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Afro-Ásia

ISSN: 0002-0591
revista.afroasia@gmail.com
Universidade Federal da Bahia
Brasil

de Carvalho, Marcus J. M.
ARTEFATOS DA ESCRAVIDÃO REVELAM HISTÓRIAS AUSENTES DOS
DOCUMENTOS ESCRITOS. AGOSTINI, Camila (Org). Objetos da escravidão:
abordagens sobre a cultura material da escravidão e seu legado. Rio de Janeiro: 7Letras,
2013. 364p.
Afro-Ásia, núm. 51, 2015, pp. 261-268
Universidade Federal da Bahia
Bahía, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77046998009

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ARTEFATOS DA ESCRAVIDÃO
REVELAM HISTÓRIAS AUSENTES
DOS DOCUMENTOS ESCRITOS

$*267,1,&DPLOOD 2UJ Objetos da escravidão: abordagens sobre a cul-


tura material da escravidão e seu legado5LRGH-DQHLUR/HWUDVS

EVWH OLYUR WHP XPD SURSRVWD LQ autores Euscam desYendar e apre
WHUGLVFLSOLQDU H[SOLFLWDGD ORJR QD sentar ao Oeitor. 'ito assim de Iorma
DSUHVHQWDomR+iWH[WRVGHKLVWRULD tmo simpOes, isso parece pouco, e atp
GRUHV DUTXHyORJRV H DQWURSyORJRV autoeYidente, mas o Iato p Tue ainda
TXH GLDORJDP HQWUH VL H WDPEpP smo poucos os traEaOhos Tue Euscam
FRPD0XVHRORJLDFRPREHPGL]D perceEer as nuanoas da escraYidmo,
RUJDQL]DGRUD 2 REMHWLYR SULQFLSDO raramente encontradas e e[tratdas
GD FROHWkQHD p FRQJUHJDU SHVTXLVDV de te[tos escritos ou reOatos etnográ
TXH DYDQFHP QD GLVFXVVmR VREUH D Iicos. $Ocanoar essa meta p o grande
FXOWXUD PDWHULDO GD HVFUDYLGmR 6mR mprito desse OiYro e a ra]mo para tor
PXLWDV DV LGHLDV H GLVFXVV}HV DSUH náOo uma contriEuiomo importante
sentadas, mas há um sentido comum para os estudos da escraYidmo no
em todos os te[tos Tue p mostUaU %rasiO.
Tue os oEMetos, como e[SUess}es $s diYersas aEordagens contidas
mateUiais da escUaYidmo, di]emnos na coOetknea smo enriTuecidas peOo
muitas coisas Tue nmo estmo nos te[ caráter interdiscipOinar da oEra, um
tos escUitos com os Tuais os histoUia dos seus pontos Iortes, mesmo Tue
doUes costumam tUaEaOhaU 7e[tos, preMudiTue a tentatiYa de se oEter
Tuase semSUe, smo SUodu]idos SeOo uma maior unidade temática. Esse
dominadoU, SeOo YencedoU, UeJUa Je caráter interdiscipOinar permite aos
UaO, o SUodutoU do aUteIato 2s oEMe autores tamEpm usar Iontes escritas
tos nem sempre seguem essa regra. e orais como suporte para entender
'a mesma Iorma, reOatos e memy a cuOtura materiaO da escraYidmo e
rias serYem muito j etnograIia, mas interpretar os m~OtipOos signiIicados
smo mediados e reconstitutdos peOo dos arteIatos estudados. 6oE o ponto
tempo e a conseTuente e[perirncia de Yista teyrico, esse trknsito entre
humana. &onIorme $gostini, e[iste mptodos e tpcnicas de pesTuisa de
uma siOenciosa dinkmica na mate diIerentes cirncias $ntropoOogia,
riaOidade. e essa dinkmica Tue os +istyria e $rTueoOogia p, ao mes

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mo tempo, Iascinante e compOe[o, a cuOtura materiaO, as identidades e
pois toca Mustamente na corda mes a cosmoOogia dos catiYos de 0ato
tra da interdiscipOinaridade, Tue, ao *rosso com Ease nos resTutcios ar
transitar entre diferentes ramos do TueoOygicos de engenhos na &hapa
conhecimento cienttfico, reTuer ain da dos *uimarães. 2 te[to cru]a os
da mais rigor para não cair no puro achados arTueoOygicos com docu
ensatsmo. 'essa preocupaoão tey mentos escritos soEre a procedrncia
rica e metodoOygica resuOtam insti dos catiYos OeYados para a &hapada
gantes discuss}es soEre como inter e, Oastreado na historiografia soEre
pretar oEMetos Tue se trm em mãos j cuOtura materiaO e resistrncia escra
Ou] do Tue Má se saEe em diferentes Ya, faOa soEre práticas cotidianas,
áreas do conhecimento. a reconstrução de ideias e a manu
2 primeiro capttuOo, de 0arcos tenção de sistemas de crenças afri
$ndrp 7orres de 6ou]a, tra] uma canos no %rasiO. )oram encontrados
discussão teyrica soEre a possiEi traços de cuOturas diYersas, mas com
Oidade de a $rTueoOogia contriEuir predomtnio Eacongo. 2 autor Oem
com o desYendar da cuOtura materiaO Era -ames 6cott, argumentando Tue
dos escraYos e, assim, entender, in a $rTueoOogia serYe tamEpm para
cOusiYe, aspectos pouco estudados descoErir hidden transcripts soEre
da resistrncia. 2 estudo da Oouoa resistrncia. 1esse sentido, p insti
encontrada em uma escaYaoão no gante terem sido encontrados oE
Engenho de 6ão -oaTuim, em *oiás, Metos mágicos emEai[o de uma ca
por e[empOo, demonstra Tue os cati sagrande, demonstrando Tue haYia
Yos foram capa]es de fa]er um uso não apenas uma resistrncia reOigiosa
criatiYo dos recursos dispontYeis j mas um confOito. Entre as estratp
reYeOia dos senhores. $Oguma Oouoa gias de resistrncia estaYa a tentatiYa
era de fato doada peOos senhores, de manipuOar o mundo espirituaO em
como parte das reOao}es paterna faYor dos catiYos e contra a cOasse
Oistas, mas haYia aTuisioão prypria, senhoriaO, ou seMa, os catiYos faEri
reaproYeitamento e recicOagem, ge caYam artefatos Tue tanto podiam
rando utenstOios e ferramentas Ya protegrOos, como preMudicar os se
riados. 2s catiYos tamEpm criaram nhores.
recipientes cerkmicos cuMa utiOidade 2 terceiro capttuOo p de auto
era oposta j Tue pretendia a cOasse ria de &amiOa $gostini. ,ntegrando
senhoriaO, pois estaYam enYoOYidos +istyria e $rTueoOogia, a autora
na Outa identitária. 2 estudo dos ar apresenta uma instigante discussão
tefatos cerkmicos mostra grande ri teyrica soEre a Tuestão do espaço,
Tue]a cuOturaO e capacidade de adap soEre como a $rTueoOogia da paisa
taoão, criaoão e resistrncia. gem pode serYir de guia para a Oeitu
2 segundo capttuOo, de /uts ra de documentos escritos, pois, afi
&Oáudio 3ereira 6\mansNi, estuda naO, os Ougares não e[istem apenas,

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eOes acontecem, são e[perirncias acomodaç}es, tens}es, confOitos e
histyricas. $ssim, aOpm de ³espaços confrontos eram gestados nesse pro
estruturais´ deYotados a funç}es cesso de constituição de territórios,
preYiamente estaEeOecidas, impos Tue precisam ser oOhados peOo his
tas atp, haYeria ³espaços Oiminares´, toriador tamEpm com o cuidado do
nos Tuais imperaYa a negociação, arTueóOogo, sempre mais atencioso
o confOito, a resistrncia, as poten com os detaOhes materiais da paisa
ciaOidades. &orroEorando o Tue foi gem, do meio amEiente, do espaço
dito no artigo anterior de Symanski, construtdo peOo homem.
$gostini dei[a cOaro Tue, em ter 1o capttuOo seguinte, -ohana &a
mos espirituais, a casagrande não terina 0antiOOa OOiYeros agrega um
era indeYassáYeO e Tue o estudo da estudo histórico e etnográfico a uma
sen]aOa p tamEpm muito instigante. inYestigação arTueoOógica soEre o
O uso dos autos processuais de um TuiOomEo de San %astOio, na &oO{m
homictdio Munto ao estudo arTueoOy Eia, e termina tra]endo resuOtados
gico do espaço onde eOe se deu p um estimuOantes. $ autora perscruta a
dos pontos fortes desse te[to, Tue memória coOetiYa por meio de entre
aponta perspectiYas interpretatiYas Yistas. ,nYestiga tamEpm a geografia
imposstYeis de se fa]er sem o uso da comunidade e do seu entorno, os
articuOado da +istyria e da $rTueo “retiros”, onde antes haEitaYam os
Oogia da região cafeeira no ;,;. descendentes dos TuiOomEoOas. Os
1o Tuarto capttuOo, )OáYio *o registros arTueoOógicos, Easicamen
mes disserta soEre as m~OtipOas pos te cerkmicos, recuperados e anaOi
siEiOidades aEertas peOo estudo de sados, todaYia, remontam ao spcuOo
narratiYas contidas em processos ;,;. 3ara a autora, fica eYidente,
criminais, para o entendimento das portanto, o YtncuOo da comunidade
percepç}es escraYas e senhoriais com as guerras ciYis do spcuOo ;,;,
soEre a geografia das fa]endas, dos pois o assentamento atuaO foi sendo
terreiros, das roças e atp das fOores construtdo nos arredores da capeOa
tas da região de plantation do 9aOe de San %astOio. $ssim, fica cOaro Tue
do 3aratEa. 1aTueOes espaços, eram foi naTueOe spcuOo Tue surgiu um
definidas as Oygicas da dominação e conte[to mais faYoráYeO para Tue
da resistrncia. O escraYo produ]ia aTueOes descendentes de TuiOomEo
espaços e deOimitaYa territyrios onde Oas pudessem haEitar mais pró[imos
se reaOi]aYa sua cuOtura. O autor dis entre si do Tue nos pertodos ante
serta Oonga e densamente soEre esses riores, Tuando se espaOhaYam peOos
espaços e suas possiEiOidades inter arredores da atuaO YiOa.
pretatiYas. 8sando uma metáfora da O te[to de /~cio 0ene]es )er
$rTueoOogia, faOa da construção de reira e *aEino /a 5osa &or]o inYes
“camadas” espaciais por parte dos tiga as marcas de ferrar escraYos em
escraYos. ,nsurgrncias, autonomia, &uEa e como essa prática tinha uma

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história e significados m~OtipOos. produç}es Oocais. 3aOmares, portan
3ara isso, pretendem, como, aOiás, to, não é um dado estático, mas um
outros na coOetknea, Oer a documen espaço de criação, de etnogrnese,
tação te[tuaO como arTueóOogos his incOusiYe, segundo os autores desse
tóricos, ou seMa, perceEer como os capttuOo. 3ara eOes, portanto, 3aOma
artefatos se imEricam no conte[to res, não foi apenas uma fusão Oinear
sociaO e histórico. 0ostrando a Oon de eOementos Yários, mas uma e[pe
geYidade do uso das marcas, o te[to rirncia cuOturaO ~nica, Tue deYe ser
indica Tue as marcas particuOares, a estudada com cuidado, pois, no pre
“carimEa”, imprimiam um registro sente, há disputas soEre o passado
de propriedade Má a marca rpgia re arTueoOógico, e a pesTuisa enYoOYe
presentaYa a Tuitação de impostos escoOhas Tue incOuem eou e[cOuem,
de importação da “peça”. Assim, pois há grupos cuMos resTutcios ar
a marca rpgia OemEraYa ao senhor TueoOógicos são estudados, outros
Tue eOe era um s~dito e ao escraYo não. Assim, como di]em os autores,
Tue haYia uma instkncia acima de estudar esse tema na contempora
poder ao TuaO não Ohe era de todo neidade pode contriEuir para faYore
imposstYeO recorrer. A ausrncia da cer a diYersidade e a incOusão sociaO.
marca rpgia registraYa uma situação O te[to de Scott -oseph AOOen,
irreguOar Tue poderia eYentuaOmente emEora sucinto, fa] uma stntese
serYir aos catiYos. 3or ErutaO Tue te muito Eem articuOada de estudos so
nha sido, portanto, a marca podia ter Ere fa]endas e engenhos coOoniais
diYersos significados e usos. reaOi]ados até o momento e ainda
A coOetknea tra] ainda dois te[ aYança um panorama soEre pes
tos soEre 3aOmares. O primeiro de Tuisas em andamento. AOém disso,
3edro 3auOo A. )unari e AOine 9iei desenYoOYe uma discussão soEre
ra de &arYaOho. O segundo de Scott os proEOemas da ArTueoOogia da
-oseph AOOen. diáspora africana no %rasiO. Segun
O te[to de )unari e &arYaOho do o autor, a arTueoOogia histórica
parte de uma discussão soEre sincre no 1ordeste e eu diria mesmo no
tismo e criouOi]ação, dois campos %rasiO tem se concentrado muito
de deEates acirrados, e Eusca mos na área de preserYação monumentaO
trar como os achados arTueoOógicos e arTuitet{nica. Assim, reconhece
soEre 3aOmares podem contriEuir AOOen, e[pOicitamente, Tue a arTueo
para eOucidar essas Tuest}es. A ce Oogia da diáspora africana na região
rkmica encontrada nas escaYaç}es ainda está em sua infkncia. Apesar
feitas em 3aOmares foi estudada soE dos imensos e eu diria ainda pouco
diferentes aEordagens teóricome reconhecidos esforços dos arTueóOo
todoOógicas e chama a atenção peOa gos Tue traEaOham com a arTueoOo
sua grande diYersidade, com artefa gia da escraYidão africana no %rasiO,
tos europeus, indtgenas, africanos e ainda é muito pouco o Tue saEemos

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efetiYamente soEre 3aOmares com do OiYro, em primeiro Ougar, o autor
Ease, por e[empOo, em estudos ar discute os desafios metodoOógicos
TueoOógicos. 3ara desapontamento Tue enfrenta o pesTuisador, no seu
dos incautos, todaYia, o autor argu caso, o mar e seus moYimentos, a
menta ainda Tue, como o sttio onde profundidade, o soOo oceknico e até
estaYa o TuiOomEo não foi ocupado as agress}es aos sttios proYocadas
intensamente, escaYaç}es na serra por outros merguOhadores. Os sttios
da %arriga dificiOmente fornecerão formados peOos restos de emEarca
informaç}es adeTuadas soEre o “co ç}es naufragadas são sistemas com
tidiano” dos TuiOomEoOas, ainda Tue pOe[os, suEmetidos a uma “ditadu
o OocaO tenha sido utiOi]ado por eOes. ra epistemoOógica” imposta peOos
O te[to, todaYia, aponta caminhos e próprios sttios, nas profunde]as do
Tuest}es Tue podem ser desenYoOYi oceano, Tue naturaOmente preserYa a
dos no futuro. parte de Eai[o do casco e não a parte
&arOos 0agno *uimarães e de cima, onde se daYa toda a ação
Anna /ut]a 5e]ende /adeia tratam sociaO. O autor diaOoga com a histo
dos resTutcios arTueoOógicos do riografia soEre naYios negreiros para
TuiOomEo do AmErósio em 0inas encontrar suportes para entender os
*erais, Tue tem a reputação de ter resTutcios encontrados e arremata
sido o maior e mais estáYeO de todos Tue a ArTueoOogia precisa dei[ar o
os Tue e[istiram na antiga capitania. Tue chama de “Earreiras agrocrntri
Os autores partem da constatação da cas” e tamEém “pensar moOhado”,
diYersidade étnica da cOasse escraYa pois os sttios suEaTuáticos trm efe
na sociedade mineira coOoniaO para tiYamente muito o Tue mostrar.
e[pOicar a geração de um uniYerso 9anicOéia SiOYa Santos diaOoga
cuOturaO mestiço. As escaYaç}es e os com a historiografia soEre o %rasiO
artefatos encontrados demonstram e soEre a Èfrica ao tratar da ArTueo
Tue o TuiOomEo, durante aOgumas Oogia das EoOsas de mandinga. Aten
décadas, teYe uma popuOação Eas ta aos detaOhes de re]as e desenhos
tante e[pressiYa e estáYeO. A partir encontrados, discute a infOurncia,
dos registros arTueoOógicos, os au por Ye]es sutiO, outras e[pOtcita, do
tores apresentam uma anáOise muito cristianismo soEre os poYos africa
rica da moradia, cerkmica, aOimenta nos antes mesmo do emEarTue para
ção, reOigião e outras tantas dimen o %rasiO. SaEese Tue há eOementos
s}es do modo de Yida TuiOomEoOa, comuns a muitas reOigi}es, como é
fa]endo um uso muito efica] do di o caso do stmEoOo da cru], presente
áOogo entre ArTueoOogia e +istória. tanto na cosmogonia cristã como na
*iOson 5amEeOOi, especiaOista em dos poYos da Èfrica centroociden
ArTueOogia suEaTuática, perscruta taO. +ouYe um diáOogo entre dife
os resTutcios de naYios negreiros rentes sistemas de pensamento, Ea
naufragados. 7aO como outros te[tos seado nas anaOogias posstYeis entre

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diferentes cosmoOogias. Assim, cru -uOiana *arcia &orrra estuda os
]es e santos OeYados peOos europeus oEMetos das cerim{nias do reinado,
j Èfrica eram tamEém chamados de ou festa de reinado, reaOi]adas por
minkisi, e os padres, de ganga. A au aOgumas ,rmandades dos +omens
tora anaOisa desenhos e artefatos en Pretos e Irmandades do Rosário em
contrados em EoOsas de mandinga, 0inas *erais. 7amEores, coroas,
mostrando como eOes e[pressam a chocaOhos, caMados são os principais
imensa capacidade dos poYos afri oEMetos enfocados. Esses oEMetos
canos de recriarem suas tradiç}es, sagrados participam de uma histó
atriEuindo noYos sentidos a stmEo ria referenciada peOa comunidade e
Oos de diferentes origens, agindo so confirmam simEoOogias comparti
Ere o mundo espirituaO. 'e tudo isso Ohadas peOos participantes da festa.
resuOtaYam condutas concretas de +á narratiYas soEre o toTue de tam
resistrncia j escraYi]ação. Eores, por e[empOo, contadas em
/arissa OOiYeira e *aEarra ana diferentes Yers}es por “capitães”
Oisa o Tue chamamos genericamente de Irmandades distintas. Em todas
de “caMado”, artefato de m~OtipOos as Yers}es, todaYia, os oEMetos são
significados, chamados de “East}es” tratados da mesma forma. Entende,
no congado mineiro e Tue a autora assim, a autora Tue os oEMetos de
reOaciona js mihangas, usadas no cuOto não apenas trm história, mas
Lupambulu, um cuOto Tue traEaOha possuem um Ougar sociaO, seMa como
com esptritos na Èfrica centraO. A e[press}es cuOturais, seMa como
autora discute a Oiteratura produ]ida condensadores de processos de
soEre rituais reOigiosos nos Tuais são simEoOi]ação. Os oEMetos, portanto,
utiOi]ados caMados nos dois Oados do identificam a comunidade, reforçam
AtOkntico, tecendo, portanto, as pos YtncuOos e, por fim, reYeOam aspec
stYeis reOaç}es entre cosmogonias tos fundamentais da cosmoYisão dos
propriamente africanas e aTueOas participantes da festa Tue remetem
dos africanos e seus descenden j época da escraYidão, j diáspora e
tes no %rasiO. Os caMados, uma Ye] js sociaEiOidades YiYidas na África
preparados, serYem de meio de Oi e no %rasiO.
gação com um mundo ainda mais 0anueO )erreira /ima )iOho
poderoso do Tue este o mundo dos mostra uma Ouro Preto cindida en
mortos. Assim, os East}es do con tre ricos e poEres, Erancos e negros,
gado, como na África, permanecem com impacto no espaço, na história
reOtTuias, pois são repassados por e na memória da cidade. EOe consi
sucessiYas geraç}es, estipuOando o dera Tue a representação consagra
Ougar do mais YeOho ² Tue empaO da soEre a cidade ² um poOtgono
ma o Eastão nos rituais ² e, assim, tomEado de casarios e igreMas Eem
representa e renoYa a identidade do preserYadas ² esconde a Ouro Pre
grupo. to poEre, onde e[istem outros tantos

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artefatos capa]es de reYeOar aspectos do passado escraYo e africano. Os
importantes soEre as rat]es africanas autores perceEem Tue, se, anterior
da popuOação OocaO. Seu estudo etno mente, não haYia uma memória co
gráfico sai desse espaço consagrado OetiYa ou história oraO Tue YincuOasse
do Eairro tomEado para um morro a comunidade js rutnas do casarão,
no Eairro do AOto da &ru], onde está essa história agora e[iste. O proces
a igreMa de 1ossa Senhora do Rosá so de produção dessa história e o
rio e de Santa Ifigrnia, cuMo Earroco Tue pode reYeOar o casarão soEre a
tra] anMos com e[press}es africanas, comunidade e seu passado são ana
E~]ios e outros ornamentos não Ou Oisados nesse estudo Tue mostra a
sitanos. 7endo ouYido moradores, o riTue]a de possiEiOidades do proces
autor reprodu] narratiYas de agentes so de construção de uma memória
de origens sociais distintas, mas Tue coOetiYa, memória essa Tue é instru
se encontram ao reOacionar Ifigrnia mentaO para a identidade do grupo, a
e &hico Rei j construção da territo manutenção de seus YtncuOos comu
riaOidade negra, afrodescendente da nitários e para a própria preserYação
cidade. A congada de Nossa Senho do casarão.
ra do Rosário e de Santa Ifigrnia re O ~Otimo capttuOo do OiYro, de
presenta, assim, um empoderamento 0ari]a de &arYaOho Soares e RacheO
da popuOação e[cOutda da cidade Yi &orrra /ima, é um reOato do anda
sando a aOcançar o Tue o autor cha mento do proMeto de reorgani]ação
ma de “cidadania patrimoniaO”. dos artefatos africanos do Museu
O te[to de 'eEorah /ima, eYe NacionaO. O acerYo estudado peOas
Oin Nascimento e 0aurtcio )iOho autoras é rico e diYerso. São apro
anaOisa o processo de produção da [imadamente  artefatos reunidos
identidade da comunidade TuiOom entre , Tuando foi inaugurado o
EoOa &hacrinha dos Pretos 0* , Museu ReaO, e , a data do ~O
reOacionando a memória coOetiYa timo registro dos oEMetos coOecio
ao patrim{nio histórico. O poYoa nados, emEora seMa posstYeO Tue aO
do está assentado pró[imo js rutnas guns tenham sido agregados depois,
de uma maMestosa chácara da época de forma aYuOsa. A poEre]a de mui
das minas, cuMa reOação com os Tui tos dos registros originais dificuOta a
OomEoOas ainda não foi deYidamente identificação imediata dos oEMetos,
escOarecida, apesar de ser ineYitáYeO muitos dos Tuais e[igem estudos
perceEer Tue a comunidade atuaO mais aOentados para situáOos e en
descende de catiYos ou OiEertos Yin tendrOos adeTuadamente. O foco
cuOados jTueOa propriedade. 7oda principaO do te[to, todaYia, são os
Yia, a YaOori]ação Murtdica das rat]es artefatos enYiados por Adando]an,
africanas para o reconhecimento da rei do 'aomé  , a dom
posse da terra e a miOitkncia TuiOom -oão, em , Tue, eYentuaOmen
EoOa OeYaram a uma reYaOori]ação te, aparecem iOustrando te[tos de

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+istória, mas Tue precisam de um YincuOados j e[perirncia africana e
estudo mais adeTuado, pois, como escraYa no %rasiO" Essa Yariedade,
Eem demonstram as autoras, não se todaYia, pode tamEém ser encarada
trata de “curiosidades” oriundas de de uma forma positiYa, na medida
uma “África incuOta”, como preten em Tue serYe como conYite para uma
dia a museoOogia tradicionaO e coOo refOe[ão mais ampOa soEre a cuOtura
ni]adora. O estudo da “Eandeira de materiaO da escraYidão, pois há oE
guerra” enYiada por Adando]an é Metos capa]es de reYeOar aspectos da
fascinante e proYa Tue artefatos não e[perirncia histórica pouco eYiden
apenas trm história mas tamEém tes em outros artefatos, como te[tos
significados Tue reYeOam nuanças escritos, por e[empOo. Nesse sentido,
importantes da história da África, do a Oeitura do OiYro dei[a eYidente Tue
%rasiO e da presença euroErasiOeira há muito o Tue aYançar nessa triOha.
na África précoOoniaO. Precisamos de mais estudos soEre os
Esses muitos capttuOos tamEém resTutcios arTueoOógicos da escraYi
tornam o OiYro ~tiO na saOa de auOa, dão, soEre os acerYos dos nossos mu
pois a Yariedade e autonomia dos seus, soEre os oEMetos utiOi]ados em
estudos permitem o aproYeitamento diferentes ritos e cuOtos YincuOados j
em diferentes discipOinas. &Oaro Tue e[perirncia africana no %rasiO. Este
essa mesma Yariedade resuOta numa OiYro, portanto, não é apenas impor
certa dispersão afinaO de contas, o tante por seus achados, peOas discus
Tue teriam em comum pedaços de s}es Tue tra], mas peOa iniciatiYa em
cerkmica antiga, marcas de escraYos, si, agregando, com sucesso, arTueó
caMados de festa de reinado, desenhos Oogos, antropóOogos, historiadores e
em EoOsas de mandinga e um trono museóOogos para pensarem soEre a
africano, aOém de serem artefatos escraYidão.
Marcus J. M. de Carvalho
marcus.carYaOho#superig.com.Er
8niYersidade )ederaO de PernamEuco

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