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BOLETIM N.» 1
O «TIGRE'DENTES'DE-SABRE»
DO BRASIL
por
<
RIO DE JANEIRO
INSTITUTO BRASILEIRO DE BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO
1955
Cabe ao Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documen-
tação manter relações permanentes com instituições nacionais e
estrangeiras para intercâmbio de documentação técnico-cien-
tífica.
Para motivar esse intercâmbio nada mais interessante do
que a edição e distribuição por este Instituto dos trabalhos rea-
lizados por iniciativa ou sob o patrocínio do Conselho Nacional
de Pesquisas.
Assim, entre os relatórios de pesquisas científicas, inéditos,
apresentados àquele Conselho serão selecionados, pela Divisão
Técnico-Científica do Conselho, alguns para publicação, que
será feita numa série intitulada Boletins do Conselho Nacional
de Pesquisas.
Para 1955, foi programada a publicação de doze boletins.
O primeiro trabalho publicado «O Tigre-dentes-de-sabre-do
Brasil», da autoria do jovem e ilustre cientista Carlos de Paula
Couto, Paleontólogo do Museu Nacional, foi realizado sob os
auspícios do Conselho Nacional de Pesquisas e, gentilmente,
cedido a este Instituto como contribuição à série de publicações
de mérito científico que ora se inicia.
Todos esses trabalhos serão editados em português e inglês
para facilitar a sua difusão no Brasil e no exterior. Outrossim,
os trabalhos em questão serão publicados individualmente para que
sejam distribuídos às instituições e pessoas interessadas de maneira
adequada.
.
O «TIGRE-DENTES-DE-SABRE» DO BRASIL
INTRODUÇÃO
Fig. 9
2cm
Fiys. 8 e 9.3 Smilodon populaío-- populator LUND. 8, molariformes superiores
direitos (P -M'), vistos de baixo. 9, idem, inferiores (P.i-Mi), vistos de cima.
Lagoa Santa, Minas Gerais. Espécime do Museu de Paris. 3/2 (de
DE BLAINVII.LE)
DESMAREST (1853) disse apenas algumas palavras a respeito
da mesma peça que tomou como tipo de sua espécie Smilodon
blainvillii, nome este que entra, indubitavelmente, na sinonímia de
S. populator LUND, 1842.
P. CERVAIS (1878a)mencionou o Felis smilodon de BLAIN-
VILLE, comparando-o com o seu Machairodus necator, da Argen-
tina. Mais tarde (1S78£>), chamou a atenção para o fato parti-
cular de apresentar o crânio /igurado por BLAINVILLE três pares
de molariformes inferiores, em vez de dois, como acontece em
todos os demais felídeo^, terminando, porém, por considerar tal
particularidade como uma anomalia individual, pois a mandíbula
figurada por LUND, procedente da mesma localidade, é normal,
sob este ponto de vista. ( 1 0 ) Tal fato levou CERVAIS a concluir
ser o Felis smilodon BLAINVILLE indistinguível de seu Machairo-
das necator. Ambos estes nomes são, porém, sinónimos de Smi-
lodon populator LUND.
HOLLAND (1920) referiu, com dúvida, a esta mesma espécie,
sob o nome de 5. neogaeus ( L u N D ) , um fragmento de costela de
um grande carnívoro, coletado por WARING, em Pedra Vermelha,
Estado da Bahia, juntamente com restos de mastodontes, notoun-
gulados (Toxodon burmeisteri) c desdentados (Megatherium e
gliptodontes) .
Em minha opinião, o Smilodon norte-americano não se dis-
tingue especificamente de S. populator LUND, 1842, de que é,
provavelmente, mera variante geográfica, subespécie, no máximo.
S. californicus é, segundo penso, a única forma norte-americana
válida (como subespécie) . As outras cinco formas descritas são
baseadas em material escasso, em tipos isolados, muito incomple-
tos, cujos pretensos caracteres diagnósticos não me parecem mais
que variações individuais de uma só forma.
Aliás, mesmo subespecificamente é difícil separar S. califor-
nicus de S. populator. Este último é, em geral, segundo me pa-
rece, de tamanho um tanto mais avantajado e, aparentemente, mais Smilodon populator LUND, 1842
robusto que a forma norte-americana, sendo apenas isto que, so-
mado à separação geográfica das duas formas, uma nitidamente Holótipo - - Dois dentes incisivos superiores direitos, um
setentrional, a outra sul-americana, me leva a admitir uma separa- fragmento de canino superior direito, metacarpianos II e IV da
mão esquerda e metacarpiano V da mão direita, in LUND, 18426,
ção subespecífica entre as mesmas.
pr. XXXVII. «Universitets Zoologiske Museum», Copenhague.
A subdivisão do género Smilodon LUND em três subgêneros, Pr. I deste trabalho.
além da forma típica, isto é, Trucifelis LEIDY, Dinobastis COPE e
Smilodontopsis BROWN, proposta por MERRIAM & STOCK (1932, Hipodigma - - Além do tipo, os seguintes espécimes: extre-
pp. 16-17), parece-me forçada. À vista dos atuais conhecimentos, midade distai de metacarpiano II da mão esquerda e falanges da
relativamente às variações individuais que podem ocorrer dentro pata posterior, in LUND, 18426, pr. XXXVI, figs. 3-7 (figs. 1-5
de uma espécie e, mesmo, nos limites de uma simples população, deste trabalho); um canino superior quase completo, in LUND,
prefiro considerar todos esses pretensos géneros ou subgêneros 1846, pr. XLVII (pr. II deste trabalho); parte de um ramo mandi-
como sinónimos de Smilodon e os respectivos tipos como taxonô- bular direito, com alvéolos de incisivos, raiz do canino e P,-M!
micamente indistinguíveis de S. cálifornicuá, até que o contrário presentes, in LUND, 1846, pr. XLVIII (pr. III deste trabalho);
possa, por acaso, ser indubitavelmente demonstrado. material citado por WINGE, 1895-96, p. 13, item 7 («Universitets
Zoologiske Museum», Copenhague); Nos. 18972, P'-4 esquerdos,
associados, talvez pertencentes ao mesmo indivíduo de que procede
SISTEMÁTICA o crânio figurado por BLAINVILLE, segundo LYDEKKER, 1885, p. 49;
18972a-$i, diversos restos esqueletais, idem; 18975, calcâneo di-
Ordem CARNÍVORA BOWDICH, 1821. reito [«British Museum (Natural History)»]; metade direita de
Subordem FISSIPEDIA BLUNENBACH, 1791.
um crânio, quase completa, com I 3 - 1 , C, P3-4 e M 1 preservados e
Superfamilia AELUROIDEA FLOWER, 1869.
Família FELIDAE GRAY, 1821. C superior esquerdo presente, e mandíbula incompleta, com todos
Subfamilia MACHAIRODONTINAE GILL, 1872. seus dentes conservados, in BLAINVILLE, 1855, pr. XX («Museum
National d'Histoire Naturelle», Paris); esqueleto tipo de S. 6o-
Smilodon LUND, 1842 r.aerensis ( M u N i z ) AMEGHINO, figurado por BURMEISTER. 1867
(«Museo Argentino de Ciências Naturales», Buenos Aires); os
Hyacna, LUND, 1839-42, ncc Brisson, 1762; hipodigmas das subespécies.
Smilodon Lund, 18426, p. 193; Méndcz-Alzola, 1941; Simpson, 1945, p. 121; Horizonte e localidade - Pleistoceno superior. Tipo de
Fetis (Trucifelis) Leidy, 1868, p. 174; Simpson, 1945, p. 121 (sin. de
Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil. Outros espécimes do Pam-
Smilodon);
Trucefelis, Brown, 1908, p. 191 (pró Trucifelis Leidy, 1868); peano argentino e do Pleistoceno norte-americano.
Drepanodon, Leidy, 1889, p. 29; Diagnose - - Única espécie conhecida do género.
Machairodiis. Leidy, 1889, p. 29;
Dinobastis Cope, 1893, p. 897; Simpson, 1945, p. 121 (sin. de Smilodon);
Smilodontopsis Brown, 1908, p. 188; Simpson, 1945, p. 121 ( i d e m ) ; Smilodon populator populator LUND, 1842
Machairodus, Cervais, 18786, p. 583;
Fclis, Blainville, 1855, pr. XX; Hyaena neogaea LUND, 1839a, pp. 94 e 134; 18396, pp. 224 e 232; 1840.%
Machaerodus, Winge, 1895-96, pp. 3, 13. p. 265; 18406, p. 293; 1840c, p. 312; 1842a, p. 12.
Nomen nndum.
Genótipo: Smilodon populator LUND, 1842, espécie única.
-- 12 —
a apófise coronóide é fraca, tanto em altura, como em seu diâme- pequena excrescência basal (cingulum) em seu ângulo ântero-ex-
tro ântero-ppsteripr, elevando-se muito pouco acima do nível den- .terno..
tário; a apófise angular é curta, mas relativamente forte; o côndilo O dente seguinte, isto é, o P 4 ou carniceiro, é enorme, muito
articular é baixo, situado em nível inferior ao do rebordo alveolar; maior que o P3 e que o M 1 , sendo, pois. o preponderante na série.
a fossa mastóide é muito forte, contrastando com a relativamente É altamente especializado, cortante, forte. Seu protocône é baixo,
pequena expressão da apófise coronóide; o rebordo inferior da relativamente pouco saliente na parede interna do dente, pouco
mandíbula apresenta ligeira convexidade, desde sob a parte média anterior ao paracône e posterior ao parastilo.(") O paracône ou
da fossa mastóide até sob o terço posterior do diastêma C-P.,, onde cúspide média, externa, é o mais desenvolvido dos acidentes da
se torna ligeiramente côncavo, prolongando-se com o rebordo coroa, apresentando sua crista cortante a forma de um S alongado;
saliente do mento. uma ligeira crista, de rebordos suaves, desce da parte média ante-
Os incisivos superiores, embora fortes, são relativamente rior do S para o protocône. Uma forte chanfradura anterior e outra
pouco desenvolvidos. O I1 está completo, mas aos I2-3 falta posterior, limitam o paracône do parastilo e do metacone. O
grande parte da coroa. O I 3 ou externo é o mais forte, sendo o metacône, pouco mais baixo que o paracône, é, porém, quase que
I 1 o menos desenvolvido, embora mais comprido ou, pelo menos, l j/2 vez maior, em extensão, do que este último. A face externa
mais projetado para baixo que o I 2 , porém não mais que o I3 A de sua lâmina apresenta, em sua parte média, superior, acentuada
coroa dos incisivos é, em geral, subcônica, posteriormente côncava, depressão. O parastilo é bem desenvolvido, mais ou menos tão
com a ponta torcida para baixo. A raiz, principalmente a do I 1 , elevado quanto o metacône e um tanto cónico, sendo precedido
é mais ou menos comprimida lateralmente. por uma pequena cúspide ou tubérculo basal anterior (prostilo ou
O canino superior é enorme, desmesuradamente desenvolvido, protostilo), cónico. O maior diâmetro transversal do dente está
quase igualando a mandíbula, em comprimento extra-alveolar, em na altura do protocône.
linha reta. É arqueado, anteriormente convexo e posteriormente O M1 é de tamanho reduzidíssimo, não funcional, colocado
côncavo, em fornia de faca bigume, como acentuou LUND, pois no rebordo mais posterior da maxila, em ângulo de uns 80" com
tanto seu rebordo anterior, como o posterior, principalmente este o eixo longitudinal do P 4 , e situado ao lado interno-superior do
último, são afilados e finamente serrilhados, sendo o dente com- lóbulo posterior deste último, com sua coroa orientada em sentido
primido lateralmente. Pequeno diastêma separa-o do I3 e do P3. quase vertical ou mesmo vertical, no rebordo postero-interno da
maxila, de modo que sua extremidade anterior se acha ao nível do
Os P 1 - 2 são completamente ausentes. O P3 é relativamente rebordo alveolar, situando-se sua extremidade posterior ao nível
pequeno, 3/7, aproximadamente, menor, em extensão, que o P 4 , da extensão palatina da maxila Sua coroa é de contorno aproxi-
implantado um tanto obliquamente, num ângulo de 150", mais ou madamente elíptico.
menos, com o eixo longitudinal do P"1. Apresenta três tubérculos Os dentes inferiores estão todos presentes e bem conserva-
em série, sendo o anterior e o posterior pequenos, basais, e o médio dos, com exceção do P:, direito, que se extraviou.
grande, cortante, separado dos outros dois por fortes chanfraduras Os incisivos aumentam progressivamente, em força e tama-
da parede externa e interna do dente. O maior desenvolvimento nho, de 11 ao I..,. O li, pouco mais baixo que o I.,, é fraco, com-
do tubérculo médio provocou uma expansão maior de sua base, primido lateralmente, inclusive na coroa. O L é apenas pouco
de modo que o dente tem sua máxima largura em sua parte média,
onde apresenta uma intumescência lateral externa e outra, lateral ( " ) Segundo LUND (1846, p. 27) um dente carniceiro superior, por ele
col;tado é completamente destituído de protocône, sendo o dente mais com-
interna. O lóbulo anterior do dente é o mais estreito e apresenta primido e cortante que nos felinos.
— 16 — 17 —
mais desenvolvido que o li, também comprimido lateralmente, de O M,, ou carniceiro inferior, supera um tanto o P,, em diâ-
coroa pouco mais aproximada da forma cônica-bizelada. O I:l é metro ântero-posterior e transversal. Sua cúspide anterior (para-
muito mais forte que o L, também comprimido transversalmente, cônido) é menos desenvolvida, em extensão, que a posterior, mas
de coroa quase cónica, ligeiramente côncava, em sua parte poste- ultrapassa um pouco a esta, em altura, sendo dela separada por
rior, e pontuda. Uma fraca crista lateral desce de cada lado da forte chanfradura que se localiza em posição bem anterior à parte
ponta, nos três incisivos, até a base da coroa, formando, por assim média do dente. O protocônido é bem mais alongado, ântero-pos-
dizer, os rebordos laterais do bizel que, nesta forma, não é tão teriormente, que o paracônido, apresentando, em sua face interna,
nítido como nos felinos. imediatamente antes da ponta da cúspide, uma acentuada depres-
O canino inferior, embora relativamente pequeno, em com- são, seguida por suave convexidade, correspondente à base da dita
ponta que coincide, em posição, com o bordo posterior do molar.
paração com o tamanho do animal, é forte, contíguo ao I-, a que
Um diminuto hipocônido é presente no bordo posterior do cíngulo
se assemelha um tanto. É, como os incisivos, comprimido lateral-
do dente, imediatamente atrás da base do protocônido.
mente, inclusive na coroa que é de secção transversal elíptica e
ligeiramente recurvada para trás, mas com sua ponta dirigida para O material do Museu de Copenhague -- Como se sabe, todo
cima. É bem mais desenvolvido que o I ;l , excedendo um pouco o material zoo-paleontológico coletado por LUND nas cavernas de
a este, em altura. Longo e deprimido diastêma separa-o do dente Lagoa Santa, foi por ele remetido para o «Universitets Zoologiske
seguinte, que é o P3, Museum», de Copenhague, onde ainda se acha e onde foi objeto
O P:1, presente em ambos os ramos do espécime em estudo, é de meticuloso estudo revisório, por parte de HERLUF WINGE.
reduzidíssimo e não funcional. O do lado esquerdo é ligeira- Segundo WINGE (1895-96, p. 13, item 7 ) , o material de
mente mais forte que seu homólogo, direito, de que atualmente só Smilodon populator daquela coleção é o seguinte:
resta a raiz. É, sobretudo, mais desenvolvido no sentido ântero-
posterior, com uma cúspide mediana algo proeminente, cujos rebor- a) alguns dentes, vértebras e ossos de membros de, pelo
menos, um indivíduo adulto e de um filhote, com Dm3, coletados
dos anterior e posterior, descendentes, são marcados por fraca
na Lapa do Baú;
crista. O P3 direito, a julgar pela figura de BLAINVILLE (Pr. IV
deste trabalho), pouco diferia daquele, em sua forma que se apro- b) maxilas, vértebras e ossos de membros de, pelo menos,
ximava um tanto mais, segundo parece, da figura cilindro-cônica. 4 esqueletos, procedentes da Lapa da Escrivânia n" 1;
Ambos os P., possuíam uma só raiz; sua coroa ultrapassava apenas c) maxilas, vértebras e ossos de membros de, pelo menos, 2
ligeiramente a base da coroa do Pd, em altura. esqueletos, inclusive a maioria dos ossos da mão e do pé, achados
na Lapa da Escrivânia ri" 5;
As coroas do Pa e MI são um tanto inclinadas para trás. O
P 4 é quase tão desenvolvido quanto o carniceiro inferior. É, d) um dente incisivo, uma mandíbula, úmero e tíbia, coligi-
dos na Lapa da Onça;
porém, bem distinto, estruturalmente. Sua cúspide média é forte,
situada entre duas cúspides acessórias menores, uma anterior, outra e) alguns dentes e ossos de mão e pé, coletados na Lapa
posterior, das quais é limitada por nítidas chanfraduras. Uma de Peri-peri;
fraca, mas bem nítida, cúspide basal, imediatamente posterior à / ) dentes e ossos de membros de, pelo menos, 3 esqueletos,
última da.s três cúspides principais, encerra a série longitudinal de achados na Lapa Vermelha;
cúspides externas. g) uma tíbia, procedente de caverna não especificada.
— 19 —
WINGE limita-se a esta relação, abstendo-se de descrever as principalmente a partir da parte média para o ponta do dente; da
peças dela constantes. Apenas diz que, tendo comparado o ma- parte média para cima, a face interna torna-se pouco menos con-
terial de Lagoa Santa com os numerosos restos de animais da vexa, apresentando, na metade do comprimento da raiz, ligeira
mesma espécie, procedentes dos países platinos, não achou nenhuma concavidade longitudinal, situada em sua metade posterior. O
diferença notável entre eles. bordo anterior do dente é de contorno arredondado ,tornando-se
progressivamente mais agudo, à medida que avança para a ponta;
Algumas das peças coletadas por LUND em Lagoa Santa
é fortemente convexo, no sentido longitudinal, apresentando, pos-
acham-se, porém, reproduzidas em suas pranchas XXXVI (figs. sivelmente, uma lâmina finamente serrilhada (impossível de veri-
3-7), XXXVII, XLVII t XLVIII, em tamanho natural: extremi- ficar-se na figura), desde a ponta do dente até quase a base da
dade distai de metacarpiano II esquerdo e duas falanges II de pata coroa, como é comum no grupo. O bordo posterior, fortemente
posterior (figs. 1-5 deste trabalho), dois incisivos superiores di- côncavo, é de contorno mais agudo que o anterior, apresentando
reitos ( I 2 - 3 ) , um fragmento de canino superior, aparentemente di- forte serrilha que, partindo da ponta do dente, vai até o fim da
reito, um metacarpiano II e um metacarpiano IV esquerdos e um cobertura de esmalte, ocupando as 3/5 partes, aproximadamente,
metacarpiano V direito (Pr. I deste trabalho), um canino superior de rebordo posterior do dente.
direito, quase completo (Pr. II deste trabalho) e um ramo man- O ramo mandibular direito está reduzido às suas 4/7 partes
dibular direito, incompleto (Pr. III deste trabalho). anteriores, faltando-lhes a parte montante por fratura, produzida
Os dentes incisivos distinguem-se dos dentes homólogos dos logo atrás do M,. Os incisivos faltam e o canino está represen-
felinos, por sua coroa coniforme, ligeiramente recurvada para trás. tado apenas por sua raiz que é comprimida lateralmente, de secção
de uma só cúspide principal conspícua, enquanto a dos felinos, além transversal aproximadamente elíptica e de diâmetro antero-poste-
de menos desenvolvida, c bem mais escalpriforme, assim como, no rior equivalente aos 5/7 do diâmetro longitudinal do P4. Não
dizer de LUND, pela presença, na face posterior da coroa, de duas se nota, neste exemplar, o menor vestígio do P,, nem de seu alvéo-
proeminências, separadas por um sulco longitudinal, o que só se lo, o que confirma a hipótese de que a presença ou ausência de tal
observa atualmente nos incisivos superiores dos ursos, em que tal dente, em Smilodon, pelo menos, é um caracter de ordem mera-
caracter é pouco acentuado, e das hienas, em que é tão bem mente individual. Os P.t e MI, afilados transversalmente e bem
definido quanto na fornia fóssil em consideração. A raiz dos sectoriais, assemelham-se em tudo aos dentes homólogos da man-
incisivos é forte, longa e comprimida lateralmente, apresentado li- díbula do Museu de Paris, que vimos de descrever, com uma in-
geira curvatura lateral, em sua parte proximal. significante discrepância: a ausência, no rebordo posterior do Mi
da peça figurada por LUND (Pr. III deste trabalho), da pequenís-
O canino superior (Pr. I I ) , que é enorme, faltando-lhe a
sima cúspide basal posterior (hipocônido), existente naquele.
ponta (que foi encontrada em escavações posteriores e que apre-
senta a forma e o tamanho indicados na restauração feita na fi- O material do Museu de Londres Segundo LYDEKKER
gura, .segundo L U N D ) , apresenta forte curvatura antero-posterior, (1885, pp. 48-49), o material brasileiro de Smilodon populator
atingindo a curvatura total de seu bordo anterior 115" de arco de no «British Museum (Natural History)» é o seguinte:
uma circunferência de 15 cm de raio. O dente é comprimido
lateralmente e afila-se progressivamente, da raiz para a ponta, 18972. P 3 - 4 esquerdos, atribuídos ao mesmo indivíduo de que
procede o crânio do Museu de Paris; de que o Museu Britânico
sendo, porém, a extremidade proximal da raiz mais estreita antero-
-posteriormente, pelo menos, que sua parte média. A face externa possue molde em gesso — M. 1572);
é ligeiramente convexa, o mesmo acontecendo com a face interna. 18972 a. Diáfise de fémur esquerdo;
— 20 —
cusp, inferior diastema short, symphysis deep and extending below mais curtos que os dos grandes gatos de hoje. Pode-se imaginar
the inferior border of the horizontal ramus of the mandible.» muito bem os terríveis estragos que tão poderosa fera causou entre
Nenhum destes caracteres é diagnóstico. A ausência ou pre- os animais seus contemporâneos, principalmente no meio dos gran-
sença do P:; é uma contingência meramente individual (vide nota des ungulados (mastodontes, Toxodon, Macrauchenia, Eqtius,
10) em Smilodon. Os demais caracteres apontados por BOVARD Hippidion, Tapir, Lama, cervídeos, bovídeos e pecaris), desdenta-
são comuns a todos os indivíduos do mesmo grupo, isto é, são dos (megatérios, gliptodontes, tatus, etc.) e roedores (capivaras).
caracteres genéricos. As cavernas de Lagoa Santa devem ter servido de guarida àqueles
enormes gatos pleistocênicos, que para ali teriam levado, frequen-
O material disponível por BOVARD era, apenas, um crânio
temente, suas presas, para devorá-las mais comodamente, como
quase completo e grande número de fragmentos de diversos outros;
parecem indicar os restos de algumas de suas supostas vítimas, en-
ramos esquerdos de mandíbulas de dois indivíduos e fragmentos contradas nas cavernas. Acoitados entre os arbustos das proxi-
de três outros; metade posterior de um ramo mandibular juvenil; midades dos grandes bebedouros naturais, que devem ter sido a.s
ossos de patas, fragmentários; dentes isolados, inclusive caninos numerosas cacimbas fossilíferas do Nordeste brasileiro, nos tempos
superiores; mandíbula juvenil, com dentes de leite. do Pleistoceno, deviam eles espreitar suas vítimas que ali acorriam,
O crânio em que LEIDY baseou seu Machairodus floridanus para dessedentar. e que apresavam, em botes certeiros, cravando-
é um pouco menor, em todos os sentidos, que o de Smilodon popu- -Ihes os enormes caninos superiores nas vizinhanças de uma arté-
lator populator e, segundo o mesmo autor, as pequenas diferenças ria principal, logo seccionada, ou num órgão vital. O mesmo
que exibe podem ser consideradas como meras variações individuais. devem ter feito seus semelhantes, nos bordos das grandes poças
de asfalto pastoso de Rancho La Brea, Califórnia, onde seus restos
Na mandíbula tipo de 5. nebrascensis, cujo tamanho concor-
são tão numerosos quanto os de suas costumeiras presas, numa
da com o do crânio de M. floridanus, o diastema pós-canino é deci-
demonstração clara de que eles próprios, em virtude de sua vora-
didamente mais curto que em 5. californicus, os molares são, apro-
cidade e sem atinar, senão tardiamente, com os perigos escondidos
ximadamente do mesmo tamanho e o canino e incisivos são sias características físicas da armadilha de asfalto pastoso, como
mais robustos. O próprio MATTHEW (1918, p. 229) considera salientam MERRIAM 6 STOCK (1932), eram vítimas frequentes de
esta sua pretensa espécie como muito duvidosa, acrescentando ser tal armadilha.
provável que ela não represente mais que uma variante geográfica
do grupo californicus-floridanus-fatalis. Não há dúvida, porém, de que os «tigres-dente,s-de-sabre»
tinham hábitos dissemelhantes dos dos felinos, como dissemelhan-
tes devem ter sido, também, suas afinidades ecológicas, segundo
A EXTINÇÃO DO SMILODON MERRIAM (< STOCK.
«
A despeito de tão poderosamente armado, o Smilodon desa-
O Smilodon era ainda mais especializado no sentido carnívoro
que os felinos, embora menos inteligente do que estes, a julgar pareceu bruscamente do cenário da vida, no fim do Pleistoceno,
pelo tamanho relativamente pequeno de seu cérebro. Entre os quando o continente americano foi palco de extinção em massa,
restos coletados por LUND em Lagoa Santa, encontram-se alguns, que vitimou grupos inteiros, como os dos toxodontes, macrauqiiê-
que indicam ter o S. populator ultrapassado, em tamanho, segundo nias, mastodontes, cavalos, preguiças terricolas, gliptodontes, etc.
LUND, todos os demais felídeos conhecidos, a despeito do fato de É possível que a causa principal da extinção do Smilodon e
ter sido dotado de membros locomotores relativamente um tanto dos outros grandes carnívoros do Pleistoceno americano, como o
24 —
tinção deve ser causada, mais provavelmente, em última análise, II — Idem do meio do
lacrimal à apófise
por falta de adaptação a mudanças de meio, provocadas por alte- zigomfttic&
rações físicas operadas no respectivo ambiente, modificando-lhes as III — Diâmetro vertical
ii.rrn.dii, Kimoroiliíiv
condições ecológicas e ocasionando perturbações mais ou menos XXXV - - M1 direito: diâmeti
XXXVI — Diâmetro transvers*. —
profundas na respectiva biota. Assim, uma mudança ou revira- —
XXXVII — L direito: diâmetro
volta climática, com alterações no regime de chuvas, no estado XXXVIII — Diâmetro transversc —
\"XXIX — li direito: diâmetro —
higrométrico da atmosfera e na temperatura, pode, sem dúvida,
XL — Diâmetro transversc
provocar modificações profundas na vegetação e, mesmo, aniqui- XLI — I 3 direito: diâmetro
lá-la quase por completo, com influência também mais ou menos XLII - Diâmetro transverso
XLIII — C inferior direito: di
profunda na vida animal, seja direta, seja indireta, esta última terior junto ao alvo'
devida às alterações introduzidas na flora que fornece os elemen- XLIY -- Diâmetro transverso!
XLV -- PS direito: diâmetro
tos básicos da vida animal. Uma vez alterado, o equilíbrio ecoló- XLVI — Diâmetro transverso
gico só voltará a refazer-se depois de que alterações se processem XLVII — Pa esquerdo: diâmeti
X L VI II — Diâmetro transverso)
na biota, seja por adaptação às novas exigências do meio, seja por XLIX — P4 direito: diâmetro
L — Diâmetro transverso
migração, seja por extinção de grupos de organismos de que esta LI — Mi direito: diâmetro
se constituía. Assim, a desaparição dos grandes ungulados (toxo- LII — Diâmetro transverso
LI II — Diastôma C' — P3 c
dontes, macrauquênias, mastodontes, cavalos) e desdentados (me- LIV - - Diastôma C • - P» ç
gatérios e seus mais próximos afins, gliptodontes e tatus gigan- IA' -- Comprimento da sérii 2.084 0.122 2.102 !! O . C il
LVI — Comprimento da sor 0
0 2.132 0.044 2.1(17 O.COS)
tes), de hábitos estritamente vegetarianos, que se teria seguido à
redução da vegetação, com o aniquilamento de grupos vegetais in-
teiros, teria sido uma das causas ou, melhor, a causa final da a — medida aproximada Média aritmética de 17 espôoimor.
* — lado indiscriminado 22
extinção do Smilodon e dos outros grandes carnívoros do Pleisto- Lofj;. — logarltimo 10
ceno americano, que tinham, certamente, naqueles mamíferos de Dif. — diferença o
£i
grande porte a fonte principal de sua alimentação, em parte, por (1) — Média aritmétifla do 1 25
eles próprios também destruída. Extinção em massa, principal- (2) ~ » 2. 6
(3) — Museu do Los Angeles g
(4) — Média aritmética do ' - Medida tomada na ÍIR. I\K Lund.
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.-/luujiii; si:]ii.',).ii: siíj) iiiuixyiu i:.!ii3.n:f[ — \\\
GiO 0 — osrs HX) 0 ZSO S 0 H) 'S — (E) «EEI (!) 001 ,:()l 1 s]i:.i(«iui.>} sii;si.i.) si:p so.ioi.ioj
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• V d I M U ) 'Ul 'V) VJAVS VO!)V'I :•[([ '«x-r ii(UV'L)<fo<f W)tLY'i.i<io,i \txnniiw xi svniy.LXMd :-i S M H V I . I H K I X X IV-ÍHXVH.Í SVÍIKIMIV :-ia vouy.L
-.10
XII LV LVI
Medidas Consideradas
Fig. 12 - - Diagrama logarítimico das principais medidas crânio-mandibulares
de Smilodon populator populator do Pampeano argentino (B) e S. populator
cali[ornicus (C), em comparação com S. populator populator de Lagoa Santa,
Minas Gerais, Brasil (exemplar do Museu de Paris) ( A ) , tomado como padrão,
segundo os dados constantes da táboa de medidas. (A escala representa as
diferenças aproximadas entre os logaritimos do padrão e os das médias das
outras amostras). Vê-se que, em média, o crânio de S. populator californicus
é mais curto, porém mais largo, posteriormente, que os de S. populator popu-
lator, em geral; tem maior largura bizigomática que o S. populator populator
de Lagoa Santa, mas é superado nesta medida pelo S. populator populator
pampeano. Sua mandíbula é também mais curta e tem menor altura, em sua
parte montante, que a do S. populator populator, em geral. Suas séries den-
tárias superior e inferior são mais compridas que as de S. populator populator
pampeanos, em desproporção com o comprimento do crânio e mandíbula, porém
são mais curtas que as de S. populator populator de Lagoa Santa. Há, pois,
uma superposição de proporções entre as três populações consideradas, em diver-
sos pontos. O cálculo é, sem dúvida, grosseiro e, além disto, a amostra de
Lagoa Santa é um espécime isolado, ignorando-se a flutuação das variações na
J respectiva população, mas, mesmo ^.ssim, o gráfico parece indicar a exútên-
cia de uma certa homogeneidade entre as diversas populações consideradas,
) isto é, de uma afinidade mais íp.tim;- do que a admitida até hoje entre o S. cali-
[ornicus, norte-americano, e o S. populator, sul-americano, confirmando, assim,
nossa opinião de ser o primeiro apenas uma variante geográfica, no máximc
subespécie de S. popu/afor (S. populator californicus), não uma espécie dis-
tinta. (Desenho de Ulisses Bastos Freitas).
— 25 —
Fig. l Fig. 2
PRANCHA I
PRANCHA II
PRANCHA III
Fig. 8
Smilodon populator populator LUND. Ramo mandibular direito, incom-
pleto, visto do lado externo ( ' ) e de cima ( 2 ) , com a raiz do canino (C) e
com os P.j-M, preservados. Lagoa Santa, Minas Gerais. Museu de Co-
penhague. 3/5. (de LUND).
PRANCHA IV
2 cm
Smilodon populator populator LUND. Crânio e mandíbula, vistos do
lado direito, com as partes faltantes restauradas (em branco, limitadas por
linha cheia). Lagoa Santa, Minas Gerais. Espécime do Museu de Paris
(as figs. 6-9 são partes do mesmo espécime, de que a fig. )0 é uma fotografia).
3/25 do tamanho natural, apr. (de DE BI.AINVILLE, modificado).
Prancha 11
Fig. 2
Fig. 3
Prancha I I I
2 cm
Fig. 2
Prancha IV
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