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Os limites do etnocentrismo
perspectivista e o conceito de agência como método de interpretação da cerâmica
tapajônica.
Danilo Peres
RESUMO: O presente ensaio tem como objetivo analisar o Vaso de Gargalo, cerâmica
Tapajônica, unidade número 198, de tombamento número 375 da Coleção Frederico
Barata, presente no Museu Emílio Goeldi. A metodologia utilizada foi o Perspectivismo
como contextualização antropológica juntamente com a problematização do
etnocentrismo como limite interpretativo. Em conjunto com o conceito de agência social
estendido a artefatos históricos como possíveis indícios de intenções. Os Vasos de
Gargalo e suas variações indicam a possibilidade de uma cosmologia comum da
Amazônia pré-Cabralina expressada pelas cerâmicas de estilos similares encontradas em
localidades relativamente distantes entre si, como o rio Trombeta a foz do rio Tapajós.
Não foi possível inferir, no entanto, a função social dos Vasos de Gargalo especificamente
e nem se sua produção era local, especifica ou local e especifica.
INTRODUÇÃO
pelos professores Dr. Byron E. Hamann (OSU) e Me. Fernando Pesce (Doutorando em
(UNICAMP) e Dr. José Afonso Medeiros Souza (UFPA). O objeto de estudo escolhido
para a finalização deste curso foi o Vaso de Gargalo, uma cerâmica com incisões e
Frederico Barata, adquirido pelo Cnpq e depositado no Museu Emílio Goeldi em 1959.
porém com presença de variações pontuais; localização; tempo; material; cultura e estilo.
Suas datações variam de 900 anos a 1600 anos depois da adoção do Calendário Cristão
(D.C. - depois de cristo). Apesar dos Vasos de Gargalos procederem de Santarém, sua
fronteira entre Pará e Amazonas como também das Guianas, do Baixo Amazonas até o
classificação de Barata (1950) para descrever artefatos mais padronizados: o estilo dos
modelagem. A nomenclatura utilizada por ele divide os vasos em dois tipos, sendo o Vaso
de Gargalo unidade de número 198, de número de tombamento 375, objeto deste estudo,
I
Coleção Frederico Barata de cerâmicas tapajônicas do Museu Paraense Emílio Goeldi.
II
Para mais informações consultar a dissertação de mestrado de Guapindaia, 1993, pp. 64 - 69.
superior existe uma figura zoomorfa, um quadrúpede. As outras figuras são batráquios de que
estão fixadas no bojo pelos pés. A base é em forma anelar. E decorada com incisões. Mede 2,30
cm de altura. A altura total do objeto é de 18,30 cm. (Guapindaia, 1993, p. 283).
quadrupede com cauda, o que poderia ser um símio e duas figuras irreconhecíveis.
hoje sobre artefatos antigos são através de registros históricos ou através de estudos
contaminados por sua própria cultura e seu modo de perceber o outro e domina-lo através
utilizada neste ensaio (Viveiros de Castro, 2002) ainda se utiliza de tal termo, seja por
o conceito de agência social aplicado aos artefatos (Gell, 1998) como uma forma também
capacidade de agência dos indivíduos assim como suas intenções ao fabricar o artefato a
ser estudado.
da demarcação “selvagem” por Viveiros de Castro, no decorrer de sua obra (2002), ele se
utiliza do mesmo termo proposto por Leví-Strauss (1962), sem de alguma forma
humanidade por vezes não se estende para fora dos limites do que é considerado
Não é, tampouco, por acaso que a maioria dos etnônimos ameríndios que passaram à literatura
não são autodesignações, mas nomes (frequentemente pejorativos) conferidos por outros povos: a
objetivação etnonímica incide primordialmente sabre os outros, não sabre quem está em posição
de sujeito (ver Urban 1996: 32-44). Os etnônimos são nomes de terceiros, pertencem a categoria
do 'eles', não a categoria do 'nós'. Isso é consistente, aliás, com uma difundida evitação da auto-
referência no plano da onomástica pessoal: os nomes não são pronunciados por seus portadores,
ou em sua presença; nomear e externalizar, separar (d)o sujeito. (Viveiros de Castro, 2002, p. 372)
outro como uma tentativa de compreendê-lo, ele parte do pressuposto que os animais se
veem como iguais e percebem os seres humanos como estranhos. Há uma proximidade,
III
Em diversas narrativas indígenas é documentado o período da transformação como o surgimento da
humanidade. Os trechos “O Trovão disse então: — “Procedem dessa forma quando forem colocar as
Malocas de Transformação para criar a futura humanidade” e “A futura humanidade tornava-se gente e
crescia maloca por maloca, assim como a criancinha cresce ano por ano. Assim mesmo acontecia com eles”
confirmam esta afirmação. Para mais informações consultar o livro: Antes o mundo não existia: mitologia
dos antigos Desana-Kêhíripõrã, 1995, pp. 28 e 31.
IV
Para mais informações: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/197970/188570#toc
diferenças de percepção do mundo ao propor um deslocamento do multiculturalismo ao
multinaturalismo.
Apesar de Viveiros de Castro estar em consonância com GellV, este último é mais
enfático no que diz respeito em propor uma terceira alternativa que foge de uma
de arte não ocidentais como primitivosVI. Gell elaborou uma teoria antropológica da arte,
que é útil na medida em que facilita a inferência de intenções cristalizadas nos artefatos.
Ele propôs os conceitos de: índice, signos materiais que permitem a possibilidade de
receptor das ações dos agentes sociais. Ainda de acordo com o autor, este propõe que que
O exemplo clássico apresentado por Gell são das minas explosivas plantadas pelos
soldado, a expressão de sua intenção. Para entender melhor as implicações de tal conceito
nas artes através da perspectiva contemporânea, basta ter como referências o audiovisual
local: as novelas brasileiras, nas quais os assuntos abordados servem como termômetro
V
Os artefatos possuem esta ontologia interessantemente ambígua: são objetos, mas apontam
necessariamente para um sujeito, pois são como ações congeladas, encarnações materiais de uma
intencionalidade não-material Gell 1998: pp. 16-18,67.
VI
Não faço qualquer objeção as sugestões de Price, quanto a ampliar o reconhecimento à arte e aos artistas
não ocidentais. De fato, nenhuma pessoa bem-intencionada poderia se opor a tal programa, com exceção
talvez, de alguns “peritos” que sentem um prazer reacionário imaginando que aqueles que produzem “arte
primitiva” colecionadas por eles são selvagens que acabaram de descer das árvores. Podemos ignorar
prontamente estes idiotas. Gell, 1998, p. 25.
VII
Considerando os dados de audiência disponibilizados pelo Kantas Ibope Media, podemos notar que as
novelas das 21h exibidas entre os anos 2000 e 2018 têm uma média de 25 a 30 pontos de audiência, o que
do pensamento ameríndio são as flautas sagradas dos povos do Rio Negro, cuja origem é
explicada pelo mito de Yurupari, descrito por Mello (2013), personagem protagonista
homem, corpo de preguiça e dentes de onça, em seu corpo há buracos de onde saem
diversos sons presentes em todo o universo. Após sua morte, no lugar onde foi queimado,
nasce uma paxiuba que serviria de matéria prima para a construção das flautas sagradas
que iriam organizar a sociedade em ritos de iniciação divididos por papéis de gênero e de
acordo com a idade. Sendo assim, o conceito de agente social é ferramenta útil para
ligação com o povo Tapajônico, principalmente, é possível levantar alguns índices que
podem elucidar abduções. O que se sabe até então é que variações dos Vasos de Gargalo
Guapindaia (1993), há uma especulação sobre o tempo gasto em fabricar os artefatos, que
diferentes das cerâmicas comuns, sem muitas variações plásticas, os Vasos de Gargalo
apresentavam técnicas mais complexas que exigiam trabalho laborioso e variações nas
ornamentações de vaso a vaso, ao passo que seguiam um padrão de forma. Isto pode
equivale de 1,6 a 1,9 milhões de domicílios, ou 18,2 a 18,9 milhões de indivíduos assistindo a essas
produções23. Para mais informações: https://doi.org/10.1590/1678-49442018v24n3p033
Ainda de acordo com Guapindaia:
O procedimento de coletar somente peças mais bonitas está ligado a interesses de colecionadores
e antiquários e representa o primeiro estágio de desenvolvimento do interesse pela pré-história.
Este procedimento tem como base teórica o difusionismo. Esta teoria explicativa considera que as
inovações culturais e suas manifestações materiais não podem surgir em vários locais ao mesmo
tempo. Acredita que as inovações surgem em centros que possuem condições privilegiadas de
onde migram para as periferias. Na medida em que ocorrem estas migrações e estas vão se
distanciando do centro, suas características vão tornando-se mais diluídas. Portanto, é dentro deste
quadro teórico que se justifica a preocupação em achar as peças mais bonitas, mais trabalhadas,
isto significaria achar o centro de inovação cultural. (Guapindaia, 1993, p.36).
Tal hipótese de uma combinação de produção em área específica com produção local,
complexas, onde por vezes diversas etnias dividiam um espaço em comum e trocavam
seus saberes e práticas ao longo de milênios de anos, por vezes até mesmo se deslocando
aos povos indígenas da América já foram observados durante os estudos de Mello (2013)
sobre a influência da mitologia do Yurupari nos povos do Rio Negro, por exemplo. As
comum.
CONCLUSÃO
Os Vasos de Gargalos são artefatos indígenas que chamam atenção pela singularidade
de ornamentos, descritos por seu formato de lâmpada (atribuída por suas asas) por Barata
contudo, em conjunto com a teoria antropológica da arte proposta por Gell (1998),
sócio espaciais, a abdução proveniente deste artefato pode indicar uma cosmologia
comum expressa na cerâmica através das figuras nos vasos, encontrada em várias
contudo, ter uma resposta exata sobre a função social dos Vasos de Gargalo.
REFERÊNCIAS
Coleção Frederico Barata, Museu Emílio Goeldi (2022). Cerâmica Tapajônica – vasos de
gargalo e caríatides. Belém, PA.
Alves, M. L. (2018). Para além de Santarém: os vasos de gargalo na bacia do rio
Trombetas. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum Vol. 13.
https://doi.org/10.1590/1981.81222018000100002
Barata, F. (1950). A arte oleira dos Tapajó I: considerações sobre a cerâmica e dois tipos
de vasos característicos. Belém: Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará.
(Publicações do Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará, v. 2).
Viveiros de Castro, E. 2002. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Ed. Ubu.
Kêhíri, T.; Pãrõkumu U. (1995). Antes o mundo não existia: mitologia dos antigos
Desana-Kêhíripõrã. Editora UNIRT FOIRN.
Mello, G. d. (2013). Yurupari, o dono das flautas sagradas dos povos do Rio Negro.
Mitologia e Simbolismo. Editora Paka-Tatu.