tempo” (RÜSEN, 2010, p. 57).

Nosso objetivo não é historicizar a origem das olimpíadas científicas, nem mesmo
elencar as diversas experiências de atividades desse tipo, existentes no âmbito nacional e
internacional, tampouco estamos nos propondo a descrever detalhadamente o funcionamento
desta ou daquela olimpíada acadêmica, sobretudo porque isso já fora feito com muita
propriedade em trabalhos como o de Costa Júnior (2018).
Nosso foco é investigar, discutir e avaliar, a partir da experiência como professores
orientadores e estudantes olímpicos, que participaram de uma ou mais edições da ONHB, e da
50

análise das atividades propostas, questões e tarefas, as potencialidades de exploração da


ONHB como ambiente digital de aprendizagem, experiência educacional fundamentada na
Educação Histórica, espaço de formação docente e de divulgação de conhecimento histórico.
Pretendemos ainda, formular uma proposta de Disciplina Eletiva para a Escola de Educação
Básica em Tempo Integral, pautada nas teorias da Cognição Histórica, nas Metodologias
Ativas e operacionalizada segundo os paradigmas da Aula Oficina de Barca (2004). Em outras
palavras, temos como objetivo principal analisar a experiência com a Olimpíada de História,
compreender o arcabouço teórico metodológico que a suporta e de tal modo poder desenvolver
propostas de atividades educativas com base nos pressupostos da Educação Histórica à luz da
experiência com a ONHB.
Participamos da ONHB desde sua primeira edição em 2009, e desde então nos
envolvemos cada vez mais como sua proposta metodológica de ensinar história a partir do
próprio modo como se produz conhecimento histórico, ou seja, educar pela pesquisa.
Compreendemos que desse modo o estudante se constitui sujeito ativo da produção do próprio
conhecimento e, por conseguinte, se sente desafiado e ganha cada vez mais motivação para
aprender. Tal proposta presume um ensino voltado para construção do conhecimento a partir
daquilo que o aluno já sabe, por meio de atividades desafiadoras, de pesquisa e de análise
capazes de possibilitar uma aprendizagem significativa8, estreita articulação com o que
estabelece a BNCC.

(...) contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identificando


estratégias para apresentá-los, representá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-
los significativos, com base na realidade do lugar e do tempo nos quais as
aprendizagens estão situadas (BRASIL, 2018, p. 16).

Entendemos que a referida proposta está em perfeita consonância com diversas das
Competências Gerais da Educação Básica, estabelecidas pela BNCC, mas em particular com
a segunda competência, que estabelece que a Educação Básica deve ser capaz de “Exercitar a
curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação,
a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e
testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com
base nos conhecimentos das diferentes áreas. (BRASIL, 2018, p. 10). Nesse sentido,

8
Aprendizagem Significativa é um conceito oriundo da teoria de David Ausubel, focado na aprendizagem
cognitiva e, como tal, propõe uma explicação teórica do processo de aprendizagem. Ausubel baseia-se na
premissa de que existe uma estrutura na qual organização e integração de aprendizagem se processam. Para ele,
o fator que mais influencia a aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe ou o que pode funcionar como ponto de
ancoragem para as novas ideias.
51

entendemos que a utilização de situações práticas como mediadoras do processo de


ensino/aprendizagem oportuniza um ambiente de construção do saber em sala de aula e
valorizam o aluno como sujeito ativo no processo de aprendizagem, pois seu conhecimento
prévio, construído a partir de suas experiências pessoais e sociais, se torna “[...] condição
necessária para construção de novos significados e esquemas” (BITTENCOURT, 2011, p.
189).
Como podemos perceber, a Educação Histórica estrutura sua teoria na perspectiva dos
estudos da cognição humana, que comumente são relacionados aos teóricos e estudiosos da
educação. Porém, a Educação Histórica se diferencia das teorias cognitivas, situadas no campo
geral dos estudos em educação, por buscar explicações para as questões da aprendizagem
dentro da própria epistemologia da História. Por tudo isso, a área de investigação em Educação
Histórica reivindica um estatuto científico específico, como afirma Barca (2019, p. 316) “que
tem como objeto principal as concepções dos vários tipos de sujeitos que desenvolvem o seu
pensamento histórico a vários níveis, com destaque para as ideias de alunos e professores".
Ainda nesse sentido, nos deparamos com outro campo de investigação da
aprendizagem histórica, conhecido como Didática da História, que, a exemplo da Educação
Histórica, também surgiu da Europa dos pós Segunda Guerra, mais especificamente na
Alemanha, e se propunha a investigar, dentre outras coisas, o modo como as pessoas se
relacionam com o conhecimento histórico.
A Didática da História se define como uma subdisciplina da própria ciência histórica,
tal como a Teoria da História, que se propõe a estudar e compreender os vínculos estabelecidos
entre a História produzida pelos historiadores e a vida das pessoas em sociedade. Em um
sentido mais amplo, esse processo se dá para além dos espaços formais das escolas, pois a
cada relação social estabelecida, a cada interação com os diversos constructos sociais, filmes,
músicas, objetos da cultura material, discursos religiosos ou de grupos políticos, etc, os
indivíduos estão se relacionando com narrativas históricas. No entanto, há no Brasil um
equivocado entendimento acerca do que seria a Didática da História que, invariavelmente, é
confundida com um saber ligado a área da educação cuja responsabilidade pensar os métodos
de transposição didática do conhecimento histórico acadêmico para o universo escolar.
Podemos encontrar uma boa explicação dessa situação na fala de Cardoso (2008):

No Brasil a Didática da História é frequentemente entendida como um tema


subordinado à área de Educação, sem vínculos com a atuação do pesquisador da área
de História. Essa concepção se fundamenta na crença de que o papel da didática é
adaptar ao contexto escolar o conhecimento criado pelos historiadores. Porém,
diferentemente do que supõe essa concepção, as disciplinas que integram a 'cultura
52

escolar' — culture scolaire — possuem uma autonomia considerável em relação ao


'saber universitário ou erudito' — savoir savant. (p. 2)

Podemos identificar em muitas questões e tarefas propostas pela ONHB uma


preocupação em discutir diversos aspectos pouco abordados da historiografia tradicional,
sobretudo na historiografia produzida para fins didáticos na educação básica. O tempo
presente, os dramas humanos, as questões relacionadas aos direitos humanos, aos direitos
políticos e civis, questões de gênero, religiosidade, preconceitos e intolerâncias de toda ordem,
dentre outros temas comumente excluídos dos livros didáticos de História são discussões
frequentes na ONHB. A abordagem das referidas temáticas é uma tônica da olimpíada, desde
suas primeiras edições, fato que podemos considerar de vanguarda, e mais uma vez se mostra
alinhado aos propósitos de desenvolvimento de competências estabelecidos pela BNCC, como
podemos ver na competência geral de número nove.

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se


respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento
e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes,
identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
(BRASIL, 2018, p.10).

Desse modo, acreditamos que o trabalho realizado a partir das questões e tarefas
propostas pela ONHB têm influenciado no modo como os discentes constroem suas leituras
de mundo, pois é a partir dos usos públicos do conhecimento da história que as pessoas
orientam seus posicionamentos e escolhas diante da vida e sedimentam sua Consciência
Histórica, fato que se articula com a décima competência geral estabelecida pela Base
Nacional Comum Curricular, para a Educação Básica. “Agir pessoal e coletivamente com
autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com
base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2018,
p. 10).
A Didática da História, enquanto subdisciplina da ciência histórica, possui um campo
de investigação formado por três grandes áreas. Uma dessas áreas estuda a formação da
consciência histórica produzida dentro do espaço escolar e é relacionada às atividades
desenvolvidas no contexto de atuação da história enquanto disciplina escolar. Essa primeira
vertente é de fato a que mais nos interessa no momento. O outro campo se preocupa com a
formação da consciência histórica feita a partir dos usos públicos da História, ou seja, fora dos
espaços efetivamente pesados para a produção do conhecimento histórico, mais distante da
influência da ciência histórica e da historiografia escolar. Esse segundo campo também nos
53

interessa, embora em menor grau, pois consideramos que de algum modo a relação que os
estudantes estabelecem com o conhecimento histórico, a partir das práticas de Educação
Histórica propostas pela olimpíada, e o modo como eles passam a interagir entre si e com os
outros ao seu redor, têm profundo impacto na formação de suas consciências históricas. Em
última instância, Didática da História se preocupa em investigar os pressupostos didáticos
inerentes da ciência histórica, logo, em outras palavras, a Didática da História se propõe a
questionar o próprio trabalho dos historiadores no sentido de compreender seus objetivos, suas
funções sociais, dentre outras. Sobre esse último campo, gostaríamos de citar, como forma de
explicação, uma fala da professora Cristina Meneguello, por ocasião de conferência no 30º
Simpósio Nacional de História, onde ela dizia: “A que(m) serve seu conhecimento?”
(MENEGUELLO, 2019) e destacou ainda duas pichações feitas nos muros do IFCH –
UNICAMP, onde a professora ministra suas aulas, que diziam; “Se sua arte não chega na
favela, sua arte é piada pra mim, se sua militância não tá na quebrada, sua militância é piada
pra mim”. Nesse momento, no qual recordamos essas citações, veio-nos novamente à cabeça
nossa compreensão acerca de uma das funções mais nobres da História, que ao nosso ver reside
na possibilidade de estimular a reflexão acerca das experiências humanas e, à luz das mesmas,
contribuir para a construção de um mundo mais justo e solidário.
A Educação Histórica, por sua vez, possui uma matriz inglesa e, como já fora dito
anteriormente, surge em um contexto de crise da disciplina de História, no qual estudantes
demonstravam pouco interesse pelo estudo de História nas escolas. Nesse contexto, foi criado
no Reino Unido o chamado Projeto 13-16, cujo propósito era enfrentar a situação de descrédito
pelo qual o Ensino de História estava passando e desenvolver uma cultura de aprender pela
pesquisa e por meio de desafios cognitivos. Para Peter Lee (2006), o cerne do problema estava
na dicotomia entre o que era ensinado e o significado que os alunos davam ao que era ensinado.
O Projeto 13-16 defendia a ideia de que a aprendizagem histórica deveria se concentrar no
desenvolvimento do pensar historicamente, ou seja, no desenvolvimento da cognição histórica.

Uma das razões pelas quais as pessoas mudaram foi constatar que anteriormente, as
crianças encaravam a História como maçadora e inútil e os pais também a achavam
assim; com o Projecto[sic], as crianças passaram a olhar para a História como uma
disciplina séria. Era necessário haver algo que as crianças aprendessem
progressivamente, que se operassem mudanças de idéias[sic passim] e que elas
conseguissem perceber essas mudanças. De facto, as crianças relacionavam melhor
suas idéias em História. Peter Lee (2001, p. 14)

Durante a implantação do Projeto 13-16, novas questões acerca do Ensino de História


foram se apresentando, tais como: “Que idéias [sic] é que as crianças traziam para a disciplina
54

de História? Quais os conceitos, quais as imagens que História fornecia às crianças?” (LEE,
2001, p.14). Foram essas as primeiras questões a orientar as pesquisas acerca da Cognição
Histórica dos estudantes ingleses. O trabalho realizado por Dickinson e Lee (1978), foi
pioneiro no que se refere a pesquisa no campo da Cognição História e introduziu historiadores
em um campo que, até então, era ocupado apenas por teóricos da educação. A partir dos
referidos estudos, foi desenvolvido um modelo de progressão de ideias baseado na natureza
da explicação histórica que fora aprofundado anos depois pelo próprio Lee e por Dickinson.
Ashby e Lee (1987) mergulharam ainda mais fundos nos estudos acerca da cognição histórica,
com estudantes entre na faixa etária entre 11 e 18 anos, e formularam uma escala de progressão
cognitiva mais detalhada e melhor sistematizada, na qual as ideias dos estudantes ficaram
organizadas em categorias, como podemos observar na citação a seguir.

1) O “passado opaco”, quando as acções [sic passim] e instituições do passado


parecem ininteligíveis; 2) “Estereótipos generalizados”, quando as acções e
instituições do passado são compreendidas por referência a uma descrição
convencional de intenções, situações e valores; 3) “Empatia com a História a partir
do quotidiano”, quando as acções e instituições do passado são compreendidas por
referência ao tempo actual [sic], sem distinção entre o passado e o presente; 4)
“Empatia histórica restrita”, quando as acções e instituições do passado são
compreendidas a partir da evidência sobre a situação histórica específica; 5)
“Empatia histórica contextualizada”, quando as acções e instituições do passado são
compreendidas a partir da evidência sobre a situação específica e explicadas num
conjunto mais vasto. (ASHBY; LEE (1987) apud BARCA, 2005, p. 17)

De acordo como o modelo de progressão cognitiva proposto por (Lee, 2001, p. 15), o
desenvolvimento da aprendizagem deveria ocorrer pela apropriação dos Conceitos
Substantivos (escravo, camponês, operário, artesão), bem como pela compreensão dos
Conceitos de Segunda Ordem, que por sua vez se relacionam aos paradigmas da ciência
histórica, aspectos da própria teoria e metodologia da pesquisa em História. (SCHMIDT E
GARCIA, 2006a, p. 9) reforçam a teoria de Peter Lee.

[...] a Educação histórica tem seus fundamentos pautados em indagações como as


que buscam entender os sentidos que os jovens, as crianças e os professores atribuem
a determinados conceitos históricos – como revolução francesa, renascimento,
reforma protestante – chamados “conceitos substantivos”, bem como os chamados
de “segunda ordem” tais como narrativa, explicação ou evidência histórica.

Ainda nessa perspectiva, Lee (2006) defende que para ocorrer avanço na escala de
aprendizagem histórica, é necessária a noção aplicável de Literacia Histórica. Tal conceito está
relacionado às competências interpretativas e de compreensão do passado que permitem ler o
mundo historicamente: é uma espécie de Letramento Histórico.
55

Saber ler diferentes fontes históricas, com suportes diversos (fotografia, pinturas,
documentos escritos, depoimentos orais, cultura material); b) Saber selecionar fontes
para confirmação ou refutação de hipóteses; c) Saber entender o nós (identidade) e
os outros (alteridade) em diferentes tempos e espaços; d) Saber levantar novas
hipóteses de investigação. (GERMINARI, 2011, p. 59)

Segundo Germinari (2011), o desenvolvimento gradual de cada saber listado constitui


a essência do desenvolvimento da aprendizagem histórica nos diversos níveis de ensino. As
pesquisas em Educação Histórica realizadas em muitos países apresentam as seguintes
convergências:

a) A aprendizagem ocorre em contextos concretos; b) As crianças e os jovens usam


suas experiências para dar sentido ao passado, o qual nem sempre se ajusta as suas
ideias prévias; c) Vários fatores influenciam a cognição histórica, tais como as
vivências prévias dos sujeitos, a natureza específica do conhecimento, os tipos das
tarefas ofertadas e as aptidões individuais. Estes são elementos fundamentais para
progressão do conhecimento; d) As ideias históricas de crianças e jovens apresentam
uma progressão lógica, mas não invariante, cada sujeito pode oscilar entre níveis
mais ou menos elaborados conforme a situação. A progressão de ideias por idade é
tendencial, mas não determinante. (GERMINARI 2011, p. 59).

Como podemos observar, as pesquisas no campo da Cognição Histórica apontam no


sentido do desenvolvimento de práticas educativas concretas e desafiadoras, que utilizem
situações reais ou verossimilhantes, capazes de oportunizar a inserção dos estudantes em um
contexto progressivo e significativo de aprendizagem histórica, focadas no desenvolvimento
e na apropriação de conceitos substantivos, categorias historiográficas específicas importantes
para a progressão do conhecimento, bem como na compreensão dos conceitos de segunda
ordem, que são os processos históricos propriamente ditos. Porém, nada disso faria sentido se,
à luz de todo esse conhecimento histórico desenvolvido, não houvesse articulação com o
presente, ou seja, se as ferramentas conceituais apreendidas pelos estudantes não pudesse ser
úteis como instrumentos na construção de uma leitura de mundo crítica e reflexiva, na qual o
conhecimento histórico exerce um poderoso papel de esteio para o pensamento livre e para as
tomadas de decisões dos indivíduos ante a sua vida em sociedade. Isto posto, fica claro que o
conhecimento histórico, distante dos seus usos sociais, se torna mera erudição, não cumprindo,
portanto, seu mais importante papel, que é sua ação libertadora.
Portanto, pretendemos utilizar a referida teoria como fundamentação para o
desenvolvimento de uma prática educativa pautada nos referenciais teóricos da Cognição
Histórica e articulado com o suporte metodológico e tecnológico das Metodologias Ativas, do
Ensino Híbrido e das TDICs em nossa disciplina eletiva, intitulada Oficina de História e
56

Historiografia, ofertada para os estudantes do Ensino Médio da E.E.M.T.I. – Walter Sá


Cavalcante, escola da rede pública estadual do Ceará.

1.4 - POR QUE A ONHB É UM SUCESSO DE PÚBLICO E CRÍTICA?


INVESTIGANDO A BASE TEÓRICA QUE FUNDAMENTA ESSA EXPERIÊNCIA
EXITOSA DE APRENDIZAGEM HISTÓRICA

A experiência com a Olimpíada Nacional em História do Brasil, através de seu modelo


estimulante e inovador, foi de tal modo impactante, dentro do universo de atuação dos
professores da educação básica, que desde as primeiras edições, no final da década de 2000,
no já relativamente distante ano de 2009, despertou grande interesse por parte de estudantes e
professores. Esse envolvimento se manteve estável com o passar dos anos, batendo recordes
consecutivos nas edições de 2018 e 2019, chegando ao significativo número de 73 mil
participantes na 11ª edição, segundo dados disponibilizados pela própria ONHB em seu site
oficial.

Tabela 1 – Dados quantitativos de equipes inscritas nas Edições da ONHB, de 2009 a 20019

Edição Ano No de Equipes Inscritas


1ª 2009 4.000*
2ª 2010 13.268
3ª 2011 16.519
4ª 2012 10.785
5ª 2013 10.391
6ª 2014 9.997
7ª 2015 10.251
8ª 2016 10.719
9ª 2017 12.028
10ª 2018 14,400
11ª 2019 18.500
*Estimativa a partir do número de estudantes e professores inscritos na 1ª edição da ONHB.
Tabela elaborada a partir de dados coletados em Costa Júnior (2016 p. 52) e complementada pelo autor a partir
de dados disponibilizados pela ONHB, referentes às 10ª e 11ª edições, 2018 e 2019.

Na esteira do crescimento da participação de estudantes e professores e na medida em


que o modelo instigante e inovador da olimpíada encantava e, ao mesmo tempo, intrigava os
participantes, foram surgindo os primeiros estudos acadêmicos acerca da ONHB. Um dos
primeiros a realizar um estudo cujo objeto fora a Olimpíada Nacional em História do Brasil,
foi Miranda (2013). Em seu trabalho intitulado “Projeto ONHB na E.E.E.M Tenente Mario
Lima Do Ensino de História a Educação Histórica”, o professor/pesquisador promoveu um
57

estudo de caso acerca da sua experiência como professor orientador de equipes participantes
da ONHB entre os anos de 2011 e 2012 e articulou a referida experiência a teoria e
metodologia da Educação Histórica, propondo ainda a análise dos resultados da experiência.
Um outro trabalho extremamente importante para os que pretendem entender a Olimpíada
Nacional em História do Brasil, sua estrutura de funcionamento, suas características explícitas
e implícitas é o trabalho do professor/pesquisador Costa Júnior (2016). Em seu trabalho
publicado com o título de A Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB) e o Ensino
Médio Integrado no IFRN, Costa Júnior (2016) investiga e analisa a experiência de utilização
da ONHB como ferramenta pedagógica inserida no contexto do ensino médio integrado do
IFRN e no percurso promove uma importante e rica descrição da metodologia da olimpíada,
detalhando seu funcionamento prático, o ambiente digital no qual ela está hospedada, a divisão
das fases e tarefas propostas entre a 1ª e a 9ª edição. Discutiremos melhor a contribuição de
cada um dos trabalhos que se propuseram a investigar aspectos que de algum modo se
relacionam com as teorias e práticas da ONHB e suas contribuições para a Educação Básica.
Gostaria imensamente de a partir desse momento do texto me concentrar na análise de
discussão das questões e atividades propostas pala ONHB, ao longo de suas edições, à luz da
teoria e metodologia da Educação Histórica, sobretudo porque considero que os trabalhos que
antecedem ao nosso contemplam perfeitamente a descrição e análise do formato da ONHB.
Porém, em respeito ao meu leitor, que pode ser não iniciado no tema, nos permitiremos uma
breve apresentação da proposta metodológica e do modelo de questões e atividades utilizadas
pela ONHB, tomando por referências os principais trabalhos de Miranda (2013) e Costa Júnior
(2016).
A Olimpíada Nacional em História do Brasil – ONHB é, segundo sua própria
descrição, contida em seu site oficial, um projeto de extensão da Universidade Estadual de
Campinas, desenvolvido pelo Departamento de História por meio da participação de docentes,
alunos de pós-graduação e de graduação, com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Telecomunicações (MCTIC), por meio do edital de Olimpíadas Científicas do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A ONHB é
atualmente coordenada pelas profas. dras. Cristina Meneguello, Alessandra Pedro e Raquel
Gryszczenko Alves Gomes. Trata-se portanto, de uma competição destinada a estudantes da
Educação Básica, das redes pública e privada de ensino, cursando a partir do 8º ano do Ensino
Fundamental ao último ano do Ensino Médio, que organizados em equipes de quatro
componentes, sendo três estudantes e um professor orientador, oportuniza uma espetacular
experiência organizada com base em um proposta inovadora que é a de estudar a História do
58

Brasil a partir documentos históricos, imagens, músicas, filmes, mapas, textos acadêmicos,
pesquisas inéditas e debates historiográficos.
Atualmente, a ONHB é composta de seis fases realizadas em ambiente digital on-line,
com duração de uma semana, nas quais os estudantes e seus professores/orientadores são
desafiados a responder questões de múltipla escolha contendo quatro alternativas, sendo uma
delas errada e três corretas. As alternativas de resposta possuem pontuação diferentes, que
variam de acordo com o nível de análise proposto por cada uma delas. Logo, as alternativas
estão organizadas em níveis diferentes de proficiência, sendo atribuída a cada uma delas uma
pontuação distinta e progressiva, de acordo com o nível de complexidade analítica, como
podemos identificar nos escritos de Miranda (2015, p. 81):

A ONHB considera que a alternativa de nível descritivo corresponderia a “1” ponto;


a de nível de explicação simples corresponderia a “4” pontos; a de explicação em
contexto, extrapolando as fontes fornecidas e comprovadas por pesquisas dos
estudantes com outras fontes, equivalendo a “5” pontos; cabe aos estudantes evitar
assinalar a alternativa que indica anacronismo ou incoerência analítica, sendo a
alternativa de pontuação “0”.

Portanto, as questões no modelo ONHB trabalham com uma perspectiva inovadora,


sobretudo quando comparadas às questões de múltipla escolha comumente utilizadas nas
avaliações escolares, ou mesmo nas avaliações externas de larga escala, nas quais, via de regra,
há apenas uma alternativa correta e as demais apresentam incorreções de diversas ordens.
Nesse sentido, já encontramos uma articulação com a ideia de níveis progressivos de ideias
históricas, com uma escala de níveis proficiência em História, bastante característicos das
teorias da Cognição Histórica, como já mencionamos anteriormente neste trabalho.
Podemos caracterizar cada uma das quatro alternativas das questões estilo ONHB do
seguinte modo. As alternativas as quais não se atribui nenhuma pontuação, as consideradas 0
(zero), apresentam uma informação historicamente errada. As alternativas as quais se atribui
1 (um) ponto, em geral apenas identificam, denominam, enumeram, listam informações
históricas simples, típicas dos manuais didáticos e que podem ser acessadas por pesquisa
simples e, portanto, são classificadas como nível superficial de compreensão histórica. As
alternativas as quais são atribuídos 4 (quatro) pontos são as que descrevem, explicam, definem,
ilustram ou classificam corretamente uma informação histórica e, portanto, são classificadas
como nível intermediário de proficiência. Por fim, as alternativas as quais são atribuídos 5
(cinco) pontos e, portanto, possuem o mais alto nível de proficiência e as ideias históricas de
maior complexidade, são as que apresentam inferência análise, comparações, estabelecem
diferenças, relacionam e/ou formulam críticas entre categorias e conceitos historiográficos ou
59

até mesmo apresentam discussões oriundas dos novíssimos debates historiográficos. Logo, são
consideradas as de nível mais complexo e sofisticado.
Para discutir os diferentes níveis de proficiência presentes nas alternativas de cada uma
das questões da ONHB, no que se refere à natureza do conhecimento histórico, e para
argumentar em favor da compreensão de que os indivíduos elaboram ideias históricas em
escala gradual de sofisticação, gostaria de recorrer às palavras da professora Isabel Barca em
defesa da ideia da existência de estágios progressivos de pensamento histórico, bem como no
destaque da relevância e dos efeitos da utilização das fontes históricas no processo de
ensino/aprendizagem de História. Em suas próprias palavras, Barca (2012) afirma,

As categorias de análise, numa linha de progressão de ideias em História, poderão


(deverão) refletir-se depois, de forma aproximada, na avaliação convencional dos
resultados de aprendizagem dos alunos, se esta for orientada para a qualidade do
pensamento histórico, envolvendo interpretação de fontes e problematização de
relações entre passado, presente e horizontes de futuro. E porque tem havido alguns
resultados positivos, concretos, com esta práxis, pela satisfação e auto estima
profissional e discente para a qual tem contribuído, em Portugal tem-se verificado
uma aproximação a esta abordagem nas orientações curriculares, em manuais e nos
exames nacionais de História. (p. 47)

As questões e tarefas propostas pela ONHB oportunizam a estudantes e professores o


contato com um rico repertório de fontes de diversas origens e tipologias, por intermédio das
quais os estudantes e seus professores orientadores podem experimentar o universo de trabalho
do historiador e desse modo, se servindo de práticas educativas imersas na própria
epistemologia da ciência histórica, desenvolver inúmeras habilidades e competências como as
que descreve Barca (2004).

Saber "ler" fontes históricas diversas, a vários níveis, com mensagens diversas e com
formatos também diversos. Saber confrontar as fontes nas suas mensagens, nas suas
intenções, na sua validade. Saber selecionar as fontes, para confirmação e refutação
de hipóteses descritivas e explicativas. Saber entender, ou procurar entender, o "Nós"
e os "Outros", nos seus sonhos e angústias, nas suas grandezas e misérias, em
diferentes tempos, diferentes espaços. Saber levantar novas questões, novas
hipóteses a investigar. O que constitui, afinal, a essência da progressão do
conhecimento. (p. 134-135).

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC), reforçando nossa convicção em


construir um caminho no Ensino de História orientado pelas teorias da Cognição Histórica,
trouxe em seu texto final, na parte em que se refere às unidades temáticas, objetos de
conhecimento e habilidades a serem desenvolvidos já nos finais do Ensino Fundamental, uma
orientação procedimental que consideramos vir ao encontro da metodologia de trabalho que
vivenciamos há anos na experiência com as questões e, sobretudo nas tarefas, propostas pela
60

ONHB. Em seu texto, a BNCC apresenta as seguintes orientações procedimentais:

O Processo de Ensino aprendizagem de História no Ensino Fundamental - Anos


Finais está pautado por três procedimentos básicos: 1. Pela identificação dos eventos
considerados importantes na História do Ocidente (África, Europa e América,
especialmente o Brasil) ordenando-os de modo cronológico e localizando-os no
espaço geográfico. 2. Pelo desenvolvimento das condições necessárias para que os
alunos selecionem, compreendam e reflitam sobre os significados da produção,
circulação e utilização de documentos (materiais e imateriais), elaborando críticas
sobre as formas já consolidadas de registro da memória por meio de uma ou várias
linguagens. 3. Pelo reconhecimento e pela interpretação de diferentes versões de um
mesmo fenômeno, reconhecendo as hipóteses e avaliando os argumentos
apresentados com vistas ao desenvolvimento de habilidades necessárias de
proposições próprias. (BRASIL, 2018, p. 416)

O texto da BNCC, na parte em que se refere ao Ensino Médio, o nível de proficiência


desejado avança para além da leitura e interpretação das fontes históricas, bem como amplia a
expectativa para além do reconhecimento e interpretação para o levantamento de hipóteses e
formulação de argumentos como ferramentas imprescindíveis na construção de um letramento
científico, uma vez que introduz a prática da dúvida sistêmica como condição fundamental
para as reflexões de caráter científico e o combate ao senso comum, aos achismos e as falsas
verdades absolutas.
Uma outra discussão relevante, e que há muito está posta dentre estudantes e
professores que participam da ONHB, é o fato de a olimpíada não separar os participantes por
faixa etária ou mesmo dividir a competição em dois níveis, como por exemplo fundamental e
médio. Nesse sentido, recorro ao que afirma Carvalho (2018 p. 207) quando defende que o
desenvolvimento cognitivo não possui vinculação com maturidade física, diferente do que
afirmava Piaget. Defende ainda, que nos termos do que o ser social e experiências pessoais
são mais relevantes para o processo de desenvolvimento cognitivo do que a idade cronológica,
como defendia Vygotsky.
Nesse contexto, as teorias de Ausubel acerca do conceito de aprendizagem
significativa, estão bastante presentes nas práticas da ONHB quando esta quebra toda a
assimetria típica das relações professor/aluno e insere ambos na mesma condição de
pesquisadores. Essa experiência, de certo modo, é um primeiro contato com o tipo de relação
entre orientador e orientando que vivenciamos nas pesquisas universitárias, e nesse sentido,
oportunizam aos estudantes da Educação Básica uma espécie de Letramento Científico, de
introdução à metodologia da pesquisa e o contato com a ideia de mentoria, típicas das relações
entre orientador e orientando, que até então só tínhamos contato no ambiente universitário.
Em síntese, percebemos uma grande articulação entre as teorias da Educação Histórica, que
61

argumentamos ser a base teórica por trás da ONHB, e está intimamente relacionada aos
teóricos da educação que se dedicaram aos estudos da cognição, porém com a relevante
diferença de ser pensada e posta em prática pelos próprios historiadores e não pelos estudiosos
da educação.

Há indícios animadores de que o avanço da pesquisa em cognição histórica pode


iluminar caminhos, que os professores queiram trilhar no sentido do seu
envolvimento na construção pelos alunos de um pensamento histórico genuíno. Não
será por acaso que muitos dos professores no ensino fundamental e médio que
participam em formações nesta área optam com entusiasmo por estes caminhos,
percebendo que “sim, é por aqui que nos realizamos enquanto professores de
História!”. (BARCA, 2012 p. 38).

Além das questões, a ONHB propõe a realização de diversas tarefas através das quais
busca promover o desenvolvimento de habilidades e competências, por meio de atividades
relacionadas ao universo de trabalho do historiador. Desse modo, promove o contato dos
estudantes da educação básica com atividades complexas e sofisticadas que os desafiam e
estimulam à pesquisa, promove letramentos tecnológicos, estimula o olhar crítico e analítico,
desenvolve a alteridade, valoriza a tolerância e o respeito às diferenças, aguça o senso de
solidariedade e justiça, fomenta a elaboração de posicionamentos lógico argumentativo diante
de situações de conflito, oportuniza experiências de negociação de ponto de vista, promove
uma espécie de iniciação científica e estimula a aprendizagem ativa e autônoma.
Nesse sentido, compreendemos que a proposta de trabalho formulada e posta em
prática pela ONHB, há mais de uma década, já se mostrava vanguarda, uma vez que estava
focada no desenvolvimento integral dos estudantes. Já em sua primeira edição, em 2009, a
ONHB propunha uma discussão que hoje está presente nas competências gerais da Educação
Básica, estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em 2018. A
questão que abriu a primeira fase da primeira edição propõe, em clara metalinguagem, uma
reflexão acerca da relação entre o ser humano e as TDICs.

Uma mensagem antecedia a versão impressa da prova, deixando claro que aquela era
uma atividade on-line e que deveria ser respondida em sua plataforma nativa, a digital, estando
ali a versão para impressão, tão somente como suporte aos que ainda não estão tão adaptados
à leitura em ambientes digitais. A mensagem dizia “Este documento não serve como prova. A
prova deve ser feita pela internet” (ONHB, 2009) e em seguida apresentava a seguinte questão.

As primeiras cinco fases de nossa Olimpíada acontecem por meio digital. Você está
agora, provavelmente, diante de um computador. Essa máquina tem uma história, e
62

essa faz parte da sua própria história. Observe estas propagandas de micro-
computadores [sic], ambas da década de 1980; a primeira trata do modelo TK 85 e a
segunda, de um modelo posterior, o TK 95.

Propaganda do TK 85 Propaganda do TK 95
Palavras-chave: Computador; Palavras-chave: Computador;
Comunicações; Tecnologia Séc XX Comunicações; Tecnologia
Séc XX

Alternativas
A. As propagandas indicam que o computador tornava-se um equipamento pessoal,
utilizado nos lares.
B. A propaganda do TK95 apela para a questão da informação, tanto em seu texto
como na imagem, demonstrando outros usos potenciais para aquela máquina.
C. O TK 85 era um equipamento pouco sofisticado, o que tornava extremamente
lento para o usuário comum navegar na internet.
D. À medida que havia mais recursos tecnológicos, o computador se tornava mais
presente na vida das pessoas, deixando de ser um equipamento prioritariamente de
trabalho, trazendo recursos de lazer. (ONHB, 2009)9

O gabarito oficial trouxe a seguinte pontuação para cada uma das alternativas. Para a
alternativa (A) fora atribuída a pontuação mínima (1 ponto), para a alternativa (B) fora
atribuída a segunda maior pontuação (4 pontos), para alternativa (C) não foi atribuída
pontuação nenhuma (0 pontos) e para a alternativa (D) fora atribuída a pontuação máxima (5
pontos).

Como vimos, já na primeira questão da primeira fase da primeira edição, o método e a


teoria por trás da olimpíada se apresentam. Podemos perceber, ao analisar a questão, a ideia
de níveis diferentes de proficiência, em um escalonamento que vai do menos complexo para
o mais sofisticado. Identificamos também o trabalho com importantes conceitos de segunda

9
Primeira questão da Primeira fase da Primeira edição. Disponível em:
https://drive.google.com/drive/folders/0B24Pob8ONI7TZmZYcDBZV0FoRE0> acessado em 15 de julho de
2019
63

ordem, tais como a noção de anterioridade e posterioridade, permanência, ruptura e


descontinuidade, bem como a importante ideia do anacronismo. Tais conceitos devem ser
utilizados para perceber que o momento histórico no qual as propagandas dos computadores
TK85 e TK95, que são os anos finais do século XX, ainda não é o momento de explosão do
uso da internet nos lares brasileiros. Logo, seguindo as ideias de Schmidt (2010), podemos
perceber que para compreender e explicar o passado é preciso saber ler suas evidências no
presente e para tanto é preciso se apropriar das ferramentas utilizadas pelos historiadores a fim
de pensar historicamente.

Outro aspecto que é uma tônica da ONHB, e que se apresenta já nessa primeira questão,
é a abordagem de temáticas pouco ortodoxas e incomuns no currículo de História como
disciplina escolar na educação formal. O paradigma de elaboração das questões se pauta muito
mais pela proposta de desenvolvimento de competências relacionadas ao próprio saber
histórico do que por um currículo baseado nos fatos históricos, muito embora eles não sejam
negligenciados e tenham seu espaço reservado. Competências gerais, como as propostas pela
BNCC também são alvo das atividades propostas pela olimpíada que visa promover
conhecimento; pensamento científico crítico e criativo; repertório cultural; comunicação;
cultura digital; trabalho e projeto de vida; argumentação; autoconhecimento e autocuidado;
empatia e cooperação; responsabilidade e cidadania, tal como encontramos em BRASIL
(2018).

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo


físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar
aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e
inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,
incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade,
para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e
criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes
áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às
mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-
cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e
escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir
sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo
as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir
conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal
e coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do
64

mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu


projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular,
negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e
promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo
responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em
relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo- se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos
outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-
se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com
acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus
saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer
natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,
resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. (BRASIL, 2018, p. 9-10)

Gostaríamos também de destacar as variadas tarefas propostas pela ONHB, que vão
desde a classificação de fontes por período de produção e período sobre a qual se refere,
possibilitando ao estudante refletir sobre a questão das múltiplas temporalidades, noções de
assimetria temporal, dentre outras. Atividades que propõem a análise iconográfica de desenhos
de origem popular e erudita, passando por ilustrações produzidas por viajantes, mapas
históricos, passando ainda por obras de arte de artistas, consagrados ou não, e fotografias, que
oportunizam a educação do olhar, a inserção das obras em seu contexto de produção, a
compreensão da arte como reflexo da sociedade na qual ela se insere socialmente, dentre outras
questões. Até chegar as atividades que particularmente consideramos mais complexas e mais
impactantes na contribuição para o desenvolvimento da Consciência Histórica dos estudantes,
que é a produção de narrativas historiográficas.
Foram diversas as atividades propostas como forma de promover o desenvolvimento
da capacidade de ler o passado a partir da epistemologia da História e de produzir narrativas
históricas em contexto escolar, o que chamamos de Historiografia Escolar Digital, todas elas
já listadas no quadro 1 desse mesmo trabalho dissertativo. Segundo Rüsen apud Barca et al.
(2010, p. 12), as narrativas são a face material da Consciência Histórica. Logo, consideramos
que através da análise dessas narrativas históricas, produzidas pelos estudantes, podemos
compreender o modo como eles se apropriam do conhecimento histórico, as relações que eles
estabelecem entre presente e passado bem como a utilização dos marcos temporais por eles
selecionados. Iremos nos propor a analisar em nosso segundo capítulo algumas dessas
narrativas escolares.
65

1.5 – UM ENCONTRO OPORTUNO E NECESSÁRIO: UMA DIALÉTICA DO


CONHECIMENTO ENTRE OS SABERES ACADÊMICO E ESCOLAR

Durante muito tempo, o Ensino de História se pautou pela reprodução de narrativas


historiográficas cristalizadas, tendo como principais referências as discussões já consolidadas
há bastante tempo na academia e que não apresentavam mais grandes debates historiográficos.
O conhecimento histórico acadêmico que permeava as práticas escolares carecia de pontes
entre a universidade e a escola, de espaços de contribuíssem para o estabelecimento de um
caminho mais curto entre os debates acadêmicos e as práticas educativas escolares. Portanto,
havia um “delay” entre o que se produzia nas universidades e o que se discutia no ambiente
da Educação Básica. Portanto, o ensino de História nas escolas esteve por muito tempo distante
da vanguarda dos grandes debates travados na academia, uma vez que o contato que a maioria
dos professores da escola básica tinha com a produção historiográfica era muitas vezes durante
a graduação e, na maioria dos casos, ao entrarem no universo da vida profissional, inseridos
no ativismo de um ambiente de trabalho com carga horária exaustiva, viam-se reproduzindo
teorias, métodos e práticas até certo ponto já superadas ou ressignificadas no ambiente
universitário. Poucos eram os profissionais de História que, após ingressarem no magistério,
conseguiam retornar à universidade para estudos de pós-graduação. Essa realidade em muito
era motivada pela dificuldade enfrentada por muitos dos professores da Educação Básica de
encontrar espaços de inserção nos programas de pós-graduação acadêmicos, sobretudo porque,
na maioria dos casos, as pesquisas sobre ensino de História também não eram bem-vindas nos
PPGH, sendo quase sempre relegadas aos programas de pós-graduação em Educação.

Acreditamos que dois movimentos estão sendo fundamentais para alteração da


realidade descrita acima: o surgimento do ProfHistória, Programa de Mestrado profissional
em Ensino de História, ofertado em rede nacional a partir de 2014, que em suas primeiras
turmas já contou com a adesão de 12 universidades distribuídas por diversas regiões do pais,
e a própria ONHB que fomentou sobremaneira os debates sobre ensino de História em escolas
espalhadas por todo o país. É inclusive importante refletir sobre a relação dialética que
acreditamos existir entre esses dois relevantes espaços de debates e reflexões sobre ensino de
História e avaliar em que medida a ONHB, de certo modo, possa ter fomentado o
desenvolvimento do ProfHistória bem como em que aspectos do próprio crescimento da
ONHB possa ter levado um significativo número de professores de História da Educação
Básica a retornar às universidades em busca de aprimorar sua formação, como fora o nosso
66

caso. Não nos disporemos a explorar nesse trabalho essa importante questão, mas espero que
outros colegas o façam.

Não obstante ao grande avanço que observamos nas pesquisas na área do Ensino de
História, como o surgimento de diversos grupos de pesquisa e, inclusive com perceptível
ampliação do espaço dos debates sobre ensino nos eventos acadêmicos de História, como é o
caso dos simpósios promovidos pela ANPUH, que além de apresentarem um evento específico
de ensino em paralelo, a ANPUH Educação, ainda contam com seminários temáticos de ensino
dentro do próprio evento geral. Mesmo com todo esse movimento acontecendo, ainda é
significativa a permanência de práticas tradicionais de ensino de História nas escolas
brasileiras. Nesse modelo, o professor praticamente monopoliza a fala durantes as aulas,
fazendo ele próprio as leituras dos textos, as inferências, as ponderações, as análises, os
contrapontos. Na maioria das ocasiões, as conclusões às quais o professor chegou a partir da
leitura dos livros didáticos, e de outros elementos de sua própria trajetória formativa, são
apresentadas aos alunos, de modo resumido, por meio de uma explanação oral e/ou a partir de
um esquema resumo escrito no quadro, projetado em uma tela ou em algum suporte correlato.
Logo, conclui-se que a partir desse tipo de prática, desse modelo de aula, os estudantes não
são estimulados a pensar historicamente e, quando muito, se esforçam para memorizar fatos
históricos e descrevê-los com a maior riqueza de detalhes possível. Articular esse
conhecimento histórico com o presente, lançar perguntas contemporâneas sobre esses
processos históricos, utilizar o saber histórico para refletir acerca do universo sócio-histórico
e cultural no qual ele se insere, é tarefa incomum dentro desses contextos formais e tradicionais
de ensino/aprendizagem histórica.

Como podemos observar, o principal recurso didático de apoio ao trabalho do professor


de história, em seu cotidiano de trabalho na Educação Básica, tem sido, comumente, o livro
didático, que por sua vez se apresenta uma sucessão de fatos históricos organizados
cronologicamente para serem narrados em sala de aula. Os textos dos livros didáticos são, em
geral, narrativas históricas acadêmicas que sofreram uma adaptação de linguagem como forma
de transposição didática, sob a alegação de melhor adequação ao público discente das escolas
da Educação Básica. As narrativas históricas trazidas nos livros didáticos escolares são textos
fluidos e até bastante prazerosos de serem lidos, mas em contrapartida raramente trazem junto
ao seu corpo um trecho de algum documento fonte e/ou citação de um historiador que reforce
a origem, sobretudo metodológica, do conhecimento ali apresentado. Nesse sentido, o
conhecimento histórico é posto como verdade, o que dificulta que estudante compreenda o
67

caráter dinâmico e transitório do conhecimento histórico. Logo, na maioria das vezes o saber
histórico chega ao estudante de modo pronto e acabado, não oportunizando que o discente
possa se apropriar de modo mais complexo do referido saber e da trajetória epistemológica
percorrida até que aquela narrativa pudesse ser apresentada a ele. É nesse vácuo de atuação
que compreendemos que a ONHB encontrou seu espaço de inserção e “acertou no alvo”, como
podemos perceber na fala de Meneguello (2016).

Olimpíada Nacional em História do Brasil nos remete a alguns temas fundamentais


(e difíceis) sobre o conhecimento que produzimos como historiadores e professores,
sua percepção em sala de aula e o potencial em explorar as metodologias do campo
do historiador com estudantes dos últimos anos do ensino fundamental e do ensino
médio. Obriga-nos também a pensar nas possibilidades de mecanismos de avaliação
pertinentes ao conhecimento ao mesmo tempo aberto e rigoroso ao qual nos
dedicamos – a história - e a nos questionar sobre as especificidades regionais do
conhecimento histórico entendido muitas vezes como de validade nacional. (p. 1)

Em geral, há pouca utilização de fontes como elementos de suporte à construção das


narrativas históricas propostas pelos autores dos livros didáticos e quando elas aparecem são
colocadas em lugar de menor destaque, como textos complementares ou atividades, quando
na verdade deveriam ocupar posição central no processo de Educação Histórica. Em outras
palavras, além de raras, as fontes quando aparecem são dispostas de tal modo que são
encaradas apenas como apêndices, uma vez que são apresentadas através de pequenas
transcrições e/ou citações de documentos clássicos, a maioria já de amplo conhecimento,
pouco instigantes e que muitas vezes são apresentados de modo ilustrativo e, quando muito,
para referendar uma discussão já apresentada pelo autor através de narrativa construída no
corpo do texto do livro.

Há pouco espaço para o cotejo das fontes, para narrativas contraditórias, para o estudo
desafiador e instigante das evidências históricas. Logo, desse modo a fonte perde
completamente sua aura de encanto, de ponte entre o passado e o presente, de indício de algo
a ser investigado, pesquisado, debatido, relativizado, questionado e aprofundado. Isto posto,
acreditamos que o cenário descrito empobrece o processo de ensino-aprendizagem de história,
o torna enfadonho, desestimulante e o que é mais grave, pouco reflexivo.

É exatamente nesse contexto, e por acreditar no potencial trabalho com as fontes


históricas, na manipulação investigativa dos documentos, na análise e debate sobre as fontes
de diversas origens e tipologias, que defendemos a utilização da metodologia da pesquisa em
História como estratégia privilegiada a ser utilizada no processo de ensino-aprendizagem em
68

sala de aula, capaz de restabelecer o protagonismo do estudante na construção do saber


histórico, na formação da sua própria consciência histórica. Acreditamos no potencial, na
densidade e na qualidade do trabalho que pode ser realizado no ambiente da Educação Básica
com a utilização de fontes tais como: trechos de obras literárias, fragmentos de documentos
históricos, trechos de textos acadêmicos, objetos da cultura material, elementos da cultura
imaterial, memórias, iconografias, dentre outros tipos de fonte que podem servir de fio
condutor, utilizando a metodologia da pesquisa em história, utilizando o modelo de Aula
Oficina, de Barca (2004), podemos oportunizar ricos trabalhos de Educação Histórica no
ambiente da educação básica.

Há poucas iniciativas de articulação entre os saberes acadêmicos e a Educação Básica,


como apontam Costa e Oliveira (2007), quando argumentam no sentido de que as poucas
iniciativas de inovação no campo do Ensino de História têm sido produzidas de modo intuitivo
por professores insatisfeitos com o mais do mesmo de suas salas de aula. Pois a ONHB surge
exatamente para atuar nessa lacuna, e de tal modo agir fortemente na articulação entre os
saberes acadêmicos e os saberes escolares.

As pesquisas sobre ensino de História têm uma visão da escola numa perspectiva
reprodutivista. Vista como um bloco coeso, sem contradições, mesmo quando
declara algumas experiências inovadoras, a escola é sempre o espaço da reprodução
da cultura, sistema e ideologia dominantes. As pesquisas, na sua grande maioria, são
frutos de experiências ditas “alternativas” em sala de aula. Relatam experiências de
ensino com fontes primárias, com músicas, com teatro, com filmes/vídeos, com
estudos do meio, com fichas de leitura, com produção de textos, com/sem livros
didáticos, entre outras. Raramente essas experiências têm uma ligação sistemática e
efetiva com equipes de universidades (sejam ou não da Prática de Ensino). São, no
mais das vezes, experiências individuais de professores cansados da desmotivação
dos alunos com as aulas de História. Não extrapolam os muros da escola; são
circunscritas, não raramente, àquela disciplina, naquela sala de aula. (COSTA e
OLIVEIRA, 2007, p. 154)

O que estamos tentando discutir e aprofundar é a análise acerca das contribuições que
a metodologia utilizada na ONHB, que acreditamos ser permeada pelos princípios teórico
metodológicos da Educação Histórica e das Metodologias Ativas, pode oferecer para o
processo de ensino-aprendizagem ativo, colaborativo e significativo. Desejamos ainda avaliar,
como forma de mensurar os impactos das referidas práticas, analisar a repercussão da
participação dos estudantes na ONHB em sua compreensão sobre as categorias e conceitos
historiográficos; metodologia da produção do conhecimento histórico; dentre outros aspectos
da epistemologia da ciência histórica.
69

(...) no Brasil são relativamente tradicionais as Olimpíadas nos campos das ciências
da vida, exatas e tecnológicas como as já conhecidas Olimpíada Brasileira de
Matemática, de Química, de Física, entre outras, sempre associadas às ciências
exatas e naturais. Já o campo das ciências humanas, ainda que fundamental para a
formação intelectual e cognitiva e para a cultura científica entendida de forma mais
ampla e global, é ainda tema pouco privilegiado e as iniciativas em termos de acesso,
divulgação e inclusão são poucas ou pouco conhecidas. A divulgação científica ainda
se estende pouco para estes campos de competência – a história, a literatura, as
ciências humanas em geral – campos esses que ficam muitas vezes relevados a
“curiosidades menores” que adornam publicações científicas de cunho geral. Do
mesmo modo, uma vaga “curiosidade histórica” alimenta um mercado editorial
atento, mas não necessariamente criterioso, de forma que o interesse pela história
oscila entre um misto de erudição (mas sem muito peso) e de curiosidades
desalinhavadas, aos moldes de antigos almanaques ao estilo do “Eu sei Tudo”.
(MENEGUELLO, 2016, p. 2)

Consideramos que a metodologia utilizada no processo avaliativo da ONHB,


desenvolvida e implementada no ambiente acadêmico, possua uma grande potencialidade de
articulação com ações que possam ser implementadas na Educação Básica. Acreditamos que
uma das chaves da produção de conhecimento significativo está na utilização de documentos
fontes como ponto de partida para o estudo e a produção do conhecimento histórico por parte
de alunos e professores da Educação Básica.
Pudemos observar ao longo dos anos que a utilização de ambientes digitais de
aprendizagem repercutiu de modo significativo no processo de letramento digital dos
discentes, bem como também identificamos que a interatividade estimulada por ocasião da
participação na ONHB contribuiu para a formação de ambientes de aprendizagem
colaborativa, tanto em uma rede local, presencial e a distância, formada pelos componentes de
uma mesma equipe ou entre diversas equipes da mesma escola, chegando até mesmo a
envolver pessoas de outras cidades e regiões no processo de investigação colaborativa.
Acreditamos que as atividades propostas possam ter fomentado a criação do que chamamos
uma rede de pesquisadores interconectados pelas TDICs. Por fim, mas não menos importante
entendemos que a experiência com a ONHB contribuiu para a produção e divulgação do
conhecimento histórico através do que Costa & Lucchesi (2016) denominaram de
Historiografia Escolar Digital.
A referida experiência de articulação de saberes acadêmicos e saberes escolares
contribuiu também para o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, através da utilização
das diversas formas de aprender, utilizando experiências reais ou simuladas, criando situações
para que os estudantes solucionem problemas e enfrentem desafios oriundos da prática social
e em diferentes contextos.

Também merece destaque, como mecanismo de mediação entre a escola básica e a


70

universidade, a utilização dos ambientes digitais que, como efeito colateral, acaba por
estimular uma espécie de letramento digital a partir do contato com a dinâmica de uma
atividade realizada, quase que em sua totalidade, em ambiente digital de aprendizagem. Tais,
em muito contribuem bastante no sentido de desenvolver “habilidades individuais e sociais
necessárias para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito
crescente dos canais de comunicação digital” (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016, p.
17). Nesse sentido, percebemos uma estreita articulação com duas das competências gerais
apontadas pela BNCC, as competências 4 e 5, quando afirmam que os estudantes da Educação
Básica devem ser capazes de:

4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e


escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir
sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação
de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na
vida pessoal e coletiva. (BRASIL, 2018, p. 9).

Logo, é importante estimular atividades inseridas em um contexto social no qual são


enormes os “impactos das novas tecnologias sobre a língua, o letramento, a educação e a
sociedade como um todo” (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016, p. 16). Na visão de
Dudeney, Hockly e Pegrum (2016, p. 17), é de fundamental importância que a educação
contemporânea esteja voltada à formação de cidadãos globais que sejam capazes de se
envolver com as tecnologias digitais e ampliarem o “domínio dos letramentos digitais
necessários para usar eficientemente essas tecnologias”, e desse modo, possam “localizar
recursos, comunicar ideias e construir colaborações que ultrapassem os limites pessoais,
sociais, econômicos, políticos e culturais”.

Atualmente existem alguns trabalhos publicados cujo objeto de pesquisa de algum


modo se articula com a ONHB; a maioria dos trabalhos em questão selecionaram aspectos
específicos da dinâmica de funcionamento da olimpíada para estudar, como por exemplo a
descrição do formato e sua articulação com a Educação Histórica, a relação da prática com o
ensino médio integrado, as representações dos povos indígenas dentro das atividades da
olimpíada, a utilização do modelo de pontuação da ONHB como estratégia avaliativa na escola
básica, a representação dos grupos silenciados e excluídos da historiografia tradicional, dentre
outros.
O primeiro trabalho que se propôs a estudar a ONHB e seus impactos enquanto projeto
71

educacional articulado com a Escola Básica, foi Miranda (2013), em seu trabalho monográfico
de conclusão do curso de especialização em metodologia do ensino de História da
Universidade Estadual do Ceará em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), intitulado
“Projeto da ONHB na E.E.M. Tenente Mário Lima: Do ensino de história a educação
histórica”, defendido e publicado em 2013. O trabalho de Miranda (2013) busca fazer, através
de uma metodologia de observação participante, um estudo de caso da experiência vivida por
ele, como professor orientador de equipes olímpicas durante a 3ª e 4ª edições, 2011 e 2012,
em uma escola da rede estadual do Ceará. O referido trabalho é, dentre os que encontramos
dentro da mesma temática, o que mais se aproxima em termos teórico-metodológicos do
estudo que objetivamos realizar, uma vez que ele se propõe dentre outras coisas, a analisar a
experiência da ONHB à luz dos conceitos de Consciência Histórica e Educação Histórica,
como podemos perceber nas palavras do autor.

Analisando as atividades propostas pela ONHB, justificamos a construção de um


projeto que utiliza esta olimpíada científica como ferramenta para propor um
programa de estudos em Educação Histórica (ramificação dos estudos em Cognição
que visa compreender como pessoas aprendem História) estimulando o contato
direto de estudantes do ensino médio com fontes históricas, visando à construção de
uma Consciência Histórica (RÜSEN apud SCHMIDT; GARCIA, 2005). Para atingir
tal objetivo, tomamos por base os estudos de Lee (2001; 2003); Barca (2001; 2003;
2006); Meneguello (2011); dentre outros. (MIRANDA, 2013, p. 5).

Outro trabalho que se debruça sobre a ONHB enquanto objeto de estudo é o trabalho
dissertativo de Costa Júnior (2017) intitulado “A Olimpíada Nacional em História do Brasil -
ONHB e o Ensino Médio Integrado no IFRN”. Nela podemos encontrar um histórico da
ONHB contendo desde suas origens, o contexto no qual a olimpíada surgiu, seus principais
idealizadores, passando pela estrutura de funcionamento, regras de participação, organização
das fases, o formato das questões e demais atividades, diversos dados estatísticos sobre os
participantes até chegar em seu objeto principal de investigação, que é a análise dos possíveis
diálogos entre a ONHB e o Ensino Médio Integrado no IFRN, como o próprio autor afirma.

A presente dissertação teve como objetivo analisar se a ONHB age ou não como
facilitadora no desenvolvimento de práticas pedagógicas integradoras no Ensino
Médio Integrado, com base no PPP do IFRN. Dessa forma, discutimos sobre o
Ensino Médio Integrado, considerando os princípios orientadores da prática
pedagógica no IFRN e a proposta para o ensino de História nessa instituição;
desenvolvemos um estudo acerca da ONHB, considerando os seus objetivos,
características e contribuições para o ensino de História no Ensino Médio Integrado;
e analisamos as atividades propostas pela ONHB tendo como parâmetros os
princípios orientadores da prática pedagógica expressos no PPP do IFRN: a pesquisa
como princípio pedagógico; o trabalho como princípio educativo; o respeito à
diversidade; e a interdisciplinaridade. (COSTA JUNIOR, 2017, p. 144)
72

Outro trabalho que teve um objeto de pesquisa relacionado com a ONHB, e que foi
recentemente publicado foi o de Simas (2018). Em sua dissertação, o autor trabalha com a
proposta de analisar o ensino de História indígena dentro da sala de aula e a influência do uso
de documentos presentes nas questões da ONHB. Publicado com o título “Pensamento
histórico de estudantes da educação básica sobre a temática Indígena: Um estudo de caso a
partir de documentos e propostas da Olimpíada Nacional em História do Brasil”, a pesquisa
de Simas (2018) se aproxima do estudo que pretendemos realizar no que se refere a investigar
e refletir sobre as transformações processadas nas ideias dos estudantes, na chamada
consciência histórica . Porém, com o recorte específico da temática indígena e a não
abordagem acerca das contribuições das Metodologias Ativas e do uso das TDICs como
elemento importante na formação da rede de pesquisadores que aprendem de modo
colaborativo, bem como a ausência de uma análise sobre a dimensão formativa da ONHB,
bem como a falta de uma discussão sobre o papel da ONHB como espaço para a divulgação
de conhecimento Histórico, suficientemente nossos objetos e objetivos de pesquisa.

A principal motivação da pesquisa sobre o ensino de História com aproximação do


uso de documentos da ONHB se deu pelas minhas experiências docentes, pois ao
conhecer o trabalho desenvolvido por esse projeto percebi que o mesmo poderia
trazer contribuições significativas para pensar o ensino de histórias e culturas
indígenas na perspectiva do trabalho do historiador. A metodologia apresentada pela
ONHB foi problematizada com base no estudo da Didática da História, procurando
buscar evidências e possíveis aproximações do projeto de extensão com a ciência de
referência, considerando os avanços na área do Ensino de História Indígena.
(SIMAS, 2018, p. 41)

Também gostaria de destacar o trabalho publicado por Pinheiro (2018), cujo foco é o
estudo do sistema avaliativo utilizado pela ONHB e a proposição de um método de avaliação
a ser utilizado na escola básica, baseado no sistema de avaliação em questão. Em seu trabalho,
Pinheiro (2018) propõe o desenvolvimento e a aplicação no Ensino Médio de um modelo de
avaliação objetiva de múltipla escolha semelhante ao utilizado na ONHB, ou seja, onde existe
apenas uma alternativa errada e demais apresentam níveis diferentes de proficiência. Em seu
trabalho, a professora Laira Pinheiro propôs o desenvolvimento do que ela chamou de Guia
Prático para Professores do Ensino Médio: A prova Objetiva no Ensino de História e o Sistema
de Múltiplas Escolhas e Pontuações. Seus principais referenciais teóricos são oriundos da
educação, nomes como Cipriano Carlos Luckesi, Jussara Hoffmann, Vasco Pedro Moretto e
Philippe Perrenoud dentre outros. Consideramos muito interessante o trabalho da colega
professora e acreditamos que suas contribuições serão importantes quando por ocasião da
elaboração das metodologias avaliativas que proporemos dentro da disciplina eletiva que
73

propomos ofertar como produto de intervenção escolar. Entendemos que a proposta de modelo
avaliativo formulada por Pinheiro (2018) está em consonância com a teoria da Educação
Histórica e se propõe a valorizar o processo de formação da consciência histórica, como
podemos perceber em suas palavras.

Dessa forma, pensar, discutir e propor novas possibilidades de avaliação de


aprendizagem no ensino de História colabora para que não se reproduza a lógica
binária aprovação/reprovação do educando, mas sim que esse processo possa ser
exercido de forma dialógica, para que o professor consiga associar de forma profícua
metodologia de ensino e avaliação de aprendizagem, bem como o aluno possa
compreender o equívoco no seu raciocínio, evidenciando o processo dialético do
ensino de História. (PINHEIRO, 2013, p. 47)

Portanto, é compreendendo que as pesquisas acerca do Ensino de História precisam ser


realizadas levando em consideração os saberes e fazeres dos profissionais de História, em toda
a amplitude e universo de atuação dos professores/pesquisadores, contribuindo de tal modo
para superar as pesquisas cujas abordagens têm foco nas perspectivas ditas pedagógicas.
Pretendemos, no segundo capítulo desse trabalho dissertativo, realizar uma investigação
acerca dessa metodologia que a própria ONHB define como: “uma proposta inovadora de
estudar a história do Brasil, abordando temas fundamentais a partir de documentos históricos,
imagens, mapas, textos acadêmicos, pesquisas inéditas e debates historiográficos”10.
Pretendemos, a partir da experiência obtida nesses anos como participante da olimpíada, e a
partir do contato como os diversos segmentos envolvidos no processo, professores
orientadores, alunos olímpicos, coordenação da ONHB e professores elaboradores da
olimpíada, das recentes pesquisas sobre o tema e, sobretudo, da documentação disponível,
levantar dados que contribuam na construção de nosso produto educacional, que será uma
proposta de disciplina eletiva a ser ministrada na E.E.M.T.I. - Escola de Ensino Médio em
Tempo Integral Walter Sá Cavalcante, que descreveremos posteriormente com maiores
detalhes, desde a justificativa, passando pelos objetivos, pela proposta teórico-metodológica,
pela ementa, público alvo, planejamentos dos encontros e atividades, materiais a serem
utilizados até chegar às formas de avaliação.

10
Texto disponível em https://www.olimpiadadehistoria.com.br/paginas/onhb10/home> acessado em 18 de
novembro de 2018.
74

CAPÍTULO 2 – MENOS ENSINO E MAIS APRENDIZAGEM: AS


METODOLOGIAS ATIVAS A SERVIÇO DE UMA EDUCAÇÃO
SIGNIFICATIVA, E DO PROTAGONISMO DISCENTE

Atualmente, vivemos em uma sociedade bastante permeada pelo uso de novas


tecnologias, na qual o modo como lidamos com as demandas individuais e coletivas é cada
vez mais mediado por soluções que, via de regra, se utilizam das TDICs. Os táxis perderam
quase que completamente o espaço para os transportes por aplicativo, são cada vez mais raros
os pedidos de refeição ou de qualquer outro produto ou serviço através de chamada telefônica,
os serviços via aplicativos estão se multiplicando de modo muito rápido e intenso, chegando
a ocupar por completo o espaço que antes era preenchido por outro modo de serviço. As
instituições bancárias, por exemplo, investiram pesadíssimo na busca por desenvolvimento de
produtos digitais e segurança de modo a estimular seus clientes a realizarem suas transações
digitais e hoje pouco dependerem de agências físicas, e talvez as mantenham como referência
e/ou por conta da cultura do presencial que ainda permanece em clientes mais antigos. Porém,
já existem inclusive instituições bancárias totalmente digitais, que já nasceram nesse contexto,
que são fruto desse novo universo fluido, e nem mesmo possuem as chamadas agências físicas,
uma vez que seus clientes, dentro da mesma perspectiva de Levy (2003), compreendem o
virtual como uma extensão do real e estão confortáveis com essa nova realidade. As
transformações patrocinadas pelos avanços tecnológicos também chegaram forte aos nossos
lares, e não apenas através dos já bem conhecidos smartphones e smart tvs, mas também via
a chamada internet das coisas, que deu início a um processo de “smartizazão” de tudo, desde
a aparentemente simples máquina de lavar, passando por incríveis geladeiras inteligentes, até
chegar às diversas possibilidades de automação residencial. Esse fenômeno de digitalização
dos processos chegou até mesmo às formas de certificações de qualidade e de competências,
e vão desde as emitidas pelo próprio poder público, como diplomas de conclusão de graduação,
carteira nacional de habilitação e títulos de eleitor, dentre outros, passando pelos selos de
autenticidade de produtos até chegar aos próprios certificados que identificam e autorizam a
atuação de profissionais, que estão cada vez mais sendo emitidos digitalmente. Diante desse
fenômeno descrito, desse contexto de avanço das TDICs, precisamos pensar que para educar
pessoas, de modo significativo, para interagirem e atuarem no mundo no qual nos inserimos,
requer no mínimo que nos sensibilizemos e olhemos de modo mais atento a realidade que nos
cerca.
Temos consciência de que nem tudo é positivo nesse processo de avanço das
75

tecnologias na vida humana, muita coisa precisa ser ponderada e analisada. Há problemas que
vão desde a esfera comportamental, como por exemplo o cyberbullying, a superexposição e os
diversos distúrbios comportamentais relacionados, muitas vezes, do uso excessivo de
tecnologia e da relação de dependência estabelecida entre o usuário e os gadgets11, passando
por questões mais estruturais como a eliminação de postos de trabalho, nas quais atividades
profissionais humanas se tornam obsoletas ou mesmo desaparecem ante aos processos de
automação, passando por processos de fragilização e, em alguns casos, perda de habilidades
humanas específicas, tais como a capacidade de guardar informações na memória e a escrita à
mão com grafia cursiva, até chegar ao lamentável fenômeno de precarização das relações de
trabalho onde os novos sistemas de gerenciamento de serviços via aplicativos vendem a ideia
de uma lógica de trabalho inovadora, flexível e mais livre, vendem a imagem e o conceito de
empreendedorismo agregado, mas na verdade exploram a mão de obra de trabalhadores que
são expostos a situações precárias de trabalho e sem nenhuma proteção da legislação
trabalhista.
Enfim, poderíamos ficar por bastante tempo elencando e debatendo acerca de como
praticamente tudo, em menor ou maior grau, sofreu algum tipo de impacto e se transformou a
partir das TDICs, mas, em consonância com nossos objetivos específicos nesse trabalho,
vamos focar no modo como as pessoas mudaram, ao longo do tempo, seu modo de interagir
com as informações, de consumir conteúdo e, sobretudo, o modo como aprendem.
Considerando que, desde as sociedades mais antigas, o conhecimento tem se constituído um
privilégio e, por muitas vezes, elemento fundamental de distinção social, se informar, buscar
conhecimento e aprender deveria ser um desejo humano natural e inquestionável. Porém,
cientes do poder e do prestígio que o conhecimento e a sabedoria podem conferir a um
indivíduo, alguns grupos sociais decidiram tutelar o acesso à informação e ao conhecimento,
tornando o que deveria ser um direito universal e inalienável em mercadoria cara e cobiçada
e/ou instrumento poderoso de distinção social e manutenção de privilégios. Foi então que,
ainda durante a antiguidade, o conhecimento se tornou um importante e eficiente instrumento
de manutenção do poder e prestígio dos nobres e bem-nascidos, que tinham o direito e o
privilégio do acesso à educação, enquanto a maioria dos membros da sociedade só aprendiam
o suficiente para realizar o trabalho produtivo a eles designado.
Mais tarde, durante a Idade Média europeia, não fora muito diferente, pois na ocasião

11
Gadget ou gizmo é uma gíria tecnológica pra designar dispositivos eletrônicos portáteis, criados para facilitar
funções específicas e úteis no cotidiano, que possuem inovações tecnológicas, são produzidos de modo
inteligente ou com desenho mais avançado.
76

a Igreja Católica dominou o acesso às informações e a cultura letrada em geral, tutelando a


tudo e a todos, arbitrando e determinando padrões de comportamento. Mais adiante, na
transição da Idade Média para a Moderna, o fenômeno conhecido como Renascimento
promoveu uma maior difusão das artes e da ciência, embora o acesso ao saber continuasse
distante das camadas mais simples e menos abastadas da sociedade. Durante o século XVIII,
no chamado século das luzes, inserido no contexto de um movimento filosófico conhecido
como iluminismo, uma significativa parcela da população compreende que o acesso às
informações, às artes, à ciência e à cultura de um modo geral, era elemento indispensável para
a ascensão social e importante instrumento na luta contra a opressão imposta por determinados
grupos de privilegiados, como a nobreza, por exemplo. Nesse contexto de mudanças ocorridas
no mundo a partir do século XVIII, a partir da ascensão da burguesia ao poder, nos permite
identificar que a burguesia passou a se esforçar para deter o monopólio do conhecimento como
estratégia de manutenção de poder.
Portanto, as pessoas que durante muito tempo se informavam de modo espontâneo e
ativo, ou seja, buscando por seu próprio interesse e pesquisando livremente, passaram a ter o
acesso às informações e instruções tuteladas pelo Estado, que autorizava o funcionamento de
instituições selecionadas previamente para exercer funções relacionadas difusão de
informação, instituições essas supostamente habilitadas para tal fim, como as rádios, os jornais
e as emissoras de TV, no que se refere às informações de um modo geral, e às escolas e
universidades, no que diz respeito à educação formal. Tais instituições passaram a exercer a
função de curadoras do saber de toda sociedade. Portanto, o acesso às informações, à instrução
e ao próprio conhecimento se deu, durante os séculos XVIII, XIX e até o finalzinho do século
XX, de modo tutorado, controlado e mediado pelo Estado e/ou pelas instituições.
Como vimos, durante praticamente os últimos três séculos estivemos acostumados a
receber informações por via institucional e de modo passivo. Logo, perdemos um pouco a
prática de pesquisar, a curiosidade investigativa, e muitas das habilidades necessárias e
intimamente relacionadas a metodologia pesquisa e o desenvolvimento do conhecimento,
como a criatividade, a inventividade, a capacidade interpretativa, a sensibilidade de perceber
e identificar evidências, a capacidade de formular hipóteses com base nas evidências
identificadas dentre outras. Porém, a partir das últimas décadas do século XX, e notadamente
durantes as primeiras décadas do século XXI, vivenciamos o surgimento de uma nova cultura,
de um novo paradigma de produção e circulação de informação e de produção de
conhecimento, caracterizado pela aprendizagem ativa, pela pesquisa colaborativa, pela
mentalidade questionadora, pela aprendizagem baseada na resolução de problemas, pelo
77

rompimento de diversas formas de fronteiras, das geográficas às culturais, e pela formação de


uma comunidade aprendente global, para as quais as TDICs foram instrumentos fundamentais
de libertação e campo fértil de desenvolvimento intelectual.
Atualmente, é cada vez menor a incidência dos diversos instrumentos de controle e
regulação de acesso à informação e de difusão do conhecimento. As inúmeras formas de
regulação da informação, tais como a moral, a ética e até mesmo a política ou econômica,
praticamente desmoronaram e deram lugar a um contexto altamente libertário de produção e
difusão de informação, fato que tem seus prós e contras, ou como diz Lévy (1999), é ao mesmo
tempo veneno e remédio, mas não faremos essa discussão nesse momento, pois o que estamos
destacando do momento é a enorme disponibilidade de informação acessível e há apenas um
click de nós.
Voltando ao ponto que nos é mais caro nessa discussão, que é o modo como as pessoas
se relacionam com as informações, como produzem conhecimento, como aprendem e,
sobretudo, como tudo isso tem se transformado significativamente nas últimas décadas,
tomemos como exemplo o rádio e a televisão, meios de comunicação símbolos do século XX
e da sociedade pós revolução industrial, que não resistiram incólumes às transformações
advindas das TDICs e dos novos paradigmas de consumo de conteúdo.
Contemporaneamente poucas pessoas veem tv de modo passivo, assistindo a uma
programação fixa e predeterminada, pois a partir da popularização da internet, mormente após
a massificação dos serviços de stream, as pessoas montam sua própria programação, definindo
o conteúdo e ser consumido, e definem quando, onde e como irão consumir. Com o rádio não
foi diferente, muitas emissoras já migraram totalmente para a internet e disponibilizam seus
conteúdos em websites ou via aplicativos, embora a maioria ainda mantenha a plataforma
tradicional de radiodifusão. Rádio e TV sofreram bastante os impactos das TDICs e tiveram
que se adaptar às novas exigências de mercado, fazendo surgir em um primeiro momento as
tvs por assinatura e mais contemporaneamente os serviços de streaming, com incrível
penetração social, como por exemplo o Youtube, o Spotify, a Netflix, a Amazon Prime, a
GloboPlay, dentre tantos outros.
Pois bem, é exatamente no contexto dessa sociedade em profunda transformação nos
padrões de comportamento, sobretudo no que concerne ao jeito como consome informação e
como aprende, que se encontra inserida a escola básica, cujo público alvo é composto pelos
indivíduos mais intensamente impactados por toda essa nova cibercultura, permeada pelas
novas ferramentas digitais, pelos novos modos colaborativos de aprendizagem, e cujo mindset
está interconectado a todo esse contexto. Infelizmente, com poucas e louváveis exceções, as
78

escolas da educação básica, e até mesmo algumas universidades, estão na contramão desse
movimento. Ao observamos atentamente as unidades escolares, sejam as da educação básica
ou superior, perceberemos que sua essência e estrutura básica se mantiveram sem grandes
alterações durante os últimos séculos. Ainda insistimos em um tipo de escola inspirada no
modelo de produção industrial, com propostas de educação massificada, currículos
padronizados e prescritos para alunos organizados em séries, divididas por faixas etárias, onde
alunos são submetidos as mesmas experiências educativas uns dos outros, sem respeitar sua
individualidade, a diversidade de modos de aprender, os múltiplos tipos de inteligências, os
diferentes ritmos e caminhos de aprendizagem. Portanto, podemos concluir que tais modelos
escolares pressupõe a existência de uma escala uniforme e linear de desenvolvimento
intelectual. O padrão geral dos modelos escolares trabalha, impõe regras, horários, e padrões
de comportamento a serem seguidos, não previamente discutidas e acordadas com a
comunidade discente, além de exigirem o uso de uniformes e de ainda usarem sirenes, que em
muito lembram o típico apito das fábricas. Nesse modelo de escola, claramente inspirado na
disciplina de controle do operário fabril, o professor é a figura central do processo educacional,
o detentor do saber, portanto, o foco das ações está no ensinar, isso é o que importa. O
estudante não é estimulado a ser protagonista do próprio processo de aprendizagem, e as
práticas pedagógicas são focadas em acumular o maior volume possível de informações. Como
podemos perceber, esse modelo de educação bancária, no qual o estudante é tratado como
mero expectador passivo, sendo-lhe negado o protagonismo de aprendiz ativo, em pouco
contribui para o desenvolvimento de habilidades e competências verdadeiramente
significativas e libertadoras, pois como diz Freire (1996. p.27) “Ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
Infelizmente, a escola básica contemporânea tarda a perceber o fato de que sua inserção
na contemporaneidade só se dará de modo eficiente e significativo mediante uma abertura para
o novo e, sobretudo, pela conscientização de que o uso do argumento de autoridade e das
metodologias passivas tradicionais não são suficientes para sensibilizar, gerar engajamento e
impactar positivamente as novas gerações. Não é à toa que assistimos a inúmeras crises no
contexto escolar que vão desde as queixas relacionadas a falta de interesse dos estudantes,
passando pela indisciplina, falta de concentração, dentre tantas outras queixas, a ponto de
alguns pais chegarem a cogitar medidas radicais e polêmicas como a retirada dos filhos da
escola e fazerem opção pela polêmica educação domiciliar ou homeschooling.

Encontra-se bastante difundida, entre os professores, a percepção de que os alunos


estão cada vez mais desinteressados pelos estudos e reconhecendo menos a sua
79

autoridade. A “indisciplina”, fenômeno muito referido, mas pouco refletido pelos


professores, passou a ser vista como grande obstáculo ao processo educativo. Os
alunos também se sentem desrespeitados pelos professores e consideram suas
“aulas” monótonas e sem sentido. À vista dessas representações mútuas, a
aprendizagem, que deveria ser a razão central do encontro desses atores no contexto
escolar fica bastante comprometida, como evidenciam diversos estudos. (SANTOS;
SOARES, 2011 p. 356)

Porém, as escolas mais atentas, mais antenadas, conseguem perceber que já passou da
hora de se abrir para a educação 4.0, um modelo de educação caseado no learning by doing,
no experienciar, no colocar a mão na massa, no protagonismo do aluno enquanto sujeito ativo
no processor de aprendizagem. De acordo com José Morán (2015), as instituições
educacionais mais atentas às transformações e aos rumos do mundo, percebem que existe a
possibilidade de dois caminhos a seguir, um de adequação mais suave e paulatina, e outro mais
amplo, com mudanças mais profundas, mas em ambos os casos, o caminho passa pela inserção
de metodologias ativas, uma vez que o foco deve estar na promoção de um envolvimento
maior do aluno, no estímulo ao aprender e a aprender.
Diante da ampliação das formas de acesso à informação, dentro do contexto de uma
sociedade para a qual o conhecimento está há um click de distância, é natural que estudantes
não aceitem instruções dogmáticas, esquemas fechados, pressupostos científicos doutrinários
e expostos, muitas vezes, sem grandes reflexões, observação empírica ou debates como
estratégia de mediação da construção de conhecimento. Também não estranhamos que nesse
contexto escolar por nós descrito, apareçam tantos diagnósticos de transtornos como o TDAH
– Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e o TOD – Transtorno Opositivo-
Desafiador, uma vez que consideramos que o modelo de educação passiva contribui, de algum
modo, para a apatia dos discentes ante aos processos de ensino/aprendizagem, uma vez que as
metodologias passivas pouco envolvem os estudantes em atividades desafiadoras de
construção de conhecimento e não estimulam uma postura ativa por parte do discente. Além
disso, a exposição dos conteúdos curriculares feita de modo tradicional, ou seja, centrada na
figura do professor, pode soar autoritário e impositivo, tendendo a não levar em conta os
saberes prévios dos alunos, suas experiências de vida, e todo o conhecimento por eles
construído através dos mais diversos percursos, que vão desde os mais clássicos, como suas
leituras, passando por modos alternativos de aprender como o uso dos filmes, séries, podcasts,
viagens, visitas a instituições de história e memória, contatos com a tradição oral, interação
com elementos da cultura material e imaterial, como pinturas, esculturas, músicas, danças, arte
em geral, dentre outras tantas possibilidades de se aprender lendo o mundo ao nosso redor.
Porém, não é nossa intenção afirmar a inexistência dos referidos transtornos, em absoluto,
80

apenas estamos tentando compreender que fatores podem ter contribuído para o aparente surto
desses tipos de transtorno na contemporaneidade, ou pelo menos para o agravamento dos
sintomas observados nos casos já existentes, bem como relativizar alguns diagnósticos
possivelmente precipitados. Vivemos em uma sociedade exposta cotidianamente a estímulos
incontáveis e multissensoriais, muitas telas, sons e cores; verdadeiras centrais multimidia são
portadas por nós, cotidianamente em nossos bolsos, onde temos na palma das mãos, músicas,
filmes, séries, jogos, realidade aumentada etc. Enfim, diversos tipos de estímulos estão ao
alcance da mão. Logo, como poderíamos gerar engajamento por parte dos alunos se, muitas
vezes, antes mesmo de estabelecermos sequer vínculos afetivos com eles, investimos em
longas, cansativas e desestimulantes exposições orais e escrevemos grandes quantidades de
informações no quadro. Acreditamos que esse modelo expositivo, passivo, que não é capaz de
gerar engajamento, não estimula o desejo de aprender, não fomenta o olhar crítico,
questionador e investigativo, mas muito pelo contrário, contribui para a reprodução de um
modelo de ensino/aprendizagem baseado na baixa reflexividade e na mecânica memorização
de informações.

Nas últimas décadas, a relação professor-aluno tem-se tornado mais complexa e


tensa, em razão do entrelaçamento de fenômenos contemporâneos diversos. O
agravamento da desigualdade e da exclusão social e de outros problemas em grande
parte delas decorrentes, como a violência doméstica e social, a prostituição, o tráfico
de drogas, afeta a vida das crianças e jovens e concorre para consolidar a descrença
na escola como meio de ascensão social(...) Também o desenvolvimento das
tecnologias da informação e da comunicação provocou uma reação em cadeia em
todas as instâncias sociais, entre elas as educacionais. Diante das novas
possibilidades de acesso à informação, a organização escolar atual não atende a
necessidade real dos alunos, o que provoca falta de interesse pela escola, pelos
conteúdos e pela forma como os professores conduzem suas aulas. (SANTOS;
SOARES, 2011 p. 355).

Pois bem, é diante desse cenário que enxergamos um contraste entre um ambiente
escolar que, via de regra, pouco se transformou ao longo dos últimos três séculos, tanto em
sua estrutura física quanto em seus paradigmas teórico-metodológicos e a juventude desse
“admirável mundo novo”, a chamada Geração Z, nascida após o ano 2000, geração essa que
foi a primeira a já nascer em um mundo solidamente dominado pela internet, pelas mídias
digitais e pela cibercultura. Portanto, o que estamos defendendo é a necessidade da escola
caminhar ao encontro desses estudantes, utilizando metodologias ativas de
ensino/aprendizagem, oportunizando a esses jovens estudantes o contato com o método
científico de produção de conhecimento, como o método investigativo, com o aprender pela
pesquisa, com práticas de aprendizagem colaborativa, com estratégias de aprendizagem
81

pautadas no desenvolvimento de habilidades e competências a partir de atividades


contextualizadas e por desafios cognitivos que propiciem uma vivência dos fenômenos através
da observação e da experimentação. Nesse sentido, estamos em consonância com o que
prescreve a BNCC, que estabelece como um dos mais importantes objetivos do ensino da
História na Educação Básica, a promoção de atividades capazes de:

(...) estimular a autonomia de pensamento e a capacidade de reconhecer que os


indivíduos agem de acordo com a época e o lugar nos quais vivem, de forma a
preservar ou transformar seus hábitos e condutas. A percepção de que existe uma
grande diversidade de sujeitos e histórias estimula o pensamento crítico, a autonomia
e a formação para a cidadania. A busca de autonomia também exige reconhecimento
das bases da epistemologia da História, a saber: a natureza compartilhada do sujeito
e do objeto de conhecimento, o conceito de tempo histórico em seus diferentes ritmos
e durações, a concepção de documento como suporte das relações sociais, as várias
linguagens por meio das quais o ser humano se apropria do mundo. Enfim,
percepções capazes de responder aos desafios da prática historiadora presente dentro
e fora da sala de aula. (BRASIL, 2019, p.398-399).

Estamos vivenciando contemporaneamente, em muitos campos da vida humana, um


processo no qual a tendência é a personalização no atendimento das necessidades específicas
dos indivíduos. Isso ocorre devido a enorme pluralidade humana e por sermos tão diversos
entre nós, o que nos exorta a pensar acerca da necessidade de abordagens também bastante
plurais e diversificadas no que se refere aos modos de ensinar/aprender. A customização das
estratégias de ensino/aprendizagem se faz necessária ante ao universo de realidades, de
aptidões, de dificuldades, de contextos socioafetivos e de histórias de vida encontradas em
nossos contextos educativos. Essa enorme diversidade humana nos impele a buscar
abordagens múltiplas, e cada vez mais customizadas, para melhor atingir nossos objetivos de
aprendizagem. Nesse sentido, o professor exerce um novo e diferente tipo de protagonismo,
atuando como um verdadeiro designer de estratégias educativas cada vez melhor adequadas
aos contextos educacionais nos quais ele se insere. Esse processo de customização dos
processos de ensino/aprendizagem não se restringe às questões metodológicas e/ou didáticas,
muito pelo contrário, avançam também sobre outros campos, como por exemplo a discussão
acerca das propostas matrizes curriculares, modos de avaliar, dentre outras. Acreditamos que
a escola não pode ser um espaço hermético, distante e isolado das tendências sociais, ao
contrário disso, a escola deve atuar como ambiente mediador entre os jovens em formação e a
vida em sociedade, prepará-los para atuar socialmente de modo eficiente e ético, para enfrentar
os desafios do mundo real com desenvoltura, empatia e senso de justiça. Vejamos o que diz
José Morán acerca do debate que estamos propondo.
82

A escola padronizada, que ensina e avalia a todos de forma igual e exige resultados
previsíveis, ignora que a sociedade do conhecimento é baseada em competências
cognitivas, pessoais e sociais, que não se adquirem da forma convencional e que
exigem proatividade, colaboração, personalização e visão empreendedora.
(MORÁN, 2015, P 16)

Nesse momento, gostaríamos de propor uma discussão mais aprofundada acerca do


que entendemos por personalização ou customização da educação, para que não sejamos mal
compreendidos, o que poderia levar interpretação equivocada do que entendemos por
educação customizada. Na sociedade contemporânea, estamos assistindo ao forte crescimento
da oferta de produtos e serviços que partem da premissa da exclusividade; são produtos ou
serviços comumente denominados como privé e privilège etc, através dos quais o consumidor
compra a ideia do tratamento diferenciado, totalmente personalizado e individualizado. Há
também os serviços ou produtos que vendem a ideia de entregar algo a mais, comumente
denominados de prime e plus, nos quais a ideia chave é sair na frente, ter acesso a algo a mais
ou melhor do que o público em geral comumente tem acesso. Existem ainda os produtos e
serviços do tipo personnalité e exclusive, que vendem a ideia do tratamento diferenciado,
exclusivo e personalizado, feito de modo customizado para indivíduos especiais. Essa lógica
se aplica a diversos seguimentos socioeconômicos, tais como banco, espetáculos culturais,
sistemas de transporte, restaurantes, dentre outros, e ficou conhecida popularmente como
‘camarotização” ou “gourmetização”. Desse modo, esses tipos de serviços personalizados, por
partir de premissas individualistas, egoístas e mesquinhas, acabaram nos fazendo construir
uma imagem negativa da customização e do atendimento personalizado, que em sua essência
mais pura é a ideia de tratar indivíduos de modo individual, ou seja, respeitando suas
particularidades e suas necessidades específicas, sem agir em detrimento aos direitos coletivos,
o que inclusive é um princípio constitucional. A Constituição de 1988 estabelece que o
princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam
tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades” (BRASIL, 1988).
Há importantes indícios, vindos de outras áreas, que nos dão pistas do quanto o
atendimento personalizado pode ser positivo e eficiente, serviços como os ofertados por
farmácias de manipulação, que preparam compostos a partir de prescrição personalizada, com
as proporções específicas para determinado paciente, ateliês de costura que produzem peças
de vestuário sob medida e desse modo conseguem atender a indivíduos que não se encaixam
nos padrões cobertos pela produção em série das indústrias, os personal trainers, que
prescrevem e acompanham os treinos e a evolução de seus alunos dentro de suas possibilidades
83

e particularidades físicas, dentre tantos outros tantos produtos e/ou serviços que podem ser
customizados, respeitando assim a enorme diversidade humana. Em contrapartida, na
educação as redes escolares, públicas e privadas, lamentavelmente insistem no caminho da
produção em série e na padronização do atendimento, logo em uma atividade tão complexa e
que tantas especificidades envolve, como é o caso da aprendizagem humana. Talvez isso
decorra do fato de termos muitas instituições de ensino, quando na verdade deveríamos ter
mais instituições de aprendizagem. A principal diferença em mover o foco do ensino para a
aprendizagem reside no fato de que a atenção principal passa a estar realmente sobre o
principal objetivo do processo, que é aprender, e levaria a reflexões sobre as necessidades
específicas dos alunos e em seu processo de aprendizagem.
Feitas as devidas reflexões sobre ensino personalizado, gostaríamos de deixar claro
que não estamos sendo ingênuos, pois sabemos que as políticas educacionais, tanto na esfera
pública quanto na privada, passam inevitavelmente pela questão dos custos e, portanto, não
estamos defendendo um atendimento totalmente individualizado, personalizado para cada
estudante, mas sim um meio termo entre essa educação massificada, padronizada e generalista,
feita em escala industrial e um modelo como uma maior customização das ações didáticas,
que possa se adequar melhor aos múltiplos contextos que encontramos no cotidiano das
escolas e salas de aula, algo mais artesanal, no melhor sentido do termo, onde a arte/ciência
do ofício de professor/historiador seja utilizada para desenhar situações de aprendizagem
estimulantes, significativas, que promova engajamento, que estimulem o olhar crítico e uma
postura questionadora, em outras palavras, que as ações didáticas tenham o aluno como foco
principal, que o professor/historiador atue como curador, como argumentam (BARBOSA;
MOURA, 2013, p.55) que afirmam que em um ambiente de aprendizagem ativa, o professor
atua como orientador, supervisor, facilitador do processo de aprendizagem, e não apenas como
fonte única de informação e conhecimento. Portanto, cabe ao professor selecionar materiais,
organizar situações de aprendizagem e promover ações através das quais os discentes possam
construir conhecimento e

Adquirir as ferramentas de trabalho necessárias para aprender a pensar


historicamente, o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lançando os germes do histórico.
Ele é o responsável por ensinar ao aluno captar e valorizar a diversidade das fontes
e dos pontos de vista históricos, levando-o a reconstruir, por adução, o percurso da
narrativa histórica. Ao professor cabe ensinar ao aluno como levantar problemas,
procurando transformar, em cada aula de história, temas e problemáticas em
narrativas históricas. (SCHIMIDT; CAINELLI, 2004. p. 30).

Uma alternativa interessante para caminhar nesse sentido são as Metodologias Ativas
84

de ensino aprendizagem, que segundo Barbosa e Moura (2013, p.55) ocorrem quando o aluno
interage com o assunto em estudo – ouvindo, falando, perguntando, discutindo, fazendo e
ensinando – sendo estimulado a construir o conhecimento ao invés de recebê-lo de forma
passiva através do professor. As referidas metodologias apresentam uma significativa
quantidade de estratégias inovadoras de ensino/aprendizagem que contribuem para um maior
engajamento dos discentes, retirando o foco do ensino e jogando luz sobre a aprendizagem.
Nesse sentido, o aluno se torna mais responsável pela própria aprendizagem e atua como
sujeito ativo na construção do próprio conhecimento.
Cremos que as metodologias ativas se constituem em estratégias eficientes de
aprendizagem através da vivência de experiências mais próximas das situações reais, nas quais
o conhecimento é mobilizado de modo mais natural, bem próximo do que nas situações de
aprendizagem não formais que permeiam no cotidiano. Portanto, dentro do contexto da
educação formal e escolarizada, as ferramentas que mais se aproximam do modo como
aprendemos em nosso cotidiano são as metodologias ativas, através das quais podemos
experienciar a aprendizagem em pares e/ou em grupos, a aprendizagem baseada em problemas,
dentre outros tantos modos de aprender nos quais os estudantes são os sujeitos ativos e
principais responsáveis pelo processo de aprendizagem. Nesse sentido, as metodologias ativas
de aprendizagem contribuem para a construção de uma aprendizagem realmente significativa,
que não se baseia apenas na memorização descontextualizada de informações; promove a
integração das áreas de conhecimento, uma vez que nas situações reais de aprendizagem, ou
nas simulações, a exemplo do que ocorre na vida real, os conhecimentos não se apresentam
isolados nas caixinhas das disciplinas; estimula uma postura reflexiva, uma vez que em
situações reais, simuladas ou mesmo a partir da análise das evidências históricas, os discentes
se deparam com questões de ordem moral, ética, dentre outras; contribui para o
desenvolvimento da criticidade, uma vez que são defrontados com questões complexas da
existência humana e dos diversos modos de organização social, o aluno precisa questionar as
informações disponíveis e, invariavelmente, aprofundar o conhecimento acerca daquela
realidade e/ou contexto; desafia os estudantes a analisar a situação, refletir, formular hipóteses
e propor intervenções/soluções para diversas questões a eles apresentadas.
É provável que algumas pessoas, mesmo diante de tantas evidencias e indícios que
apontam para os impactos positivos das práticas pedagógicas pautadas pelas de metodologias
ativas, ainda resistam em construir estratégias didáticas baseadas nos princípios norteadores
das referidas metodologias. Esse fenômeno pode ser compreendido de diversos modos, desde
a concepção de que as metodologias ativas são mais um modismo, dos tantos que aparecem e
85

desaparecem de tempos em tempos na educação, passando pelos que não se sentem seguros
em abrir mão do controle sobre o tempo pedagógico, e acreditam na eficácia da aula centrada
no professor gestor das ações didáticas, centradas na ação do mestre e na demonstração, tendo
ainda os que consideram que as atividades didáticas com foco no aluno consomem muito
tempo e dificultam o cumprimento dos conteúdos curriculares, até chegar aos que temem o
novo, não se sentem confortáveis partilhar o protagonismo com os discentes, consideram que
as tecnologias são meros adereços, penduricalhos, apenas ilustrações, adereços e pura
pirotecnia que, na maioria das vezes, desviam o foco do que realmente importa que é a aula
expositiva, centrada no professor, o especialista e sujeito melhor capacitado gerir o processo
de ensino/aprendizagem.

Encontramos nas instituições educacionais um número razoável de professores que


estão experimentando estas novas metodologias, utilizam aplicativos atraentes e
compartilham o que aprendem em rede. O que predomina, no entanto, é uma certa
acomodação, repetindo fórmulas com embalagens mais atraentes, esperando
receitas, num mundo que exige criatividade e capacidade de enfrentar desafios
complexos. Há também um bom número de docentes e gestores que não querem
mudar, que se sentem desvalorizados com a perda do papel central como
transmissores de informação e que pensam que as metodologias ativas deixam o
professor em um plano secundário e que as tecnologias podem tomar o seu lugar.
(MORÁN, 2015, p. 27)

Pois bem, seria muito fácil responsabilizar o professor pela não adesão imediata e sem
receita às propostas da chamada educação 4.0, inclusive alegando tudo o que elencamos como
fatores que afastam muitos colegas das práticas não centradas no professor. Porém, é preciso
perceber que por trás do já mencionado receio que alguns colegas nutrem acerca de propostas
educacionais menos ortodoxas, existe uma significativa carga cultural construída ao longo de
muitos anos de práticas docentes nas quais o professor e o ensino eram o foco. Muitas dessas
práticas nem sequer “parecem ensino”, uma vez que o papel do professor se desenvolve bem
mais nos bastidores, no planejamento e na mediação, do que efetivamente no palco já
sacralizado da sala de aula. Portanto, precisamos observar que durante muitos anos, ensinar
era a ação central e mais valorizada do labor docente.
É provável que muitos dos colegas professores tenham escolhido a profissão inspirados
que foram por grandes professores que passaram por suas vidas em algum momento de sua
formação e, mesmo que inconscientemente, reproduzem muitas vezes práticas daqueles de
seus mestres. Porém, é preciso observar que as práticas de nossos antigos e queridos mestres
são datadas, estão inseridas em um contexto histórico específico, e mesmo que funcionassem
bem naquele contexto, talvez não funcionem bem diante de outra geração de estudantes,
86

inseridas em um outro contexto histórico bastante diferente. Também é possível, que alguns
professores tenham certo apego por monopolizar a atenção em sala de aula, gostem de falar
em público e de serem admirados por seu conhecimento e habilidades didáticas. Não
desejamos fazer aqui nenhum juízo de valor quanto a isso, sobretudo porque entendemos ser
absolutamente compreensível nutrir um certo orgulho pelo bom trabalho realizado, pelo
compromisso, dedicação e zelo com o qual desempenhamos nossa atividade profissional,
então apenas estamos tentando refletir acerca das possíveis origens desse apego pelo ensinar,
bem como sobre as diversas forças que obstaculizam a caminhada rumo a uma educação com
foco no aprendente e na aprendizagem, não mais no ensinar . Nesse sentido, Morán (2015)
argumenta no âmbito de uma reflexão acerca da necessidade de mudança de paradigma ante a
enorme e intensa dinâmica das transformações sociais.

A educação formal está num impasse diante de tantas mudanças na sociedade: como
evoluir para tornar-se relevante e conseguir que todos aprendam de forma
competente a conhecer, a construir seus projetos de vida e a conviver com os demais.
Os processos de organizar o currículo, as metodologias, os tempos e os espaços
precisam ser revistos. (MORÁN, 2015, p. 15)

A discussão que estamos propondo nos fez lembrar uma frase que vimos, há alguns
anos, em uma camisa ostentada orgulhosamente por um colega professor, na qual líamos: “Eu
ensino. Qual é o seu superpoder?” Por muito anos nós também nutrimos esse sentimento de
orgulho por ensinar e, embora hoje o brio permaneça e a paixão pela educação ainda seja forte,
nos impulsionando a continuar a caminhada, podemos dizer que estamos aos poucos
transformando o orgulho e a satisfação pessoal de ensinar em grande entusiasmo e forte
motivação para planejar e desenvolver situações de aprendizagem significativas e
contextualizadas.
Portanto, se fossemos fazer hoje uma camisa com uma frase que descrevesse nosso
“superpoder”, ela certamente não poderia começar com o “EU”, uma vez que nossa prática
não está centrada na ação do professor, mas sim na promoção de ambientes e experiências
capazes de despertar nos discentes diversas habilidades à serviço do aprendizado. Logo, um
recurso simbólico ou metafórico, ainda no campo dos heróis e seus superpoderes, que talvez
expresse bem nossas convicções, estaria distante do super-homem e muito mais próximo do
Batman, por ser um super-herói que ao invés de possuir habilidades sobre humanas, utiliza
exatamente a conjugação das potencialidades humanas a fim de enfrentar os desafios. Quando
pensamos em um super professor, imaginamos um sujeito munido do seu cinto de utilidades,
composto de um arsenal de estratégias e artefatos pedagógicos, que ele lança mão a partir de
87

seu enorme poder criativo, a fim de oportunizar incríveis situações de aprendizagem.

2.1 – METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM: ASPECTOS TEÓRICOS E


PRÁTICOS, CONCEITOS E EXPERIÊNCIAS

Conforme expomos anteriormente, entendemos por Metodologia Ativa, toda e


qualquer estratégia mobilizada, no contexto do processo de ensino/aprendizagem, nas quais os
estudantes sejam sujeitos atuantes e protagonistas da construção do próprio conhecimento. A
ideia central das metodologias ativas, presente em um de seus princípios basilares, o foco na
aprendizagem e no protagonismo do aprendente, não é nenhuma novidade, uma vez que em
maior ou menor grau já estava presente nos estudos e proposições de importantes teóricos da
aprendizagem, como no sociointeracionismo de Lev Vygotsky (1896-1934), aprendizagem
pela experiência do pragmatismo da educação progressiva de John Dewey (1859-1952) e na
perspectiva da autonomia de Paulo Freire (1921-1997).
Ao contrário do que possam eventualmente pensar alguns colegas professores, as
metodologias ativas e o ensino híbrido não desprestigia o papel do professor no processo de
ensino/aprendizagem, muito pelo contrário, o que ocorre é o deslocamento do enfoque do
ensinar para o aprender e, nesse sentido, cabe ao professor um novo papel, não menos
relevante, que é o de designer de situações de aprendizagem, de curador de conteúdo e de
maestro das performances didáticas, dentro de uma perspectiva de aprendizagem complexa e
contextualizada como defende Morin (2002). Logo, compreendemos que o papel do professor
na contemporaneidade não pode se limiar a “dar aulas”, pois o desafio é bem maior, mais
complexo e exige do professor o desenvolvimento de novas habilidades e competências
relacionadas à promoção de ações didáticas que oportunizem um aprendizado realmente
significativo como propõe David Paul Ausubel (1918-2008). Para Bacich e Morán (2018) as
Metodologias Ativas apontam no sentido da promoção de um modelo de educação inovadora
que possibilite a transformação das aulas em experiências de aprendizagem. Recentemente, o
professor José Morán concedeu uma entrevista na qual discorreu brevemente acerca dos
desafios da educação na contemporaneidade e na ocasião destacou principalmente o que ele
compreende como o novo e mais relevante papel do professor, o de mentor/orientador.

Na era da tecnologia, a velocidade das transformações é cada vez maior, e os adultos


do futuro precisam estar preparados para mudarem de carreira ao longo da vida, o
que faz com que o papel das escolas tenha de ser reavaliado. Como a informação não
é mais propriedade exclusiva dos professores, já que a tecnologia a coloca ao alcance
de todos, cabe às escolas desenvolverem nos alunos competências socioemocionais
88

e criativas para que eles aprendam a empreender e a lidar de forma cooperativa com
os desafios do mercado. [...] Antigamente, quando me perguntavam se, com todas
essas tecnologias digitais, o professor iria perder seu lugar e eu dizia: não, o professor
é sempre importante. E é verdade. Mas, hoje, algumas das funções do professor que
eram importantes anos atrás começam a ser menos importantes. Por exemplo:
disponibilizar conteúdo. O professor era alguém que se preocupava muito em
transmitir o conteúdo, mas hoje esse conteúdo está muito mais disponível e você
acha qualquer coisa que você quiser. Então, uma parte disso, a tecnologia já
disponibiliza. Outra parte que o professor fazia era a tutoria, tirar dúvidas. Ele ainda
vai fazer isso, mas uma parte das dúvidas, as mais previsíveis, a tecnologia responde.
Em alguns cursos que usam muita inteligência artificial, 80% das dúvidas dos alunos
são respondidas por boots, robôs, etc. Então, uma parte do que o professor fazia, que
era tirar dúvidas, a tecnologia vai fazer. E, aí, a gente pergunta: o professor sobrou?
Não. A parte principal, aquilo no qual o professor é relevante, que é ajudar o aluno
a desenvolver competências cognitivas, socioemocionais, visão de futuro, isso a
tecnologia não vai fazer. O papel fundamental do professor é o de mentor, o de
orientar. (MORÁN, 2019, p. 1-2)

Porém, é importante que percebamos que a vinculação entre ensino e aprendizagem


não possui nexo causal. Não podemos associar ensino a aprendizagem de modo direto, em
uma simples relação de ensino como causa e aprendizagem como efeito, uma vez que ambos
podem ocorrer sem a necessária existência do outro. Portanto, é possível, e bem frequente, que
ocorra aprendizagem autônoma sem ensino, bem como é bastante comum que haja um grande
volume de atividades e esforços de ensino sem que dessas atividades resultem a aprendizagem
esperada.
A aprendizagem é um fenômeno que necessariamente precisa ocorrer no aprendente.
Logo, a falta de envolvimento, a desmotivação ou até mesmo uma postura apática diante
situações de ensino/aprendizagem, repercutem negativamente e dificultam sobremaneira uma
aprendizagem mais eficiente e significativa. É exatamente nesse contexto que identificamos
uma das primeiras e grandes contribuições das metodologias ativas e do ensino híbrido, que é
o potencial de gerar engajamento. Estratégias didáticas pautadas em metodologias ativas e/ou
intermediadas pelas ferramentas dinâmicas das TDICs, estimulam um envolvimento mais
espontâneo e efetivo dos estudantes nas atividades educativas. Os estudantes acabam por se
engajar mais nas atividades, pois passam a enxergá-las de modo mais contextualizado, mais
próximas do mundo real, o que dá mais sentido e significado ao que está sendo apreendido.
Nesse contexto, o estudante se sente desafiado a compreender fenômenos reais, a fazer uma
leitura mais reflexiva do mundo que o cerca, perceber, à luz das teorias e conteúdos
curriculares, como as coisas se organizam dentro do seu lugar social, passa a analisar seu papel
dentro das complexas dinâmicas sociais existentes, dentre tantas outras reflexões possíveis e
estimulantes. Como podemos perceber, as práticas educativas pautadas pelas mediadas por
metodologias ativas de aprendizagem, e mediadas pelo uso das TDICs, estão em forte
89

consonância com o que preconiza a BNCC, como podemos verificar, por exemplo, no texto
das competências gerais dois e cinco do referido documento, o qual afirma que as atividades
educativas devem:

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,


incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade,
para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e
criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes
áreas.
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo
as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir
conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal
e coletiva. (BRASIL, 2018, p. 9).

Como forma de compreender a relação existente entre as metodologias ativas, o ensino


híbrido e o engajamento de docentes e discentes, analisemos então o exemplo de olimpíadas
científicas como a ONHB, que já se encontra em sua décima segunda edição, mais de uma
década encantando professores e estudantes, um verdadeiro fenômeno de público e crítica,
tendo repercutido não só como grande estratégia ativa e híbrida de aprendizagem, mas também
como instrumento de divulgação de conhecimento histórico, promoção de cidadania e
ferramenta de formação continuada de professores, tanto servir de inspiração para surgimento
de experiências semelhantes, como a Olimpíada de Ciências Humanas do Estado do Ceará
(OCHE).
A enorme repercussão e engajamento gerado pelas referidas olimpíadas científicas
podem ser compreendidos por diversos fatores que, invariavelmente, possuem relação direta
com os métodos ativos e o hibridismo educacional. Podemos listar aqui aspectos que
contribuem para o sucesso dessa experiência educativa e sua relação com os conceitos e
práticas ativas de aprendizagem. Nesse sentido, podemos destacar o fato de as olimpíadas
terem sido planejadas e organizadas para que os alunos atuem em equipes, o que estimula a
aprendizagem autônoma e colaborativa, típica de Metodologias Ativas como a Peer
Instruction, algo como aprendizagem por pares, Mazur (2015). Também merece destaque o
fato de serem realizadas através da internet, em ambiente próprio de EAD, prática que
flexibiliza e atenua problemas como distância, custo, disponibilidade de tempo, dentre outros.
Além de estimular a aprendizagem pela pesquisa supervisionada por um professor orientador,
membro da própria equipe, em uma clara relação com a Metodologia Ativa conhecida como
JiTT - Just-in-Time Teaching , Novak (2019), que em uma tradução livre entendemos como
uma educação sob medida ou um educação personalizada. Consiste em desenvolver estratégias
de aprendizagem, mediadas pelas TDICS, que otimizem o tempo de interação entre aluno e
90

professor, potencializando os encontros presenciais entre docentes/discentes através de


atividades cooperativas de problemas. Outro aspecto importante para o sucesso das referidas
olimpíadas científicas reside em suas arquiteturas fortemente permeadas pela gamificação, sua
organização em formato de competição, permeada por um clima de ludicidade e uma
atmosfera gamer muito semelhante ao das gincanas de conhecimento. Contribui ainda para
essa receita de sucesso educacional, a promoção do encontro entre estudantes e uma produção
acadêmica de excelência, profundamente instigante, que estimula a curiosidade científica,
provoca a reflexão e ainda fomenta a empatia e a formação cidadã através de temáticas de
grande relevância social. Não podemos esquecer as propostas de atividades práticas, tarefas e
desafios estruturados dentro da arquitetura gamer, seguindo sempre a ideia da progressão de
níveis através das fases e estimulando sentimentos como o de superação.
Como podemos perceber, a utilização de metodologias ativas, intermediadas por
ferramentas das TDICs, e presentes nos modelos utilizados em olimpíadas científicas como a
ONHB e a OCHE, configuram-se em modelos híbridos ensino/aprendizagem que mesclam
harmonicamente a sala de aula com o mundo e suas demandas reais. Promovem ainda, a partir
de desafios sofisticadamente planejados, acompanhados e avaliados, a mobilização de
habilidades cognitivas e socioemocionais; estimulam a pesquisa, a avaliação e a validação de
informações através da um processo de aprendizagem autônoma que inverte a lógica
tradicional da sala de aula; oportuniza o confronto de ideias e pontos de vista conflitantes,
exercitando a ponderação, negociação e o respeito às diferentes opiniões; promove um
processo de aprendizagem pela descoberta que obriga os estudantes a se comprometerem, a
cumprir prazos e assumir riscos; contribuem para consolidação de um modelo de
aprendizagem que caminha do mais simples para o mais complexo, organizando o
conhecimento em níveis progressivos de sofisticação e organização de pensamento e análise.
Portanto, consideramos que tais metodologias educativas vão ao encontro das propostas
contidas na BNCC por oportunizar a superação da fragmentação disciplinar do conhecimento,
estimular a sua aplicação na vida real, valorizar a contextualização que dá sentido ao que se
aprende e o protagonismo do estudante no processo aprendizagem. (BRASIL, 2019, p. 15).
Diante do exposto, consideramos que não faz mais sentido focar a aprendizagem no
acúmulo de informações, uma vez que há um enorme volume de conteúdo disponível e de fácil
acesso a qualquer momento, assim como não devemos centralizar as ações do processo de
ensino/aprendizagem nas práticas do professor expositor, uma vez que já temos consciência
que a aprendizagem depende, sobretudo, do engajamento do aprendente, tampouco devemos
restringir a experiência educativa aos momentos de sala de aula, uma vez que podemos ampliar
91

e qualificar significativamente o tempo pedagógico através das ferramentas e práticas de


ensino híbrido. Mais uma vez, recorremos ao documento da BNCC para referendar nossos
argumentos, no sentido de destacar que o enfoque das práticas educacionais deve residir em
ações educativas capazes de contribuir para o desenvolvimento de habilidades e competências.

Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar
orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do
que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer”
(considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece
referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens
essenciais definidas na BNCC. (BRASIL, 2019, p. 13).

Nesse contexto, podemos nos questionar acerca do que uma disciplina como a de
História, ou mesmo uma área de conhecimento como a das Ciências Humanas, profundamente
vinculadas às questões de análise e reflexão, aparentemente menos prática, pode contribuir no
sentido de oportunizar experiências capazes de promover o “saber fazer’? De que modo essa
área do conhecimento pode contribuir para o desenvolvimento de competências práticas que
sejam relevantes e possuam aplicação prática na vida cotidiana, nas relações sociais, no mundo
do trabalho etc? Consideramos, com base em Freire (1996), que a resposta para esse
questionamento se inicia na compreensão de que as competências atitudinais são,
invariavelmente, resultado de aprendizagens sociais, de valores éticos e morais, construídos a
partir de experiências sociais vivenciadas de modo individual ou coletivo, dentro e fora do
ambiente escolar, em situações de educação formal ou informal, mas sem dúvida, fortemente
permeada pelo conjunto de saberes e fazeres sobre os quais se debruça as disciplinas que
compõem as chamadas ciências humanas.

O homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na transformação


da realidade se não for ajudado a tomar consciência da realidade e da sua própria
capacidade para transformar. Ninguém luta contra forças que não entende cuja
importância não meça, cujas formas e contornos não discirna. (FREIRE, 1996, p.
48).

Portanto, consideramos que as ações didáticas planejadas e desenvolvidas com base


nas metodologias ativas de aprendizagem, dentro do escopo das ciências humanas, e
potencializadas pela utilização das TDICs, oportunizam experiências capazes de promover o
desenvolvimento de inúmeras habilidades, tais como a reflexão, suscitada a partir de
atividades que estimulam um olhar analítico e questionador sobre o modo como o
92

conhecimento é produzido, seu caráter dinâmico e transitório; a criticidade, a partir de um


olhar questionador lançado sobre as temáticas de grande relevância social; a narrativa,
desenvolvida a partir de experiências de produção de ensaios, artigos e outras produções
textuais construídas dentro da metodologia científica; a investigativa, por meio de feita uma
checagem de controle, através validação das informações, a partir do desenvolvimento de
estratégias de seleção e filtro de relevância de conteúdo; a empatia, por meio da qual o
indivíduo se posiciona de modo respeitosos diante dos diferentes grupos étnicos e suas
variantes de crenças e comportamentos, estimulando uma convivência mais harmônica, dentre
outras tantas. A colaboração, através das experiências de trabalho em equipe e de mediação de
pontos de vista divergentes; argumentativa, com base na qual se intermedia de modo mais
eficiente a maioria das relações sociais às quais somos expostos cotidianamente; proficiência
leitora, a partir da qual o sujeito desenvolve a habilidade de ler e interpretar de modo mais
eficiente, compreendendo tanto os explícitos, mas também os implícitos contidos nos diversos
gêneros textuais, sejam eles verbais, não verbais ou híbridos. Por conseguinte, as metodologias
ativas utilizadas nas experiências de aprendizagem promovidas dentro do escopo de trabalho
das ciências humanas promovem, de modo bastante eficiente, a educação com foco no
desenvolvimento de competências, bastante preconizado pela BNCC.

O conceito de competência, adotado pela BNCC, marca a discussão pedagógica e


social das últimas décadas e pode ser inferido no texto da LDB, especialmente
quando se estabelecem as finalidades gerais do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio (Artigos 32 e 35). Além disso, desde as décadas finais do século XX e ao
longo deste início do século XXI, o foco no desenvolvimento de competências tem
orientado a maioria dos Estados e Municípios brasileiros e diferentes países na
construção de seus currículos. É esse também o enfoque adotado nas avaliações
internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na
sigla em inglês), e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório Latino-americano
de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla
em espanhol). [...] No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto
histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto
ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que
o acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de competências para
aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar
com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar
conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser
proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e
aprender com as diferenças e as diversidades. (BRASIL, 2019, p. 13-14).

Entretanto, como já salientamos anteriormente, ainda existem resistências tanto à


utilização de metodologias ativas de aprendizagem, quanto às práticas de ensino híbrido,
sobretudo as intermediadas pelas TDICs, como também já discutimos. Pesquisas brasileiras,
93

como a de Schuhmachuer (2014), demonstram que uma parcela considerável das queixas e
alegações dos colegas professores, no sentido de explicar e justificar a não utilização das
TDICs em suas atividades educativas cotidianas, gira em torno da ausência de infraestrutura
tecnológica e da falta de treinamento e suporte por parte das redes educacionais.

No Brasil, o movimento de adoção da TIC ainda parece juvenil quando comparado


ao compasso Europeu. Mas, se nossa maior fraqueza ainda está no número de
computadores por aluno e na distribuição que estes apresentam nas escolas do País,
obstáculo já ultrapassado por boa parte dos países da CE, apresentamos problemas
em comum, como, por exemplo, a insegurança do professor na utilização da TIC na
prática em 14 Privilegiadas: que tem certas prerrogativas que outras escolas
brasileiras não têm, neste caso, a instalação de computadores, conexão para internet,
capacitação de professores em serviço e apoio pedagógico. 73 sala ou a forte
resistência dos professores às mudanças na forma de ensinar. (SCHUHMACHUER,
2014, P. 72-73).

Porém, consideramos que ainda há aspectos a serem aprofundados acerca da referida


resistência por parte de alguns colegas professores. Lévy (1999) argumenta que a utilização
das TDICs pode enriquecer as atividades educativas, mas alerta que para desenvolver um
trabalho realmente significativo, e não uma mera transposição das metodologias analógicas, é
necessário que os professores se apropriem de novos saberes, habilidades e competências para
lidar criticamente com esse novo paradigma metodológico. É interessante notar que, na
maioria dos casos, não se trata de um sentimento neoludista, muito embora esse sentimento
não deva ser completamente descartado enquanto um dos motivos da resistência em questão.
Consideramos que grande parte dos professores já utilizam com boa desenvoltura os diversos
recursos das TDICs para se informar, através da consultas a websites, portais agências de
notícias, dentre outros; já consomem conteúdo literário através de compras on-line de livros
impressos, por vezes até e-books e audiobooks, ou no mínimo os arquivos digitalizados de
livros impressos; observamos ainda um crescimento exponencial da utilização dos serviços de
streaming,, através dos quais os colegas já estão se habituando a consumir podcasts, filmes,
séries e documentários. Em consonância com a leitura situacional que apresentamos,
Schuhmachuer et al. (2017) afirma que o uso das TDICs em contextos de ensino/aprendizagem
tem sido uma questão ambígua, pois apesar de muitos professores reconhecerem sua
relevância na Educação ainda enfrentam dificuldades na elaboração de experiências de
construção de conhecimento mediadas pelas TDICs.
Portanto, é perceptível que o universo digital já faz parte, em menor ou maior
proporção, do cotidiano de um significativo grupo dos professores brasileiros, muito embora
a maioria desses professores, usuários cotidianos das mais diversas tecnologias, pouco tenham
94

enxergado o potencial da utilização das TDICs como aliada no processo de


ensino/aprendizagem. Temos enfrentado alguns obstáculos no caminho que nos impedem de
acelerar o passo rumo à plena utilização das tecnologias a serviço de uma educação mais
contextualizada e articulada às demandas reais da sociedade.

Relatos de países, como a Alemanha, que superaram as barreiras como


infraestrutura, apoio gerencial para uso da TIC, formação docente integrando
habilidades técnicas ou pedagógicas, apresentam números pífios quanto a sua
integração curricular. Os números indicam a existência de motivadores ainda
desconhecidos e que precisamos conhecer, pois impedem a integração da TIC na
prática docente e parecem estar além das barreiras que hoje consideramos como
gatilhos. O professor parece ameaçado, inseguro quanto a sua função, em sua
responsabilidade de fazer uso dos recursos da TIC em sua prática docente.
(SCHUHMACHUER, 2014, p. 73)

Propomos então, uma reflexão acerca dos obstáculos que se interpõem entre o uso das
ferramentas tecnológicas por parte dos professores em sua vida cotidiana e a transposição
didática dessas práticas para a formulação de atividades significativas de aprendizagem, dentro
e fora do ambiente escolar. A primeira grande barreira se encontra na infraestrutura, pois nem
todas as redes e unidades escolares, da rede pública e até mesmo da rede privada, estão
adequadas à utilização plena dos diversos recursos tecnológicos; muitas vezes falta até mesmo
o básico, como uma razoável conexão com a internet, como podemos observar nos dados
obtidos por uma pesquisa realizada recentemente.

Quando questionados sobre os desafios para implementar as TICs no cotidiano


escolar, os professores indicaram a necessidade de capacitação do professor,
totalizando 29% das indicações. Cerca de 35% deles apontaram a pouca
infraestrutura como desafio para a implementação. E 25% apontam a reformulação
do sistema de ensino como principal desafio para a inserção das TICs na escola.
(ZANELLA; LIMA, 2017, p. 84).

Por outro lado, há também realidades diferentes, nas quais o investimento foi até feito,
porém os gestores educacionais destinaram os recursos para a aquisição de grandes e caros
equipamentos, tais como computadores desktop e/ou notebooks para montagem de
laboratórios de informática, projetores multimídia, tablets, lousas digitais, impressoras em
três dimensões, kits de robótica, laboratórios de práticas maker12, kits de materiais para
metodologia STEAM13.

12
Ênfase no aprender fazendo, na cultura “maker”: aprender a partir de projetos reais, problemas significativos,
histórias de vida, jogos. Ganham relevância os laboratórios multifuncionais, os laboratórios “maker”, onde os
alunos testam suas ideias, desenvolvem programas, experimentam soluções reais, contam histórias, elaboram
jogos, entre outras atividades. (MORAN, 2018, p. 70-71)
13
Do inglês Science, Technology, Engineering, Arts and Mathematics, o STEAM é uma metodologia que utiliza
95

Porém, em ambos os casos faltou o mais importante, investir na formação e


sensibilização do professor, pois o engajamento dos professores é decisivo para que ocorra
uma mudança de paradigma. É importante que o professor consiga enxergar nos inúmeros
recursos tecnológicos disponíveis a possibilidade de otimização de diversas tarefas cotidianas,
que consiga perceber a tecnologia como potencial aliado no cotidiano de sua prática
profissional, dentro de uma nova perspectiva da atuação do docente como designer de
experiências de aprendizagem.
No entanto, há quem veja na crescente utilização das tecnologias na educação, um risco
ao trabalho docente. Para esses profissionais, as ferramentas de educação a distância (EAD),
como podemos observar em Pretto (2010) e Freitas (2016) para os quais os modelos e práticas
de blended learning14, constituem uma ameaça a atividade profissional docente. Os
argumentos nesse sentido alegam a existência do risco de um processo de desemprego
estrutural e o perigo da precarização do trabalho docente, a exemplo do que já ocorrera em
outras atividades profissionais, em um fenômeno que ficou conhecido como “uberização”.
Vejamos o que Freitas (2016) argumenta nesse sentido.

[...] aos poucos, os processos de precarização vistos em outras profissões vão se


aproximando dos professores, inclusive a conversão de seu trabalho vivo em trabalho
morto, dentro de plataformas de aprendizagem online que, com ajuda de tecnologia
interativa, procura copiar e eternizar a atuação dos profissionais da educação. Trata-
se de congelar os processos destinados a apoiar o desenvolvimento das crianças, bem
como destinados a regular seu ritmo e profundidade de aquisição de conhecimentos,
e registrá-los em códigos informatizados e reprodutíveis sem a presença viva do
professor [...]
A relação professor-aluno que numa sala convencional de aula pode ser de 40 alunos
para um professor, pode chegar a 400 alunos para um professor, dez vezes mais, em
uma escola online. Se esta forma de organização do trabalho, a uberização, prospera,
um professor em sua casa, atende 400 alunos “online”. A própria plataforma
monitora o tempo gasto pelo professor e gera a base de sua remuneração. (FREITAS,
2016 apud SILVA, 2019 p. 242-243).

De fato, não há como fechar os olhos ou negar a existência de fundamento no receio


demonstrado por muitos professores, mas precisamos refletir à luz da própria experiência
histórica e, sobretudo, observar as enormes idiossincrasias que caracterizam o labor docente.
O trabalho docente é por excelência uma atividade criativa, que envolve planejamento
constante das ações didáticas, inúmeras e frequentes tomadas de decisão, mudanças de
estratégias diante da avaliação dos resultados, sensibilidade ante a diversidade de modos de
aprender ou como defendeu Gardner (1995), as múltiplas inteligências.

uma abordagem transdisciplinar para resolver problemas e construir soluções.


14
Combinação de práticas de ensino presencial e do ensino a distância, com o objetivo de fomentar um maior
engajamento do aprendente e ampliar as horas dedicadas ao estudo.
96

Esse sentimento de ameaça ao trabalho docente, muito provavelmente esteve presente


em diversos outros contextos históricos, sobretudo nas experiências de EAD no Brasil, por
meio de cursos por correspondência, ainda no início do século XX, passando pela utilização
do rádio como plataforma de educação a distância, por volta da segunda década do século XX,
passando ainda pela período de implantação do tele-ensino nos anos 70 do século XX, até
chegar aos nossos dias, com a utilização da internet como principal plataforma de educação a
distância e ensino híbrido.
Como podemos verificar ao longo do tempo, nenhuma dessas experiências foi capaz
de preterir do trabalho docente, que de fato teve que, a cada nova realidade, se reorganizar,
desenvolver novas habilidades, aprender a lidar com novos instrumentais, mas sobreviveu e
sempre com grande protagonismo. Talvez seja exatamente a suposta ameaça a esse tradicional
protagonismo docente que, aparentemente emerge junto às propostas de utilização das
metodologias ativas de aprendizagem mediadas pelas TDICs, tenha gerado tamanho
desconforto.
Há outras questões estruturantes que se interpõem, como obstáculos, entre um
significativo número de docentes e a adoção de uma postura educativa menos centralizada na
ação do professor e, por conseguinte, com maior autonomia e protagonismo discente. Um
desses obstáculos reside no fato de que assumir uma postura de curadoria requer uma saída da
zona de conforto, um movimento em direção a ações experimentais e uma enorme carga de
trabalho prévio que deve anteceder a ação docente mais visível, que é o encontro presencial
em sala de aula. Planejar, desenhar e conduzir experiências práticas de aprendizagem ativa e
de ensino híbrido exigem muita pesquisa, leitura, confecção de instrumentais, seleção de
fontes e, principalmente, uma articulação do conhecimento histórico disponível na
historiografia com situações contemporâneas passíveis de leitura à luz desse conhecimento.

A curadoria é uma prática comum no campo das artes, e vem se especializando ao


longo da História. Possui métodos próprios que incluem a pesquisa e a seleção
aprofundada de obras relacionadas a um campo temático – um assunto ou um
período histórico – a um artista, grupo de artistas ou escola. A intenção do curador
geralmente é fornecer elementos ou informações sobre um conjunto de obras de arte
a fim de aguçar os sentidos e o interesse do visitante de uma exposição ou instalação
e, ao mesmo tempo, provocar uma leitura que extrapola a experiência imediata entre
a obra e o visitante. De certa forma, a curadoria cumpre um papel de mediação entre
as obras ou objetos de arte e o observador/leitor/visitante. Nesse sentido, é possível
afirmarmos, em certa medida, que a curadoria exerce função pedagógica a favor da
apreensão ou aprendizagem sobre uma obra de arte, coleção ou exposição. [...]
Analogamente, dificilmente um professor descreve para os seus alunos seus próprios
métodos ao preparar uma aula – aulas são geralmente ministradas, e baseadas na
ideia de conhecimentos acabados a serem transmitidos, cujos métodos de produção
geralmente são tomados como inquestionáveis ou são até mesmo desconhecidos.
Com base na proposição de Freire (1985) de que se aprende ao se ensinar, não seria
97

o caso de se pensar a curadoria como um processo de socialização das


aprendizagens? [...] Desde o surgimento da Web e, principalmente, das mídias
sociais digitais, as pessoas têm selecionado conteúdos para tornar público,
agregando na forma de blogs, microblogs e fan pages conteúdos que encontram ou
recebem de sua rede de relacionamentos e que entendam ser do interesse de seus
seguidores. A Web está repleta de pessoas que se dedicam a selecionar e divulgar
suas listas de favoritos e coletâneas de acordo com critérios diversos e não
necessariamente organizados segundo uma lógica rígida, mas geralmente orientados
ao seu público virtual, observando se suas publicações são replicadas, curtidas ou
reblogadas. Eis aqui um elemento fundamental que revela a importância de se pensar
a curadoria no contexto da educação on-line, pois pode vir a se constituir numa
metodologia de ensino e de aprendizagem que se baseia na premissa do
estabelecimento de redes de leitores/ observadores/seguidores/visitantes para quem
se deseja comunicar ou informar. Nesse sentido, para a prática da curadoria é
imprescindível o reconhecimento da aprendizagem como função da socialização,
uma prática social em essência. (LOPES; SOMMER SCHMIDT, 2014, p. 61-63).

Todo esse volume de trabalho docente, praticamente invisível aos olhos externos,
demanda tempo, energia e muita consciência teórico-metodológica, que muitas vezes não
dispomos plenamente e/ou não estamos dispostos e/ou motivados a mobilizar em um contexto
de longas jornadas de trabalho em sala de aula, muitas vezes três turnos inteiros, além da
grande quantidade de trabalho que já levamos pra casa, principalmente relacionados às
incontáveis avaliações que precisamos elaborar e corrigir com bastantes frequência. Essa
realidade esmagadora é, provavelmente, o maior obstáculo a uma transformação significativa
no paradigma educacional e nas práticas docentes, pois muitas vezes desestimula professores
que, exaustos e oprimidos pela carga laboral, se limitam a praticar, alguns até com grande
maestria, a tradicional aula expositiva tradicional, o que Barca (2004) chama de Aula
Conferência. “[...] baseia-se numa lógica do professor como detentor do verdadeiro
conhecimento, cabendo aos alunos – por normas e catalogadas como seres que ‘não sabem
nada’, ‘não pensam’ ” – receber as mensagens e regurgitá-las corretamente em teste escrito.
Quando mais reflexivo, as aulas são planejadas dentro do que Barca (2004) denominou de
Aula Colóquio, como podemos ver em suas próprias palavras.

[...] E numa abordagem prescritiva que tenha em atenção as recomendações de um


saber-fazer pedagógico herdeiro desse modelo, a concepção das aulas centrar-se-á
na criatividade de recursos e ‘estratégias’ a apresentar aos alunos, num cenário que
raramente ultrapassa a situação de ‘aula-colóquio’ mais ou menos orquestrada. No
modelo de aula-colóquio, o saber pode ser problematizado e partilhado, mas a
atenção continua a centrar-se na atividade do professor e nos seus materiais de apoio,
mantendo-se na sombra o cuidado a ter com as ideias prévias dos alunos e
consequentes tarefas cognitivas a desenvolver por estas aulas. O pressuposto de que
o conhecimento deve ser construído na aula pelos alunos é afirmado como mera
retórica, sem concretização nem fundamentação empírica e sistemática. (BARCA,
2004, p. 131).

No entanto, podemos perceber algumas transformações que vêm se processando e


98

contribuindo para que mudanças se efetivem, como por exemplo o que ocorreu na Rede de
Ensino Pública Estadual do Ceará e na Rede Municipal de Fortaleza, com a implementação de
um terço da carga horária do trabalho docente destinada a atividades extra sala, tais como
planejamento, elaboração e correção de avaliações, pesquisa e produção de materiais
didáticos, dentre outras atividades inerentes ao labor docente. É importante destacar que essa
determinação é oriunda da chamada Lei nº 11.738/2008, conhecida popularmente como Lei
do Piso Salarial, e que só fora implementada anos mais tarde, depois de muita pressão da
categoria e, muito provavelmente ante ao contexto diferenciado que se apresentava a partir da
reestruturação das propostas para o novo ensino médio. Um bom exemplo das referidas
transformações, que contribuíram para a reestruturação do trabalho docente, está na
implantação da modalidade de ensino médio em tempo integral, contemplando a BNCC e a
chamada matriz curricular diversificada, que impulsionou a adoção de práticas docentes mais
significativas, melhor articuladas com a vida prática, pautadas no estabelecimento de uma
comunidade aprendente, na aprendizagem colaborativa e no protagonismo estudantil, como
podemos observar no trecho do documento norteador da organização curricular das escolas de
tempo integral da Rede Pública Estadual do Ceará, no qual se preconiza que a escola deverá
estruturar seu projeto pedagógico com base em três dimensões da prática educativa: “1. A
escola deve ser concebida como comunidade de aprendizagem; 2. A aprendizagem
cooperativa deve ser o método pedagógico estruturante; 3. O protagonismo estudantil é um
princípio imperativo para a proposta de ensino médio.” (CEARÁ, 2016, p. 4). O documento
em questão ainda propõe que as principais dimensões pedagógicas da proposta curricular das
escolas em tempo integral devem ser: “a) a pesquisa como princípio pedagógico e o trabalho
como princípio educativo; b) a desmassificação do ensino; c) itinerários formativos
diversificados. (CEARÁ, 2016, p. 4).
Consideramos que a experiência vivenciada na educação básica, atuando como
professor nas redes pública e privada, permite lançar um olhar crítico sobre essas duas
realidades distintas. Desde 2001, temos trabalhado em escolas privadas da cidade de Fortaleza,
capital do Estado do Ceará, unidade da federação que tem se destacado nacionalmente por
obter grandes resultados em diversas avaliações educacionais externas de larga escala, através
de seus estudantes, nos exames de larga escala como no ENEM, e também nos vestibulares
mais tradicionais e extremamente concorridos, como o do ITA, IME, FUVEST e UNICAMP.
A partir de 2009, passamos também a exercer, como servidor público, a função de professor
da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado do Ceará. É desse lugar de fala, do qual
pudemos enxergar e vivenciar uma boa parte dessas duas realidades tão distintas em diversos
99

aspectos, que proporemos algumas reflexões sobre os dois distintos contextos educativos.
Trabalhamos por muitos anos em escolas destinadas a jovens de alto poder aquisitivo, cujos
pais, via de regra, possuem alguma graduação de nível superior e oferecem uma espetacular
estrutura de estudos aos filhos, como a educação em tempo integral, ensino bilíngue, cursos
de artes, viagens de ampliação cultural, etc. Os estudantes das escolas de alto padrão da rede
privada têm a sua disposição vários tipos de laboratórios, desde os já clássicos laboratórios de
ciências, como os de química, física e biologia, com toda a aparelhagem necessária, aos mais
recentes laboratórios de robótica, laboratórios Maker e STEAM, dentre outros. A
infraestrutura de tecnologia é excelente, com internet, projetores multimídia, lousas digitais e
tudo o que há de melhor. São ofertadas ainda, cursos de alto desempenho, para alunos que se
destacam nos estudos, a fim de que eles possam competir em alto nível nas diversas olimpíadas
acadêmicas como as tradicionais OBMEP, OBF, OBB, OBQ, OBA, OBR, dentre outras tantas.
Na última década, as olimpíadas na área de ciências humanas, como a já tradicional ONHB,
que estreou há mais de uma década, no já distante 2009, até a OCHE, que teve sua primeira
edição bem mais recentemente, em 2019, mas que já surge conquistando seus adeptos e
ganhando espaço nesse meio das olimpíadas do conhecimento.
O que se conhece acerca da realidade das escolas públicas da educação básica,
sobretudo as das redes estaduais e municipais, da conta de uma realidade bem diferente da
encontrada nas escolas privadas, sobretudo as de alto padrão. Essa afirmação se baseia
observação empírica, uma vez que vivenciamos as duas realidades, atuando como professor
na Rede Pública Estadual do Ceará, bem como em uma grande rede de escolas da iniciativa
privada, mas sobretudo em um consistente estudo acerca do NSE – Nível Socioeconômico dos
estudantes da educação básica das redes pública e privada realizado por Alves, Soares e Xavier
(2014).

Este artigo apresenta a metodologia e os resultados do desenvolvimento de um índice


de nível socioeconômico das escolas de educação básica do Brasil. Os dados provêm
dos questionários contextuais aos quais os alunos respondam nas avaliações
educacionais feitas pelo governo federal nesse nível de ensino. Foram consideradas
as respostas válidas de 20.806.062 alunos em 21 bases de dados. Para estimar o
índice, itens relacionados às dimensões escolaridade e ocupação dos pais do aluno e
a renda familiar foram agregados, empregando-se um modelo da Teoria da Resposta
ao Item. Os resultados foram validados mostrando-se fidedignos. (ALVES;
SOARES; XAVIER, 2014, p. 271)

Portento, embora exista uma enorme diversidade de contextos socioeconômicos, uma


grande heterogeneidade de estruturas e arranjos familiares, a grande maioria dos estudantes da
escola pública são filhos e filhas da classe trabalhadora, cuja maioria dos pais não possui
100

formação de nível superior, alguns sequer concluíram a educação básica, embora certamente
existem exceções. Os alunos da rede pública têm acesso limitado à tecnologia, tanto na escola
quanto em casa e não possuem grandes experiências com atividades educativas
extracurriculares e/ou não formais, tais como viagens e visitas a museus. Via de regra, não há
muitos laboratórios funcionando, na maioria dos casos não há grande estímulo para que eles
participem de olimpíadas científicas, tampouco há a oferta de cursos de alto desempenho.
Conforme exposto, e comparando as duas realidades apresentadas, poderíamos
concluir apressadamente que a formação dos estudantes da rede pública fatalmente será menos
eficiente e menos significativa do que a dos alunos das escolas privadas de alto padrão. De
fato, ainda há uma grande distância a percorrer no sentido de aproximar esses dois mundos,
de tornar a educação verdadeiramente um direito, e não um privilégio dos que podem pagar,
mas sem dúvida alguma existem lutas sendo travadas e projetos sendo desenvolvidos no
sentido de promover uma educação pública de qualidade e capaz de gerar impacto social nas
comunidades nas quais se insere. Acreditamos que o caminho da construção de uma educação
pública que de fato repercuta significativamente na vida dos jovens das periferias brasileiras,
passe necessariamente por uma mudança de paradigma que seja capaz de promover situações
de aprendizagem nas quais o aluno esteja no centro, e não o professor, a aprendizagem seja o
foco, e não ensino, e o conhecimento seja construído através de atividades contextualizadas e
significativas, vinculadas ao contexto sociocultural dos aprendentes.

Apesar de tantas deficiências e problemas estruturais, está acontecendo uma busca


de alternativas de setores educacionais importantes, públicos e privados. Esse
movimento se intensificará muito proximamente, porque as crianças não aceitam um
modelo vertical, autoritário e uniforme de aprender. (MORÁN, 2015, p 17).

O Estado do Ceará tem avançado significativamente no que se refere às políticas


públicas de educação. São muitas as evidências dos esforços de aprimoramento da rede pública
estadual. Concentraremos nossas investigações e análises nas escolas de tempo integral, pois
é a realidade que vivenciamos no cotidiano do nosso labor docente. É possível observar alguns
dos princípios que norteiam essa caminhada da educação pública cearense rumo à construção
de uma educação significativa e, como afirma Freire (1996), uma educação de fato libertadora,
a partir da análise da proposta de organização curricular em escolas de Tempo Integral. Na
referida proposta curricular, conseguimos observar com clareza a existência de três dimensões
pedagógicas norteadoras, já citadas anteriormente, que demonstram um esforço no sentido de
promover experiências educacionais contextualizadas, que promovam a customização das
ações didáticas e o desenvolvimento de competências. Podemos observar evidências desse
101

caminho observar na tabela a seguir.

Dimensão Pedagógica Estratégia Estruturada


A pesquisa como Desde 2012, a SEDUC desenvolve em parceria com o Instituto Aliança a
princípio pedagógico e o experiência de reorganização curricular do ensino médio a partir da
trabalho como princípio implantação em escolas regulares do Núcleo Trabalho, Pesquisa e demais
educativo práticas Sociais (NTPPS), fortemente inspirado nos Protótipos Curriculares
do Ensino Médio, elaborado pela Representação da UNESCO no Brasil e
no Projeto Com.Domínio Digital.
A desmassificação do Desde 2008, inspirado na experiência de Portugal, implantou-se em
ensino praticamente a totalidade das escolas o Projeto Professor Diretor de Turma
(PPDT). Em sua premissa está a desmassificação do ensino que se torna
possível com o acompanhamento “pessoalizado” dos estudantes por um
professor.
Itinerários formativos Esses itinerários podem ser estruturados a partir da oferta de componentes
diversificados curriculares eletivos ou possibilitando aos estudantes se organizarem para
desenvolverem atividades entre pares de cunho autônomo e protagonista.
Duas escolas de tempo parcial desenvolvem uma experiência desde 2013 de
oferta de eletivas para alunos utilizando 4 horas semanais da parte
diversificada
Tabela elaborada pela SEDUC-CE e publicada em (CEARÁ, 2016, p. 5)

Analisando a tabela podemos observar, as ações estruturadas vão ao encontro dos


princípios pedagógicos propostos pela secretaria de educação do estado do Ceará e, através do
NTPPS, procura reordenar o currículo do ensino médio de modo a assegurar a construção de
conhecimentos e o desenvolvimento de competências para a vida. Por meio do projeto
Professor Diretor de Turma busca estabelecer um contato mais próximo entre professor e aluno
de modo a desmassificar o processo de ensino/aprendizagem e ampliar o conhecimento que os
docentes possuem da realidade sociocultural e econômica de seus alunos. Por fim, o princípio
dos itinerários formativos oportuniza a oferta de disciplinas eletivas através das quais o
professor pode, a partir de um maior conhecimento da realidade do aluno, de suas necessidades
e de seu lugar social, ofertar atividades verdadeiramente significativas capazes de gerar
engajamento nos jovens e promover o desenvolvimento da autonomia e da aprendizagem
cooperativa.

2.2 – APRENDIZAGEM HISTÓRICA POR MEIO DE EXPERIÊNCIAS ATIVAS E


HÍBRIDAS DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA

Experienciamos já há vários anos práticas educativas pautadas pelos pressupostos


básicos das metodologias ativas, ou seja, a autonomia e o protagonismo estudantil, a pesquisa
como metodologia de aprendizagem e a contextualização das experiências educativas. É bem
verdade que inicialmente não tínhamos domínio teórica do que estávamos pondo em prática,
102

e nossas ações eram por vezes guiadas por uma certa dose de intuição e empirismo. Nossas
práticas eram construídas na esteira das experiências pessoais e coletivas, sendo permeadas
pelas aprendizagens construídas através de vivências em espaços de convívio social, desde
nossa formação inicial na graduação até chegar a nossa experiência profissional como
professor da educação básica.
Uma das principais fontes de energia para a utilização práticas inovadoras de ensino/
aprendizagem foi o forte desejo de acertar e, principalmente, o feedback positivo dos
estudantes diante de práticas educativas que os estimulassem a agir como sujeitos ativos no
processo de aprendizagem, atividades nas quais eles pudesses aprender fazendo, se sentissem
desafiados a encarar um problema que pudessem resolver de modo criativo, por meio do
levantamento de informações via pesquisa, da formulação de hipóteses, da elaboração de
teorias e da sistematização do conhecimento.
Desde muito tempo acreditamos que um dos principais propósitos do ensino de
História é oportunizar aos estudantes experiências através das quais eles possam desenvolver
habilidades e competências que os permitam fazer uma leitura cada vez mais proficiente do
mundo que os cerca. Entendemos que o papel mais importante do saber histórico não reside
no acúmulo de informações, pois isso apenas nos legaria um conhecimento enciclopédico e,
quando muito, alguma erudição. Nesse sentido, acompanhamos as ideias de Seixas (2009),
que por ocasião da formulação de um proposta para a reformulação do Ensino de História no
Canadá, argumenta acerca do amplo consenso entre os pesquisadores de Educação Histórica
acerca da compreensão de que o pensamento histórico deve ter um lugar central no currículo
de História. Compreendemos que a História, enquanto ciência, tenha entre os seus mais
relevantes papeis, contribuir para o desenvolvimento da criticidade, educar o olhar para a
percepção da enorme pluralidade das experiências humanas, estimular a percepção das
permanências, rupturas e descontinuidades, identificar as inúmeras forças que interagem nos
processos históricos, identificar os diversos agentes sociais e os múltiplos pontos de vista sobre
os fatos sociais.

A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção do conhecimento


histórico, seja no âmbito da pesquisa científica seja no do saber histórico escolar,
torna-se um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se de um olhar
consciente para sua própria sociedade e para si mesmo. Ciente de que o
conhecimento é provisório, o aluno terá condições de exercitar nos procedimentos
próprios da História: problematização das questões propostas, delimitação do objeto,
exame do estado da questão, busca de informações, levantamento e tratamento
adequado das fontes, percepção dos sujeitos históricos envolvidos (indivíduos,
grupos sociais), estratégias de verificação e comprovação de hipóteses, organização
dos dados coletados, refinamento dos conteúdos (historicidade), proposta de
103

explicação para os fenômenos estudados, elaboração da exposição, redação de texto.


(BEZERRA, 2003, p.42)

Nesse sentido, o papel do Ensino de História na Educação Básica sofre uma


ressignificação e passa a valorizar a participação ativas dos sujeitos, e amplia os horizontes de
análise para além do passado, compreendendo que os as questões que inquerem o passado, no
processo de investigação histórica, são formuladas no presente.

Todo conhecimento sobre o passado é também um conhecimento do presente


elaborado por distintos sujeitos. O historiador indaga com vistas a identificar,
analisar e compreender os significados de diferentes objetos, lugares, circunstâncias,
temporalidades, movimentos de pessoas, coisas e saberes. As perguntas e as
elaborações de hipóteses variadas fundam não apenas os marcos de memória, mas
também as diversas formas narrativas, ambos expressão do tempo, do caráter social
e da prática da produção do conhecimento histórico. (BRASIL, 2018, p. 395).

Logo, consideramos que as maiores contribuições que podemos dar, enquanto


professores de História/historiadores, para formação de nossos alunos, seja promover ações e
vivências educativas que contribuam para que eles, estudantes, possam desenvolver a
habilidade de pensar historicamente, que os auxilie no aprimoramento de um “olhar de
historiador”, de uma visão crítica que busque compreender as práticas sociais, os costumes e
os diversos outros aspectos da experiência humana por uma perspectiva histórica. Como
percebemos nas palavras de (Rüsen (2001) “O passado precisaria poder ser articulado, como
estado de coisas, com as orientações presentes no agir contemporâneo, assim como as
determinações de sentido, com as quais o agir humano organiza suas intenções e expectativas
no fluxo do tempo[...]”. Nesse sentido, seguimos o grande Marc Bloch em suas reflexões
acerca do papel da História e do ofício do historiador.

Há muito tempo, com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de


Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da Historia é, por natureza, o
homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o
plural que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da
diversidade. Por trás dos grandes vestígios da paisagem, [os artefatos ou as
maquinas] dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente
mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar.
Quem não conseguir isso será apenas no máximo um serviçal da erudição. Já o bom
historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali
esta a sua caça. (BLOCH, 2001, p. 54).

O que estamos tentando defender é que talvez o grande papel do professor de História
em nossos dias, contexto no qual as informações estão fartamente disponíveis e as narrativas
históricas estão há um click de qualquer um que deseje acessá-las, seja o de assegurar que a
base teórica de nossos alunos seja solidamente edificada, para que eles possam entrar em
104

contato com as mais diversas análises e narrativas, estando habilitado para questioná-las,
criticá-las, à luz de uma compreensão teórico metodológica da construção do conhecimento
histórico. Portanto, nossos argumentos vão na direção de uma aula de História que seja um
misto de:

Um lugar de regras de convivência, de leis, de leituras, de matérias formadas e de


historicidades, enfim, de sentido; um não-lugar de nonsense, de aventuras
inimagináveis, de buracos e de bifurcações – ou seja, de experiências. Por um lado,
a forma das regras da sala e da história, por outro lado, a incomensurabilidade da
experiência dos estudantes, esses espíritos livres que navegam ainda não afetados
pelo “sentido histórico”. O conceito é depositado como processo de criação. É nesse
nada da experiência que se pode pensar em fazer emergir conceitos, sempre do lado
do passado como potência. Eis a chave da criação de conceitos na aula de História;
o passado não é um conjunto de histórias contadas, mas uma potência aberta à
interpretação. Logo, o conceito como operador dessa interpretação nasce sempre do
desmedido passado. A manutenção dessa bruma de desmesura pode bem tornar a
aula de História uma aprendizagem dos conceitos, mas uma contínua aprendizagem
do passado, como que uma brincadeira de desenhar e imaginar passados. Nessa
situação, a aula de História da escola básica se aproxima do fazer do historiador, da
sua criação, uma vez que para este último o passado é sempre excesso, sempre mais,
sempre pura potência – o fluxo mesmo da diferença. (PEREIRA; TORELLY, 2015,
p. 93).

Em outras palavras, consideramos que nosso maior legado enquanto


professores/historiadores ao trabalharmos o ensino de História, seja instrumentar nossos
alunos para que eles possam, autônoma e ativamente, construir seu conhecimento histórico e
utilizá-lo como poderoso instrumento de leitura de mundo, de convívio social ético e solidário,
de exercício da cidadania e de liberdade.

Compreender acontecimentos históricos, relações de poder e processos e


mecanismos de transformação e manutenção das estruturas sociais, políticas,
econômicas e culturais ao longo do tempo e em diferentes espaços para analisar,
posicionar-se e intervir no mundo contemporâneo. (BRASIL, 2018, p. 400).

De fato, o estudo de teoria e metodologia da História é sofisticado e complexo, até


mesmo para estudantes de graduação. Logo, promover tais reflexões ainda na Educação Básica
é certamente um desafio. Porém, como compreendemos que se trata de um fundamento
indispensável para pensar historicamente, não podemos preterir desses estudos. Para Rüsen
(2001) os fundamentos e princípios da ciência histórica estão enraizados nas práticas do
historiador. Logo, o cotidiano de trabalho do historiador constitui a base natural da teoria da
História. Nesse sentido, planejar e desenvolver atividades através das quais os estudantes
possam vivenciar, através de ações práticas, o ofício do historiador, possibilitará aos
estudantes uma apropriação natural e significativa da base teórica da ciência histórica.
105

Quando propomos a realização de atividades educativas nas quais o aluno participe


ativamente como sujeito central da produção do conhecimento, através da realização de tarefas
que simulam o trabalho cotidiano de um historiador no exercício de seu ofício, estamos
pensando em consonância com as ideias de Rüsen (2001), ocasião na qual o autor defende que
um dos elementos centrais da ciência histórica, considerada o ponto de partida para o pensar
historicamente, é refletir sobre a práxis humana e seus interesses. Para Rüsen, “interesses são
determinados carências cuja satisfação pressupõe, da parte dos que as querem satisfazer, que
esses já as interpretem no sentido das respostas a serem obtidas” (2001. p. 30). Logo, o
interesse é ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento histórico reflexivo e deve
ser levado em consideração no desenvolvimento das ações de aprendizagem histórica. Nesse
sentido, entendemos que a contextualização das estratégias educativas seja fundamental para
gerar o imprescindível engajamento docente.
Porém, alguns fatores ainda dificultam a necessária e indispensável articulação entre
teoria e prática, entre a epistemologia da História e o Ensino de História, entre o trabalho do
historiador e o do professor de história e, sobretudo, entre a pesquisa e o ensino. Esse
distanciamento entre a ciência histórica, que via de regra está restrito ao ambiente acadêmico
e ligada ao trabalho do historiador profissional e o ensino de História, focado na reprodução
das narrativas acadêmicas, nas metodologias de ensino/aprendizagem e por vezes visto como
atividade de menor relevância, tantas vezes negligenciada nas reflexões e debates acadêmicos.
O próprio Rüsen (2006), na obra Didática de História: passado, presente e perspectivas a
partir do caso alemão, se propôs a refletir acerca do processo de separação da História ciência
da Didática da História. Desta forma, aponta para o processo de cientificização da História,
ocorrido durante o século XIX, como um dos principais fatores responsáveis pelo
distanciamento entre História e ensino de História.
Ante a esse processo, a Didática da História passou a ser considerada um campo de
conhecimento a parte da própria ciência histórica, o que contribuiu para que o ensino de
história se distanciasse das discussões epistemológicas da História e concentrasse seus
esforços nas metodologias de ensino, distanciando cada vez mais Historiadores e professores
de História, ao ponto de surgir no Brasil duas formações distintas, a do Bacharel em História,
o historiador, e a do licenciado em História, o professor.
Felizmente, temos acompanhado o crescimento das pesquisas no campo do Ensino de
História, notadamente impulsionadas por esforços de grupos que defendem a importância da
articulação entre a ciência histórica e o ensino de história, como mencionamos anteriormente.
Alguns eventos históricos nos auxiliam na compreensão desse processo, através das evidências
106

de um esforço em estreitar os laços entre a academia e a educação básica, mesmo que nos
primeiros momentos ainda fortemente marcado por uma ideia de hierarquia de saberes que
pouco reconhecia o conhecimento produzido no contexto da educação básica, como podemos
perceber no histórico do surgimento do ProfHistória, disponibilizado no site oficial do
programa.

Em maio de 2007, no Fórum de Coordenadores de Pós-graduação em História,


discutiu-se sobre materiais didáticos para a Educação Básica e, mais
especificamente, seu reconhecimento como produção dos professores dos Programas
de Pós-Graduação. Na ocasião, havia alguma resistência de que a pós-graduação
assumisse responsabilidades com a Educação Básica, devendo restringir-se à
pesquisa científica produzida no seu âmbito. Entretanto, superado o estranhamento
inicial, organizou-se um Grupo de Trabalho Em 2012, o projeto do ProfHistória
começou a se materializar. [...] Ele nasceu do interesse de um grupo de professores
do estado do Rio de Janeiro pela proposta da CAPES relativa à criação de Programas
de Pós-graduação (mestrado) Profissionais em rede nacional. [...] Concluído o
projeto do Mestrado Profissional em Ensino de História em rede nacional tendo
como âncora a UFRJ e reunindo 12 Universidades de diferentes localidades, o
resultado foi apresentado à Capes para avaliação e aprovado em agosto de 2013. Em
junho de 2014 o processo seletivo foi realizado com sucesso e a primeira turma foi
iniciada em agosto seguinte com 148 alunos, sendo 128 bolsistas. Receberam bolsas
de mestrado da CAPES todos aqueles que comprovaram vínculo com o ensino de
história na educação básica da rede pública.( Histórico do ProfHistória, s/d)15

É possível observar que, embora exista um número significativo de professores no


ensino superior que compreendem, respeitam e defendem o ambiente da educação básica como
espaço de produção de conhecimento, que militam em defesa do ensino de história e pela
valorização desse campo de atuação profissional e de produção de conhecimento histórico via
pesquisas científicas, ainda há muito a caminhar nessa luta. Certamente precisaríamos
aprofundar bastantes esse debate para melhor compreender as diversas questões que nele se
inserem. Porém, não nos propomos a fazê-lo, pois nosso intuito era tão somente historicizar o
processo de “reencontro” do ensino com a pesquisa, do professor de história com o historiador,
das práticas de ensino com a epistemologia da História.
Temos assistido nas últimas décadas debates e movimentos acerca de uma organização
de práticas educativas que se propõem a transpor o paradigma educativo centrado no ensino e
construir um caminho em direção a um modelo mais focado na aprendizagem, como podemos
encontrar nos estudos de teóricos como como Dewey (1950), Freire (2009), Rogers (1973),
Novack (1999), dentre outros, que enfatizam, já há algum tempo, a importância de superar o
paradigma de educação passiva. Logo, observamos a ascensão de uma educação histórica que
oportunize aos discentes a realização de leituras críticas dos lugares, das culturas e histórias,

15
Disponível em <https://profhistoria.ufrj.br/sobre_programa/historico_programa> acessado em 15 de março
de 2020.
107

a partir de seu lugar social, do seu cotidiano e interesses. Nesse sentido, as questões do presente
formuladas pelos alunos, serviriam exatamente de ponto de partida para a produção do
conhecimento histórico, em situações híbridas de aprendizagem, por meio da educação formal
ou não, dentro e fora da sala de aula, como já podíamos observar no final da década de noventa
a partir do PCN de História.

O domínio das noções de diferença, semelhança, transformação e permanência


possibilita ao aluno estabelecer relações e, no processo de distinção e análise,
adquirir novos domínios cognitivos e aumentar o seu conhecimento sobre si mesmo,
seu grupo, sua região, seu país, o mundo e outras formas de viver e outras práticas
sociais, culturais, políticas e econômicas construídas por diferentes povos. […]
A seu modo, o ensino de História pode favorecer a formação do estudante como
cidadão, para que assuma formas de participação social, política e atitudes críticas
diante de sua realidade atual, aprendendo a discernir os limites e as possibilidades
de sua atuação, na permanência ou na transformação da realidade histórica na qual
se insere. Essa intencionalidade não é, contudo, esclarecedora nela mesma. (PCN,
História, 1998, p. 36).

Portanto, compreendemos que o Ensino de História que pretenda contribuir com a


compreensão das importantes categorias e conceitos com as quais a ciência histórica lida em
seus esforços de análise e compreensão das experiências humanas localizadas de modo
espacial e temporal, não pode preterir ou negligenciar em promover ações que oportunizem
aos discentes e a apreensão dos fundamentos teórico metodológicos da produção do
conhecimento histórico. Nesse sentido, compreendemos que o melhor caminho didático seja
o desenvolvimento de atividades através das quais os estudantes vivenciem as práticas de
trabalho do historiador/professor e, de tal modo, se deparem com as inúmeras questões que
norteiam a construção do saber histórico.

A discussão que envolve o tema está ligada ao desenvolvimento teórico da didática


e suas implicações na sistematização do “campo do didático”. Não é nenhuma
novidade admitir que em boa parte dos cursos de licenciatura no Brasil, a despeito
da intensa produção do movimento crítico da didática desde o início dos anos 1980,
mantém-se a concepção de didática prescritiva, instrumental. Destaca-se nesta visão
tradicional de didática uma concepção epistemológica de aplicar uma teoria prévia
à prática como, também, a separação entre conteúdos/objetivos e métodos/meios,
tratando essas categorias como coisas distintas, não considerando a articulação entre
métodos de ensino e métodos da ciência ensinada. [...] Para se sustentar a ideia de
que toda didática supõe uma epistemologia, é preciso admitir que o núcleo do
problema didático é o conhecimento, no qual estão implicadas questões lógicas e
psicológicas. Isso significa reconhecer os vínculos da didática com uma filosofia,
especialmente, com uma posição epistemológica, a despeito do acentuado papel na
constituição dessa disciplina da psicologia da educação, da sociologia da educação,
da teoria social do currículo e, 84 recentemente, da linguística. Com efeito, o
conhecimento é o objeto do ensino, e para isso se estrutura a atividade de
aprendizagem. Na escola, importa que o aluno se aproprie de conhecimentos, sendo
que essa apropriação implica um modo de conhecer e os meios intelectuais e afetivos
de conhecer. (LIBÂNEO, 2010, p. 81-82).
108

Em outras palavras, defendemos a utilização da própria metodologia da pesquisa em


história como instrumento de ação didática , ou seja, uma didática na perspectiva dos estudos
da Cognição Histórica, Educação Histórica e Didática da Histórica, presentes nos trabalhos de
teóricos como Barca (2004, 2005), Schmidt (2004, 2009a, 2009b), Rüsen (2002, 2006, 2010,
2012), Urban (2009) Saddi (2010) e Silva (2012), Cerri (2013, 2017) que pesquisam e
debatem aprendizagem histórica em seus trabalhos:

As análises da cognição histórica situada no viés da Educação Histórica tomam como


referência a própria epistemologia da História. Tal perspectiva contraria a pesquisa
sobre o desenvolvimento cognitivo da aprendizagem referenciada
fundamentalmente na Psicologia da Educação.
No que tange aos processos de ensino e aprendizagem em debates sobre a Didática
da História A Educação Histórica identifica-se com está última definição uma vez
que seus princípios constitutivos, enquanto campo de ação e investigação, é de
ordem teórica e diz respeito à relação intrínseca do ensinar História com o método e
a Filosofia da Ciência Histórica, tem engrossado os debates sobre a Didática da
História, discutindo suas referências epistemológicas fundamentadas na
racionalidade histórica.
Todavia a defesa desta definição significa confrontar a existente separação entre a
Ciência Histórica e a Didática da História. Por outro lado, existe a defesa de uma
Didática da História relacionada com questões de ensino e aprendizagem que são
exteriores aos estudos históricos, e em termos gerais sintetizados numa perspectiva
relacionada à defesa de uma Didática da História como parte inerente da Ciência
Histórica, fundamentada na filosofia e teoria da história. (BARBOSA, 2016, não
paginado).

Acreditamos que o professor/historiador possa planejar atividades através das quais o


estudante venha a experienciar etapas do trabalho de um historiador e, desse modo, aprender
fazendo. As atividades podem ser organizadas por eixos temáticos ou por questões oriundas
de motivações contemporâneas demandados pelos próprios estudantes. O objetivo principal é
buscar oferecer subsídios históricos a uma leitura crítica e reflexiva do mundo e do contexto
social que nos cerca. Com a orientação do professor/historiador, os estudantes podem realizar
as atividades de modo individual e coletivo, vivenciar experiências de levantamento, seleção,
cotejo e análise de fontes históricas de diversas origens e tipos e realizar ainda revisões da
historiografia disponível.
A vivência na realização desses processos, típicos do trabalho de um historiador,
permitirá aos estudantes refletirem sobre os caminhos de produção do conhecimento, exercitar
a curiosidade investigativa, desenvolver a habilidade de formular teorias explicativas com
bases em evidências científicas, desenvolver a proficiência de leitura e interpretação de textos,
ter contato com textos de diversas origens, desde a literatura, passando pelos textos
acadêmicos, jornalísticos, publicitários, dentre outros tantos, aguçar a leitura dos implícitos,
109

estimular o olhar para a percepção dos detalhes, oportunizar o contato com o patrimônio
histórico e cultural material e imaterial, dentre outras tantas habilidades a serem desenvolvidas
a partir da análise dos inúmeros vestígios das experiências humanas que nos servem de
evidências da vida em sociedade em sua enorme complexidade.
Há alguns anos, quando a maioria dos acervos ainda não estava digitalizado, e não
havia material, tampouco catalogados disponibilizado on-line para consulta, pensar no
planejamento e execução de atividades que envolvessem fontes seria um trabalho hercúleo e
bastante complicado de se realizar. Talvez, dentro da esfera de História local fosse mais
factível, mas era praticamente inviável pensar em acessar acervos nacionais e até
internacionais. Hoje temos uma, já existem muitos acervos digitalizados, catalogados e de fácil
acesso. Há ainda muitos museus e diversos outros tipos de instituições de memória as quais
podemos visitar por meio digital, e podemos ainda visitar virtualmente monumentos e cidades
sem ter que nos deslocar, ler livros, ouvir músicas, ver filmes, séries, curtas, acessar
propagandas, acervos de jornais, dentre tantos outros vestígios da experiência humana que
podemos consultar, enquanto fontes históricas, utilizando os recursos das TDICs, que a
realização de um trabalho educativo com a utilização desses materiais se tornou mais do que
factível e se coloca praticamente como imperativo ante a uma sociedade formada por jovens
acostumados conviver com verdadeiras centrais multimídia dentro dos bolsos e na palma das
mãos.

Quase todas as problemáticas tradicionais do ofício de historiador, da delimitação de


uma hipótese de pesquisa à descoberta, ao acesso e à gestão dos documentos e das
fontes, até conseguir os fundamentos narrativos e, sobretudo, até a comunicação da
história e dos resultados de pesquisa, e, finalmente, o ensino da história, passam
agora em parte ou no todo, pela tela do computador. Essas práticas se aninham no
interior da rede. (NOIRET, 2015, p: 32-33).

Uma das primeiras e mais exitosas experiências de utilização das TDICs no ensino de
História foi a empreendida pela ONHB. Desde de sua primeira edição, ainda em 2009,
pudemos observar o trabalho que a proposta de trabalho, desenvolvida pela ONHB,
relacionava de modo bastante harmonioso a educação histórica e uso das tecnologias, tão
presentes no trabalho do historiador contemporâneo, como podemos observar nas palavras da
professor Maria Auxiliadora Schmidt, por ocasião da abertura do XXI Congresso
Internacional de Jornadas de Educação Histórica.

Entendemos que as tecnologias da informação e comunicação trazem possibilidades


de ampliar o acesso, consumo e compartilhamento da informação e dos
conhecimentos históricos, podendo ou não contribuir para a democracia.
110

Pretendemos, com a escolha do tema, ampliar a discussão sobre o uso e as


possibilidades das ferramentas e tecnologias, acreditando que elas podem ser
trabalhadas para a construção de um aprendizado histórico e, portanto, da
consciência histórica, que colabore com a construção de um mundo mais humano.
Em que os usos do passado auxiliem na extinção da dor, do sofrimento e da
dominação. (SCHMIDT, 2012, não paginado)

Talvez alguns colegas professores mais resistentes ao uso das TDICS reflitam e se
questionem acerca da necessidade da utilização dos recursos tecnológicos para realizar um
bom trabalho de educação histórica com seus alunos. Há também resistências institucionais e
diversos tipos de preconceitos, que se manifestam de muitos modos, tais como associar o
trabalho com as novas tecnologias digitais a “enrolação de aula”, alegar suposta
superficialidade, dizer que se trata de modismo, dentre outras tantas formas de resistir e
menosprezar a decisão dos colegas que optam por atuar como historiadores do seu tempo.
Aos colegas que ainda resistem, que demonstram certo incômodo, desconforto e,
sobretudo, um certo desdém às possibilidades de ensino híbrido mediado pelas TDICs, em
ambientes presenciais ou de modo remoto, talvez seja importante lembrar, a partir dos escritos
de Marc Ferro, que mencionou a existência referências feitas ao cinematógrafo, no início do
século XX, como passatempo dos iletrados, média dos idiotas. Ferro (1992), como podemos
observar em suas próprias palavras “Além do mais, no início do século XX, o que é o
cinematógrafo para os espíritos superiores, para as pessoas cultivadas? ‘Uma máquina de
idiotização e de dissolução, um passatempo de iletrados, de criaturas miseráveis exploradas
por seu trabalho”. (p. 79).
Contemporaneamente, temos observado uma profusão de conteúdo e debates sobre
História ocuparem os ambientes mais populares e profanos das diversas redes sociais, e esses
espaços são vistos por muitos historiadores como locais de discussões superficiais, de muito
achismo e, portanto, não adequados para a construção de conhecimento histórico. Porém, esse
olhar de certo desprezo e preconceito lançado pelos historiadores sobre as discussões de temas
históricos realizadas em espaços públicos, sobretudo no que se refere aos realizados em
ambientes digitais, não os impede de acontecer. Consequentemente, os referidos debates
públicos acerca de relevantes temas da História são conduzidos pelos mais diversos tipos de
“historiadores” não profissionais, que vão desde experientes jornalistas a jovens youtubers,
verdadeiros digital Influencers de História.
Acreditamos que os processos constitutivos da Cultura Histórica não admitam “vácuo
de poder”, ou seja, a ausência de historiadores nesses processos é preenchida por outros
segmentos sociais, por outras narrativas e outros modos de interpretar a experiência humana.
111

Portanto, é mais do que chegada a hora de professores/historiadores ocuparem os ambientes


digitais a fim de promover divulgação pública de conhecimento histórico e estabelecer novos
espaços e paradigmas para a própria epistemologia da História.

A constituição de sentido, necessária para a vida em sociedade, não se faz sozinha


nas consciências dos indivíduos em relação de ensino e aprendizagem histórica. É
necessário, segundo Rüsen, ter claro que a constituição histórica de sentido é um
processo de convergência que ocorre na Cultura Histórica, e que há que preencher
com sentido e significado a construção da narrativa que envolve a experiência
humana no tempo. (DIVARDIM; SCHMIDT, 2014 p.119).

Acerca da inserção de professores/historiadores no universo digital, Maynard afirma


que “A era digital tem afetado todos aqueles que praticam e estudam a história
profissionalmente”. (2016, p. 105). Anos antes, o historiador italiano Carlo Ginzburg (2010),
durante uma conferência sobre a "História na era Google", definiu a internet com espaço
fragmentado de conhecimento e o Google como uma ferramenta poderosa de pesquisa
histórica. Ainda na mesma fala, Ginzburg destaca que o Google possui um grande potencial
para a pesquisa histórica, mas ao mesmo tempo enfatiza que também pode ser utilizado para
negar a História. O que percebemos a partir das nas palavras de Ginzburg a necessidade
urgente de educação histórica a fim de que possamos educar o olhar dos estudantes à luz dos
aspectos teórico metodológicos da ciência histórica, para que eles possam de modo autônomo
realizar suas próprias pesquisas e serem sujeitos ativos na construção do seu conhecimento.

O Google é, ao mesmo tempo, um poderoso instrumento de pesquisa histórica e um


poderoso instrumento de cancelamento da história. Porque, no presente eletrônico, o
passado se dissolve. Essa contradição já está modificando o mundo em que vivemos
e em que as gerações futuras viverão. Os conceitos de presente e futuro se tornam
mais frágeis. E de passado também. Ao menos, o passado como os historiadores o
via. (GINZBURG, 2010).

O que podemos perceber, a partir das palavras de Ginzburg (2010) e de Noiret (2015),
é uma necessidade de que professores de história/historiadores ocupem os ambientes digitais,
nos quais nossos alunos já transitam com bastante desenvoltura do uso das ferramentas, mas
infelizmente sem a mesma propriedade no que diz respeito os aspectos relacionados à
epistemologia da História. A referida situação pode implicar em consequências graves,
sobretudo no que diz respeito a construção da Cultura Histórica dos jovens, que não maioria
das vezes não possuem suporte teórico metodológico pra lidar com distorções históricas
publicadas com relativa frequência. Logo, o que estamos nos propondo a discutir são modos
eficientes e significativos do professor/historiador atuar na esfera pública de produção e
divulgação de conhecimento histórico, utilizando as TDICs como importante aliada no
112

desenvolvimento de seu trabalho, seja em ambientes formais de educação, como as escolas e


universidades, ou mesmo em outros ambientes onde o conhecimento histórico esteja em
debate, seja nas redes sociais, rádios, periódicos, etc.
Temos observado que o conhecimento histórico tem, cada vez mais, ocupado espaço
nos debates travados fora dos ambientes formais de educação e, nesses contextos, percebemos
o grande interesse das pessoas em se apropriar de suportes argumentativos baseados em sua
cultura histórica a fim de legitimar suas escolhas e posicionamentos. Nesse sentido, os diversos
embates travados cotidianamente na esfera pública de atuação das pessoas, nos mais distintos
contextos sociais e ambientes de convívio, são permeados pelo conhecimento histórico, muito
embora não possamos assegurar a qualidade desse saber, nem tampouco avaliar em que
contexto ele fora construído, apropriado e sedimentado. Diante disso, temos assistido a
inúmeras distorções, intencionais ou não, relativismos e revisionismos preocupantes e
perigosos, fato que nos impele a refletir acerca das possibilidades de intervenção, enquanto
profissional de História, que nos permitam ampliar e democratizar o acesso ao conhecimento
histórico construído dentro do rigor epistemológico da ciência histórica. Foi nesse contexto, e
diante da nossa inserção social como professor da rede pública estadual do Ceará, que
enxergamos na própria sala de aula da educação básica, um importante e relevante espaço para
a realização de um trabalho com Educação Histórica em uma perspectiva de aprendizagem
histórica transformativa.

2.3 – APRENDIZAGEM HISTÓRICA TRANSFORMATIVA

Uma das discussões sempre presentes nos embates travados no campo dos estudos
acerca do currículo de História é a que gira em torno do que devemos realmente ensinar em
História e como devemos ensinar, e nesse contexto seguimos a ideia de um ensino de História
transformativo, defendido por Lee (2016), ocasião na qual o autor levanta questões acerca das
contribuições do ensino de História para as mudanças no modo de ler o mundo.

Nós não podemos dar um conjunto puro de condições suficientes para serem
cumpridas, antes que possamos dizer que alguém “sabe (algo da) história”, mas
talvez seja permitido tentar uma meta mais modesta de sugerir algumas condições
necessárias. Estas devem incluir a compreensão do que uma forma histórica de olhar
para o mundo envolve e uma vontade e capacidade de empregar tal entendimento,
juntamente com conhecimento substantivo do passado, com a finalidade de
orientação no tempo. (Lee, 2016, p. 120).
113

Compreendemos que o ensino de História deva investir em experiências de


aprendizagem histórica capazes de promover o desenvolvimento de conceitos de segunda
ordem que constituam para a construção de uma base para a compreensão dos conceitos
substantivos, ferramentas imprescindíveis para uma leitura proficiente do mundo, estreitando
cada vez mais a relação entre presente e passado, como argumenta Peter Lee:

Se entendermos o que veio acontecendo no passado, então o presente, longe de ser


cortado a partir do que o precedeu, junta-se a ele. [...] As mudanças, por exemplo,
deixam de ser circunscritas em ações e eventos individuais e incluem também
desenvolvimentos extensos e graduais. (LEE 2016, p.128-129).

Não iremos aqui aprofundar a discussão sobre os embates curriculares, mas


destacaremos o que Peter Lee denominou como condições necessárias para aprender História
e registrou em um quadro sinóptico.

Conhecer algo da história significa:

1. Compreender a história como uma forma de ver o mundo. Isto envolve uma compreensão da disciplina
de história, isto é, das ideias-chave que tornam o conhecimento do passado possível, e dos diferentes
tipos de reivindicações feitas pela história, incluindo o conhecimento de como podemos inferir e testar
afirmações, explicar eventos e processos e fazer relatos do passado.

2. Adquirir disposições que derivam e impulsionam a compreensão histórica, incluindo:


a) A disposição para produzir os melhores argumentos possíveis para quaisquer histórias que contamos
relacionadas às nossas perguntas e pressuposições, apelando para a validade das histórias e a verdade de
declarações factuais singulares. Adquirir respeito pela evidência é tão importante como a aquisição de
um conceito de evidência histórica.
b) Aceitação de que talvez sejamos obrigados a contar histórias diferentes daquelas que preferiríamos
dizer (mesmo ao ponto de questionar os nossos próprios pressupostos).
c) O reconhecimento da importância das pessoas do passado, com o mesmo respeito que gostaríamos
para nós mesmos como seres humanos. Juntos, estes elementos implicam que não devemos “saquear” o
passado para produzir histórias convenientes para presentes fins.

3. Desenvolver uma imagem do passado que permita que os alunos se orientem no tempo. Trata-se de
conhecimento substantivo coerente (às vezes chamado de conteúdo histórico), organizado sob a forma
de um passado histórico utilizável, em diferentes escalas. Isso significa ajudar os estudantes a abandonar
a visão do presente como algo separado do passado por uma espécie de apartheid temporal, permitindo-
lhes, em vez disto, localizarem-se no tempo e verem o passado simultaneamente como repressor e como
responsável por possibilidades para o futuro
114

Autor: Peter Lee - (LEE, 2016, p. 120)

Baseado na argumentação teórico-metodológica até aqui apresentada, na perspectiva


de uma História transformativa, em práticas de Educação Histórica de ofertar um modelo de
ensino de História que contribua para o desenvolvimento de um modo de pensar
historicamente, uma Estrutura Histórica Utilizável, é que aproveitamos a estrutura de
organização curricular do EMTI para planejar e ofertar um componente eletivo articulado com
esses propósitos, que valorize o conhecimento histórico, que promova engajamento discente e
que faça a diferença na vida dos envolvidos promovendo de fato uma aprendizagem histórica
significativa que o permita exercer sua cidadania na plenitude, questionando as desigualdades,
as injustiças, os privilégios e as supostas verdades absolutas. Nossa luta em defesa de um
Ensino de História transformador e que se insere no currículo escolar com uma função social
e objetivos muito bem definidos, parte da compreensão de que:

É importante salientar a natureza transformativa da história porque, sem qualquer


questionamento de que a história modifica nossa visão sobre o presente e o futuro, o
conhecimento do passado é considerado como sendo o acúmulo de fatos ou histórias
que estão necessariamente confinados a esse passado e, portanto, são irrelevantes
para qualquer situação no presente. Nestas circunstâncias, a maioria da promoção
atual da história na educação recai sobre as reivindicações instrumentais de curto
prazo, discutidas anteriormente: a história atualmente pode fazer tudo o que os
políticos acreditam ser essencial para a economia ou a coerência do Estado-nação.
Este é o tipo de justificativa sobre o lugar da história no currículo – ela pode
“promover” a cidadania, numeracia, literacia ou qualquer coisa exigida – que
incentiva os diretores e políticos a acreditarem que os argumentos para a história são
fracos. Quando tais justificativas são combinadas com as ditas “habilidades”, a
história torna-se apenas uma das muitas formas de produzir os resultados genéricos
desejados e perde sua força na luta por espaço em um currículo lotado. Isto também
nos impede de ver claramente sobre o que deve ser incluído em um currículo de
história e os objetivos tornam-se confusos ou simplesmente entregues pelos
governos.

Por conseguinte, nosso plano de intervenção escolar tem por objetivo contribuir para a
superação de problemas enfrentados no cotidiano da Educação Básica, tais como o
desestímulo dos estudantes ante as aulas de História, a compreensão equivocada de que a
História é um conhecimento já pronto, acabado e imutável, a equivocada visão de que o
conhecimento histórico possui pouca, ou nenhuma, relação com os problemas reais da
contemporaneidade, enfrentados por eles em seu cotidiano, desconstruir a terrível visão da
História como uma matéria “decorativa” nos dois sentido possíveis da palavra, o de meramente
memorizar informações, bem como o de adornar, ilustrar, decorar no sentido enfeitar, o que
levaria o estudo de história, quando muito, para uma dimensão da cultura geral, da erudição,
115

distante das questões do dia a dia e sem uma função social clara.

Pretendemos, a partir da utilização dos princípios teórico metodológicos da Educação


História e, inspirados pelo modelo da ONHB, elaborar e colocar em prática atividades através
das quais os estudantes se insiram como sujeitos ativos da construção do próprio
conhecimento, que oportunizem o aprender pela pesquisa, realizada através do ensino híbrido,
ou seja, por meios digital e analógico, presencial e à distância.

Nesse contexto, propomos a criação de uma disciplina eletiva a ser ofertada na escola
E.E.M.T.I.. – Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Walter de Sá Cavalcante, escola da
Rede Pública Estadual do Ceará, situada no bairro da Cidade dos Funcionários, em Fortaleza.
Para propor a criação da referida disciplina eletiva, nos baseamos nas orientações do próprio
Ministério da Educação (MEC), que orienta que as escolas de tempo integral devem ofertar,
além da base curricular comum, disciplinas eletivas que contemplem os seguintes eixos
temáticos: Educação em Direitos Humanos; Educação Científica; Formação Profissional/e-
Jovem – Informática; Educação Ambiental e Sustentabilidade; Mundo do Trabalho;
Comunicação, Uso de Mídias, Cultura Digital e Tecnológica; Esporte, Lazer e Promoção de
Saúde; Artes e Cultura; Clubes Estudantis e Desenvolvimento de Projetos, além do
aprofundamento de conteúdos da BNCC. No estado do Ceará há documentos específicos
construídos para orientar a implementação do sistema de tempo integral nas escolas públicas
para rede estadual; um deles é o Documento Orientador: Ensino Médio em Tempo Integral na
rede estadual do Ceará, no qual podemos ler orientações coadunam nossa proposta de oferta
de disciplina eletiva nos moldes que estamos descrevendo.

A escola deverá estruturar seu projeto pedagógico a partir de três dimensões


fundantes da prática educativa: a escola como comunidade de aprendizagem;
aprendizagem cooperativa como método pedagógico estruturante e o protagonismo
estudantil como princípio imperativo para a proposta de ensino médio. A escola, ao
se constituir como comunidade de aprendizagem, remete ao conceito de que e
educação se alicerça em dois processos basilares: as interações e a participação da
comunidade. Em outra dimensão, os princípios da aprendizagem cooperativa trazem
para a organização pedagógica a possibilidade de desenvolvimento intelectual a
partir da efetiva interação entre os estudantes. Por último, é muito importante que a
escola tenha sempre o jovem como centro do processo educativo, estimulando-o ao
protagonismo, a desenvolver a capacidade de fazer escolhas e de encontrar formas
criativas de superação. (CEARÁ, 2019, p. 8)

Nesse contexto, planejamos oferecer uma disciplina eletiva, a ser ministrada dentro dos
paradigmas da Aula-Oficina (BARCA, 2004). A referida disciplina irá trabalhar com a
metodologia da Educação Histórica e da Didática da História, considerando que o
116

conhecimento é construído a partir do acesso às fontes e documentos e da introdução dos


alunos nas práticas do processo teórico e metodológico da pesquisa em história. Nessa
perspectiva, acompanhamos Barca (2004), onde ela define, segundo os preceitos da Educação
Histórica, que existem habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos para que se tornem
competentes em História, tais como: saber ler fontes de diversas origens e níveis de
complexidade, avaliar sua validade histórica, saber cotejar essas fontes, formular hipóteses
interpretativas, dentre uma série de outras competências e habilidades.
É exatamente pensando na proposta do trabalho seguindo o conceito de Aula Oficina,
que planejamos trabalhar o programa da disciplina eletiva em dois blocos, o primeiro seria de
caráter introdutório e discutiria aspectos relacionados à teoria e metodologia da História
enquanto ciência, obviamente utilizando própria metodologia da pesquisa em História para
trabalhar seus aspectos teóricos, através de atividades práticas, realizadas de modo híbrido,
hora presencialmente, hora à distância, mediado ou não pelas TDICs, Utilizaremos uma
metalinguagem, através da qual trabalharemos a teoria e metodologia do Ensino de História
utilizando a própria teoria e metodologia em questão como estratégia didática. As referidas
atividades práticas oportunizarão meios de experienciar o métier do trabalho do historiador,
experimentando de rico a complexa diversidade de fontes, temáticas, abordagens sobre as
quais se debruça um historiador em seu universo de trabalho.
Como constructo final da disciplina ofertada, pretendemos deixar registrado, para
posterior utilização, os planos de aula, feitos em formato de sequências didáticas, e dentro da
perspectiva da Educação Histórica e Didática da História, seguindo o modelo conceitual de
Aula Oficina, que podemos conhecer a ideia geral a partir das explicações de Barca. (2004, p
131).

O pressuposto de um ensino de História orientado para o desenvolvimento de


instrumentalização essencial (trato com a fonte, concepções, vestígios, tempo e
recorte espaço temporal) – específicas (próprias da disciplina) e articuladas (o que
transita entre as disciplinas) – encontra-se explicitado nas atuais propostas
curriculares para o ensino básico e secundário. (...) ser instrumentalizado em História
passa por uma compreensão contextualizada do passado, com base na evidência
disponível, e pelo desenvolvimento de uma orientação temporal que se traduza na
interiorização de relações entre o passado compreendido, o presente problematizado
e o futuro perspectivado. As instrumentalizações em História que, numa perspectiva
de progressão gradual, se exigem aos jovens de distintos níveis de escolaridade, aos
cidadãos comuns, aos professores de História ou aos historiadores, poderão
sintetizar-se assim: Interpretação de fontes, Compreensão contextualizada E
comunicação.

Com base nessa concepção de ensino/aprendizagem de História, que privilegia o


117

próprio método da pesquisa em História como principal ferramenta didática a proposta da Aula
Oficina estabelece uma sequência de procedimentos e práticas a serem seguidas, como
observamos a seguir.

Levantar e trabalhar de forma diferenciada as idéias [sic passim] iniciais que os


alunos manifestam tacitamente, tendo em atenção que estas idéias prévias podem ser
mais vagas ou mais precisas, mais alternativas à ciência ou mais consistentes com
esta. Propor questões orientadoras problematizadoras, que constituam um desafio
cognitivo adequado aos alunos em presença e não apenas um simples percorrer de
conteúdos sem significado para os jovens. Desenhar tarefas adequadas ao
desenvolvimento das instrumentalizações em foco, que ultrapassem uma
interpretação linear das fontes ou a compreensão simplista de uma qualquer versão
histórica sobre o passado. Integrar as tarefas em situações diversificadas, não
esquecendo a potencialidade de os alunos trabalharem em pares ou individualmente,
oralmente e por escrito. Avaliar qualitativamente, em termos de progressão da
aprendizagem, o nível conceitual dos alunos, em vários momentos da(s) aula(s).
(BARCA, 2005, p. 132).

Pretendemos, desse modo, contribuir não somente para a formação de uma consciência
histórica dos estudantes, mas contribuir, a partir do exemplo e da experiência, com o processo
de formação continuada de outros colegas professores. Segundo Barca (2001), é importante
que os professores tenham contato e vivam a experiência da pesquisa histórica e, a partir dessa
vivência, aprofundem o debate em torno de conceitos inerentes ao saber histórico. Desse
modo, o conhecimento histórico produzido nas Aulas Oficina não será apenas resultado de
uma descoberta espontânea, casual ou de algo transmitido mecanicamente por um meio
externo, através de uma aula expositiva centrada na fala do professor. Teremos então, um
conhecimento resultante do trabalho realizado por todos os envolvidos no processo de
ensino/aprendizagem, bem como da interação com os meios físicos, sociais, culturais,
simbólicos, nos quais os sujeitos são envolvidos de modo ativo na construção de um
conhecimento mais significativo.
Nesse sentido, os envolvidos se relacionarão de modo mais consciente com o mundo
no qual estão inseridos e serão capazes de se posicionar de modo mais seguro e eficiente ante
aos desafios do mundo que nos cerca, como por exemplo exercer de modo pleno a cidadania,
utilizar de modo eficiente e em benefício pessoal e coletivo as Novas Tecnologias da
Informação e Comunicação (NTICs), filtrar e questionar as informações que circulam nas
diversas mídias, dentre tantos ganhos sociais.
118

CAPÍTULO 3 – UMA OFICINA DE HISTÓRIA: A CONSTRUÇÃO DE UMA


DISCIPLINA ELETIVA BASEADA EM PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO
HISTÓRICA E METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM

Partindo da premissa de que nosso objetivo principal é tentar devolver para sociedade,
através da nossa prática docente, aquilo que aprendemos durante esses anos de estudo no
Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (PPGEH) do ProfHistória/UFRN,
decidimos planejar e ofertar um produto educacional que pudesse articular o arcabouço
teórico-metodológico, do qual nos apropriamos durante a pesquisa, com propostas de
atividades práticas capazes de oportunizar experiências de aprendizagem histórica, ativas,
significativas e libertadoras, que favoreçam o desenvolvimento de autonomia por parte dos
educandos. Nesse sentido, seguimos o entendimento de Berbel (2011, p.26) quando afirma
que o professor “é o grande intermediador desse trabalho, e ele tanto pode contribuir para a
promoção de autonomia dos alunos como para a manutenção de comportamentos de controle
sobre os mesmos”. Logo, como já anunciamos, com certa provocação no título desse trabalho,
HOJE NÃO VAI TER AULA, compreendemos que as ações educativas devem ter foco no
desenho de vivências de aprendizagem nas quais o aprendiz esteja no centro e o “[...] professor
atua como facilitador ou orientador para que o estudante faça pesquisas, reflita e decida por
ele mesmo, o que fazer para atingir os objetivos estabelecidos” (BERBEL, 2011, p. 29).
Entendemos ainda que as características constitutivas de uma disciplina eletiva, inserida no
contexto da base curricular diversificada do Ensino Médio em Tempo Integral, são bastante
favoráveis ao desenvolvimento de práticas como as que descrevemos, uma vez que, via de
regra, tais turmas são formadas por estudantes que se inscreveram a partir de seu próprio
interesse e afinidade com a temática e/ou, muitas vezes, com o próprio professor.

O engajamento do aluno em relação a novas aprendizagens, pela compreensão, pela


escolha e pelo interesse, é condição essencial para ampliar suas possibilidades de
exercitar a liberdade e a autonomia na tomada de decisões em diferentes momentos
do processo que vivencia, preparando-se para o exercício profissional futuro
(BERBEL, 2011, p. 29).

Em consonância com a proposta de estímulo, a autonomia discente, e seguindo o


referencial teórico de aprendizagem histórica que defendemos durante todo o trabalho,
adotamos como ponto de partida para a elaboração do planejamento da proposta da disciplina
119

eletiva, os paradigmas teórico-metodológicos do modelo de Aula Oficina de Barca (2004) e


os axiomas epistemológicos da Educação Histórica que, nas palavras da própria Barca “tem
a preocupação em contribuir para aquilo que, talvez, falte ainda no panorama global dos
trabalhos em Ensino da História (e de alguns outros saberes): ligar a teoria à prática”
(BARCA, 2012, p. 37).
Como já dissemos anteriormente, conhecemos de perto as distintas realidades da
educação básica, desde a rede privada, que via de regra possui uma excelente infraestrutura,
nos mais diversos aspectos, até a rede pública, que na maioria dos casos apresenta enorme
deficiência em muitas questões básicas de infraestrutura.
Nos últimos anos, a E.E.M.T.I.. Walter Sá Cavalcante, unidade escolar da rede pública
estadual do Ceará, para a qual planejamos a disciplina eletiva, vem passando por algumas
melhorias em sua infraestrutura, processo esse que reputamos está relacionado a mudança da
modalidade de ensino que ocorrera no ano de 2018. Na ocasião, a referida unidade escolar
mudou da modalidade de ensino regular, em apenas um turno, para a modalidade de ensino
regular em tempo integral, que ocorre em dois turnos. Nesse contexto, a unidade escolar
passou a receber algumas adaptações para seu funcionamento em tempo integral. Porém, nem
de longe, os ajustes mencionados foram o suficiente e necessários para o bom funcionamento
da nova modalidade de ensino.
A unidade escolar em questão recebeu uma pintura, um determinado número de
armários de aço, do tipo escaninho, insuficientes para a quantidade de alunos matriculados,
algumas mesas e cadeiras para a montagem de um refeitório improvisado no meio do pátio de
convivência, uns poucos aparelhos de ar-condicionado foram repostos, já que alguns dos que
já haviam na escola estavam sem funcionar, mas não muito mais que isso. É importante
destacar que nada fora feito com relação aos diversos outros ambientes e equipamentos da
escola, como por exemplo os laboratórios de ciências, que estão completamente sucateados,
sem vidrarias, sem equipamentos, nem reagentes, a biblioteca não recebera nenhuma
atualização, seja de acervo ou de infraestrutura, a quadra poliesportiva, que já estava há muito
tempo interditada para uma obra emergencial interminável de manutenção na sua cobertura,
nada fora feito para providenciar a construção de vestiários e/ou locais adequados para higiene
pessoal, visto que a escola passaria a abrigar os estudantes em tempo integral, nem tampouco
foram providenciados espaços de socialização ou ambientes para jogos como xadrez, tênis de
mesa, pebolim, dentre outros, não ocorreu nenhuma atualização no laboratório escolar de
informática, que funcionava até o início de 2020 em uma sala insalubre, com bastante mofo,
climatizada apenas por pequeno e velho ar-condicionado do tipo janeleiro, e contava somente
120

com uns sete computadores, do tipo desktop, bastante obsoletos e com um acesso à internet
muito lento e instável.
Em resumo, a impressão que tivemos ao observar o processo de implementação da
nova modalidade de ensino, o tempo integral, foi que toda correria e o improviso feito para
dar início, mesmo que precário, à modalidade de ensino médio em tempo integral na
E.E.M.T.I. Walter Sá Cavalcante, estava muito mais ligado ao anseio de acrescentar mais
unidades escolares às estatísticas governamentais do EMTI, do que um esforço autêntico no
sentido da melhoria da qualidade do ensino.
Diante do exposto, e na perspectiva de contribuir para a superação das dificuldades e
desigualdades apresentadas, foi que decidimos escolher a escola pública, especificamente a
E.E.M.T.I.. Walter Sá Cavalcante, como locus de nossa proposta de intervenção escolar. A
referida escolha se justifica por uma série de questões, que vão desde a estrutura curricular
diferenciada do EMTI, que possibilita a oferta de disciplinas eletivas dentro do espectro da
base curricular diversificada, permitindo uma maior flexibilidade na escolha dos temas, na
definição da abordagem metodológica e na seleção de matérias, sobretudo por não se prender
a conteúdos substantivos, que praticamente ditam a base dos currículos tradicionais, até chegar
a possibilidade de propor atividades capazes de estimular a cognição histórica e de tal modo
fomentar o desenvolvimento de uma estrutura de pensamento histórico que permita aos
discentes ler o mundo de modo mais crítico e reflexivo, com maior proficiência e à luz do
conhecimento histórico, exercendo na plenitude sua condição de sujeito histórico e cidadão.

3.1 – O ENSINO MÉDIO EM TEMPO INTEGRAL NO ESTADO DO CEARÁ

A Educação em tempo Integral tem por perspectiva assegurar o desenvolvimento dos


educandos nas mais diversas dimensões, tais como: intelectual, física, socioemocional,
cultural, política etc. Trata-se de uma proposta de educação alinhada às demandas sociais da
contemporaneidade, uma vez que tem entre seus princípios norteadores, a formação de sujeitos
críticos, reflexivos e autônomos, que possam atuar de modo socialmente ativo e responsável
na sociedade em que se inserem. Como podemos perceber, nossa proposta de eletiva vai ao
encontro dos princípios que norteiam o modelo de ensino em tempo integral. As atividades
que propomos ao longo das sequências didáticas, disponíveis em anexo a esse texto
dissertativo, tem por premissa partir de questões problema vinculadas ao cotidiano dos
estudantes na busca por estabelecer pontes históricas que possibilitem uma aproximação do
121

passado, dentro da perspectiva de regimes de historicidade16, que nos permita refletir o


presente à luz da experiência humana.
Em outubro de 2016, o governo federal publicou em Diário Oficial da União (DOU)
uma portaria que institui um programa de incentivo a adesão dos Estados ao EMTI – Ensino
Médio em Tempo Integral. Na ocasião, o Ministério da Educação (MEC) afirmava que o
Programa de Fomento à Implementação de Escolas de Tempo Integral tinha como objetivo
compartilhar com os estados e Distrito Federal a responsabilidade de implementação do EMTI,
em consonância com as metas 317 e 618 do Plano Nacional de Educação (PNE). No estado do
Ceará, o início das ações governamentais em direção a implementação do EMTI , ocorreu
somente em julho de 2017, com a publicação, em Diário Oficial do Estado (DOE), de uma lei
que estabelecia a política de implementação do EMTI no âmbito da rede estadual e definiu dez
objetivos a serem buscados a partir da implantação da referida política pública.

§ 1º A Política a que se refere o caput também terá por finalidade: I - ampliar as


oportunidades para formação integral dos jovens cearenses de modo a respeitar seus
projetos de vida; II - aperfeiçoar o serviço educacional oferecido nas escolas
estaduais com vistas a corresponder às expectativas da sociedade cearense; III -
cumprir as metas dos Planos Nacional e Estadual de Educação relacionadas ao
Ensino Médio; IV - melhorar os indicadores que medem a qualidade educacional das
escolas públicas estaduais de Ensino Médio; V – promover campanhas e ações no
âmbito escolar sobre a relevância dos valores morais e éticos para a boa convivência
entre os discentes, com ênfase ao combate e prevenção à violência dentro das escolas
da Rede Pública de Ensino Médio Integral; VI – monitorar o cumprimento de suas
metas com avaliações periódicas de acordo com Plano Nacional e Estadual de
Educação, preferência semestral, para corrigir em tempo hábil as irregularidades e
manter o desempenho almejado; VII – promover a educação para a paz e a
convivência com as diferenças; VIII – garantir o aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico; IX – assegurar a preparação básica para o
trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz
de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores; X - ensejar a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada
disciplina. (CEARÁ, 2017, p.1)

Ainda no que se refere às definições e orientações estabelecidas pelo governo estadual


do Ceará, no que concerne à política pública de implementação do EMTI, pudemos observar
o compromisso governamental com a ampliação paulatina da oferta de vagas no EMTI, através

16
Trata-se de uma categoria utilizada por François Hartog para caracterizar modos específicos de experiências
como o tempo, nas quais ocorre uma relação dialética entre as instâncias temporais, passado, presente, futuro,
não havendo dominância de uma sobre a outra.
17
Meta 3 – PNE: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17
(dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino
médio para 85% (oitenta e cinco por cento)
18
Meta 6 – PNE: Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas
públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica
122

da construção de novas escolas, bem como por meio da imprescindível adequação das
unidades escolares já existentes às necessidades específicas impostas pelo currículo do EMTI.
Consideramos que, lamentavelmente, o compromisso assumido pelo poder público de
construção de novas escolas e, sobretudo, o da adequação das unidades escolares já existentes,
como podemos perceber no § 2º do DOE de 21 de julho de 2017 “As escolas já existentes ou
em funcionamento que passem a ofertar o Ensino Médio em tempo integral deverão ter suas
instalações arquitetônicas adaptadas em conformidade com a proposta pedagógica
estabelecida nesta Lei”. (CEARÁ, 2017, p.1), infelizmente as adaptações arquitetônicas não
foram realizadas a contento, fato que pudemos comprovar empiricamente em nosso cotidiano
de trabalho na E.E.M.T.I. Walter Sá Cavalcante. Lamentavelmente, a falta de adequação da
infraestrutura escolar às demandas curriculares do EMTI, compromete significativamente a
efetivação da proposta pedagógica das EMTI, fato que discutiremos mais detalhadamente um
pouco mais a diante.
No entanto, não obstante a todas as dificuldades enfrentadas no cotidiano do chão da
escola, sobretudo as relacionadas aos problemas de infraestrutura mencionados anteriormente,
ainda que de passagem, entendemos que a nossa proposta de produto educacional baseada
utilização de metodologias ativas e cooperativas de ensino/aprendizagem e fundamentada nos
princípios científicos da Educação Histórica dialoga de modo bastante harmônico e articulado
com a proposta curricular do EMTI.

Art. 2º As Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral – E.E.M.T.I.s, deverão


desenvolver uma proposta pedagógica que atenda às seguintes características: I -
currículo flexível, com vistas a oferecer itinerários formativos diversificados e em
diálogo com os projetos de vida de cada estudante e articulado com o
desenvolvimento de competências socioemocionais; II - acompanhamento
individualizado de cada estudante na perspectiva de garantir sua permanência e
aprendizagem, promovendo, assim, maior equidade; III - implementação de
métodos de aprendizagem baseados na cooperação, na pesquisa científica como
princípio pedagógico e no trabalho como princípio educativo; IV - maior
envolvimento da comunidade e da família dos alunos nas atividades escolares.
(CEARÀ, 2017, p. 1-2)

Ainda em janeiro de 2016, antes da publicação do programa de incentivo do MEC às


Secretarias Estaduais de Educação para implementação das EMTI, antes mesmo da publicação
da lei que regulamentaria a criação do EMTI no Ceará, a Secretaria de Educação do Estado do
Ceará (SEDUC), em consonância com o que estabeleceu a meta 6 do PNE, já refletia sobre a
temática em questão e se movimentava no sentido da elaboração de uma proposta de
organização curricular para as escolas de EMTI que viriam a ser implantadas no estado. Na
proposta de organização curricular formulada em 2016, podemos observar, logo em sua
123

abertura, a defesa de importantes princípios e fundamentos que nortearam sua elaboração, tais
como a formação do ser humano de modo integral, respeito e estímulo às potencialidades dos
indivíduos e a defesa de uma educação pública de qualidade que possa assegurar
aprendizagem, desenvolvimento e emancipação humana. É exatamente nessa perspectiva de
educação emancipadora em que ancoramos nossa proposta de disciplina eletiva, cujas
atividades buscam oportunizar experiências através das quais os estudantes possam
desenvolver uma melhor percepção dos conflitos de interesses, dos jogos de poder, das
disputas de narrativas, do ordenamento social, dentre tantas outras questões de extrema
relevância para uma melhor compreensão do nosso lugar dentro dessa arena social que é a vida
em comunidade. Logo, nossa proposta de disciplina eletiva, nossa Oficina de Educação
Histórica, serve de modo harmônico ao projeto educação emancipadora expresso nos
documentos oficiais do Estado do Ceará.

A organização da escola em tempo integral é uma estratégia defendida por todos que
querem que a educação formal desenvolvida em estabelecimentos públicos consiga
proporcionar aos filhos de trabalhadores uma formação integral e que respeite seus
potenciais, direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Nesse sentido, deve ser
uma política fundamentada na concepção de uma educação que desenvolva na sua
integralidade as dimensões física, afetiva, cognitiva, intelectual e ética do ser
humano, por meio da ampliação do tempo, espaço e currículo. (CEARÁ, 2016, p.2)

A proposta curricular do EMTI no estado do Ceará também propõe uma importante


reflexão sobre o papel da escola, quando traz para o debate a relevância de se repensar as
possibilidades de apropriação dos espaços internos e externos da escola, dentre os quais eu
acrescentaria os ambientes virtuais, e de compreendê-los como ambientes propícios para a
aprendizagem contextualizada e significativa. Sugere ainda que a educação integral deva ser
capaz de promover a aprendizagem e o desenvolvimento dos discentes, nos seus mais diversos
aspectos, tais como o conceitual, procedimental e atitudinal, a partir de vivências sociais que
oportunizem a apropriação dos processos metodológicos da científica. Há ainda uma clara
orientação para que o currículo contemple os conteúdos da BNCC, naquele momento ainda
em fase de estudos não homologada, e atividades educativas diferenciadas, o que mais tarde
iríamos conhecer como base curricular diversificada. Em nossas sequências didáticas
propomos diversas atividades que oportunizam o contato dos estudantes com os princípios da
museologia, da educação museal, dos debates sobre patrimônio, educação patrimonial, das
questões sobre memória e usos da memória, dentre outras questões que norteiam e estão na
base estrutural das chamadas instituições de História, Memória e Patrimônio, tais como os
museus, os arquivos públicos, os memoriais, os monumentos, as manifestações artísticas
124

dentre outras, todas devidamente descritas no documento anexo ao texto dissertativo;


propomos inclusive atividades de visitação guiadas e orientadas a instituições de História,
memória e patrimônio, além de propor experiências de coleta de acervos, classificação,
curadoria, montagem de exposições, dentre outras formas de aprender fazendo e refletindo
sobre o que está sendo vivenciado. Desse modo, estamos contemplando a proposta do Estado
quando afirma que o ensino médio:

[...] na perspectiva da educação integral vai além do campo formativo do estudante,


busca o desenvolvimento cognitivo, estético, ético e histórico, por meio de atividades
interdisciplinares e transdisciplinares que valorizem as potencialidades dos
estudantes. Com a oferta da educação em tempo integral, a escola passa a ser
articuladora e gestora de espaços e tempos. Dessa forma, é preciso verificar os
espaços das escolas tendo em vista a potencialização do seu uso e de sua
infraestrutura para adequá-lo a jornada necessária. Além dos espaços internos, já
“conquistados”, faz-se necessário conquistar novos “territórios pedagógicos”
imersos no seio da comunidade, até então não reconhecidos como favoráveis à
aprendizagem e às vivências de conceitos, de práticas sociais, culturais e artísticas;
para aprofundamento de teorias e exercício do método científico. Assim, o currículo
deve ser mesclado entre os conteúdos estabelecidos na base comum em nível
nacional e atividades educativas diferenciadas que contribuam para formação
integral do estudante. (CEARÁ, 2016, p.2)

A referida proposta curricular do EMTI do estado do Ceará segue as Diretrizes


Curriculares Nacionais (DCN) para o Ensino Médio, atualizada em novembro de 2018 e a Lei
de Diretrizes de Base da Educação (LDB), atualizada pela Lei nº 13.415/2017, quando
estabeleceu as diretrizes para o novo ensino médio. O MEC, em resolução publicada do DOU
de 21 de janeiro de 2018, tratou de sistematizar e apresentar o conjunto de atualizações da
legislação educacional, da qual destacamos o Art. 8º no qual afirma que as propostas de
organização curricular do ensino médio devem:

I - garantir o desenvolvimento das competências gerais e específicas da Base


Nacional Comum Curricular (BNCC); II - garantir ações que promovam: a) a
integração curricular como estratégia de organização do currículo em áreas do
conhecimento que dialogue com todos os elementos previstos na proposta
pedagógica na perspectiva da formação integral do estudante; b) cultura e linguagens
digitais, pensamento computacional, a compreensão do significado da ciência, das
letras e das artes, das tecnologias da informação, da matemática, bem como a
possibilidade de protagonismo dos estudantes para a autoria e produção de inovação;
c) o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; d) a língua
portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício
da cidadania; III - adotar metodologias de ensino e de avaliação de aprendizagem
que potencializem o desenvolvimento das competências e habilidades expressas na
BNCC e estimulem o protagonismo dos estudantes; IV - organizar os conteúdos, as
metodologias e as formas de avaliação, por meio de atividades teóricas e práticas,
provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades online, autoria, resolução
de problemas, diagnósticos em sala de aula, projetos de aprendizagem inovadores e
atividades orientadas, de tal forma que ao final do ensino médio o estudante
demonstre: a) competências e habilidades na aplicação dos conhecimentos
125

desenvolvidos; b) domínio dos princípios científicos e tecnológicos que estão


presentes na produção moderna; c) práticas sociais e produtivas determinando novas
reflexões para a aprendizagem; d) domínio das formas contemporâneas de
linguagem; V - considerar a formação integral do estudante, contemplando seu
projeto de vida e sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais;
VI - considerar que a educação integral ocorre em múltiplos espaços de
aprendizagem e extrapola a ampliação do tempo de permanência na escola.
(BRASIL, 2018, p. 4-6)

Logo, foi em consonância com legislação educacional vigente, com os documentos


orientadores oficiais e com o arcabouço teórico metodológico já apresentado, que planejamos
nosso produto educacional, afim de contribuir na obtenção dos objetivos estabelecidos nos
referidos textos oficiais, mas sobretudo, a fim de promover um modelo de aprendizagem
histórica ativo e significativo. Nossas ações didáticas, contidas no plano de curso da Oficina
de educação Histórica anexa a esse trabalho, apresenta uma série de propostas de atividades
articuladas e organizadas de modo a proporcionar aos estudantes múltiplas e diversas
experiências de aprendizagem capazes de estimular o desenvolvimento de competências e
habilidades intimamente relacionadas a lida com o conhecimento histórico, atividades essas
que vão desde: 1. analisar textos literários, que possibilitem o contato com a literatura
enquanto fonte histórica, produzida em um determinado contexto, portadora de um regime de
historicidade e, portanto, passível de ser interpretada como fonte histórica, testemunho de seu
lugar de produção; 2. navegar por diversos acervos digitais, desde os mais tradicionais, como
os acervos públicos oficiais, já organizados e catalogados por profissionais de História,
passando por uma infinidade de testemunhos históricos, dos mais diversos tipos, disponíveis
no informe da web, oportunizando assim um aprendizado acerca da infinidade de fontes
históricas passíveis de leitura e interpretação por parte dos historiadores, permitindo ainda
avaliar a validade e viabilidade de determinadas, o cotejo entre fontes, além de diversos
aprendizados relacionados ao processo de letramento histórico digital; 3. desenvolver
habilidades transdisciplinares, tais como a interpretação de textos verbais e não verbais, a
partir da análise de fontes escritas, imagéticas, ou oriundas da cultura material, a percepção de
mensagens implícitas e explícitas, disputas narrativas, dentre outras competências
relacionadas à interpretação de fontes; 4. aprender História a partir das categorias e conceitos
estruturantes da ciência de referência, através de experimentos didáticos que possibilitem o
contato com conceitos meta-históricos tais como narrativa, disputas narrativas, História e
memória, cultura patrimônio e rituais de patrimonialização, regimes de temporalidade e
historicidade, micro História, História vista de baixo, História dos excluídos, dentre outros.
Observando o documento norteador do EMTI no estado do Ceará, no qual se encontra
126

a proposta curricular da referida modalidade de ensino, encontramos a premissa de que “pensar


no tempo integral requer um empenho em dar ao currículo escolar uma diversificação nos seus
conteúdos e formas de nos comunicar”. (CEARÁ, 2019, p. 5), podemos perceber então, que
nossa proposta de componente curricular eletivo corrobora os objetivos e propósitos do EMTI
no estado do Ceará. Nesse sentido, o que estamos propondo se articula muito bem com o
modelo de diversificação curricular contido no documento orientador da SEDUC-CE, como
podemos verificar em seu próprio texto.

A diversificação curricular também oportuniza o protagonismo estudantil através da


criação de disciplinas eletivas que contemplem os interesses dos alunos. A
articulação dos diversos temas faz com que as disciplinas convencionais ganhem um
redesenho, incorporando elaboração de projetos, investigação do meio, aulas de
campo, construção de protótipos, visitas técnicas, atividades artístico-culturais e
desportivas. Essa descentralização dos conteúdos das disciplinas é substituída por
aspectos mais globais, atendendo as complexidades das relações existentes na
ciência e no cotidiano. (CEARÁ, 2019, p. 5).

Desse modo, fica demonstrado o compromisso como um modelo educacional que visa
situar o aluno no centro do processo de aprendizagem, através da abordagem de problemas
cotidianos a partir de recortes temáticos e por meio de ferramentas investigativas oriundas do
próprio método científico de pesquisa, oportunizando a estudantes e professores a
experimentação de diversas estratégias metodológicas na construção do conhecimento dentro
do contexto escolar. Podemos observar ainda a tendência a uma aprendizagem contextualizada
e articulada a uma abordagem transdisciplinar, compreendendo que em situações cotidianas
os diversos saberes que, por muito tempo estiveram rigidamente divididos em disciplinas, se
apresentam de modo interligado e complexo. Tal modelo educativo também se apresenta como
integral no sentido que não se limita a exercer uma função meramente instrucional, muito pelo
contrário, se propõe a contribuir com o desenvolvimento integral do educando, dentro de uma
“noção de integralidade não consiste apenas em ampliar o tempo, mas em atender os
estudantes nas suas necessidades de formação integral, favorecendo o desenvolvimento de
competências pessoais, sociais, acadêmicas e profissionais” (CEARÁ, 2019, p. 6).
A experiência com o EMTI na rede pública do Estado do Ceará é relativamente recente,
uma vez que a primeira experiência ocorreu em 2006, com o Colégio Estadual Justiniano de
Serpa, em Fortaleza, para depois, em 2008, ofertar a modalidade de ensino médio integrado
ao profissionalizante e em tempo integral em 25 unidades escolares distribuídas no estado. Em
2019 esse número ultrapassou as 115 unidades escolares, sendo ofertado agora, não mais
apenas no ensino profissionalizante, mas também a modalidade de ensino regular.
Segundo a SEDUC-CE, a elaboração da matriz curricular das escolas em tempo
127

integral do estado do Ceará se fundamenta em quatro dimensões pedagógicas “1) a pesquisa


como princípio pedagógico; 2) o trabalho como princípio educativo; 3) a desmassificação do
ensino; 4) itinerários formativos diversificados.” (CEARÁ, 2019, p. 8). Nossa proposta de
produto educacional, uma disciplina eletiva, contempla às quatro dimensões pedagógicas já
mencionados, uma vez que: 1. propõe ter a epistemologia da ciência histórica e a pesquisa
como principal método de ensino/aprendizagem; 2. se compromete com a utilização de
ferramentas e metodologias ativas de aprendizagem que estimulam o protagonismo, a
criatividade e a aprendizagem colaborativa, habilidades e competências extremamente
relevantes no mundo contemporâneo; 3. pretende, a partir de situações contextualizadas,
personalizar as situações aprendizagem, como foco no aprendente; 4. se empenha no
desenvolvimento e aplicação de situações de aprendizagem que tenham como base a leitura e
interpretação do mundo que nos cerca a partir da análise da enorme diversidade de vestígios
da vida humana, as fontes históricas, disponíveis para estudo.

3.2. – O PAPEL DAS DISCIPLINAS ELETIVAS COMO COMPONENTE DA BASE


CURRICULAR DIVERSIFICADA DO NOVO ENSINO MÉDIO

A proposta curricular das escolas de EMTI do estado do Ceará seguem a Diretrizes


Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), que por sua vez se articula com as
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (DCN). Em publicação no DOU,
publicado em 21 novembro de 2018, que atualizou as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio, podemos perceber com clareza os princípios orientadores do ensino médio,
nas suas mais distintas modalidades.

Art. 5º O ensino médio em todas as suas modalidades de ensino e as suas formas de


organização e oferta, além dos princípios gerais estabelecidos para a educação
nacional no art. 206 da Constituição Federal e no art. 3º da LDB, será orientado pelos
seguintes princípios específicos:
I - formação integral do estudante, expressa por valores, aspectos físicos, cognitivos
e socioemocionais; II - projeto de vida como estratégia de reflexão sobre trajetória
escolar na construção das dimensões pessoal, cidadã e profissional do estudante; III
- pesquisa como prática pedagógica para inovação, criação e construção de novos
conhecimentos; IV - respeito aos direitos humanos como direito universal; V -
compreensão da diversidade e realidade dos sujeitos, das formas de produção e de
trabalho e das culturas; VI - sustentabilidade ambiental; VII - diversificação da oferta
de forma a possibilitar múltiplas trajetórias por parte dos estudantes e a articulação
dos saberes com o contexto histórico, econômico, social, científico, ambiental,
cultural local e do mundo do trabalho; VIII - indissociabilidade entre educação e
prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos
128

protagonistas do processo educativo; IX - indissociabilidade entre teoria e prática no


processo de ensino-aprendizagem. (BRASIL, 2018, p. 1-2)

No que se refere à questão das disciplinas eletivas, componente curricular da base


diversificada, encontramos também, na própria legislação, orientações e diretrizes que balizam
sua construção, como por exemplo o que está disposto no Art. 6º do DOU de 21 de novembro
de 2018 atualização das DCNEM na qual encontramos uma defesa explícita da formação
integral dos estudantes. O referido documento enfatiza o papel dos componentes eletivos no
estímulo ao desenvolvimento dos discentes em seus aspectos físicos, cognitivo e
socioemocional, o fomento ao desenvolvimento de práticas educativas que promovam a
autonomia discente, contribuam para a formação cidadã, estimulem o protagonismo do jovem
em seu percurso formativo, a construção de um modelo educativo baseado no
desenvolvimento de competências e habilidades, relacionadas aos conhecimentos
contemplados na BNCC e postos em prática em situações problema complexas que exijam a
mobilização e aplicação de múltiplos saberes combinados. Aponta ainda, no sentido do
desenvolvimento de percursos formativos que contemplem os interesses dos discentes e que
oportunizem reflexões acerca de questões de relevância social, customizando as abordagens
didáticas de modo a contemplar de modo mais significativo a comunidade educativa na qual
a unidade escolar se insere socialmente.
Como já fora observado, citado e analisado anteriormente, o currículo das EMTI é
formado por uma base curricular comum, composta por componentes curriculares mínimos e
comuns a todas as escolas de ensino médio do país e pelos componentes da matriz curricular
diversificada, que devem ser pensados a partir da contexto sócio-histórico no qual se inserem
as redes e/ou unidades escolares. As EMTIs devem planejar e ofertar um currículo organizado
a partir de itinerários formativos, que são possibilidades de percursos de formação através dos
quais os discentes podem estruturar seu processo educativo de modo a desenvolver e
aprofundar habilidades e competências em uma determinada área de conhecimento ou atuação
profissional. Nesse sentido, compreendemos que as disciplinas eletivas se inserem como
elementos importantes na composição dos itinerários formativos, uma vez que
complementam, potencializam e até mesmo ampliam as experiências de aprendizagens
trabalhando não somente os componentes da BNCC, mas extrapolando essas perspectivas de
aprendizagem e possibilitando o desenvolvimento de diversas outras valências humanas.
Compreendemos que nossa proposta de disciplina eletiva está harmonicamente
articulada às diretrizes e orientações prescritas nos documentos oficiais que versam sobre o
EMTI, uma vez que planejamos ofertar uma disciplina cujo principal premissa didática é a
129

utilização da própria metodologia da pesquisa em História como estratégia de aprendizagem.


Planejamos oportunizar aos estudantes experiências de aprendizagem contextualizadas e
socialmente relevantes capazes de estimular e desenvolver a reflexão crítica, oportunizar o
desenvolvimento de habilidades e competências conceituais, através das quais os educandos
se apropriaram de categorias e conceitos estruturantes das ciências humanas, procedimentais
relacionadas aos métodos de investigação, produção e divulgação científica, e atitudinais, por
meio das quais o discente possa ser capaz de desenvolver alteridade, empatia, senso de
pertencimento e coletividade, e sobretudo seja capaz de intervir de modo construtivo e
colaborativo na comunidade na qual se insere.
A documentação oficial do estado do Ceará, ao se referir ao papel dos itinerários
formativos dentro do currículo do EMTI, afirma que é fundamental que os itinerários sejam
pensados a partir das demandas e necessidades do mundo contemporâneo, que precisa se
articular a diversidade de interesses e a inserção social dos jovens, favorecer a ampliação e o
aprofundamento da aprendizagem em sua área de conhecimento, oportunizar o
desenvolvimento de processos cognitivos através do uso de metodologias que favoreçam o
protagonismo discente, assim como deve ser organizado com base nos seguintes eixos
estruturantes.

I - investigação científica: supõe o aprofundamento de conceitos fundantes das


ciências para a interpretação de ideias, fenômenos e processos para serem utilizados
em procedimentos de investigação voltados ao enfrentamento de situações
cotidianas e demandas locais e coletivas, e a proposição de intervenções que
considerem o desenvolvimento local e a melhoria da qualidade de vida da
comunidade; II - processos criativos: supõe o uso e o aprofundamento do
conhecimento científico na construção e criação de experimentos, modelos,
protótipos para a criação de processos ou produtos que atendam a demandas pela
resolução de problemas identificados na sociedade; III - mediação e intervenção
sociocultural: supõe a mobilização de conhecimentos de uma ou mais áreas para
mediar conflitos, promover entendimento e implementar soluções para questões e
problemas identificados na comunidade; IV -empreendedorismo: supõe a
mobilização de conhecimentos de diferentes áreas para a formação de organizações
com variadas missões voltadas ao desenvolvimento de produtos ou prestação de
serviços inovadores com o uso das tecnologias. (CEARÁ, 2018, P. 6-7)

A SEDUC-CE edita e divulga anualmente um catálogo contendo sugestões de ementas


de disciplinas eletivas apresentando informações coletadas e compiladas no contexto das
diversas E.E.M.T.I. da rede pública estadual do Ceará. As ementas em questão são resultado
do planejamento de diversos professores da rede, e por isso mesmo são diversas em forma e
conteúdo, não apresentando grande rigor ou padronização, a não ser pelo fato de seguirem um
instrumental que as organiza e estrutura minimamente. Divulgadas para que outros
130

profissionais possam delas se apropriar, e até mesmo personalizar, ou ressignificar, as ementas


trazem apenas informações básicas como a área de conhecimento, um recorte temático, alguns
objetivos, sugestões de conteúdo e uma bibliografia básica, deixando espaço para os mais
diversos tipos de adequações ou personalização.
Dentre as diversas possibilidades de propostas apresentadas no catálogo de eletivas da
SEDUC-CE, selecionamos a proposta de disciplina intitulada Análise de Fontes Históricas
para servir de base para a construção do planejamento de disciplina eletiva a qual nos
propomos. A escolha em questão se justifica por diversas razões, que vão desde.: 1. o ponto
de partida inicial da proposta de disciplina ser o trabalho de análise de fontes históricas,
material base de trabalho do historiador e metodologia essencial dentro da perspectiva
epistemológica da ciência histórica; 2. passando pelos objetivos estabelecidos, que estão
relacionado ao desenvolvimento da criticidade e da consciência histórica; 3.passando ainda
pela proposta de recorte temático cuja abordagem claramente remete a um trabalho que busca
valorizar a compreensão das escolas de pensamento historiográfico e pelos métodos e técnicas
do ofício do historiador; 4. até chegar às atividades com um grande espectro de tipologias de
fontes, dando ênfase à compreensão de que todo vestígio da experiência humana pode e deve
ser visto como fonte histórica.

Figura 4 – Catálogo de Componentes Eletivos CEARÁ, 2020, P. 162)

Enfatizamos a compreensão de que as disciplinas eletivas, como parte flexível do


currículo, podem e devem cumprir um papel de verticalização, no sentido de aprofundamento
131

dos estudos acerca das categorias e conceitos estruturantes das disciplinas da base comum
curricular, uma vez que, via de regra, não conseguimos trabalhar tais pontos como
gostaríamos. As dificuldades ocorrem devido a uma série de fatores, que vão desde a
exiguidade de tempo ante a uma carga horária reduzida, passando por salas de aula bastante
heterogêneas, formadas por estudantes com níveis e interesses diversos, até chegar a
obrigatoriedade de cumprimento do currículo básico repleto do que Lee (2001) chamou de
conceitos substantivos, os fatos e processos históricos propriamente ditos, tais como a
Revolução Francesa, e Independência do Brasil, dentre outros. Podemos perceber essa
perspectiva, expressa com certa clareza, em diversos documentos oficiais acerca do EMTI no
estado do Ceará, onde se afirma que:

Essa organização curricular propicia a ampliação, a diversificação e o


aprofundamento de conceitos, de procedimentos ou de temáticas ligadas à Base
Comum que, geralmente, não são abordados com a intensidade que os estudantes,
interessados por determinado tema, gostariam de experimentar. (CEARÁ, 2017,
p.1).

Outro aspecto bastante interessante que podemos observar nas orientações acerca da
elaboração das propostas de componentes eletivos, é o fato de não haver uma obrigatoriedade
de divisão e organização dos estudantes em turmas separadas por série, embora muitas escolas
assim o façam. Nesse sentido, vale a pena refletir e ponderar acerca do fato de que o nível de
proficiência de um estudante em uma determinada área do conhecimento não necessariamente
é determinado pela série curricular formal a qual ele está vinculado. É possível argumentar em
defesa da ideia em questão, sobretudo porque parte desse processo de amadurecimento
acadêmico muitas vezes pode ocorrer fora dos ambientes de educação formal, por meio de
estratégias de autodidatismo, por um processo autônomo de busca de conhecimento ou mesmo
pelo próprio contato como a cultura histórica que permeia as relações sociais nas quais as
pessoas estão inseridas. É bastante comum encontrarmos estudantes que, mesmo estando em
séries iniciais do ensino médio, demonstram um nível de maturidade, análise, e interpretação
dos processos históricos, das categorias e dos conceitos. É interessante perceber que a ONHB,
possivelmente, tenha seguido essa perspectiva quando não separou os participantes por níveis
de escolaridade, permitindo inclusive a composição de equipes formadas por estudantes de
diferentes níveis, situados entre os dois anos finais do ensino fundamental, 8º e 9º anos, e as
três séries do ensino médio. Reforçando essa ideia, destacamos que pesquisadores como Barca
(2000 e 2004), Lee (2002 e 2006), Schmidt e Garcia (2006) e Schmidt e Cainelle (2004),
enfatizam a importância de buscar compreender o processo de desenvolvimento das
132

explicações históricas, da interpretação, da imaginação, da inferência, de evidência, de


narrativa, da multi perspectividade, dentre outros conceitos de segunda ordem, como bases
epistemológicas da aprendizagem histórica estruturada no conhecimento como Cognição
Histórica.

Em cada tempo eletivo, os estudantes devem ser enturmados de acordo com suas
escolhas ou necessidades, independentemente da série que cursam. Esse
procedimento de enturmação se justifica por duas razões: a primeira, permite a
ampliação das possibilidades de oferta de componentes curriculares eletivos pela
escola; a segunda, não menos importante, permite a interação entre os estudantes
com diferentes experiências, que, em potencial, pode ressignificar a aprendizagem
escolar. (CEARÁ, 2017, p.1).

A SEDUC-CE enfatiza a importância do protagonismo do estudante estimulando sua


autonomia na escolha das atividades eletivas, sugerindo que o discente deve exercitar
livremente o direito de escolha das atividades eletivas. Ressalta também a necessidade de
articulação dos itinerários formativos com o projeto de vida do estudante. Afirma ainda que
componentes eletivos diversificam o currículo e oportunizam aos discentes a construção de
itinerários formativos de acordo com seus interesses e necessidades, tendo como elemento
norteador o seu próprio projeto de vida. Orienta ainda que as disciplinas eletivas, como parte
integrante dos itinerários formativos, sejam elaboradas a partir da manifestação de interesse
dos alunos, da identificação de necessidades educativas, das habilidades e competências dos
professores, e das possibilidades de parceria com outras instituições e/ou com a comunidade.
As disciplinas eletivas são cadastradas no Sistema Integrado de Gestão Escolar (SIGE)
e ofertadas em rede, permitindo que professores das diversas unidades escolares, situadas em
todo o estado, possam ter acesso à documentação básica da proposta de disciplina eletiva e
decidam, junto com a equipe pedagógica da E.E.M.T.I., que eletivas ofertar aos estudantes de
sua unidade escolar. Respeitando a autonomia escolar e, sobretudo a diversidade de realidades
sócio-históricas existentes no cenário estadual, a SEDUC-CE assegura a possibilidade das
unidades escolares, através de seus professores e gestores, proporem a inclusão de disciplinas
que não estejam previamente listadas no catálogo compilado e disponibilizado periodicamente
pela SEDUC. Porém, nesse caso, é necessário a prévia disponibilização da proposta de
disciplina através do envio da ementa preenchida em formulário padrão19 para que possa ser
analisada, aprovada e incluída no SIGE.
Outro aspecto a ser destacado acerca dos componentes eletivos, que constituem a base

19
O formulário disponibilizado pela SEDUC-CE para elaboração da ementa das disciplinas eletivas a serem
ofertadas em rede estadual segue o padrão do que apresentamos na figura 4 da página 105.
133

diversificada do currículo do EMTI no estado do Ceará, é a sua organização a partir dos


seguintes eixos temáticos: EDH - Educação em Direitos Humanos; ECI - Educação Científica;
MTP - Mundo do Trabalho e Formação Profissional; EAS - Educação Ambiental e
Sustentabilidade; CMT - Comunicação, Uso de Mídias, Cultura Digital e Tecnológica; ELS -
Esporte, Lazer e Promoção da Saúde; ARC - Artes e Cultura; ABC - Aprofundamento de
Conteúdos da Base Comum. Como pudemos perceber, os eixos temáticos em questão refletem
a preocupação com formação integral dos estudantes e, ao mesmo tempo, permitem aos
discentes compreenderem a vinculação dos componentes por eles selecionados aos
macrocampos formativos, possibilitando assim que o aluno tenha autonomia e protagonismo
ao traçar seu percurso acadêmico de modo melhor articulado com os seus interesses e projeto
de vida. Vale ainda ressaltar que ao iniciarmos o planejamento do componente eletivo a que
nos propomos apresentar como produto educacional, observamos que nossa proposta de
trabalho, desde sua concepção teórica, passando pela seleção de conceitos substantivos e de
segunda ordem a serem trabalhados, até chegar as estratégias metodológicas, estava bastante
permeada por aspectos concernentes a diversos dos eixos temáticos mencionados, em especial
ao EDH, ECI, CMT. ARC e ABC. Nesse sentido, muito embora tenhamos que definir apenas
um eixo temático no qual iremos vincular nossa proposta de disciplina eletiva, temos
consciência da relevância da atividade proposta, uma vez que percebemos a contribuição
multifacetada que o referido componente curricular pode propiciar aos estudantes que por ela
optarem.

3.3 – A HISTÓRIA POR ESCOLHA: A ELABORAÇÃO DE UM COMPONENTE


ELETIVO BASEADO NO TRABALHO COM CATEGORIAS E CONCEITOS
ESTRUTURANTES DO CONHECIMENTO HISTÓRICO.

Nessa etapa do trabalho, estamos chegando a um momento que consideramos figurar


dentre os mais relevantes dessa dissertação, pois começaremos a apresentar nossa proposta de
articulação entre toda a base teórica sobre a qual discorremos ao longo de todo o texto e um
conjunto de estratégias metodológicas para o ensino/aprendizagem de História centrado no
binômio epistemologia da história e aprendizagem ativa. Nesse sentido, respalda nossa
proposta os argumentos de Dias-Trindade e De Carvalho quando defendem que:

(...) para perceber História e o que se procura ensinar nas escolas, é necessário
começar por identificar as multiplicidades conceptuais que envolvem esta disciplina
134

nomeadamente no que diz respeito ao seu próprio significado, que na verdade pode
incluir muitos sentidos diferentes, bem como quando pensamos no tempo histórico
e em tudo o que ele pode efetivamente incluir. (2019, p.108).

Portanto, o ponto vista de onde partimos se ancora no entendimento de que antes de


tudo, qualquer iniciativa de estudo e/ou ensino de História, precisa partir da compreensão
inicial de que o próprio substantivo História é polissêmico e, portanto, abriga em si diversos
significados distintos, para os quais precisamos empreender esforços significativos no sentido
da compreensão e distinção de seus diversos significados. Logo, o entendimento em questão
nos conduz a necessidade de distinguir a História enquanto experiência humana vivida,
impossível de ser reconstruída em sua plenitude, mas objeto sobre o qual a História, enquanto
ciência, se debruça a partir de seus axiomas teóricos e postulados metodológicos, a partir dos
quais os historiadores elaboram narrativas sobre o passado, conduzidas por perguntas
formuladas no presente.
Portanto, o componente curricular eletivo que planejamos se fundamenta em uma
proposta de estudo/ensino de História pautada no desenvolvimento de um modelo de cognição
histórica estruturada e capaz de oportunizar aos aprendentes a aquisição dos chamados
conceitos de segunda ordem. Os chamados conceitos de segunda ordem ou meta-históricos
são ferramentas e/ou categorias epistemológicas de análise e compreensão dos processos
históricos, capazes de contribuir com a formação discente, através, fomentando a construção
de um processo de aprendizagem cada vez mais ativo e autônomo dos chamados conceitos
substantivos, que são processos históricos propriamente ditos. Um trabalho significativo de
Educação Histórica deve procurar articular a aprendizagem dos conceitos substantivos e dos
conceitos meta-históricos pois, como sugere Lee (2006), a articulação entre a aprendizagem
desses conceitos possibilitará a construção de uma estrutura histórica utilizável que os
permitirá se orientar, do ponto de vista espaço temporal, e perceber o passado como elemento
importante para sua orientação no presente.

Uma estrutura deve ser um ponto de vista geral de padrões de mudanças a longo
prazo, não um mero esboço de história folheando picos do passado. Deve ser
ensinada rapidamente e sempre revisitada, pois assim os alunos podem assimilar
novas histórias em relação à estrutura existente ou adaptar a mesma. Seguindo
Rüsen, essa matéria deve ser a história humana, não alguns subconjuntos
privilegiados dela. Uma UHF20 irá seguir, inicialmente, amplos desenvolvimentos
nas sociedades humanas, questionando sobre os padrões de mudança na subsistência

20
UHF (Estrutura Histórica Utilizável) - Uma estrutura deve ser um ponto de vista geral de padrões de mudanças
a longo prazo, não um mero esboço de história folheando picos do passado. Deve ser ensinada rapidamente e
sempre revisitada, pois assim os alunos podem assimilar novas histórias em relação à estrutura existente ou
adaptar a mesma (LEE, 2006, p. 131-150)
135

humana e na organização política e social. (LEE, 2006 p.146-147).

Nosso produto educacional se configura como uma proposta metodológica de


ensino/aprendizagem que será apresentada no formato de sequências didáticas, modelo de
planejamento que segundo Zabala (1998) se constitui de “um conjunto de atividades
ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que
têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos” (p. 18).
O produto a ser apresentado é percurso formativo, descrito em um plano de curso de
uma disciplina eletiva, construída com base nos referenciais teórico-metodológicos que
discutimos ao longo do nosso trabalho. O material em questão será composto pela ementa da
disciplina e pelas sequências didáticas, contendo o planejamento das atividades, recursos a
serem utilizados, formas de abordagens, fontes de suporte, estratégias de trabalho e propostas
de avaliação continuada. A disciplina eletiva em questão, componente da base curricular
diversificada do EMTI, será ofertada para turmas de primeiros e segundos anos da Rede
Pública Oficial de Ensino do Estado do Ceará.
Esperamos que nosso produto didático possa, de algum modo, ser apropriado e/ou
ressignificado por colegas professores(as)/historiadores(as), em seus respectivos espaços de
atuação docente, e desse modo contribuir para o enfrentamento de problemas recorrentes nos
processos de ensino/aprendizagem de história, tais como o desinteresse discente, a falta de
envolvimento dos alunos nas aulas, a dificuldade de relacionar o conhecimento histórico
estudado e sua realidade cotidiana, dentre outras.
Acreditamos que a realidade descrita possivelmente possa estar relacionada a
experiências com aulas centradas na ação docente, em modelos de ensino que privilegiam
metodologias expositivas, focados na transmissão dos conceitos substantivos, na memorização
de informações e tendo o livro didático como principal fonte de pesquisa. Nesse modelo de
aulas centradas na ação docente, que Barca (2004) chamou de aula-conferência, deixa pouco
espaço para debates e reflexões mais aprofundadas, não estimula ou favorece o engajamento
dos estudantes e consequentemente pouco contribui para a formação de um pensamento crítico
e reflexivo, uma vez que se baseia no paradigma de transferência de saber.
Nosso artefato didático, organizado em forma de um plano de curso, tem como
referencial teórico-metodológico o modelo de aula-oficina, proposto por Barca (2004) e parte
do princípio de que o aluno deve estar no centro do seu processo formativo, interagindo em
todas suas etapas de modo ativo e consciente. Nesse modelo de ensino/aprendizagem, cabe ao
professor o imprescindível papel de designer de situações de aprendizagem, capazes de
136

instigar a problematização de questões comumente naturalizadas pelo senso comum. Desse


modo, podemos contribuir para o aprofundamento de debates e reflexões que, à luz da ciência
histórica, oportunizem relevantes reflexões acerca do contexto sócio-histórico no qual nos
inserimos.
Não é novidade que o acesso à educação formal de qualidade em nosso país, embora
seja um direito assegurado pela Constituição Federal, tem se constituído, ao longo dos anos,
em um privilégio, um verdadeiro mecanismo de reprodução das desigualdades sociais,
facilmente observadas nas realidades díspares nas quais se inserem o ensino público e o
privado. As dificuldades enfrentadas pela educação pública são inúmeras e diversas, e vão
desde a escassez de recursos financeiros, passando pela ausência de políticas públicas que
valorizem a educação, até chegar às questões sociais que permeiam a realidade dos estudantes
da escola pública.
A realidade descrita acima, que difere a educação pública da privada, inclusive em seus
objetivos, pode ser observada na oferta das modalidades de ensino, quando, via de regra, a
educação privada oferta um modelo de educação integral, enquanto a educação pública oferta
caminhos mais curtos para o mercado de trabalho, através de cursos técnicos, por exemplo. A
modalidade EMTI caminha na direção contrária do modelo tecnicista de educação, que
enxerga no filho do trabalhador como potencial mão de obra, no EMTI a proposta é
oportunizar o desenvolvimento de múltiplas valências, de um olhar crítico e reflexivo,
oportunizando ao estudante ampliar suas possibilidades de escolhas e caminhos.
Nossa Oficina de Educação Histórica se encaixa perfeitamente nessa luta contra a
alienação dos jovens da periferia do sistema capitalista, quando se pauta por um modelo
educativo contextualizado, significativo, que fomenta o protagonismo discente, estimula a
criatividade, propõe desafios cognitivos e promove reflexões sobre a vida.

Hoje em dia, o papel das aulas de História assume ainda maior importância quando
os alunos são confrontados, diariamente, com uma sociedade totalmente
mediatizada, movimentada, pluralista e complexa. Os jovens têm cada vez mais
acesso aos mass media, que inundam as suas vidas de informações que precisam ser
descortinadas e contextualizadas. Sendo agora outros os desafios, a História tem de
assumir o seu papel na formação para a cidadania, numa sociedade mais dinâmica e
também criar as devidas motivações para uma abordagem do presente em conjunto
com toda a informação (ou desinformação) que também rodeia cada um dos jovens
estudantes (BARCA, BASTOS & CARVALHO, 1998, Apud DIAS-
TRINDADE; DE CARVALHO, 2019, p.111)

Nesse sentido, propomos estratégias educativas através das quais o


professor/historiador possa atuar na curadoria de conteúdo e como designer de experiências
137

de aprendizagem que, pautadas em situações contextualizadas e instigantes, mediadas, quando


oportuno e possível, pelas TDICs, que introduzam os aprendentes no métier de trabalho do
historiador e oportunizem um contato prático e ativo com os paradigmas teórico-
metodológicos da construção do conhecimento histórico. Nesse sentido, seguimos as ideias de
Martín (2007), que defende um novo papel docente ante as demandas da sociedade
contemporânea, o de orquestrador epistemológico.

Docente como uma espécie de orquestrador epistemológico, cujo papel social fosse
radicalmente distinto do aspecto legislativo e autoritário herdado da culturalmente
envolvente modernidade. Suas atitudes e práticas se destinariam a formar os alunos
no pluralismo epistemológico e a partir de um debate coletivo e dialogado sobre os
fins da história em uma sociedade dessacralizada e plural. (MARTÍN, 2007, p. 71)

Esperamos que a partir dessa abordagem do Ensino de História, focado muito mais em
desenvolver habilidades do que no acúmulo de informações, possamos instrumentalizar
melhor os discentes, a fim de que eles possam pensar historicamente e refletir sobre o mundo
de modo cada vez mais autônomo e crítico, a fim de que desse modo possam atuar como
sujeitos históricos verdadeiramente livres e conscientes do lugar social que ocupam na
sociedade, expressando melhor suas ideias, defendendo de modo mais eficiente seus pontos
de vista, conhecendo seus direitos e identificando possíveis violações, dentre tantas outras
aprendizagens que possibilitem seu fortalecimento enquanto cidadão.
Contemporaneamente, os grandes debates, as diversas polêmicas, as questões de ordem
cultural, política, filosófica, de consumo, dentre outras tantas, passam pelo mundo digital e,
portanto, é possível e relevante refletir sobre a nossa presença e atuação nos ambientes digitais.
Cada vez mais e mais processos estão deixando de ocorrer no mundo físico e migrando parcial
ou integralmente para os ambientes digitais. Podemos citar como exemplo uma série de
atividades ligadas a esfera privada da vida, tais como as transações bancárias, os sistemas de
entrega de comida, aplicativos de transporte, dentre outros, mas também as diversas esferas de
governo estão migrando muitos dos seus serviços para os ambientes digitais, como por
exemplo os próprios bancos, os títulos de eleitor, a carteira nacional de habilitação, a
documentação do carro, a carteira de trabalho, dentre tantos outros. Logo, o que podemos
observar é que não podemos mais negligenciar o debate das TDICs nas escolas, precisamos
promover atividades que possibilitem um letramento digital, uma familiarização dos discentes
com as ferramentas tecnológicas e, sobretudo, precisamos alertar para todos os riscos inerentes
a esse ambiente. Promover esse processo de letramento digital por meio de atividades que
envolvam o conhecimento histórico foi o caminho por nós escolhido, quando planejamos
138

nossas sequências didáticas da Oficina de Educação Histórica, pois acreditamos que dominar
as ferramentas das novas tecnologias, suas linguagens, mecanismos de interatividade,
processos de produção e difusão de conteúdo, saber filtrar, avaliar, validar e classificar uma
informação e/ou um conteúdo passa a ser, em nossos dias, um condição absolutamente
indispensável para se exercer na plenitude o que denominamos de e-cidadania, cidadania
eletrônica e/ou digital.

Analisando as competências que se pretende que os alunos desenvolvam,


encontramos entre as mais relevantes o desenvolvimento de espírito crítico e de um
pensamento histórico. Nesse sentido, julgamos que, uma vez mais, a ação das TDIC
nas aulas de História pode contribuir para o desenvolvimento destas mesmas
competências. (DIAS-TRINDADE; DE CARVALHO, 2019, p.115)

O modelo conceitual que utilizamos na formulação das propostas de sequências


didáticas da disciplina eletiva que estamos apresentando como percurso formativo, tem como
finalidade proporcionar atividades centradas na aprendizagem ativa de História, na utilização
de fontes históricas como suporte didático principal e no processo de letramento científico e
digital.
Acreditamos que as atividades em questão, construídas dentro da perspectiva que
estamos apresentando, possam propiciar diversos ganhos educativos, tais como: 1 – promover
o acesso a matéria prima da produção do conhecimento histórico, as fontes, disponíveis em
acervos digitalizados, dos mais diversos tipos, hospedados em vários ambientes digitais
mundo à fora; 2 – possibilitar experiências sofisticadas de trabalho com a metodologia de
trabalho do historiador e com os paradigmas epistemológicos da História enquanto ciência; 3
- estimular ações de aprendizagem ativa, colaborativa e lúdica, dentro de propostas
contextualizadas de análise da História, Memória e Historiografia; 4. desenvolver habilidades
de seleção, validação e análise de vestígios da experiência humana, dentro de recortes espaço-
temporais delimitados; 5 – oportunizar um letramento científico, oportunizando a
familiarização com a estrutura da escrita acadêmica e publicização de conhecimento científico,
como por exemplo regras de respeito à autoria, como citações, referenciação, dentre outras, a
partir do contato com textos acadêmicos dos mais diversos tipos: artigos, trechos de
dissertações e/ou teses, e-books etc.; 6 – favorecer o desenvolvimento de um letramento
digital, por intermédio da utilização de ferramentas on-line de pesquisa, consumo, produção e
divulgação de conhecimento.
Portanto, defendemos uma mudança de paradigma que se distancie do ensinar e se
aproxime do aprender, que se afaste do informar e caminhe em direção a uma outra
139

perspectiva, através da qual o professor/historiador, enquanto pesquisador em sua área, seja


capaz de sensibilizar e, sobretudo, inspirar seus alunos/orientandos a aprender pela pesquisa,
a conhecer e valorizar o prazer da descoberta, a gerar encantamento pela investigação
científica, a ler os implícitos contidos nos mais diversos tipos de fontes, da cultura material ou
imaterial, escrita, oral ou imagética, e perceba que o mais relevante é a possibilidade de
promover uma aprendizagem histórica de caráter crítico, reflexivo, significativo,
contextualizado, estimulante e que, acima de tudo, tenha no engajamento e no protagonismo
discente sua força motriz.
No que diz respeito as possibilidades de utilização das TDICs como instrumentos
facilitadores de aprendizagem, compreendemos, a exemplo do que pensam Dias-Trindade e
Carvalho (2019) que as TDICs, inseridas no contexto de uma sociedade bastante
informatizada, quanto a que vivemos, podem cumprir um importante papel como ambientes
mediadores de uma aprendizagem histórica, dinâmica, criativa e colaborativa, possibilitando
ainda, o desenvolvimento da autonomia discente. Além do mais, podem se apresentar como
importantes aliadas no processo de integração docente/discente, uma vez que as referidas
ferramentas e ambientes de comunicação, por mais ambíguo e dicotômico que possa parecer,
são capazes de possibilitar uma certa aproximação entre esses mundos geracionalmente
distintos e remotamente localizados.
Planejamos nossa Oficina de Educação Histórica levando em consideração o quanto as
TDICs podem favorecer a construção de estratégias de pesquisa colaborativa e momentos de
orientação remota, contribuindo para a diminuição da percepção de distância entre o presente
e o passado, uma vez que as ferramentas digitais facilitam bastante o acesso e a consulta a
importantes e significativas evidências históricas, disponíveis em acervos digitalizados e, de
tal modo, contribuem para a amplificação das possibilidades de aprendizagem histórica em
contextos ativo e colaborativos.

Tantas e tantas vezes se queixavam alunos e professores de História, os primeiros


porque não encontravam a relevância da disciplina para a sua vida, os segundos
porque não sentiam que os seus discentes aprendessem verdadeiramente. Mas no que
toca à aprendizagem da História, mais do que em qualquer outra disciplina, é deveras
importante que os alunos sintam empatia com o que o professor ensina, que se sintam
relacionados com o seu passado e entendam de que forma pode ele ser relevante para
o seu presente. [...] Neste sentido, o uso das TDIC na aula de História pode contribuir
para tornar o passado mais próximo dos alunos e, consequentemente, fazer com que
estes se consigam motivar para a sua aprendizagem e até mesmo desenvolver a
curiosidade de procurar mais informação fora da sala de aula. (DIAS-
TRINDADE; DE CARVALHO, 2019, p.116-117).

No que se refere ao trabalho com as fontes históricas e suas potencialidades didáticas,


140

procuramos inseri-las no centro do processo de aprendizagem histórica, sobretudo por


compreendermos seu papel relevante e insubstituível como fio condutor entre as questões
projetadas do presente sobre o passado. Além do mais, as fontes históricas, das mais diversas
origens e tipologias, funcionam como evidências históricas passíveis de leitura e interpretação
e se constituem nos mais importantes vetores de aproximação da História, enquanto ciência
investigativa da História como experiência humana e nos possibilita assim formular versões
interpretativas do passado registradas sob a forma de narrativas historiográficas.
No método dito tradicional, que Barca (2004) chamou de aula-conferência, está focado
na ação do professor e na transmissão de conhecimento, os estudantes possuem pouca noção
dessa diferenciação entre história disciplina escolar, história ciência, história experiência, e
historiografia, bem como pouco ou quase nada compreendem da importantíssima relação e
distinção existente entre História e Memória, dentre tantas outras questões imprescindíveis da
epistemologia da História que precisam ser abordadas e apreendidas por alguém que inicia um
mergulho em direção a uma aprendizagem histórica realmente significativa e libertadora.
Consideramos inadiável que rompamos essa barreira existente entre a “história
escolar”, pautada pelo estudo de uma historiografia escolar, registrada de modo resumido,
muitas vezes simplista e que, via de regra, pouco estimula à pesquisa, o contato com os novos
debates historiográficos e desse modo pouco contribui com uma aprendizagem histórica
dinâmica e desafiadora. O paradigma tradicional de ensino de História, que tem como principal
fonte de conhecimento o livro didático e o protagonismo docente, tem priorizado o estudo de
narrativas didáticas estanques, em defesa das quais se destaca seu caráter supostamente mais
acessível aos estudantes da educação básica, sob o argumento e alegação da necessidade de
uma transposição didática entre a historiografia acadêmica e a historiografia de finalidade
didática. As metodologias ditas tradicionais, que Barca, (2004, p.131-144) classificou e
dividiu em dois modelos, o da Aula-Conferência, que “baseia-se numa lógica do professor
como detentor do verdadeiro conhecimento, cabendo aos alunos – por normas e catalogadas
como seres que ‘não sabem nada’, ‘não pensam’ – receber as mensagens e regurgitá-las
corretamente em teste escrito” e o da Aula-Colóquio, para o qual “o saber pode ser
problematizado e partilhado, mas a atenção continua a centrar-se na atividade do professor e
nos seus materiais de apoio, mantendo-se na sombra o cuidado a ter com as idéias [sic] prévias
dos alunos e conseqüentes [sic] tarefas cognitivas a desenvolver por estas aulas”.
As referidas práticas metodológicas que, em menor ou maior escala, ainda são
utilizadas em diversas salas de aula, tendem a empobrecer a experiência da aprendizagem
histórica. Nesse ponto, seguimos Freire (2011), ocasião na qual afirma o caráter indissociável
141

de ensino e pesquisa, bem como reitera a importância de uma aprendizagem contextualizada


através da qual se oportunize o desenvolvimento de habilidades e competências conceituais,
procedimentais e atitudinais, argumentos que ficam ainda mais evidentes em Barca (2004,
p.131-134) quando ao criticar o modelo de aula que ela mesma denominou de aula-colóquio,
e que supostamente se apresenta como uma metodologia menos mnemônica e mais reflexiva
do que metodologias ainda mais tradicionais como a aula-conferência, afirmou, em tom de
crítica que no modelo de aula-colóquio “O pressuposto de que o conhecimento deve ser
construído na aula pelos alunos é afirmado como mera retórica, sem concretização nem
fundamentação empírica e sistemática.”. Logo, percebemos que a proposta de Barca caminha
em direção a um paradigma de ensino de História no qual o conhecimento histórico seja
produzido em um contexto significativo de pesquisa colaborativa, permeado pela própria
epistemologia da ciência histórica, com grande protagonismo discente e por meio de
experiências de aprendizagem concretas que valorizem a produção de conhecimento através
da pesquisa colaborativa. Rocha (2015) reforça a relevância e o papel da pesquisa no processo
de ensino/aprendizagem.

Percebemos que é evidente, a essencialidade das investigações; o conhecimento da


realidade, seus valores, desejos e necessidades; o desenvolvimento de capacidades,
hábitos, atitudes sociais, científicas e democráticas, bem como, a construção criativa,
autônoma, interdisciplinar e contextualizada do conhecimento. [...] As diferentes
abordagens históricas e a problematização da realidade abrem novos horizontes para
que o aluno possa vencer os desafios que surgirem na vida contemporânea. Nesse
sentido, o processo ensino-aprendizagem deve acompanhar os avanços e inovações
da sociedade (ROCHA, 2015, p. 99)

O modelo de ensino de História que utilizamos na elaboração do nosso percurso


formativo, que denominamos de Oficina de Educação Histórica, segue a perspectiva apontada
por Nadai (1993, p.143-162) “ensinar História é também ensinar o seu método e, portanto,
aceitar a ideia de que o conteúdo não pode ser tratado de forma isolada. Devesse menos ensinar
quantidades e mais ensinar a pensar historicamente”. Pesquisadores como Rüsen (2010), Barca
(2005) e Schmidt (2009), reconhecidos nomes relacionados ao macrocampo da Cognição
Histórica, reforçam em suas pesquisas e escritos a ideia que trazemos aqui, de que
ensinar/aprender História passa necessariamente por se apropriar das bases epistemológicas
da própria ciência histórica. Portanto, planejamos e ofertamos a partir da Oficina de Educação
História, experiências significativas de aprendizagem, capazes de ensejar reflexões e
promover a compreensão de categorias e conceitos estruturantes da História ciência, além de
oportunizar aos discentes a apropriação dessa importante base teórica, super importante da
realização de uma leitura de mundo mais crítica e reflexiva, à luz dos fundamentos teórico-
142

metodológicos da História. Em resumo, planejamos ensinar/aprender História com base na


própria ciência de referência.
Em outras palavras, o que propomos é a aplicação de uma metodologia de
ensino/aprendizagem pautada nos princípios da Cognição Histórica, macrocampo que engloba
os estudos dos subcampos da Educação Histórica e da Didática da História. O referido
macrocampo de pesquisa tem como importante propósito, dentre outros tantos, compreender
o sentido atribuído por estudantes e professores aos conceitos históricos, divididos em duas
categorias, que Lee (2001) definiu como Conceitos Substantivos, os que se referem aos fatos
históricos, aos conteúdos curriculares propriamente ditos, e os conceitos de segunda ordem ou
epistemológicos, aqueles que se referem à natureza da própria História, enquanto ciência. Os
Conceitos de segunda ordem, ou epistemológicos são aqueles que se relacionam a quaisquer
temáticas históricas a ser aprendida em História, dentre os quais podemos destacar como
exemplo temporalidade, permanência, continuidade e descontinuidade, anterioridade e
posteridade, progresso, desenvolvimento, evolução, revolução, dentre outros tantos que
possuem íntima relação com a própria natureza da História enquanto ciência. Para Barca
(2011) “Os conceitos ‘de segunda ordem’, também designados conceitos estruturais ou meta-
históricos, exprimem noções ligadas à natureza do conhecimento histórico” e os conceitos
substantivos “referem-se a noções ligadas aos conteúdos históricos”. (BARCA, 2011, p. 25).

As ideias de segunda ordem buscam compreender o pensamento histórico segundo


critérios de qualidade, ancorado nos debates contemporâneos sobre a filosofia e
teoria da História. Nesse enfoque não interessam as questões relativas à quantidade
ou simples correção de informações factuais sobre o passado, mas as questões
relacionadas ao raciocínio e a lógica histórica. (GERMINARI, 2012, p.56)

Diante do exposto, concluímos que os conceitos substantivos, que são os objetos de


estudo da História ciência, são melhor compreendidos quando os conceitos de segunda ordem,
categorias de análise e investigação relacionadas a análise e interpretação, estão bem
apropriados pelos estudantes. Portanto, planejar e oportunizar estratégias de aprendizagem
histórica capazes de estimular a apropriação consciente dos conceitos de segunda ordem, pode
se constituir em um importante caminho para uma aprendizagem histórica mais complexa e
sofisticada.

Nessa perspectiva, ensinar e aprender História significa desenvolver competências


pautadas no conhecimento histórico. Um aluno competente nos estudos históricos é
capaz de compreender a História como uma ciência particular, que admite a
existência de múltiplas explicações ou narrativas sobre o passado, contudo, sem
aceitar o relativismo de todas as explicações sobre o passado e o presente, mas, pelo
contrário entender a objetividade dos processos históricos. (GERMINARI;
143

BARBOSA, 2014, p.24)

Buscamos em Lee (2016) um suporte para nossa argumentação em defesa de uma


proposta de ensino/aprendizagem em História baseada nos pressupostos teórico-
metodológicos de Educação História, a fim de reforçar a ideia de um modelo de aprendizagem
histórica, pautado no desenvolvimento de uma base epistemológica que sirva de apoio ao
desenvolvimento de uma Literacia Histórica, espécie de letramento histórico, levando em
consideração a Cultura Histórica previamente estabelecida na esfera pública de contato dos
discentes com o saber histórico construído nos ambientes formais de aprendizagem, como a
escola, por exemplo. Portanto, a Literacia Histórica seria resultado da conjugação de
experiências formais e não formais de aprendizagem histórica, resultado de uma síntese entre
uma Cultura Histórica, construída fora do ambiente escolar e dos espaços formais de ensino,
como aponta a tradição alemã da Geschichtsdidaktik (Didática da História) e nas experiências
promovidas no ambientes da educação escolar formal, já dentro da perspectiva da Educação
Histórica, através de atividades planejadas pelos professores/historiadores. Como resultado
desse processo, poder-se-ia:

[...] encontrar maneiras de permitir que os alunos adquiram passados históricos


utilizáveis que não são histórias fixas. A obtenção de literacia histórica
potencialmente transforma a visão de mundo de crianças (e de adultos) e permite
ações até então - literalmente - inconcebíveis para eles. Entender a importância disto
para o ensino da história significa abandonar hábitos de pensar com base em um
presente instantâneo, em que uma forma de apartheid temporal separa o passado do
presente e do futuro. Significa, também, desencaixotar as formas em que a história
pode transformar como vemos o mundo. Tais transformações podem ser dramáticas
em longas extensões ou mais localizadas e específicas. Elas podem mudar a forma
como vemos oportunidades e constrangimentos políticos ou sociais, a nossa própria
identidade ou dos outros, a nossa percepção das feridas e fardos que herdamos e a
adequação das explicações das principais características do nosso mundo. Elas
podem sugerir revisões constrangedoras do nosso entendimento e expectativas de
como o mundo humano funciona. (LEE, 2016, p.108)

Em resumo, o que temos exposto até aqui, tem o propósito de apresentar o


embasamento teórico que referencia nossa proposta de produto educacional, cujo objetivo
principal é planejar e aplicar uma experiência de aprendizagem histórica, inserida no contexto
de uma disciplina eletiva ofertada a alunos de 1º e 2º anos do ensino médio, de uma escola
pública estadual em tempo integral. A disciplina eletiva em questão, intitulada Oficina de
Educação Histórica: aprendizagem ativa e significativa, busca articular os princípios
epistemológicos da Educação Histórica, a partir de experiências ativas e colaborativas de
trabalho com as fontes históricas, das mais diversas origens e tipologias, a fim de oportunizar
a aprendizagem de categorias e conceitos estruturantes da História enquanto ciência. Além
144

disso, aproveitar as possibilidades ensejadas pelas TDICs, tanto no que concerne a realização
das pesquisas, consulta a acervos e utilização das diversas ferramentas digitais, quanto na
divulgação e publicização do resultado dos trabalhos.
Compreendemos, portanto, que nossa proposta de trabalho, focada em atividades cujo
principal objetivo é o desenvolvimento dos conceitos de segunda ordem, pode contribuir para
a construção do que Lee (2006) denominou de UHF - Usable Historical Farmworks 21, uma
estrutura histórica utilizável, um modo de pensar historicamente através do qual lemos e
interpretamos o mundo. Acreditamos ainda que, a aprendizagem dos conceitos de segunda
ordem, também chamados de conceitos estruturais ou meta-históricos, por se relacionar
diretamente com a própria natureza do conhecimento histórico, torna-se bem mais relevante e
desejável do que um modelo de aprendizagem mnemônica pautada pelo acúmulo de
informações e conceitos substantivos. Nosso entendimento leva em consideração o contexto
de uma sociedade altamente informatizada, na qual o volume de informações disponíveis e
circulando é cada vez maior, e uma evidência disso é a velocidade com que os dispositivos de
armazenamento se tornam obsoletos, a exemplos, disquete, cd, dvd, zip-drive, blu-ray, pen-
drive, hd interno e externo, sdd, armazenamento em nuvem, etc. Mesmo com tudo isso, nada
parece dar conta do enorme volume de informações produzidas cotidianamente uma vez que
a internet é um universo em expansão. Nesse sentido, insistir em uma educação focada no
paradigma informativo nos parece um erro lamentável, por conseguinte, pensar em um Ensino
de História cujo foco seja os transmissão dos conceitos substantivos, chega a ser desalentador.
É importante porém, deixar claro que não estamos advogando em defesa do abandono
do estudo de conceitos substantivos, até mesmo porque não há como trabalhar a expansão do
aparato conceitual discente e contribuir com o desenvolvimentos de habilidades como a de
investigação, interpretação e argumentação, valências absolutamente relevantes e que
possibilitam estabelecer conexões explicativas coerentes, sem que esses processos sejam
constituídos inseridos em um contexto específico, como o de estudo dos processos históricos
trazidos à baila no bojo das discussões acerca dos conceitos substantivos. Acreditamos, como
base nos escritos de Lee (2008), que os discentes precisam compreender de que modo o
conhecimento histórico é construído, Não se trata de uma pretensão de formar jovens
historiadores, mas sim de favorecer o conhecimento do método, pois a medida que os discentes
compreendem que o conhecimento histórico História segue determinados parâmetros de
produção, afastam-se do relativismo e do ceticismo. Portanto, é de suma importância

21
A sigla UHF é originária do inglês Usable Historical Farmworks e seria, a grosso modo, um modo de pensar
e refletir o mundo à luz da experiência histórica, suas categorias de análise e conceitos epistemológicos.
145

compreender o papel das fontes como evidências históricas, perceber que são passíveis de
leitura e interpretação e, que cumprem um papel de fio condutor atuando na articulação entre
as temporalidades, os conceitos substantivos e os de segunda ordem. A articulação dos objetos
de estudo, os conceitos substantivos, e das ferramentas epistemológicas de análise, os
conceitos de segunda ordem, nos impele a reflexão, como fizera Lee (2008), sobre o próprio
currículo de História e acerca do que de fato restará das aulas de História.
Um bom exemplo, que nos permite refletir acerca do debate que estamos propondo
entre um ensino focado em conceitos substantivos ou conceitos de segunda ordem, é a análise
equivocada acerca do papel do conhecimento histórico e do Ensino de História, que podemos
depreender a partir das ideias históricas que circulam na internet. A maior parte das ideias
históricas que são publicadas nos ambientes da web e/ou nas redes sociais, são oriundas de
uma cultura histórica que, na maior parte, foi forjada no contexto da educação formal, escolar,
durante as aulas de História. É comum observar, notadamente nas diversas redes sociais, a
produção e veiculação de memes que evidenciam a compreensão equivocada que muitos têm
do papel do conhecimento histórico, e atribuímos tal equívoco a um modelo de
ensino/aprendizagem de História focado nos conceitos substantivos e no acúmulo de
informações, levando as pessoas a interpretarem a função social do conhecimento histórico
muito mais como um repositório memória, fatos e história, do que como um conhecimento
capaz de ser utilizado na interpretação da vida humana em sociedade ao longo do tempo. Desse
modo, as pessoas fazem postagens em tom de humor se referindo ao enorme volume
acontecimentos, supostamente relevantes ocorridos nos últimos anos, e afirmando lamentar e
ser solidário aos professores de história/historiadores que terão a incumbência de, em breve,
explicar tudo.
É bem provável que essas afirmações foram produzidas e veiculadas em tom jocoso,
irônico e baseado no senso comum acerca de qual seria a função social do Ensino de História
e/ou da História, que a grosso modo, na visão da maioria dos não iniciados, seria registrar e
explicar um enorme volume de fatos acumulados ao longo da história. Diante do exposto,
supomos que, uma significativa parcela das pessoas que teve contato com o conhecimento
histórico, seja em ambientes formais ou não formais de aprendizagem, reproduz uma visão
simplista e pouco aprofundada acerca do modo como é produzido o conhecimento histórico,
dos aspectos epistemológicos da ciência história e tampouco de sua função social, como
podemos observar nas narrativas contidas nos memes a seguir.
146

Figura 1 Figura 2 Figura 3

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/118571402676689772/ (Figura 1)22


Fonte:https://www.otempo.com.br/politica/internet-nao-perdoa-e-varios-memes-com-temer-sao-criados-
1.1475187 (Figuras 2 e 3)23

Uma das hipóteses que podemos levantar, ao analisarmos os memes em questão, é a


de que as pessoas que os produziram possuem uma compreensão equivocada acerca dos
processos de produção do conhecimento histórico e que, de algum modo, essa visão repercute
suas experiências de aprendizagem histórica por elas vivenciadas. Outra questão que podemos
levantar é a possibilidade da cultura histórica dessas pessoas, que fora construída ao longo da
vida, a partir de experiências formais e não formais de aprendizagem histórica, dar indícios de
ser permeada por uma concepção conteudista do processo ensino/aprendizagem de História,
baseada fundamentalmente na transmissão de conhecimentos e memorização de dados e
informações e conceitos substantivos.
É possível ainda, que essa interpretação pueril da função do historiador e da própria
História, seja resultante do contato com um modelo de Ensino de História que, ao invés de
desconstruí-la, reforçou-a através de um paradigma de ensino centrado na transmissão
unilateral de um enorme volume de informações. Tal hipótese se baseia em indícios que já
foram apontados por pesquisadores como Cainelli (2017).

Muitas pesquisas com a metodologia do trabalho docente no Brasil afirmam que as


formas de ensinar História mantém características do início do século XX, sendo que
algumas destas práticas ainda permanecem no século XXI. Podemos citar entre elas,
o ensino mnemônico, as leituras e explicações do texto, o apego ao livro didático, as

22
Figura 1 - 1 minuto de silêncio por todos os professores de história que terão de explicar essa zona no
futuro! https://br.pinterest.com/pin/118571402676689772/
23
Figuras 2 e 3 - Internet não perdoa e vários memes com Temer são criados.
https://www.otempo.com.br/politica/internet-nao-perdoa-e-varios-memes-com-temer-sao-criados-1.1475187
147

avaliações centradas em questões objetivas de múltipla escolha. (p. 848)

As duas hipóteses não são excludentes entre si, muito pelo contrário, se completam em
uma relação harmônica e dialética, pois uma vez que o modelo de Ensino de História, ao qual
a pessoa foi submetida tenha um viés majoritariamente informativo e priorize a memorização
de fatos, mesmo que com algum nível de criticidade na análise dos processos históricos,
provavelmente não dê conta de oportunizar aos aprendentes o desenvolvimento de um modo
de pensar historicamente, o que Lee (2002) chamou de Estrutura Histórica Utilizável. De tal
modo, o processo de ensino/aprendizagem de História que se centra na ação do professor e na
transferência de informações, tem dificuldade de promover aprofundamentos significativos na
cognição histórica dos estudantes ou de contribuir com a formação de uma consciência
histórica mais complexa, estruturada e sofisticada, como propõem teóricos como Barca
(2005), Schmidt (2009), Rüsen (2010) e Cerri (2011).
Portanto, em consequência dessa realidade, na qual ainda encontramos práticas de
ensino/aprendizagem de História que se pautam pelo paradigma tradicional, já descrito
anteriormente, muitas pessoas não se apropriaram adequadamente das ferramentas
epistemológicas que as possibilitem enxergar o mundo a partir das categorias e conceitos de
análise da ciência histórica e dos chamados conceitos estruturantes ou meta-históricos, fato
que contribui para interpretações equivocadas da História, de sua função enquanto ciência e,
de tal modo, acaba por promover a difusão de uma visão equivocada de História como um
amontoado de fatos e da figura do professor/historiador como de um antiquário.
Por conseguinte, exatamente no intuito de desconstruir essa compreensão equivocada
do papel social do conhecimento histórico e da atuação do professor de história/historiador,
na lida com o referido conhecimento, foi que planejamos atividades de aprendizagem histórica
que levam os estudantes a experienciar diversas etapas do processo de construção do
conhecimento histórico, desde a seleção e validação de fontes, análise, cotejo, levantamento
de hipótese que podem ser comprovadas ou não, até a construção e divulgação de narrativas
históricas.
Nos alinhamos ao paradigma da Cognição Histórica, através do qual nos propomos
investir em um modelo de aprendizagem histórica pautado pelo desenvolvimento de uma
estrutura de pensamento histórico, construída a partir do protagonismo discente, da atuação do
professor como designer de situações de aprendizagem, curador de conteúdo e mentor de todo
o processo de aprendizagem histórica realizada a partir de experiências práticas de pesquisa.
148

Ao abordar a questão epistemológica de uma cognição histórica situada na própria


ciência da História, que privilegia a construção do pensamento dos sujeitos a partir
dos conceitos da natureza do conhecimento histórico, essa área do conhecimento está
criando um caminho em busca da construção de um novo paradigma para a
aprendizagem histórica e, portanto, para o seu ensino, descortinando novas
possibilidades de se aprender a lidar com o passado. (RAMOS; CAINELLI, 2015,
p.13).

Diante do exposto, compreendemos que o Ensino de História precisa, cada vez mais,
figurar entre os importantes objetos de estudo das pesquisas acadêmicas, para que essas
venham fomentar reflexões acerca da aprendizagem histórica e, consequentemente,
repercutirem em mudanças nas práticas docentes. É exatamente nesse espaço que se inserem
iniciativas como os programas de pós-graduação em Ensino de História, em especial o
ProfHistória, e as pesquisas no macrocampo da Cognição Histórica e em seus subcampos,
Didática da História e Educação Histórica, entre outras iniciativas de estímulo ao debate acerca
do Ensino e da aprendizagem histórica, como por exemplo, os grupos de trabalho e pesquisa
sobre Ensino de História, os Laboratórios de pesquisa em ensino de História, exemplificado
com o LEAH - Laboratório de Ensino e Aprendizagem em História - UFC e o LAPEDUH –
Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica – UFPR, dentre outros tantos ambientes e
iniciativas que buscam refletir acerca do ensino e a aprendizagem de história. Espaços de
pesquisa e debates, como os que foram referidos, promovem e divulgam reflexões
imprescindíveis sobre Ensino de História enquanto campo de investigação científica e, de tal
modo, contribuem para o aperfeiçoamento das práticas docentes, da divulgação do
conhecimento histórico e, sobretudo, da valorização da ciência histórica e do labor docente.
A reflexão que estamos fazendo vai ao encontro de um modelo de
ensino/aprendizagem histórica que contribua para uma formação integral do indivíduo, através
do desenvolvimento de valências intelectuais, capacidades, habilidades e competências, que
permeiam a esfera conceitual, procedimental e atitudinal. Entendemos que a aprendizagem
histórica tenha, dentre suas tantas finalidades e utilidades, a responsabilidade contribuir para
formação integral do educando, contribuindo para seu desenvolvimento intelectual, social e
afetivo, a exemplo do que argumenta Pratis (1996) como sendo as finalidades educativas da
História.

Nas sociedades contemporâneas, a História tem um importante papel. A História é,


mais do que a “mestra da vida” como a definiu Heródoto, um conhecimento que se
pode utilizar como justificação do presente. Vivemos no seio de sociedades que
utilizam a História para legitimar ações políticas, culturais e sociais, o que não é
nenhuma novidade. [...] O que apontamos é a utilidade do estudo da História para a
formação integral (intelectual, social e afetiva) das crianças e adolescentes. A
presença da História na educação se justifica por muitas e variadas razões. Além de
149

fazer parte da construção de qualquer perspectiva conceitual no marco das Ciências


Sociais, ela tem, do nosso ponto de vista, um interesse próprio e autossuficiente
como disciplina de grande potencialidade formativa.[...] Entre outras possibilidades,
selecionamos as que seguem, entendendo que o estudo da História pode servir para:
facilitar a compreensão do presente; preparar os alunos para a vida adulta; despertar
o interesse pelo passado; potencializar nas crianças e adolescentes um sentido de
identidade; ajudar os alunos na compreensão de suas próprias raízes culturais e da
herança comum; contribuir para o conhecimento e a compreensão de outros países e
culturas; contribuir para o desenvolvimento das faculdades mentais por meio de um
estudo disciplinado; introduzir os alunos em um conhecimento e no domínio de uma
metodologia rigorosa, própria dos historiadores; enriquecer outras áreas do
currículo. (PRATIS, 1996, p. 13-14.)

As atividades que propomos na Oficina de Educação Histórica visam promover, a


partir de experiências correlatas às práticas do ofício do Historiador, habilidades que serão
desenvolvidas em situações de aprendizagem envolvendo vivências sócio-históricas dos
diversos grupos que sofreram e ainda sofrem, violações de direitos e exclusão social. Desse
modo, tais vivências possibilitam ainda a construção de sentimentos e ações de empatia e
engajamento ou mesmo a partir das experiências de negociação de ponto de vista, respeito às
opiniões divergentes, dentre outras. Nesse sentido, trazemos o texto da BNCC, no qual
identificamos com clareza preocupações com questões atitudinais, como podemos observar
no trecho a seguir:

A BNCC da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – integrada por Filosofia,


Geografia, História e Sociologia – propõe a ampliação e o aprofundamento das
aprendizagens essenciais desenvolvidas no Ensino Fundamental, sempre orientada
para uma formação ética. Tal compromisso educativo tem como base as ideias de
justiça, solidariedade, autonomia, liberdade de pensamento e de escolha, ou seja, a
compreensão e o reconhecimento das diferenças, o respeito aos direitos humanos e
à interculturalidade, e o combate aos preconceitos de qualquer natureza. (BRASIL,
2018, p..561)

Encontramos ainda, também no texto da BNCC, orientações claras no sentido da


inserção dos paradigmas epistemológicos das Ciências Humanas nos processos de
ensino/aprendizagem e nessa perspectiva indica a apropriação dos conceitos de segunda
ordem, aqueles relacionados às questões teórico-metodológicas das ciências humanas, como
importantes instrumentos didáticos a serem utilizados, fator facilitador da compreensão das
dinâmicas sócio-históricas.

Portanto, no Ensino Médio, a BNCC da área de Ciências Humanas e Sociais


Aplicadas propõe que os estudantes desenvolvam a capacidade de
estabelecer diálogos – entre indivíduos, grupos sociais e cidadãos de diversas
nacionalidades, saberes e culturas distintas –, elemento essencial para a aceitação da
alteridade e a adoção de uma conduta ética em sociedade. Para tanto, define
habilidades relativas ao domínio de conceitos e metodologias próprios dessa área.
150

As operações de identificação, seleção, organização, comparação, análise,


interpretação e compreensão de um dado objeto de conhecimento são procedimentos
responsáveis pela construção e desconstrução dos significados do que foi
selecionado, organizado e conceituado por um determinado sujeito ou grupo social,
inserido em um tempo, um lugar e uma circunstância específicos. De posse desses
instrumentos, espera-se que os jovens elaborem hipóteses e argumentos com base na
seleção e na sistematização de dados, obtidos em fontes confiáveis e sólidas. A
elaboração de uma hipótese é um passo importante tanto para a construção
do diálogo como para a investigação científica, pois coloca em prática a dúvida
sistemática – entendida como questionamento e autoquestionamento, conduta
contrária à crença em verdades absolutas. (BRASIL, 2018, p..562)

Isto posto, destacamos que as diversas atividades planejadas para a Oficina de


Educação Histórica, oportunizam, de vários modos, a percepção, a reflexão e até mesmo a
mudança de atitude a partir das dinâmicas e experimentos sociais que realizamos com os
discentes. Desde o início da Oficina nos propomos a construir conhecimento juntos, partindo
do princípio prático da dúvida sistemática como elemento motivador da busca por evidências.
Buscamos sempre debater em grupos a fim de construir conhecimento de modo colaborativo,
promovendo a aprendizagem por pares, não hierarquizada, livre, lúdica e que estimula o
debate. Buscamos trabalhar, a partir das atividades, questões conceituais, oriundas do próprio
aprofundamento das pesquisas orientadas por perguntas de investigação e questões problema,
passando por aprendizagens procedimentais consolidadas no contato com o método de
investigação científico e seus paradigmas, até chegar às questões procedimentais, mais
relacionadas ao respeito às opiniões divergentes, ao momento de fala do outro, a discordar de
modo respeitoso, a manter as discordâncias da esfera das ideias, evitando extrapolar para as
questões pessoais. Desde a primeira atividade da Oficina, que é a análise de um texto literário,
uma crônica intitulada O Lixo, através da qual introduzimos o método que utilizaremos em
toda disciplina, através do qual propomos sempre a utilização de um caminho básico que se
estrutura mais ou menos da seguinte forma: 1. a sondagem dos conhecimentos prévios,
geralmente realizado através de um debate não estruturado; 2. o contato com a fonte,
oportunidade na qual realizamos a leitura, análise e discussão da fonte, orientada pelo que
denominamos, inspirados em Freire, perguntas geradoras, através das quais objetivamos
promover uma espécie de letramento histórico; 3. o levantamento de hipóteses, que precisam
ser sustentadas e defendidas a partir de uma estratégia argumentativa; 4. O aprofundamento
da pesquisa, normalmente realizado à distância, em horários extra sala, utilizando as
ferramentas das TDICS, os acervos digitais, mas também os livros, a sabedoria popular, a
sabedoria dos mais velhos, dentre outras formas de acessar a experiência humana coletiva; 5.
a sistematização do conhecimento produzido através da construção de narrativas históricas a
serem expressas de diversos modos, desde os mais clássicos como a escrita em pepel, passando
151

pelas diversas formas de expressão da arte, até chegar às plataformas digitais de produção e
divulgação do conhecimento produzido.
Avançando um pouco mais no texto da BNCC, voltamos a encontrar referências às
questões atitudinais, mas nesse caso relacionando diretamente a importância da utilização das
TDICs, notadamente os ambientes digitais, e acerca das interações sociais que são
estabelecidas nesses ambientes, nos quais muitas vezes surgem e se proliferam episódios de
preconceito, ódio e violência. A BNCC argumenta que as Ciências Humanas possuem um
importante papel no combate a esses eventos de intolerância, preconceito, e violência de
qualquer ordem, e para isso prevê que sejam enfatizadas “[...] as aprendizagens dos estudantes
relativas ao desafio de dialogar com o Outro e com as novas tecnologias. Considerando que as
novas tecnologias exercem influência, às vezes negativa, outras vezes positiva, no conjunto
das relações sociais” [...] (BRASIL, 2018, p. 562). Observamos ainda a preocupação em
estimular o papel do discente na construção do seu próprio conhecimento, como sujeito ativo
de sua formação, como observamos no trecho em que a BNCC afirma ser necessário que o
Ensino de Ciências Humanas:

“[...] favoreça o protagonismo juvenil investindo para que os estudantes sejam


capazes de mobilizar diferentes linguagens (textuais, imagéticas, artísticas, gestuais,
digitais, tecnológicas, gráficas, cartográficas etc.), valorizar os trabalhos de campo
(entrevistas, observações, consultas a acervos históricos etc.), recorrer a diferentes
formas de registros e engajar-se em práticas cooperativas, para a formulação e
resolução de problemas. (BRASIL, 2018, p.562).

A Base Nacional propõe ainda um ordenamento curricular temático, fugindo um pouco


da linearidade e previsibilidade dos já tradicionais currículos organizados por critérios
cronológicos. Também fica claro a preocupação em trabalhar categorias e conceitos basilares
das Ciências Humanas, como podemos observar no próprio texto no qual a BNCC afirma:

[...] está organizada de modo a tematizar e problematizar algumas categorias da área,


fundamentais à formação dos estudantes: Tempo e Espaço; Territórios e Fronteiras;
Indivíduo, Natureza, Sociedade, Cultura e Ética; e Política e Trabalho. Cada uma
delas pode ser desdobrada em outras ou ainda analisada à luz das especificidades de
cada região brasileira, de seu território, da sua história e da sua cultura. (BRASIL,
2018, p.562).

De modo geral, o que podemos perceber é que nossa proposta de trabalho, nosso
percurso formativo organizado em forma de Oficina de Educação Histórica, encontra respaldo
também no texto da BNCC, notadamente na forte preocupação com um modelo de
ensino/aprendizagem de caráter significativo, contextualizado e, sobretudo, fortemente
marcado pela valorização do aprendizado das categorias e conceitos estruturantes do saber
152

histórico, e é por esse caminho que estamos caminhando, a partir das atividades propostas na
Oficina de História. Desse modo, compreendemos também que nossa Oficina de educação
Histórica vai ao encontro do que afirma Rüsen (2010) quando defende que a aprendizagem
histórica precisa superar o modelo que prioriza a apreensão de informações, “[...] e surgir
diretamente da elaboração de respostas e perguntas que se façam ao acervo de conhecimentos
acumulados, é que poderá ela ser apropriada produtivamente pelo aprendizado e se tornar fator
de determinação cultural da vida prática humana” (RÜSEN, 2010, p. 44). Logo, entendemos
que o papel do saber histórico na Educação Básica é também de suma importância para o
próprio fortalecimento da História enquanto ciência, pois ao oportunizar aos aprendentes
reflexões sobre a epistemologia da História, os permite a apropriação de ferramentas do saber
histórico e, consequentemente, a formação de uma consciência histórica mais aprimorada. Por
conseguinte, compreendemos que a base teórica e o formato metodológico e aadotado em
nossa Oficina de Educação Histórica, presente explicitamente em cada uma das atividades por
nós planejada e descritas nas sequências didáticas em anexo a esse trabalho dissertativo, nos
pemitirá promover experiências de aprendizagem significativas capazes de oportunizar aos
jovens um desenvolvimento crítico e reflexivo que os permita compreender melhor as diversas
dinâmicas e contextos sociais, interpretando, comparando, analisando e refletindo acerca das
diversas questões inerentes à vida, sempre à luz da experiência histórica, como afirma Abud
(2017):

“[...] o conhecimento histórico é a principal ferramenta na construção da consciência


histórica, que articula o passado com orientações do presente e com as determinações
de sentido com as quais o agir humano organiza suas intenções e expectativas no
fluxo do tempo. É nas escolas que estuda a História e onde se cruzam de modo
comprometido o conhecimento científico e conhecimento escolar. (p. 15).

Diante de tudo o que já expusemos, daremos início a construção efetiva do nosso


produto educacional, uma disciplina eletiva, componente curricular da base diversificada, que
será ofertada aos estudantes de 1º e 2º anos do Ensino Médio da E.E.M.T.I. Walter Sá
Cavalcante, escola da rede pública estadual do Ceará. Para efeito de inserção da proposta de
disciplina eletiva no catálogo oficial de componentes eletivos da rede estadual do Ceará,
construímos uma ementa, seguindo o padrão institucional já disponibilizado pela SEDUC-CE,
e a submetemos a análise para a aprovação e cadastro no Sistema Integrado de Gestão Escolar,
o SIGE.
O segundo passo para a construção do componente curricular eletivo é a elaboração de
um plano semestral de atividade eletiva, que consiste em um documento de caráter obrigatório,
153

contendo uma descrição detalhada da proposta da disciplina, e que contemple os seguintes


aspectos exigidos em nota técnica divulgada pela SEDUC-CE:

1. Cabeçalho: identificação da unidade escolar na qual será ofertada a disciplina


eletiva, o nome da disciplina e o eixo temático no qual ela se insere. 2. Professor:
apresentação do professor proponente da disciplina; 3. Ambientes Utilizados:
descrição dos ambientes que serão utilizados no contexto de oferta da disciplina,
sejam eles ambientes da própria unidade escolar, tais como salas de aula,
laboratórios, etc, ou ambientes extraescolares, como museus, arquivos públicos,
espaços de memória, dentre outros; 4. Avaliação e/ou Produto Final: descrição das
estratégias e metodologias avaliativas a serem utilizadas, ressaltando que a avaliação
deverá ser utilizada como ferramenta de feedback e acompanhamento da
aprendizagem discente; 5. Projetos da Escola e Áreas Relacionadas: descrição da
articulação da proposta de disciplina eletiva com outros projetos e/ou
objetivos/metas escolares. Em outras palavras, apresentar de que modo aquela
proposta de componente curricular eletivo pode contribuir com os objetivos
coletivos da comunidade escolar; 6. Descrição de Atividades: descrição das
estratégias metodológicas a serem utilizadas da mediação das aprendizagens
propostas pelo componente curricular eletivo; 7. Conteúdos Abordador:
apresentação dos conteúdos a serem trabalhados com base na lista de conteúdos
sugeridos na ementa da disciplina e especificar os objetivos de aprendizagem, os
recursos materiais e a metodologia utilizada em atividade educativa; 8. Referências:
relação de referências bibliográficas contendo livros, artigos, periódicos científicos,
endereços eletrônicos, dentre outros, utilizados no planejamento e execução do
componente curricular eletivo. (CEARÁ, 2018, p. 1-3).

A norma técnica da SEDUC-CE, já mencionada anteriormente, também explicita que


os componentes curriculares eletivos deverão ser ofertados com uma carga horária total de 40
horas/aula, a serem ministradas durante um semestre letivo, desejavelmente divididos em 5
subseções, correspondente aos 5 meses letivos do semestre, cada uma composta por 8
horas/aula. Logo, um componente curricular eletivo tem 2 horas/aula semanais, que pode ser
ofertado de modo geminado em um único encontro ou distribuídos em dois encontros semanais
de 1 hora/aula cada. As disciplinas eletivas ofertadas pelas unidades escolares são organizadas
dentro do horário escolar, podendo ou não serem oferecidas em turno oposto ao das disciplinas
da base curricular comum ou ser ofertada de modo intercalado com as disciplinas que
compõem a base comum.
No que diz respeito à seleção da temática a ser trabalhada no contexto do componente
eletivo a ser ofertado, bem como a respeito das estratégias metodológicas a serem utilizadas
nas dinâmicas educativas, a SEDUC-CE orienta no sentido de que as disciplinas eletivas sejam
planejadas dentro de princípios que:

Abordem temáticas interessantes e significativas para os alunos, sempre na


perspectiva de possibilitar o encontro semanal de alunos que, independente da série,
demonstram interesses afins, criando, desta forma, “Núcleos de Interesse”; Ampliem
o repertório sociocultural, estético e práticas esportivas do estudante; Possibilitem o
154

aprofundamento da formação acadêmica; Oportunizem a vivência e


desenvolvimento do protagonismo estudantil; Permitam a formação para o mundo
do trabalho. (CEARÁ, 2016, p. 18).

Ainda nesse sentido, a SEDUC-CE, por ocasião do lançamento da proposta de


organização curricular das EMTI no estado do Ceará, elaborou e disponibilizou um documento
orientador, no qual apresentou algumas sugestões de componentes eletivos, embora tenha
enfatizado a possibilidade das unidades escolares poderem desenvolver suas próprias ofertas
de componentes da base diversificada. Ainda nesse esforço de ordenamento do currículo das
EMTI, em especial o da base diversificada, a secretaria de educação do estado estabeleceu
eixos temáticos, que podem funcionar como elementos norteadores na formulação de
propostas de componentes eletivos, os quais tabulamos e acrescentamos uma breve descrição.

EDH Educação em Direitos Humanos


ECI Educação Científica
MTP Mundo do Trabalho
EAS Educação Ambiental e Sustentabilidade
CMT Comunicação, Uso de Mídias, Cultura Digital e Tecnologia
ELS Esporte, Lazer e Cultura; ARC – Artes e Cultura
ABC Aprofundamento de Conteúdos da Base Comum
Tabela elaborada pela SEDUC-CE e publicada em (CEARÁ, 2017, p. 5)

Ao analisarmos a tabela de eixos temáticos formulada e apresentada pela secretaria


estadual de educação, concluímos que nossa proposta de trabalho perpassa e contempla
elementos inerentes a diversos dos eixos temáticos em questão. A eletiva por nós ofertada,
que denominamos de Oficina de Educação Histórica; Aprendizagem Ativa e Significativa,
tem como princípios básicos uma aprendizagem histórica ativa e significativa, o protagonismo
discente, o uso da epistemologia da História como fio condutor das experiências educativas, a
utilização das TDICs como ferramentas de mediação dos processos, e a atuação do professor
como um designer de experiências de aprendizagem histórica.
Os referidos princípios norteadores nos remeteram ao trabalho com as fontes históricas,
a utilização do método científico de pesquisa histórica, a abordagem de questões
contemporâneas à luz do saber histórico e a utilização das TDICs como poderosas ferramentas
de pesquisa, ambientes de trabalho colaborativo e, sobretudo, importantes instrumentos no
estímulo ao protagonismo discente na construção do próprio conhecimento.
Acreditamos que, partindo dessas premissas de trabalho, estabeleceremos um ambiente
155

de aprendizagem histórica capaz de contribuir com o desenvolvimento do que Lee (2006)


chamou de Estrutura Histórica Utilizável, baseada principalmente na apreensão de conceitos
de segunda ordem, também denominados como conceitos estruturais ou meta-históricos, que
funcionam como categorias de análise dos chamados conceitos substantivos, que são os
processos históricos propriamente ditos.
Desse modo, o componente eletivo intitulado Oficina de Educação Histórica, que
construímos para ser disponibilizado a toda rede estadual do Ceará, e em especial a nossa
unidade escolar, pretende contribuir para a obtenção com os objetivos dos eixos de Educação
Científica (ECI) e Aprofundamento de Conteúdos da Base Comum (ABC), pois a relação
dialética entre as categorias conceituais, e sua presença planejada e constante nas atividades
de ensino/aprendizagem, concorre para a promoção de uma aprendizagem histórica que
articula melhor o presente e passado, provavelmente por está ancorada em bases
epistemológicas sólidas, e por conta desse excelente alicerce teórico-metodológico consegue
oportunizar experiências de aprendizagem histórica bastante reflexivas, críticas, consistentes
e significativas. Nas palavras de Lee (2011, p.20) “Não se escapa do passado. Ele é construído
a partir de conceitos que nós empregamos para lidar com o dia a dia do mundo físico e social.”

Algumas vezes os conceitos encapsulam o passado sob a forma de processos causais


(ex. "árvore", "mãe", "bombas"). Algumas vezes, é envolvido um passado
institucional no caso de se falar em um governo ou uma criança ilegal, ou em casos
que alguns critérios de legitimidade não foram encontrados. Mas, o controle do
passado é sempre menos formal. "Ciência", "Comunismo" ou "Estado-nação" podem
ser definidos de uma maneira mais ou menos informal pelos dicionários. Mas
comunismo não é apenas o nome de símbolos de crenças ou atitudes, que nós
podemos encontrar numa definição do dicionário ou mesmo numa análise escolar
destas crenças ou atitudes. Parte do comunismo deve ser procurada no que os
comunistas fizeram. E também para liberalismo, capitalismo e outros. Da mesma
maneira, nossa noção de ciência importa a concepção de como determinadas formas
ou atividades têm dado conta cientificamente do passado e um quadro de mudanças
que a ciência tem causado na vida cotidiana. Da mesma forma, a noção que nós
obtemos de estados-nações é inevitavelmente influenciada pela nossa compreensão
do passado. O passado dá concreticidade aos nossos conceitos. (LEE, 2011, p. 19-
42).

Como vimos na citação anterior, Peter Lee se refere claramente à aprendizagem escolar
como pouco capaz de oportunizar uma apropriação mais sofisticada dos conceitos, uma vez
que lida, via de regra, com processos de ensino/aprendizagem que apenas reproduzem as
narrativas históricas sacralizadas na historiografia escolar contida nos livros didáticos. No
trecho em que se refere aos limites da apreensão dos conceitos via dicionários ou a partir de
experiências tradicionais de aprendizagem escolar, Lee (2011) afirma que parte importante da
compreensão e da apropriação dos conceitos deve ser buscada e apreendida nos contextos das
156

experiências vividas, ou seja, nos registros das experiências históricas contidas nos mais
diversos tipos de fontes disponíveis para investigação, análise e interpretação. Isto posto,
concluímos que as experiências de aprendizagem como a que estamos desenhando, que
envolvam atividades com fontes históricas, o emprego da metodologia de pesquisa dos
historiadores, e o protagonismo da ação discente, se constituem em importantes aliadas na
construção da Estrutura Histórica Utilizável dos discentes.
As propostas de atividade serão planejadas a fim de que possamos estimular os
discentes a desenvolver um olhar mais crítico e reflexivo, capaz de ler o mundo a partir de
uma Estrutura Histórica Utilizável, estabelecendo nexos entre presente e passado à luz da
epistemologia da História. Nesse sentido, promoveremos experiências de aprendizagem
histórica provocativas que, via de regra, partiram de perguntas de pesquisa baseadas em
problemas contemporâneos, para as quais buscaremos respostas na experiência humana,
registrada através das mais diversas tipologias de fontes históricas. Nessa perspectiva,
contemplaremos debates relacionados aos mais diversos eixos temáticos, tais como Educação
em Direitos Humanos (EDH), Mundo do Trabalho (MTP), Educação Ambiental e
Sustentabilidade (EAS), Comunicação, Uso de Mídias, Cultura Digital e Tecnologia (CMT) e
Artes e Cultura (ARC), pois afinal de contas, parafraseando a célebre coleção da Editora
Brasiliense, Tudo é História, ou pelo menos tudo tem História.
Cientes e convencidos de que não podemos, muito menos devemos, encapsular o
passado em processos de causa e efeito, tampouco construir experiências de aprendizagem
histórica deslocadas dos contextos de inserção social dos grupos humanos às quais se destina,
é que construímos nossa Oficina de Educação Histórica, apostando em uma relação dialética
e harmônica entre a aprendizagem dos conceitos substantivos e conceitos de segunda ordem.
No que concerne às questões metodológicas e às estratégias didáticas a serem postas
em prática, utilizaremos como principal referência o modelo de Aula-Oficina de Barca (2004)
cuja essência é o estudante como sujeito ativo de sua própria formação, detentor de ideias
prévias formuladas a partir de experiências de vida diversas, o professor como pesquisador e
investigador social, designer de experiências de aprendizagem e provocador de atividades
problematizadoras.
Nossas atividades se desenvolvem em ambiente híbrido de ensino/aprendizagem, ou
seja, parte delas ocorrerão no espaço físico da sala de aula e dentro da carga horária da
disciplina, já outra parte acontecerá remotamente, fora da carga horária presencial do
componente eletivo, como estratégia para incitar os alunos a investirem mais tempo no estudo
e nas pesquisas relacionadas às atividades e temáticas que proporemos. Utilizaremos as TDICs
157

como estratégia de estímulo à construção de redes de aprendizagem colaborativa, pois


compreendemos que no contexto de uma sociedade informatizada, como é a nossa, a
aprendizagem coletiva, colaborativa, crítica e construtiva favorece o desenvolvimento da
autonomia discente, sem preterir, claro, dos também importantes momentos de pesquisa e
reflexão individual.
Nesse sentido, seguimos as reflexões de Dias-Trindade e De Carvalho (2020) quando
afirmam que ao analisarmos as competências que pretendemos que os estudantes desenvolvam
a partir da aprendizagem histórica, encontramos, dentre as mais relevantes, o desenvolvimento
do senso crítico e um modo de pensar historicamente, provavelmente no mesmo sentido do
que Lee (2011) chamou de UHF. Os autores Dias-Trindade e De Carvalho (2020) afirmam
também, que a utilização das TDICs nas aulas de História pode contribuir significativamente
para o desenvolvimento das competências em questão, uma vez que “ (...) o decorrente maior
envolvimento (“engagement”), melhor acesso às fontes, melhor organização dos materiais e
possibilidade de recriação dos conteúdos podem promover um salto qualitativo no processo
de ensino-aprendizagem, inclusive no campo da História”. (DIAS-TRINDADE e DE
CARVALHO, 2020, p. 8). É nesse sentido que as atividades que planejamos para a Oficina de
Educação Histórica se utilizam das TDICs, parte significativa de todas as atividades
desenvolvidas, seja na consulta aos acervos digitais de fontes históricas, seja em pesquisas
paralelas, relacionadas a levantamento de dados, validação de informações, dentre outras, ou
ainda como instrumento de comunicação, ferramenta de ensino remoto, ambientes digitais
para realização de atividades cooperativas, passando pela utilização de softwares ou
aplicativos para confecção de produtos didáticos a serem apresentados, até chegar às
ferramentas e ambientes de divulgação do conhecimento construído, a historiografia escolar
digital, narrativas históricas construídas coletivamente no decorrer do processo de
aprendizagem histórica, ocorrido por meio dos desafios cognitivos lançados pelas atividades
e por nossos processos de avaliação contínua.
Proporemos aos discentes, a cada fechamento de atividade, descrita nas sequências
didáticas, a construção de algo que possa ser compartilhado com a comunidade escolar, como
forma de registro do processo de aprendizagem pelo qual passamos a partir de cada uma das
experiências de educação histórica, às quais nos submeteremos, e que funcione também como
reverberação das pesquisas, debates e reflexões que estamos promovendo no contexto do
componente eletivo, servindo de estímulo que possa gerar ainda mais adesão e engajamento.
Tais atividades estão previstas e descritas nas sequências didáticas em anexo a essa dissertação
e fazem parte do processo de avaliação contínua que planejamos como parte integrante e de
158

suma importância no desenvolvimento do modo de pensar historicamente dos alunos. Desse


modo, acreditamos que poderemos, à luz da própria definição de saber contida no paradigma
epistemológico da metodologia da Aula-Oficina, de Barca (2004), superar o senso comum e
avançar em direção ao conhecimento científico. Pretendemos ainda, a partir da utilização das
metodologias ativas de ensino/aprendizagem, do protagonismo discente e do emprego da
própria metodologia da pesquisa histórica como ferramenta didática, promover uma das mais
importantes reflexões das quais podemos oportunizar aos estudantes da educação básica, que
é a reflexão acerca dos processos legítimos de construção do conhecimento histórico, a fim de
estimular o modo de pensar historicamente, compreendendo ao mesmo tempo a pluralidade
da História mas ao mesmo tempo evitando certos relativismos vazios e revisionismo sem o
menor rigor teórico-metodológico, a exemplo do que afirma Barca (2001a):

Esta é uma característica fascinante da produção histórica, que devemos passar aos
alunos sem cair no relativismo de considerar que todas as respostas sobre o passado
têm a mesma validade. [...] Tarefas em torno de materiais históricos concretos, que
vinculem de algum modo a diversidade da História e que possibilitem a reflexão
contribuem para estimular o raciocínio dos jovens. (p.39)

Portanto, o material que apresentaremos em anexo, contendo o planejamento das


atividades da disciplina eletiva intitulada de Oficina de Educação Histórica: aprendizagem
ativa e significativa, está organizado em sequências didáticas e seguirá como padrão a ideia
de que o ponto de partida de todas as ações de educação histórica do referido componente
eletivo será uma situação problema, pois acreditamos que ensinar/aprender história a partir de
recortes temáticos problematizados, é pensar a aprendizagem histórica a partir de suas
vinculações com as demandas do presente.
Todas as atividades que propusemos na Oficina de Educação Histórica estão
organizadas a partir de recortes temáticos. pois seguimos a ideia de Pereira e Graebin (2010,
p. 175) na qual afirmam que “Ensinar história é problematizar, através de temas, o presente e
o passado, e isso quer dizer escrever o passado, de modo que este seja também diferença em
relação ao presente”. Nesse sentido, sempre que selecionamos temas a serem pesquisados e
debatidos, utilizando fontes históricas como suporte, buscando articular presente e passado em
busca de evidências que nos auxiliem pensar essa relação de modo mais crítico e reflexivo e
sempre à luz da epistemologia da ciência histórica. Essa perspectiva permite que possamos
sedimentar nossa estrutura de pensamento histórico utilizável e estabelecer nexos entre
questões do presente e suas raízes históricas. Oportuniza ainda que possamos identificar e
159

analisar as relações entre presente e passado, em uma perspectiva de alteridade temporal,


através da qual possamos compreender as múltiplas temporalidades e os diversos regimes de
historicidade, irá oportunizar aos envolvidos, docentes e discentes, o desenvolvimento de uma
percepção de História não linear, que consequentemente não caminha sempre para frente, em
uma escala constante, linear e evolutiva. Nessa perspectiva, observar o presente e compreendê-
lo como parte da História, possibilita aos estudantes refletir historicamente a sua própria
realidade, pois afinal, como afirmam Pereira e Graebin (2010, p. 175) a História é a arte de
“tematizar o passado, seguindo os passos das urgências do presente. [...] ensinar história a
partir de temas quer dizer recortar conceitos, selecionar problemas e traçar o jogo das
continuidades e descontinuidades”. Foi fundamentado nesses e em outros pressupostos
teórico-metodológicos, oriundos da própria ciência de referência, a História, que planejamos
e ofertamos ao público discente já mencionado, nossa Oficina de Educação Histórica
aprendizagem ativa e significativa.

3.4 - A OFICINA DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA: APRENDIZAGEM ATIVA E


SIGNIFICATIVA

Estamos apresentando uma proposta de planejamento de um componente curricular


eletivo do E.E.M.T.I., parte integrante da base curricular diversificada do EM. Os planos de
aula da referida disciplina foram organizados e registrados seguindo o formato de Sequências
Didáticas, teoria proposta por Zabala (1998), na qual as atividades devem ser “ordenadas,
estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um
princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos.” (ZABALA, 1998,
p.18).
Nossa Oficina de Educação Histórica foi planejada de modo a contemplar desde as
diretrizes contidas na legislação educacional, passando pelas expectativas de aprendizagem
constantes nos documentos norteadores e, sobretudo, nossa proposta de aprendizagem
histórica já amplamente apresentada, justificada e defendida, cujo principal referencial teórico
é a teoria da Cognição Histórica. Isto posto, planejamos uma disciplina eletiva, em formato de
oficina, com uma carga horária total de 40h presenciais. Além das atividades planejadas para
carga horária presencial, foram propostas atividades que contemplam uma certa carga horária
em atividades remotas, às quais fica difícil estabelecer de modo preciso a duração, uma vez
que o controle desse tempo fica quase que totalmente por conta dos discentes, cabendo ao
160

professor estabelecer apenas a data de início e de encerramento da atividade.


Como acabamos de expor, desenhamos para a Oficina de Educação Histórica um mix
de atividades presenciais, híbridas e remotas, que se integram e complementam-se entre si.
Dividimos a carga horária presencial do curso, que é de 40h, em 18 encontros presenciais de
2h/a de 50 minutos cada, perfazendo num total de 30h de atividades presenciais diversas,
restando 10h de atividades presenciais destinadas a sessões de orientação e mentoria na
construção do projeto final da disciplina, que será a construção de uma narrativa histórica
escolar sobre um recorte histórico temático, a ser definido a partir dos interesses dos
estudantes. A Oficina de Educação Histórica foi organizada de modo a contemplar os estudos
dos conceitos substantivos, mas sobretudo aprofundar no desenvolvimento dos conceitos
meta-históricos, instrumental fundamental e imprescindível para o desenvolvimento de uma
estrutura de pensamento histórico, embasada pela epistemologia da ciência de referência, a
História.
As sequências didáticas planejadas e propostas para a disciplina eletiva em questão,
seguem a ideia de promover um letramento histórico digital com base em atividades que
integram os aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais e, muito embora em
determinados momentos didáticos priorizem um ou outro aspecto são, via de regra, permeadas
pelas três dimensões de aprendizagem aqui mencionadas.
Nossa Oficina de Educação Histórica está organizada e em três macro eixos temáticos:
1. Introdução à História, relacionado aos aspectos teóricos e metodológicos de História
ciência, através do qual buscamos promover uma apropriação maior dos paradigmas
epistemológicos, dos processos de construção do conhecimento histórico; 2. História,
Memória e Identidade, a partir do qual procuramos, com base em estudos e debates pautados
por temáticas clássicas da historiografia, tais como os estudos sobre os povos indígenas e
povos negros no Brasil, refletir sobre questões contemporâneas e problemas relacionados ao
cotidiano dos estudantes, à luz de suas vinculações com os processos históricos; 3. Produção
de Narrativas Históricas, a dimensão mais experimental da proposta, a partir da qual os
estudantes são convidados a refletir e a dar sentido ao passado, se apropriando de questões
mais complexas e gerais para dar significado a experiências mais específicas e
contextualizadas. As atividades relacionadas a esse eixo, possibilitam aos estudantes
experienciar o processo de construção de conhecimento histórico em diversas de suas etapas
mais relevantes, desde a identificação de um problema, o levantamento de fontes, sua análise
e cotejo, a formulação de hipóteses, confirmação e/ou refutação destas hipóteses e por fim a
construção de narrativas históricas escolares, sejam escritas e/ou em outros formatos, tais
161

como a construção de um memorial, a publicação de um artefato didático digital, dentre outras


tantas formas de comunicar e publicizar o conhecimento histórico produzido no contexto
escolar.
Consideramos de suma importância relatar que por ocasião do planejamento da Oficina
de Educação Histórica, momento no qual precisamos definir os recortes temáticos que seriam
realizados, buscamos sondar a comunidade escolar, o público alvo do componente eletivo,
estudantes de primeiros e segundos anos do ensino médio da E.E.M.T.I Walter de Sá
Cavalcante, a fim de que pudéssemos construir experiências de aprendizagem histórica
verdadeiramente contextualizadas, relacionadas às demandas daquela comunidade e capazes
de oportunizar reflexões acerca de questões intimamente ligadas às vidas dos discentes, suas
famílias e o contexto social no qual se inserem. A referida sondagem foi feita através de
instrumental por nós elaborado e utilizou como plataforma interativa a ferramenta Google
Forms. Através de um modelo simples de formulário, mesclando questionamentos
estruturados e semiestruturados, alguns mais objetivos, nos quais o estudante selecionava uma
ou mais opções, outros com caraterística mais aberta, através dos quais os discentes poderiam
expressar com mais liberdade seus interesses de reflexão e de aprendizagem. Utilizamos
diversas fontes, históricas, do tempo presente e do passado, tais como reportagens de jornais,
fotografias, letras de música, trechos de obras literárias, referências a filmes, etc, a fim de que
pudéssemos contextualizar as temáticas que possivelmente interessassem aos estudantes.
Coube a eles, estudantes, selecionar, indicar e expressar seus principais interesses, as temáticas
com as quais eles mais se instigavam a trabalhar e desse modo fomos planejando nossa
Oficina.
A estrutura organizacional da Oficina de Educação Histórica está ancorada em um
binômio de trabalho formado por atividades que se debruçam sobre a teoria e metodologia da
produção do conhecimento histórico e abordagens que trabalham a partir de recortes temáticos
do referido conhecimento. Em ambos os casos, as situações de aprendizagem estão inseridas
em contextos através dos quais o aluno é estimulado a exercer protagonismo na construção do
próprio conhecimento e a experienciar os meandros do processo de construção do saber
histórico.
Construímos nossos itinerários formativos, descritos nas sequências didáticas em
anexo a esse trabalho, seguindo estratégias que nos permitissem atingir os objetivos gerais,
estabelecidos para a disciplina eletiva, e específicos, selecionados para cada uma das
sequências didáticas. Elegemos como um dos nossos objetivos principais, estimular o
protagonismo discente, o que nos motivou a propor itinerários formativos em que praticamente
162

inexistem aulas expositivas, e nos quais o trabalho do professor é, sobretudo, de desenhar


experiências de aprendizagem histórica que conduzam os discentes rumo a problematização
de certos temas, que estimulem desenvolvimento de uma criticidade e estimulem um olhar
reflexivo, através de perguntas geradoras, provocações sistematizadas, que sejam capazes de
instigar a curiosidade investigativa e balizar o caminho a ser percorrido na construção do
conhecimento histórico.
As atividades elaboradas e propostas para a disciplina eletiva em questão seguem, em
sua maioria, uma estrutura padrão, através da qual buscamos, por intermédio de alguns
procedimentos metodológicos descritos nas sequências didáticas que compõem itinerário
formativo anexo a este texto dissertativo, catalisar o processo de desenvolvimento da
consciência histórica discente. Via de regra, nossas atividades são compostas por um passo a
passo que segue uma estrutura que detalharemos a seguir.
Todas atividades são iniciadas com uma sondagem de conhecimentos prévios,
realizadas a partir de dinâmicas que exploram documentos fonte, sejam eles de quaisquer
natureza, textual, imagético, da cultura material ou imaterial etc. São dois os principais
objetivos a serem atingidos com esse procedimento: o primeiro é permitir ao professor ter uma
noção mais clara da cultura histórica discente em relação a temática a ser trabalhada; conhecer
suas ideias prévias e identificar em que se fundamentam, com base no modo como foram
apresentadas.
Um outro importante passo é a realização de uma sessão reflexiva, realizada de modo
coletivo, envolvendo todo o grupo ou subgrupos menores, através da qual nos propomos a
socializar percepções e sentimentos acerca do objeto ou da temática de estudo, buscando
estabelecer processos colaborativos de construção de conhecimento, espaços de negociação
de ponto de vista, respeito pelo saber do outro, troca de experiências, dentre outras questões
bastante relevantes para a vida em comunidade e fundamentais para o desenvolvimento,
importantes valores que podem ainda repercutir no estímulo a atitudes de tolerância, respeito,
empatia, dentre outras.
O aprofundamento realizado no sentido de uma construção autônoma de conhecimento
é feito a partir de perguntas geradoras, formuladas pelo professor, através das quais são
lançadas situações problema, questões de pesquisa e perguntas de investigação com o
propósito de suscitar dúvidas construtivas, estimular a curiosidade investigativa e balizar os
caminhos de pesquisa.
A dimensão híbrida de nossa proposta de trabalho nos permite que a sistematização
das reflexões individuais e coletivas, resultado dos debates suscitados pela análise dos
163

documentos fonte, pelos debates e pelas pesquisas propostas, é outra importante etapa de nossa
metodologia de trabalho e sempre deve resultar na realização de um trabalho concreto,
individual ou coletivo, tais como uma exposição de fotografias, a construção de uma
apresentação cultural, a publicação de um artigo, a montagem de um dossiê da disciplina, a
construção de um memorial, dentre diversas outras formas de comunicar e publicizar
conhecimento, sejam elas analógicas ou digitais.
Nas atividades que se relacionam ao eixo de Introdução à História, a parte mais teórica
da nossa Oficina, na qual nos dedicamos a estudos de natureza mais epistemológica da
História, selecionamos atividades com fontes que nos oportunizam desenvolver um trabalho
com conceitos meta-históricos, tais como evidência histórica, narrativa histórica,
multiperspectiva, disputas narrativas, relação entre memória, história e historiografia,
patrimônio histórico, identidade, mudanças, permanências, descontinuidades, verdade
histórica e os demais conceitos estruturais que nos auxiliam a identificar, nomear, classificar
e parametrizar a experiência humana, de modo que possamos construir um repertório
conceitual que contribua para a aprendizagem histórica dos chamados conceitos substantivos
e, acima de tudo, para a formulação de um modo de pensar historicamente.
Nos trabalhos com recorte temático nos propomos a discutir aspectos cujo principal fio
condutor foram questões relacionadas aos problemas enfrentados pelos jovens da nossa
comunidade escolar, problemas com os quais tivemos contato a partir de informações
coletadas via censo escolar, reuniões de pais e mestres, dados gerados pelo Núcleo de
Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS) da escola, dossiês confeccionados pelo Projeto
de Diretor de Turma (PDT), e a partir de pesquisa própria realizada via formulário eletrônico.
A partir da análise desse rico arsenal de dados, pudemos perceber que os temas relacionados
às questões identitárias, às questões ético-raciais, à representatividade, à desigualdade social,
justiça e injustiças, violência, opressão, exclusão, preconceitos de toda ordem, ao papel do
social do estado, às relações de poder, dentre outros, eram muito relevantes pro contexto
socioeconômico e cultural no qual nos inserimos enquanto comunidade escolar. Isto posto,
procuramos planejar e ofertar atividades cujas temáticas pudessem fomentar reflexões sobre
essas questões, de tal modo que contribuíssem para a desconstrução do senso comum, sem
fundamentação científica, baseado em achismos ou manipulação histórica, discutisse e
combatesse revisionismos históricos sem rigor teórico metodológico, os usos e abusos
políticos, econômicos e ideológicos da História, a produção e divulgação de fake news, a
distorção da verdade histórica para fins privados e de interesse de grupos específicos e as
narrativas históricas unilaterais, que não dão vez nem voz aos periféricos e excluídos da
164

História.
Como estratégia avaliativa, escolhemos trabalhar com a perspectiva de avaliação
contínua, poi desse modo podemos, a partir do feedback que as avaliações fornecem, refletir
sobre os caminhos percorridos, avaliar os resultados obtidos e, se necessário for, reposicionar
as estratégias. Trabalhamos com um entendimento acerca de avaliação no qual o processo
avaliativo se dá ao longo da realização das atividades, a cada realização de atividade, a cada
mudança de ponto, a cada passo na caminhada rumo a construção de uma estrutura mais
complexa de pensamento histórico. Nesse sentido, nossas avaliações não apresentam caráter
quantitativo, tampouco seguem uma escala preestabelecida, pois a mudança ocorrida no modo
de pensar historicamente é única em cada indivíduo, apesar de que para fins didáticos
procuremos trabalhar com categorias e conceitos cada vez mais universais, é possível
identificar as sutilezas da estrutura de pensamento histórica de cada indivíduo a partir do como
como ele se apropria dos conceitos substantivos e de segunda ordem, de como ele os utiliza
para expressar um ponto de vista, para defender uma ideia, para comunicar um fato ou mesmo
interpretá-lo, e, sobretudo, para elaborar narrativas históricas.
A diversidade de atividades propostas, das tipologias de fontes utilizadas e dos modelos
de desafios cognitivos propostos é significativa, e oferecem desde experiências de seleção e
classificação de fontes históricas escritas, passando por leitura análise e interpretação de fontes
imagéticas, estáticas como fotos, pinturas, charges, etc, e em movimento como filmes,
documentários, séries, etc, passando ainda pela visita guiada a instituições de memória como
museus, análise crítico-reflexiva de livros didáticos, pesquisa e elaboração de uma expografia,
leitura e interpretação de fontes da cultura material, utilização da literatura como fonte,
construção de narrativas escritas, imagéticas, com objetos, dentre outras.
As atividades propostas na disciplina foram formuladas seguindo os paradigmas
epistemológicos do campo da Cognição Histórica, macrocampo da pesquisa em História onde
se situa a Educação Histórica. Segundo Lee (2005), uma aprendizagem histórica consistente
só ocorre quando os discentes se apropriam das categorias de análise da própria ciência
histórica, passando a pensar historicamente, e isso só ocorre quando trabalhamos a
aprendizagem dos chamados conceitos de segunda ordem, conceitos estruturais ou meta-
históricos, que estão relacionados diretamente com a pesquisa histórica preocupado em
compreender as ideias históricas dos alunos através do qual pretendemos oportunizar aos
discentes o contato com atividades que favoreçam o desenvolvimento de um modo de pensar
historicamente.
As experiências em educação histórica, planejadas e disponíveis nas sequências
165

didáticas, buscam partir sempre de uma situação problema ou de uma questão contemporânea,
para a qual buscamos na articulação entre presente e passado, tentar compreender suas raízes
históricas. Mesmo cientes dos riscos de anacronismos, decidimos agir de modo cauteloso e
atento, mas não abrir mão de promover experiências de aprendizagem histórica estimulantes,
prazerosas, instigantes, contextualizadas e significativas.
Sabemos que não há um consenso acerca do que seria uma aprendizagem histórica
significativa, mas segundo Seffner (2001, 2018), sem dúvida sabemos o que não é
significativo, e certamente as práticas baseadas na transmissão de informação e ancoradas na
memorização, não estão entre as práticas significativas. O autor afirma ainda que “Um ponto
importante é a afirmação de que o ensino de História é um ensino de situações históricas. Mais do que
nomes, datas e acontecimentos, o professor deve propiciar ao aluno a compreensão de como se
estrutura uma dada situação [...]” (SEFFNER, 2018, p. 36) reforçando nossa ideia de
proporcionar aos alunos uma aprendizagem de História em situações históricas, ou seja, por
meio de atividades que lidam diretamente como a produção do conhecimento histórico, com
o modo como se estrutura o pensamento histórico.
Desenvolvemos um plano de aula inspirado na metodologia da Aula-Oficina, de Barca
(2004), modelo no qual o discente está no centro das atividades e o professor tem importante
atuação como um designer de experiências de aprendizagem, curador de conteúdo, par mais
experiente, mentor e orientador nas atividades de pesquisa. Essa é a base fundamental da
metodologia utilizada na disciplina, através da qual os discentes agem ativamente no processo
de construção do próprio conhecimento histórico. Nesse sentido, encontramos mais uma vez
respaldo nos escritos de Seffner (2018):

É tarefa do professor estabelecer os procedimentos de pesquisa para cada situação


em estudo pela classe de alunos, auxiliando a efetuar recortes no tema e a levantar
as principais questões de pesquisa, aquelas que são mais promissoras em termos de
debate e de comparação com outras situações (SEFFNER, 2018. p 38).

As atividades contidas nas sequências didáticas foram pensadas para promover o


contato discente com o universo das TDICS, através de diversos ambientes digitais de
aprendizagem, ferramentas digitais de pesquisa e linguagens tecnológicas, além de fomentar
a aprendizagem dos conceitos estruturantes da História enquanto ciência e, de tal modo,
oportunizar um verdadeiro processo de Letramento Histórico Digital, como define Silva
(2018).
O trabalho com fontes é uma constante nas atividades planejadas, pois pretendemos
fazer com que os estudantes percebam que o conhecimento histórico é construído com base
166

em evidências históricas, bem como pretendemos fazê-los lançar um olhar reflexivo sobre
conhecimento histórico contido nos manuais didáticos, há muito aparentemente consolidado e
sacralizado, estimular a crítica às narrativas hegemônicas, a história dos vencedores. Porém, é
importante que seja dito, que mesmo nas atividades através das quais propomos a relativização
das narrativas históricas, deixamos bastante claro que tal procedimento só é possível de ser
feito, respeitando os paradigmas teórico metodológicos da ciência histórica.
Desse modo, aproveitamos pra nos debruçar sobre a questão dos revisionismos
históricos, sobre os riscos de discursos hegemônicos, narrativas únicas, e exaltamos a
importância de outras narrativas, da história vista de baixo etc. Procuramos evidências
temáticas relacionadas ao cotidiano dos jovens da periferia, mas partindo sempre do princípio
que é possível construir outras narrativas, abordar a História da juventude periférica sob outro
ponto de vista, que não o da violência, da escassez, da ausência, da desigualdade etc. Propomos
abordar as Histórias de resistência das comunidades da periferia do sistema capitalista como
exemplos positivos de luta, de protagonismo, de cultura etc.
Nesse sentido, tomamos por exemplo a própria historiografia escolar, que registra, com
maior destaque e amplitude, as mazelas dos grupos vítimas de violência e opressão, como por
exemplo os povos negros e indígenas, dando pouca ênfase a suas conquistas, suas estratégias
de sobrevivência e de enfrentamentos dos processos de exclusão. Assumimos o compromisso
de promover atividades de valorização dos grupos das periferias geográficas, sociais,
econômicas etc, que muitas vezes se tornam periféricos também na historiografia escolar.
Compreendemos que trazer esses debates para o ambiente de sala de aula, sobretudo em uma
escola da rede pública, é fundamental para o processo de conscientização, construção
identitária e, sobretudo, promoção da autoestima a partir da elaboração de referências
históricas positivas acerca de suas origens, de sua ancestralidade e de suas matrizes culturais,
além de oportunizar a construção de importantes referências e de representatividade. Nessa
perspectiva, desenvolvemos diversas atividades a fim de trabalhar a partir de uma perspectiva
de História que normalmente os discentes não encontram nos livros didáticos. Desenhamos
atividades que trabalham questões problemas do presente, com base em fontes históricas de
origem na cultura, tais como música, cinema, literatura, etc. Sobre a questão dos povos
indígenas mesmo, por exemplo, utilizamos desde fontes clássicas de origem na literatura,
como os relatos dos viajantes, passando por depoimentos orais de importantes lideranças
indígenas, acessados através de entrevistas gravadas em vídeo, passando ainda por
documentários cinematográficos, até chegar às múltiplas representações dos povos indígenas
e os olhares que lançamos, na contemporaneidade, sobre esses grupos étnicos.
167

Nossos objetivos pricipais ao promover o debate sobre os povos indígenas era, acima
de tudo, contribuir para a descontrução de esteriótipos e arquetipos preconceituosos,
generalizadores e equivocados, largamente difundidos em nossa sociedade, bem como
promover uma valorização e respeito à cultura dos povos nativos americanos, vítimas da
expropriação de suas terras, de violência física e simbólica que os humilhou, aculturou e
assassinou em processos sistematizados de etnocífio e genocídio.
A diversidade de fontes e a pluralidade de tipologia, origem etc, está ligada a nossa
ideia de que precisamos partir sempre de uma referência importante e significativa para os
aprendentes, pois não adianta selecionar as fontes mais eruditas e sofisticadas se aquele
material não conseguir servir de ponte entre o professor, o aluno, o passado e o presente.
Precisamos de engajamento, o discente precisa sentir que o saber histórico é uma ferramenta
importante para a compreensão de questões que o afligem, e problemas cotidianos, de
situações que aparentemente não possuem nenhuma vinculação ou nexo de causalidade com
processos históricos, mas que na verdade podem ser explicadas ou minimamente
contextualizadas e problematizadas com base na experiência humana, objeto de estudo do
saber histórico.

A análise de situações não pode ser feita apenas em cima do que está dado, mas
precisa levar em conta as faltas e as possibilidades. Se o mundo é um conjunto de
possibilidades, então a história de um determinado país, indivíduo ou instituição, é
o registro das possibilidades que se efetivaram. Cabe ao professor de História montar
atividades e roteiros de trabalho onde seja possível mostrar de que forma se deram
essas disputas, que procedimentos estiveram envolvidos, que ações foram
empreendidas, que grupos agiram, que estratégias utilizaram, que resultados foram
obtidos, etc. (SEFFNER, 1998, p.34).

Nossas atividades sempre partem de uma sondagem de conhecimentos prévios dos


alunos, para que possamos estruturar a abordagem e calibrar as intervenções a fim de que as
experiências propostas sejam capazes de contribuir com o processo de desenvolvimento das
ideias históricas dos aprendentes, mas que respeitem seu estágio de cognição histórica. Todas
as atividades propõem momentos de trabalho individual e coletivo, aprendizagem pela
pesquisa e a construção de narrativas. Nossas atividades também estimulam a busca pelas
evidências históricas, o desenvolvimento de um olhar crítico e investigativo, na procura pelo
não dito, pelo implícito, tudo isso inserido em contextos significativos, em situações
instigantes e desafiadoras.
Estamos nos propondo a trabalhar com o conceito Perguntas Geradoras, inspirado no
conceito freiriano de Palavra Geradora (FREIRE, 1987). Nossas Perguntas Geradoras visam
168

introduzir as situações problemas, a discussão central da atividade, sondar o estágio de


conhecimento discente acerca do tema e, acima de tudo, construir conhecimento em cima de
boas perguntas de investigação que conduzam os discentes pelo caminho de curiosidade
investigativa em busca do aprendizado.
Ao longo das atividades, mais especificamente a cada fechamento de sequência
didática, propusemos a realização de algo concreto, em geral a construção de uma narrativa
histórica, seja ela uma narrativa escrita ou mesmo outras formas de construções narrativas
menos convencionais, tais como exposições, apresentações artísticas, produção de imagens,
filmes, dentre outros.
Todos esses constructos narrativos estão relacionados a ideia de avaliação contínua da
aprendizagem, embora seja muito importante esclarecer que quando nos referimos à avaliação,
não estamos trabalhando com seu conceito mais clássico e habitual, que se propõe basicamente
a mensurar aprendizagem. Na verdade, enxergamos as avaliações contínuas como pontos de
checagem, momentos ricos para refletir acerca do processo de aprendizagem histórica e, de tal
modo, poder continuar com os planos já traçados e/ou promover reajustes estratégicos a fim
de definir o melhor percurso a percorrer para alcançar os objetivos estabelecidos.
Os projetos desenvolvidos pelos alunos, nas chamadas avaliações contínuas, nos
auxiliam a avaliar as transformações processadas nas ideias históricas dos discentes. Por
conseguinte, planejamos atividades de avaliação contínua que estimulem o engajamento
discente, que façam os estudantes se sentir desafiados a se expressar, a colocar suas ideias
históricas para fora, através de diversas produções criativas e autorais. Tudo isso está
diretamente relacionado a uma questão central no macrocampo de pesquisa da Cognição
HIstórica, que é compreender o processo de transformação das ideias históricas dos alunos,
como evidências da aprendizagem histórica e instrumento privilegiado de feedback direto do
trabalho do pesquisador/docente, possibilitando ao professor/historiador planejar e promover
novas ações de intervenção, como podemos perceber em Schmidt e Barca.

Assim, um conhecimento da História baseado nas diretrizes da Educação Histórica


admite a pluralidade das interpretações sobre o passado, buscando compreender as
idéias históricas dos jovens e crianças. Há preocupação em realizar uma intervenção
cognitiva adequada, a partir do trabalho com fontes históricas, análise e produção de
narrativas históricas, entre outras tarefas, tendo como objetivo uma progressão do
saber histórico nos jovens e nas crianças, à luz do conhecimento científico e
articulando às necessidades de compreensão da realidade social (SCHMIDT e
BARCA, 2009, p. 12)

Logo, as propostas de atividades formuladas para a disciplina eletiva de Oficina de


169

Educação História se baseiam na ideia de oportunizar experiências de aprendizagem que


“instiguem o hábito da investigação do aluno, no sentido de obter informações que atestem
suas interpretações, ou que atestem o tempo histórico do fato ou fenômeno social”.
(GERMINARI el al. 2012, p. 752), e que possa além de avaliar como o aluno entendeu os
conteúdos, os chamados conceitos substantivos, possa, sobretudo, analisar como o estudante
compreende conceitos estruturantes da História, como ruptura, continuidade, descontinuidade,
evidência, memória, patrimônio, presente, passado, simultaneidade, tradição, oralidade e
tantos outros. Pois, como defende Seffner (2018):

Uma determinada atividade na aula de História tem chances de oportunizar


aprendizagens significativas ao aluno se nela estiver colocada uma clara
preocupação em operar com conceitos e nomeações. A ênfase no caráter
transmissivo (“dar a matéria”) e cumulativo (“dar toda a matéria”) não ajuda em
nossos propósitos. O professor precisa entender que sempre será melhor permanecer
um bimestre inteiro num determinado tema – a Revolução Francesa, por exemplo -,
lidando com bastante informação histórica, estabelecendo numerosas questões para
pesquisa, trabalhando com materiais diferenciados (imagem, textos, músicas,
filmes), auxiliando o aluno a construir conceitos que dêem conta dos temas
estudados; do que sair “correndo” e tocar de forma superficial uma grande
quantidade de acontecimentos históricos. (SEFFNER, 2018, p. 39)

Tentamos, sempre que possível e oportuno, estimular o cotejo entre as fontes históricas
e os livros didáticos, pois acreditamos ser possível enriquecer o trabalho em sala de aula e
aguçar o olhar crítico dos discentes, quando experienciamos o contato com fontes que mostram
além do que enxergávamos olhando apenas através da janela limitada da narrativa didática
escolar.
Como fora demonstrado, nosso trabalho, a partir da Oficina de Educação Histórica,
insere-se em uma perspectiva inovadora de currículo, na qual a aprendizagem discente das
bases epistemológicas da ciência de referência, no caso a História, é compreendida como
muito mais relevante do que propriamente o acúmulo de informações típicas dos modelos
curriculares que privilegiam o estudo dos conceitos substantivos. Não se trata de negligenciar
a importância dos fatos históricos, tampouco dos processos históricos e suas diversas relações
de causalidade e repercussão, mas acreditamos que quando o estudante desenvolve um modo
de pensar historicamente, quando ele desenvolve um modo de enxergar os processos a partir
de uma estrutura de pensamento historicamente coerente, os ganhos em aprendizagem, em
maturidade e em reflexão e em criticidade são muito mais profundos. Nesse aspecto, seguimos
muito entusiasmadamente as ideias de Seffner (2018):

Não existe possibilidade de aprendizagem significativa se ficamos limitados a um


170

único livro didático, mesmo que este livro seja muito bom. Inevitavelmente
passamos a idéia de que toda a história está contida ali. Não existe nada mais
desestimulante para o aluno do que saber, já em março, tudo o que ele vai estudar
até dezembro, e transformar o ano escolar num lento avanço em direção a última
página do livro. (SEFFNER, 2018, p. 42).

Planejamos atividades que envolvem diversos tipos e categorias de fontes, desde as


fontes mais tradicionais como as escritas e de origem oficial às mais vanguardistas como
elementos da cultura material e imaterial, obras de arte, literatura, dentre outras, pois
compreendemos ser importante que o discente se dê conta de que a diversidade dos
testemunhos históricos é quase infinita (BLOCH, 1949). Buscamos também evitar que as
atividades girassem sempre em torno da leitura e escrita, embora reconheçamos a enorme
importância dessas duas práticas dentro da aprendizagem histórica. Procuramos desenvolver
atividades de educação histórica capazes de promover a ampliação da noção do que são as
fontes históricas, que oportunizem o trabalho com fontes produzidas pelos grupos
tradicionalmente excluídos das narrativas históricas tradicionais e oficiais.
Gostaríamos de enfatizar que as sequências didáticas em anexo, embora apresentem
diversas propostas de atividades, que se enquadram na maioria das realidades e demandas por
aprendizagem histórica, identificadas nos diversos contextos educacionais que temos em nosso
país, e que podem ser replicadas em outros ambientes e contextos educativos, são muito mais
uma referência prática, exemplos do que pode ser elaborado, e está sendo apresentado no
sentido de materializar e exemplificar ações fundamentadas na base teórica e metodológica
que tanto descrevemos e discutimos ao longo de todo o texto dissertativo.
Esperamos que as ideias aqui contidas encontrem terreno fértil nas mentes e corações
apaixonados por História e, sobretudo, por Ensino de História, dos colegas
professores/historiadores, e, por conseguinte, que muitos estudantes experienciem atividades
prazerosas e significativas de Educação Histórica
171

.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No exato momento em que estou escrevendo estas considerações finais, resultado de


um trabalho de pesquisa voltado a investigar e refletir sobre questões relacionadas ao Ensino
de História e à Aprendizagem Histórica, nos encontramos em meio a uma pandemia que, não
obstante seus inúmeros impactos em vidas humanas e em questões de ordem socioeconômica,
teve uma ação catalisadora, acelerando vertiginosamente algumas das questões problema
sobre as quais nos propomos a refletir no contexto da pesquisa. Professores e alunos em suas
casas, enfrentando o desafio do ensino remoto emergencial, tendo que lidar com diversas
angústias que vão desde a não familiaridade com as tecnologias, sobretudo no que concerne
ao seu uso como ferramenta educacional, passando pela radical mudança no que concebiam
como sala de aula, até chegar a questões mais complexas e sofisticadas como as necessárias
adaptações metodológicas impostas pelo novo ambiente e contexto. Enfim, se já estávamos a
172

investigar e identificar práticas de ensino/aprendizagem de história que, no contexto do ensino


presencial, já demonstravam desgaste e necessidade de serem revistas, essa realidade foi
escancarada diante do ensino remoto e do necessário e urgente uso das TDICs como
ferramentas e ambientes de aprendizagem. As câmeras desligadas e a falta de interatividade
eram sinais inequívocos de que precisávamos rever nossas práticas.

Desde os primeiros momentos da pesquisa, procuramos mapear, a partir de uma revisão


bibliográfica sobre o tema, as condições nas quais o ensino de História e a aprendizagem
histórica no Brasil estavam situados, procurando lançar um olhar investigativo sobre
experiências de ensino/aprendizagem histórica cujas propostas identificamos e classificamos
como inovadoras, transformadoras e significativas. Buscamos ainda, ao investigar as referidas
experiências de ensino/aprendizagem histórica, compreender questões problema que
levantamos, muitas delas, gargalos históricos que encontramos ao longo de nossa trajetória
como profissional de História, com atuação majoritária na educação básica.

Destacamos, dentre as questões problema por nós levantadas, o modelo de


ensino/aprendizagem baseado na transmissão e memorização de informações, a utilização do
livro didático como principal referencial curricular a ser seguido, muitas vezes até mesmo a
única fonte de consulta, as aulas no modelo conferência, nas quais o professor está no centro
do processo de ensino/aprendizagem, como único detentor do saber, um iluminado que
palestra para os alunos incultos, apáticos e desestimulados, tomam nota do máximo de
informações possível, a fim de pouco tempo depois se livrar de todo aquele volume de
informações descontextualizadas e aparentemente sem significado prático ou relação com a
vida cotidiana, em uma avaliação escrita tradicional, dessas nas quais se responde a um certo
número de questões que aferem quanto fomos capazes de memorizar.

Nesse contexto, percebemos que o ensino/aprendizagem de História estava, em muitos


casos, ocorrendo de modo pouco reflexivo, havia passado por uma espécie de pasteurização,
através da qual seu caráter inquietador, provocativo, desconcertante e questionador, que nos
leva a desnaturalizar diversas práticas humanas, a buscar as raízes históricas dos fenômenos,
a pensar historicamente, havia sido cooptado, engolido, sua natureza selvagem havia sido
domesticada e sua dimensão libertária aprisionada pela rotina burocratizada das escolas, pelas
formalidades curriculares, pelo foco nas avaliações externas, pela exiguidade de carga horária
destinada a disciplina na educação básica, pela rotina exaustiva e extenuante dos colegas
professores, realidade que muitas vezes nos leva a reproduzir um modelo de
173

ensino/aprendizagem histórica com um qual nem nós mesmos nos identificamos.

Inserido nesse contexto apresentado, identificamos que o conhecimento histórico,


sobretudo aquele com o qual se tem contato em contextos formais de educação, principalmente
no ambiente escolar, muitas vezes tem se apresentado aos jovens como um conhecimento
pronto e acabado, preso a um passado distante, desinteressante e com pouca, ou mesmo
nenhuma relação com as questões do tempo presente, com os dramas humanos do nosso tempo
e com as questões materiais do cotidiano. Por conseguinte, e diante de uma sociedade
extremamente utilitarista, o referido conhecimento histórico passou a ser visto, por uma
significativa parcela dos estudantes, como um saber erudito, típico dos acadêmicos e letrados,
com diminuta possibilidade de contribuição para a reflexão e enfrentamento dos inúmeros
desafios que estão postos no cotidiano da juventude na contemporaneidade.

Porém, em meio a esse contexto de burocratização do processo de


ensino/aprendizagem de História, pudemos identificar esforços que caminham no sentido
oposto ao que descrevemos como enfadonho, enciclopédico, distante do cotidiano das pessoas,
desarticulado de questões do tempo presente, pouco capaz de gerar identificação, brilho no
olho e engajamento espontâneo dos envolvidos, estudantes e professores.

Inspirado em experiências reflexivas, significativas e engajadoras de


ensino/aprendizagem histórica, como por exemplo a ONHB e a OCHE, e tendo como
referencial teórico a teoria da Cognição Histórica, propusemos um modelo de
ensino/aprendizagem cujos fundamentos constitutivos são a apropriação das bases
epistemológicas da ciência histórica como instrumental teórico-metodológico a partir do qual
o professor atua como designer de experiências de aprendizagem ativas e colaborativas,
potencializadas pelas TDICs, bem como na orientação dos processos de construção de
conhecimento, assumindo um papel significativo na curadoria de conteúdo e no processo e
mentoria dos discentes envolvidos.

Durante a pesquisa buscamos descortinar os elementos constitutivos das experiências


de aprendizagem histórica nas quais nos inspirávamos, bem como aprofundar nos estudos
acerca do nosso referencial teórico, a Educação Histórica, a fim de que pudéssemos, à luz das
concepções teóricas e práticas que nos inspiraram, construir nosso projeto de intervenção
escolar, uma disciplina eletiva, componente da base diversificada do EMTI. Para atingir tal
objetivo, selecionamos e exploramos fontes a partir das quais fundamentamos nossas análises,
174

levantamos hipóteses e, consequentemente, buscamos estabelecer nexos entre as práticas


olímpicas e os referenciais teóricos da Cognição Histórica, com os quais trabalhamos na
construção de uma proposta de intervenção escolar, um artefato didático constituído por um
percurso formativo organizado em formato de Aula-Oficina. Nossa Oficina de Educação
História, tem como principal propósito oportunizar aos discentes experiências de
aprendizagem histórica verdadeiramente significativas, capazes de promover o engajamento
discente, por meio de um modelo aprendizagem realmente contextualizado, transformador e
articulado com as demandas dos jovens na contemporaneidade.

Ao longo da realização desse trabalho, tivemos a oportunidade de analisar dados


estatísticos, acessar depoimentos escritos e em vídeo, consultar diversas outras fontes
disponíveis em plataformas on-line, bem como pudemos dialogar com a já significativa
bibliografia de pesquisas publicadas acerca das experiências de ensino/aprendizagem
inspiradas no modelo olímpico. Realizamos entrevistas com envolvidos do projeto, desde os
idealizadores e coordenadores da olimpíada, passando pelos demais membros da comissão
organizadora, até chegar aos colegas professores orientadores e estudantes olímpicos. Tivemos
ainda a oportunidade de nos debruçar sobre as diversas atividades discursivas propostas pela
olimpíada, através das quais a ONHB estimula a produção de narrativas históricas escolares,
e observamos nos textos instrucionais, contidos nas referidas tarefas, excelentes exemplos de
como orientar atividades de pesquisa e produção ativa de conhecimento histórico no contexto
da educação básica. Pudemos observar ainda, sinais inequívocos do impacto dessa poderosa
experiência de aprendizagem histórica, a partir do grande número de participantes inscritos e
engajados em suas muitas etapas. Estudantes e professores que dedicam muitas horas de sua
já agitada rotina semanal, extrapolando completamente, e de modo espontâneo, sua carga
horária formal de aulas, e continuam interagindo por horas, dias, semanas, até meses,
madrugada a dentro, utilizando as TDICs como instrumentos de aprendizagem, realizando
pesquisas colaborativas, instigadas por questões problema desafiadoras, aprofundando o
estudo de conteúdos indexados, construindo narrativas históricas e promovendo a autonomia
discente no processo construção do próprio conhecimento, em um importante processo de
Letramento Histórico Digital. Com base em todo esse estudo, na análise das referidas
experiências, na exploração de todo o acervo disponível e à luz dos referenciais teóricos da
Cognição Histórica, foi que fundamentamos a elaboração da nossa proposta de disciplina
eletiva, intitulada Oficina de Educação Histórica, aprendizagem ativa e significativa.

Consideramos que o artefato didático por nós produzido chega em um momento


175

bastante oportuno, no qual vivenciamos um processo de ampliação da oferta de vagas no


EMTI, além da reforma curricular que visa implementar a BNCC e o chamado novo Ensino
Médio. Em ambos os casos, ganha destaque os chamados itinerários formativos e a
organização curricular que distingue a base comum da base diversificada, sendo essa última o
lócus curricular no qual se insere nossa proposta de Oficina de Educação Histórica.

Diante da relevância que acreditamos ter a discussão acerca de como o conhecimento


histórico pode se inserir na base curricular diversificada, de que modo a aprendizagem
histórica e as estruturas cognitivas por ela desenvolvidas podem contribuir para a formação
integral dos estudantes do ensino médio, foi que optamos por disponibilizar nossa produção,
o planejamento de uma disciplina eletiva, componente da base curricular diversificada do
EMTI, em formato de publicação digital. Nosso principal objetivo com a publicação do e-book
é ampliar sua audiência leitora, chegando a um número maior de colegas
professores/historiadores, e de tal modo oportunizar reflexões e debates acerca das variadas
possibilidades de inserção e de abordagem do conhecimento no ensino médio.

Nosso artefato didático, a Oficina de Educação Histórica, foi estruturado a partir de um


estudo por nós realizado, que nos apresentou um pouco do lugar social de onde vinham nossos
alunos e, com base nisso, realizamos os recortes temáticos que nos permitiram construir o
percurso formativo contido nas sequências didáticas da disciplina eletiva. Planejamos nosso
itinerário formativo apoiado em um binômio que articula teoria da história e história temática,
através do qual estruturamos as experiências de aprendizagem histórica de modo que
pudéssemos trabalhar os conceitos meta-históricos ou estruturantes, as categorias de análise
ligadas a própria estrutura do pensamento histórico e os chamados conceitos substantivos, os
processos históricos propriamente ditos. Procuramos selecionar temas, fontes e atividades que
partissem sempre de questões da contemporaneidade e nos levasse a buscar as raízes históricas
do problema, de modo que pudéssemos articular o conhecimento histórico a uma melhor
compreensão dos contextos sócio-históricos nos quais se inserem nossos alunos, construindo
pontes entre presente e passado e dando significância a aprendizagem histórica.

No que se refere aos estudos realizados durante o percurso através do qual nos
apropriamos das experiências e do referencial teórico que nos permitiu elaborar nosso artefato
didático, lamentamos não ter tido tempo de explorar as questões epistemológicas contidas nas
tarefas discursivas propostas pela ONHB e, em especial, não ter mergulhado fundo na análise
das ideias históricas dos estudantes olímpicos, disponíveis na vasta historiografia escolar
176

digital produzida anualmente. Acreditamos que as narrativas históricas escolares, fomentadas,


produzidas e publicadas digitalmente no contexto das atividades propostas pela olimpíada,
constituem fonte riquíssima de estudo e possuem grande potencial de exploração dentro do
macrocampo da Cognição Histórica, Educação Histórica e da Didática da História.

Temos consciência que, para além dessa lacuna específica que destacamos, relacionada
a possibilidade de análise das ideias históricas dos estudantes, expressas nas narrativas
históricas, ainda existem muitas outras questões que não tivemos condições de responder no
presente trabalho, e que há um verdadeiro universo epistemológico a ser investigado dentro
do contexto da experiência olímpica, sobretudo no que concerne aos seus impactos na
aprendizagem discente e das práticas docentes, recorte temático que muito nos instiga e que
ainda pretendemos explorar em novos estudos. No entanto, acreditamos ter contribuído com
reflexões relevantes no sentido de aprofundar conhecimento sobre o legado olímpico e,
sobretudo, acerca do modo como podemos nos apropriar da referida experiência, ou mesmo
nos inspirar nela, para propor outras experiências significativas de aprendizagem histórica.

Uma provocação feita por minha orientadora, durante o processo da pesquisa, me tirou
da zona de conforto, me fez ir para além da análise e descrição da metodologia utilizada pela
ONHB e me levou a trilhar um caminho diferente do que eu havia planejado inicialmente. A
referida reflexão me fez compreender que, embora fosse super importante identificar, mapear,
catalogar e até problematizar a experiência olímpica, já era hora de cortar o cordão umbilical,
buscar os referenciais teóricos, a ciência por trás do método e, acima de tudo, propor práticas
de aprendizagem histórica que pudessem ser inseridas em meu contexto de atuação
profissional, que pudessem contribuir de modo tão significativo na vida de meus alunos, no
cotidiano de nossas aulas.

A partir de então, a ONHB passou a figurar em nosso trabalho como um referencial de


prática exitosa de aprendizagem histórica, como uma inspiração, um agente catalisador, um
exemplo de como é possível construir experiências de aprendizagem histórica que estimulem
o engajamento discente, o desenvolvimento de uma consciência histórica crítica e reflexiva,
que discuta as questões do tempo presente sem pretensa neutralidade, que diminua a distância
entre presente e passado, que auxilie na construção de significados, que possibilite o saudável
confronto de ideias, que oportunize o protagonismo discente na construção do próprio
conhecimento e, sobretudo, que possibilite a utilização do conhecimento histórico na defesa
dos direitos humanos, no combate as diversas formas de injustiça e violência e na promoção
177

de uma cidadania ativa e consciente.

Foi inspirado e motivado pelos propósitos há pouco mencionados, que elaboramos uma
proposta de ensino de história na qual os alunos estão no centro do processo, como importantes
músicos de uma orquestra e o professor atua como maestro, o músico mais experiente, um
mentor, aquele que orienta, aconselha, provoca e questiona, guiando os discentes no caminho
de uma educação histórica contextualizada, significativa e libertadora, através de experiências
de aprendizagem que possam articular o saber escolar com a formação para vida, a formação
acadêmica com conscientização cidadã, o conhecimento histórico com a leitura do mundo, o
respeito à diversidade com a consciência crítica e a defesa dos direitos da pessoa humana.

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ANEXOS
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