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A formação de professores e as teorias do saber

docente: contextos, dúvidas e desafios

Wanderson Ferreira Alves


Universidade Federal de Goiás

Resumo

O objetivo do presente texto é analisar a recepção dos estudos


ligados aos saberes da docência junto ao campo da formação de
professores no Brasil. A idéia central aqui é compreender, a partir
da discussão com a literatura e com as pesquisas recentes, um
pouco mais como os autores estudiosos da formação docente
têm percebido a chegada desses novos modos de se ver, apreciar
e investigar o trabalho do professor. O texto aponta que não há
consenso entre o conjunto de autores tomados para análise e que
seus argumentos podem ser vistos no contexto de enunciados
que subjazem as discussões no campo da formação de professo-
res. Tais enunciados apresentam, pelo menos, três dimensões: a
epistemológica, a política e a profissional. A primeira se refere aos
embates no campo da constituição do conceito de professor-re-
flexivo e de seus fundamentos filosóficos. A segunda diz respeito
aos seus desdobramentos e significado político. A terceira se ex-
prime em suas possíveis conseqüências para a profissão docente.
Conclui indicando a necessidade de se atentar para três questões
nos debates sobre os saberes e a formação dos docentes no Brasil:
os riscos de, contraditoriamente, se obter um professor ainda mais
alienado; o problema da qualidade do debate no campo educacio-
nal; e, por fim, a importância de um melhor encaminhamento da
relação entre a tradição teórica nacional e a literatura internacional.

Palavras-chave

Formação de professores — Saberes docentes — Epistemologia da


prática — Trabalho docente.

Correspondência:
Wanderson Ferreira Alves
Rua Caetano de Franco, Q.13, L.19
74423-450 – Goiânia – GO
e-mail: wandersonfalves@yahoo.com.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.2, p. 263-280, maio/ago. 2007 263
Teacher education and the theories of teacher
knowledge: contexts, doubts, and challenges

Wanderson Ferreira Alves


Universidade Federal de Goiás

Abstract

The purpose of the present text is to investigate how the studies


related to teacher knowledge were received within the field of
teacher education in Brazil. The main issue here is to understand
a bit further, from a dialogue with literature and recent studies,
how the scholars of teacher education have perceived the arrival
of these new ways of seeing, appreciating and investigating the
work of the teacher. The text points out the lack of consensus
among the authors selected for the study, and that their arguments
can be seen in the context of enunciations that underlie the
discussions within the field of teacher education. Such statements
exhibit at least three dimensions: epistemological, political, and
professional. The first refers to the controversies around the issue
of the constitution of the concept of reflective teacher and its
philosophical foundations. The second is related to the political
meanings and unfolding of the statements. The third dimension is
expressed in their potential consequences for the teaching
profession. The article concludes by indicating the need to pay
attention to three issues in the debates about teacher knowledge
and education in Brazil: the risk of, contradictorily, producing an
even more alienated teacher; the problem of the quality of the
debate in the educational field and, lastly, the importance of
establishing a better relationship between the national theoretical
tradition and the international literature.

Keywords

Teacher education — Teacher knowledge — Epistemology of the


practice — Teacher work.

Contact:
Wanderson Ferreira Alves
Rua Caetano de Franco, Q.13, L.19
74423-450 – Goiânia – GO
e-mail: wandersonfalves@yahoo.com.br

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O campo da formação de professores ao cia profissional, o entendimento de que é pos-
final do século XX viu chegar novos termos e sível a produção de um conhecimento prático e
conceitos referentes aos professores, sua formação a compreensão de que o professor, ao desenvol-
e seu trabalho. Expressões como: epistemologia da ver seu trabalho, mobiliza uma pluralidade de
prática, professor-reflexivo, prática-reflexiva, pro- saberes. A assimilação dessa forma de ver e
fessor-pesquisador, saberes docentes, conhecimen- compreender o trabalho do professor não vem
tos e competências passaram a fazer parte do ocorrendo sem críticas.
vocabulário corrente da área. Apreciados ou não, Se para autores tão diversos como Tardif
esses novos termos e conceitos se incorporaram (2002), Shulman (1987) e Pimenta (2002), a
aos debates sobre a Educação e, particularmente, perspectiva que investiga os saberes dos docen-
sobre a formação dos professores. tes pode contribuir com o desenvolvimento pro-
Nos países anglo-saxônicos, os estudos fissional dos professores, no entanto, para outros,
sobre os saberes dos docentes representam uma como Arce (2001) e Duarte (2003), ela pode ser
tradição existente há algumas décadas e que ga- compreendida como um recuo no modo de se
nha impulso, a partir dos anos 1980, com o mo- conceber a formação do professor, representan-
vimento mais amplo de profissionalização do do um ajustamento ao ideário neoliberal. Vai fi-
magistério. O referido movimento de profissio- cando claro então que abordar o campo dos
nalização possui como algumas de suas caracte- saberes da docência está longe de ser algo fá-
rísticas a busca de elevação da formação profis- cil e não problemático, principalmente em um
sional do professor ao nível superior e a procura contexto em que aquilo que é novo é, muitas
por transformar a estrutura do ensino e da carrei- vezes, rapidamente abraçado ou refutado (Pi-
ra, elevando os salários e o status profissional, menta, 2002). Este trabalho procura contribuir
sendo a profissão médica tomada como modelo para o avanço desse debate.
de referência. Esses aspectos estão presentes em Diante do contexto acima delineado, o
dois grandes relatórios publicados em 1986 pelo objetivo do presente texto é analisar a recepção
Holmes Group — um grupo formado por decanos dos estudos ligados aos saberes da docência no
das universidades americanas — e pelo Carnegie campo da formação de professores no Brasil. A
Task Force on teaching a profession – grupo for- idéia central aqui é compreender, a partir da dis-
mado por autoridades do setor público, empresa- cussão com a literatura e com pesquisas recentes,
rial, sindical e educacional. Ambos os relatórios, um pouco mais como os autores estudiosos da
respectivamente Tomorrow’s teachers e A nation formação docente têm percebido a chegada des-
prepared: teachers for 21st Century, problema- ses novos modos de se ver, apreciar e investigar
tizam e apontam soluções para o avanço do o trabalho do professor. O texto a seguir está
ensino — o fortalecimento da profissão docente assim organizado: no primeiro momento, apre-
— e podem ser vistos como marcos e impul- sento uma síntese das principais tradições e con-
sionadores do movimento de profissionalização cepções teóricas que compõem o campo dos
do magistério. Uma análise da gênese e uma saberes da docência; no segundo, procuro mos-
crítica aos desdobramentos desse movimento trar como estava estruturado até os anos 1980 o
de profissionalização podem ser vistas em campo das idéias pedagógicas no Brasil e a pers-
Labaree (1992; 1995). pectiva de formação de professores que lhe era
No Brasil, é no início da década de 1990 subjacente; no terceiro, discuto as diferentes re-
que, por meio do texto pioneiro de Tardif, cepções dos estudos sobre o saber docente en-
Lessard e Lahaye (1991), os estudos que foca- tre os autores brasileiros; a seguir, analiso alguns
lizam os saberes tácitos dos professores chegam enunciados que perpassam os argumentos dos
até nós (Lüdke, 2001). Esses estudos possuem autores; finalizando, trago uma síntese do que foi
como traços comuns a valorização da experiên- observado e aponto algumas perspectivas.

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Um pouco das teorias e dagem processo-produto. São também oriundas
tradições de um campo de da psicologia, mas diferenciam-se por centrar
pesquisa sua análise nos processos cognitivos dos pro-
fessores. Essas pesquisas procuraram superar os
Os estudos sobre os saberes dos profes- problemas da abordagem comportamentalista,
sores compõem um amplo e diversificado cam- procedendo a uma minuciosa análise do pro-
po que, em âmbito internacional, vem se cons- cesso cognitivo posto em movimento pelo pro-
tituindo há varias décadas. Trata-se de um campo fessor em suas ações e seus comportamentos
que recebe contribuições das ciências humanas e no âmbito da sala de aula. Elas buscaram com-
sociais, como as abordagens provenientes do preender como os professores percebem e co-
comportamentalismo, do cognitivismo, da etno- ordenam suas ações, como aprendem e fazem
metodologia, da fenomenologia, entre outras uso de informações, transpondo-as de um con-
(Borges; Tardif, 2001; Gauthier, 1999). Um bom texto para outro. O modelo de análise é o ló-
panorama dessas pesquisas e de suas linhas de gico matemático e os saberes são vistos como
investigação pode ser visto em Borges (2003). representacionais, configurando-se como um
De acordo com Borges (2003), existem conjunto de informações, roteiros e esquemas
diversos tipos de estudos sobre os saberes do de ação que produzem orientações para a prá-
professor, alguns inclusive situados em mais de tica do sujeito2.
uma abordagem. Esses estudos incorporam As pesquisas sobre o pensamento dos
perspectivas variadas que podem ser compreen- professores são também conhecidas pela ex-
didos em: pesquisas sobre o comportamento pressão inglesa teachers’ thinking. Trata-se de
do professor; a cognição do professor; o pen- uma abordagem bastante difundida e que re-
samento do professor; pesquisas compreensi- presenta desdobramentos da psicologia
vas, interpretativas e interacionistas; e, por fim, cognitiva, mas com contribuições de diversas
pesquisas que se orientam pela sociologia do correntes das ciências sociais, como a etno-
trabalho e das profissões. Vejamos isso com metodologia. Compreende estudos que se in-
mais detalhes. teressam pelas narrativas, pesquisas do tipo
As pesquisas sobre o comportamento do psicosocial, psicanalítica, sociocrítica e socio-
professor correspondem à tradição behaviorista ou construtivista, tendo como foco central o
comportamentalista no ensino. Nela estão localiza- pensamento dos professores. Apoiada em
das as pesquisas processo-produto, caracterizadas Tochon, Borges (2003) comenta que essa
por buscar identificar o impacto da ação docente abordagem constitui um verdadeiro para-
(o processo de ensino) sobre a aprendizagem do digma, sucessor dos estudos do tipo proces-
aluno (o produto), cujo intuito era compreender o so-produto, e que se preocupa com aquilo que
comportamento dos professores eficientes1. Borges os docentes pensam, conhecem, percebem, re-
(2003) comenta que muitas críticas foram feitas a presentam a respeito de seu trabalho, a disci-
essa abordagem, principalmente por ela não levar plina que ministram e a maneira como pensam
em consideração os aspectos subjetivos das inte- e resolvem as questões ligadas ao seu fazer no
rações entre o professor e os alunos, bem como o cotidiano escolar. Os estudos sobre o pensa-
contexto da sala de aula. Ainda segundo a auto- mento dos professores deixaram o âmbito des-
ra, o conhecimento nessa abordagem é visto como critivo e se consubstanciaram em ações práti-
externo ao professor, circunscrevendo-se a proce-
dimentos de ensino, conteúdos, métodos e seus 1. Entre os autores que integram essa perspectiva está o português António
efeitos imediatos sobre os alunos. Nóvoa, cujas teorias podem ser vistas em seus trabalhos Profissão profes-
sor (1991) e Os professores e sua formação (1992 ).
As pesquisas sobre a cognição do pro- 2. Tardif (2002, 2005) e Demailly (1987) são alguns dos autores que se
fessor emergiram no quadro das críticas à abor- utilizam das contribuições da sociologia do trabalho.

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cas, enfim, trata-se de um paradigma que se das, a exemplo da medicina, como também favo-
tornou operatório 3. receu que o modelo estrutural-funcionalista de co-
As pesquisas compreensivas, interpretativas nhecimento profissional, fundado em saberes das
e interacionistas, por sua vez, foram constituídas disciplinas científicas e altamente especializado,
a partir da abordagem da fenomenologia, do fosse questionado em sua origem.
enfoque etnográfico e do interacionismo. Repre- As abordagens aqui brevemente apresen-
sentam estudos que procuram investigar e eviden- tadas não representam toda a amplitude do cam-
ciar pensamentos, ações e interações dos sujeitos, po. Borges (2003) lembra que os estudos sobre
mas que o fazem a partir da tomada do contex- os saberes dos professores encontram também
to em que o sujeito está inserido através da len- com os que investigam temas diversos e a par-
te histórica e social. O enfoque compreensivo ou tir de diferentes tradições teóricas. Isso pode ser
fenomenológico não se reduz à cognição ou à visto, por exemplo, em estudos que investigam
razão, mas se volta à compreensão do professor as disciplinas escolares (Chervel, 1990) e os pro-
como pessoa, um sujeito que lida e intervém nas cessos de degradação e constituição da profis-
situações cotidianas com base em seus valores, são de ensinar (Fernández Enguita, 1991). Tendo
suas crenças, suas emoções e suas representações apresentado, ainda que resumidamente, as li-
que guardam suas raízes na história de vida do nhas que configuram as teorias do saber docen-
professor, em sua dimensão pessoal e profissio- te, é preciso agora perguntar pelo contexto em
nal4. Um outro enfoque é o do interacionismo que elas chegam a nosso país. Enfim, que ideário
simbólico, da etnografia e da etnometodologia pedagógico orientava a formação de professo-
que, a partir de uma perspectiva sociológica, irá res no Brasil naquele momento? Como essa for-
se deter no modo como o saber docente é mação era concebida? O recurso à história aqui
construído no processo de socialização profissi- pode ser bastante útil.
onal e, até mesmo, pré-profissional, em âmbitos
como a família, escola, universidade etc. O saber A história das idéias
aí passa a ser considerado como um conhecimen- pedagógicas no Brasil e a
to prático erigido no trabalho escolar, motivo pelo formação docente: uma breve
qual surge para esse enfoque a valorização da discussão
observação das interações que os professores
estabelecem em sala de aula e na escola. Tendo por base estudos desenvolvidos por
As pesquisas que se orientam pelas contri- diversos autores (Alves, 2003; Saviani, 1997;
buições da sociologia do trabalho e das profissões 1999; 2001; Xavier, 2002; Ribeiro, 1986;
se constituem também em uma importante pers- Romanelli, 2002), é possível apontar, pelo menos,
pectiva de investigação dos saberes dos professo- três importantes momentos no pensamento peda-
res, possibilitando um enriquecimento das aborda- gógico em nosso país ao longo do século XX, a
gens anteriores. Segundo Borges (2003), não se
trata de uma nova corrente teórica, mas de uma 3. Isso fica bastante evidente no trabalho desenvolvido por Carvalho e
Simões (2002). As autoras elaboraram um amplo estudo em artigos de
subdivisão da sociologia e da sociologia do traba- periódicos de circulação nacional sobre o tema da formação contínua entre
lho que se articula com a etnografia, o intera- os anos 1990 e 1997 e, entre seus achados, apontam que o conceito de
formação de professores predominante é o da concepção crítico-reflexiva.
cionismo e a fenomenologia, das quais retém que
4. Diversos autores têm apontado limites na teoria desenvolvida por Donald
o saber profissional é aprendido pela experiência, Schön, problematizando seu caráter individual, pragmático e de não-ob-
no trabalho e no decorrer de um longo processo servância dos contextos institucionais e sociais. A esse respeito, sugiro
consultar Contreras (2002), Campos e Pessoa (1998) e Pimenta (2002).
que é a socialização profissional5. A contribuição 5. Segundo Libâneo (2002), o reconstrucionismo social é um movimento que
da sociologia das profissões permitiu o questio- surgiu nos Estados Unidos no final dos anos 1950 sob a liderança de Theodore
Brameld. Influenciado por Dewey, mas construindo uma teorização própria,
namento da adoção de modelos de formação Brameld desenvolve uma perspectiva que aponta para o caráter transformador
espelhados em profissões já solidamente constituí- da Educação tendo em vista a construção de uma nova ordem social.

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saber: a pedagogia escolanovista, a pedagogia que na escola tradicional estava centrado no pro-
tecnicista e o surgimento das pedagogias críticas, fessor, foi no escolanovismo deslocado para o
com destaque para a concepção histórico-crítica. aluno, buscando atender suas necessidades e seus
A seguir, procuro delinear, ainda que resumida- interesses. A intenção era formar um homem in-
mente, o contexto em que essas idéias pedagó- tegral por meio de uma educação adequada e
gicas emergem e como, no interior de cada uma que, apoiada na ciência, levasse em considera-
delas, a docência foi projetada. ção o desenvolvimento psicobiológico dos
educandos. Para isso, já apontava o Manifesto
O movimento escolanovista dos Pioneiros, os docentes deveriam ter sua for-
mação realizada em nível superior (Xavier, 2002).
É de um contexto marcado por mudan- Tal aspecto era de fundamental importância, pois
ças sociais, políticas e econômicas no início do “desde o início do século 19 até os anos 30, a
século XX no Brasil que emerge o movimento formação docente era restrita a escola normal a
que ficou conhecido como Escola Nova. Movi- qual preparava o docente das ‘primeiras letras’”
mento encampado pela elite intelectual brasi- (Cury, 2005, p. 4, grifos do autor).
leira que propunha conduzir o país à moderni- Enfim, no âmbito do pensamento esco-
zação por meio da Educação, o escolanovismo lanovista, o professor passa a ser aquele que
e, particularmente, o Manifesto dos Pioneiros organiza as situações em sala de aula de modo
da Educação Nova representam um marco na a permitir o aprendizado do aluno, sendo a
redefinição da Educação no Brasil e na constru- preocupação com os conteúdos uma das im-
ção da escola pública (Xavier, 2002). portantes características da escola tradicional,
No quadro das significativas mudanças deslocada para a preocupação com os meios de
que ocorriam no período, era preciso criar um ensino (Saviani, 1997).
Brasil novo, que deixasse para trás as mazelas
do passado e vislumbrasse o futuro. Nesse sen- A pedagogia tecnicista
tido, o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, lançado em 1932, consubstancia-se em Entre 1955 e 1961, o Brasil viveu anos de
um corpo de medidas delineadoras de um novo significativo desenvolvimento econômico. A inter-
sistema educacional, de caráter único, laico, em venção do Estado e o fluxo de capital internaci-
base científica e sob a responsabilidade do Es- onal, proveniente da instalação de indústrias de
tado. Tais proposições, contudo, lograram bens de consumo duráveis e equipamentos, favo-
efetivação conforme a correlação de forças reciam esse crescimento. Contudo, o período tam-
existentes na sociedade e, assim, se constituí- bém foi marcado pela concentração do lucro e
ram em um movimento com avanços, recuos e pela tensão entre uma política de caráter nacio-
permanências. No entanto, o saldo dos emba- nal-desenvolvimentista e um modelo econômico
tes entre renovadores e conservadores, como que contava com o investimento estrangeiro (Ri-
assinala Romanelli (2002), não foi positivo para beiro, 1986). A agudização da tensão aí gerada foi
os primeiros e expressou o modo como o po- um dos fatores mais importantes para a ocorrên-
der estava estruturado no contexto brasileiro. cia do Golpe de 1964 e demarcou uma nova fase
O escolanovismo representa uma propos- no capitalismo brasileiro: um capitalismo do tipo
ta pedagógica de caráter humanista e tem seus associado e subordinado ao grande capital.
pressupostos constituídos a partir da chegada ao O crescimento do parque industrial neces-
Brasil de idéias oriundas da Europa e dos Estados sitava de mão-de-obra qualificada e existia uma
Unidos, principalmente do educador norte-ame- demanda crescente da sociedade por mais
ricano John Dewey e sua concepção liberal de escolarização. Nesse sentido, a Educação foi sen-
educação e sociedade. Assim, o eixo do ensino do enfocada e percebida como portadora de

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desajustes — altos índices de repetência, evasão, contexto no qual a sociedade civil mostra cada
baixa oferta — ao passo que o discurso econo- vez mais sua força.
micista obteve cada vez mais espaço. A Educa- Alguns desses protagonistas podem ser
ção precisava avançar para que não fosse um en- identificados nas Comunidades de Base da
trave ao suposto desenvolvimento do país. No Igreja Católica, em uma esquerda marxista dis-
entanto, o discurso que permeou o campo persa e na emergência do novo sindicalismo
educativo do período, longe de conceber a edu- (Sader, 1988). Focalizando particularmente a
cação como entrave, tratou-a como fator de pro- década de 1980, é possível perceber os avan-
dução. Tal concepção correspondia a uma visão ços conseguidos pela sociedade civil: fundação
economicista do campo educacional e era oriun- do Partido dos Trabalhadores (1980), criação
da do que ficou conhecido pelo nome de teo- da Central Única dos Trabalhadores (1983) e
ria do capital humano (Frigotto, 1999). Dessa elaboração e promulgação da Constituição
forma, criou-se um ambiente favorável à racio- Federal (1988). Do lado do movimento dos
nalização da Educação e à implementação de educadores, é importante registrar a iniciativa
uma tecnologia educacional capaz de responder dos professores e de suas entidades represen-
às exigências do mercado, ao passo que se pro- tativas — como a Ande, a ANPED e o Cedes —
duzia a despolitização das práticas. de reeditar sob o nome de Conferências Brasi-
Sendo assim, o pensamento educacional se leiras de Educação (CBEs) as antigas Conferên-
voltou para a instrumentalização do ensino e a for- cias Nacionais de Educação obstruídas pela
mação docente passou a ser orientada para o ditadura militar (Pimenta, 2002). Ademais, vale
domínio de comportamentos e habilidades passí- lembrar ainda que nos anos 1980, mais precisa-
veis de serem observados e verificados (Lelis, 2001). mente em 1983, é criado o Comitê Pró-Formação
Nesse aspecto, os anos 1970 foram emblemáticos: do Educador que, posteriormente, em 1990, pas-
sa a se chamar Associação Nacional pela Forma-
[...] período áureo do tecnicismo no Brasil, tan- ção dos Profissionais da Educação (ANFOPE).
to a pesquisa como os programas de forma- No âmbito acadêmico, a institucionalização
ção/seleção de professores passam a valorizar da pós-graduação na área de Educação, com a Lei
os aspectos didático-metodológicos, sobretu- 5540/68, forneceu um forte impulso às discussões
do as tecnologias de ensino, nomeadamente sobre a Educação no país e esta, munida de um
os métodos e técnicas especiais de ensino. referencial teórico marxista e gramsciniano, cons-
(Fiorentini; Souza Junior; Melo, 1998, p. 313) tituiu-se em espaço de resistência à ditadura mi-
litar (Pimenta, 2002). Enfim, é dentro desse qua-
Tendo procurado apresentar alguns tra- dro, no qual os ventos democráticos começam
ços centrais do tecnicismo no âmbito pedagó- a soprar e se intensificam, que melhor pode ser
gico brasileiro, a seguir apresento a pedagogia localizada a emergência da pedagogia histórico-
histórico-crítica. crítica e o impulso que obteve nos anos 1980.
A pedagogia histórico-crítica tem sua ori-
A pedagogia histórico-crítica gem nos estudos do professor Dermeval Saviani
(1997) que, procurando melhor delimitar a peda-
O cenário brasileiro que viu surgir a pe- gogia dialética entre as pedagogias críticas (abor-
dagogia histórico-crítica, entre o final da déca- dagens crítico-reprodutivistas e a abordagem de
da de 1970 e início dos anos 1980, é o de um Paulo Freire), sistematizou-a entre 1979 e 1983.
regime ditatorial cada vez mais deslegitimado. A Inspirando-se em Marx, Saviani fará uso do ma-
insatisfação popular com um regime político terialismo-histórico e da compreensão dialética
opressor, o colapso da economia e a submissão da realidade para propor uma pedagogia que
ao Fundo Monetário Internacional formam o avance para além das teorias da reprodução e

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possa contribuir no processo de transformação educacional como pelos programas de forma-
social. A pedagogia histórico-crítica faz uma clara ção de professores. Embora a prática pedagó-
opção em favor da classe trabalhadora e dá ên- gica em sala de aula e os saberes docentes
fase ao aprendizado do conhecimento sistemati- tenha começado, neste período, a ser investi-
zado, pois defende que a instituição escolar está gados, as pesquisas não tinham o intuito de
ligada ao problema da ciência. Outro ponto im- explicitá-los e/ou valorizá-los como formas
portante é que em oposição à neutralidade da válidas ou legítimas de saber. Ao contrário,
prática educativa, propalada pelo tecnicismo, procuravam destacar, como diriam Ezpeleta;
Saviani traz uma pedagogia com forte sentido Rockwell (1986) e Geraldi (1993), a negati-
político e que aponta na direção de uma socie- vidade da prática pedagógica, isto é, procu-
dade sem classes. Por último, cabe acrescentar ravam analisar a prática pedagógica e os
que a tarefa da pedagogia nessa perspectiva é a saberes docentes pelas suas carências ou
sistematização dos métodos e processos de ensi- confirmações em relação a um modelo teó-
no, enquanto a produção do conhecimento en- rico que os idealizava. (p. 313-314)
sinado é uma atribuição dos cientistas (Saviani,
1997). Ao professor cabe, então, organizar o Esse é um pouco do contexto em que os
processo educativo de tal modo a possibilitar ao estudos sobre os saberes dos docentes chegam
aluno a apropriação da cultura historicamente a nosso país no início dos anos 1990, com o
elaborada pela humanidade. texto do canadense Maurice Tardif (Tardif;
Acredito ter deixado claro alguns dos Lessard; Lahaye, 1991) e as obras, por aqui já
principais aspectos que caracterizam a pedago- bastante conhecidas, do português António
gia histórico-crítica e o contexto em que esta Nóvoa (1991; 1992). Entre as contribuições des-
emerge nos anos 1980. Seu ideário pedagógi- sas teorias, sem dúvida, pelo que foi exposto
co marcou e marca profundamente a Educação anteriormente, está o fornecimento de instru-
brasileira e suas contribuições permitiram a mentos teórico-conceituais e metodológicos de
constituição de importantes estudos nessa área. investigação sobre os professores, procurando
Contudo, é preciso efetuar um balanço não captar o que fazem, como pensam, no que acre-
somente de seus avanços, mas também de seus ditam, como se relacionam com o trabalho,
limites — refiro-me aos apresentados, pelo me- quais suas histórias de vida e que aspectos con-
nos, naquele determinado momento histórico. tribuem para sua constituição profissional. Um
A esse respeito, Fiorentini, Souza Júnior e Melo importante resultado de tudo isso foi um aumen-
(1998) apontam que as discussões nesse período to da percepção da complexidade do processo
privilegiaram questões sociopolíticas amplas ao de formação do professor e de seu trabalho.
passo que aquilo que o professor pensava e acre- A questão é que cada vez mais ficou cla-
ditava era pouco valorizado, sendo sua prática vista ro que formar o professor e pensar o trabalho
apenas pelas negatividades que apresentava. docente não eram exclusivamente, embora con-
tinuem sendo fundamentais, um problema de
Na década de 80, a dimensão sociopolítica fornecimento de boas teorias e bons métodos
dominaria o discurso pedagógico, sobretudo de ensino. Cada vez mais ficou claro que o pro-
as relações/determinações sociopolíticas e ide- fessor ao agir em seu trabalho não o faz somen-
ológicas da prática pedagógica. [...] Os saberes te baseando-se em conhecimentos científicos
escolares, os saberes docentes tácitos ou im- ou, em outras palavras, que em seu pensamen-
plícitos e as crenças epistemológicas, como to não existem somente conteúdos de ciência.
destaca Llinares (1996), seriam muito pouco Os estudos que investigavam os saberes dos pro-
valorizadas e raramente problematizadas ou fessores pareciam ajudar justamente no alarga-
investigadas tanto pela pesquisa acadêmica mento dessa compreensão. Entretanto, várias

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foram as recepções que essa perspectiva obte- António Nóvoa, Schön, Zeichner e Perrenoud,
ve entre os autores brasileiros e é isso que dis- não estariam vinculados às perspectivas pós-
cuto a seguir. modernas e neoliberais.
Uma outra autora que tece considerações
Um consenso entre os autores também bastante críticas sobre o tema em
brasileiros? questão é Freitas (2002). Ao longo de um tex-
to em que analisa um pouco do percurso dos
Abraçados muito rapidamente por uns ou debates e embates sobre a formação de profes-
refutados sem maiores análises por outros, os es- sores no Brasil, atendo-se especialmente à aná-
tudos sobre os saberes dos professores foram e lise das Diretrizes Curriculares para a Formação
estão sendo objeto de apreciações de vários autores de Professores para a Educação Básica, a auto-
no Brasil6. Os enfoques, conceitos e termos existen- ra, a meu ver, acertadamente aponta o sentido
tes no âmbito dessa orientação teórica, como o instrumental da política educacional para a
conceito de professor-reflexivo, do professor-pes- formação docente no país.
quisador, da epistemologia da prática etc., estão Mapeando a situação para explicar o
sendo discutidos e analisados, de modo que sua problema, Freitas (2002) observa o movimento
pertinência vem sendo problematizada por diver- de desresponsabilização do Estado e o fato de
sos estudiosos, entre alguns deles estão Arce que a Educação e a formação de professores
(2001), Freitas (2002), Duarte (2003), Libâneo estão sendo submetidas à lógica da reestrutura-
(2002) e Pimenta (2002). Vejamos como esses au- ção produtiva, em que a flexibilização curricular
tores se posicionam sobre a questão. forja perfis profissionais mais adequados aos
Em um estudo em que analisa a influên- novos tempos. A autora aponta ainda que se nos
cia dos postulados pós-modernos e neoliberais anos 1980 os educadores construíram a ruptu-
nas políticas de formação de professores, Arce ra com o tecnicismo e buscaram uma formação
(2001) toma como objeto de investigação dois profissional de caráter sociohistórico, ampla e
documentos oficiais: o Referencial Curricular orientada à constituição da consciência crítica, e
Nacional para a Educação Infantil e o Referencial os anos 1990 marcaram a assunção da categoria
para a Formação de Professores da Educação da prática ou da prática reflexiva, trazendo con-
Infantil. Ao longo do texto, a autora argumenta sigo o deslocamento da categoria trabalho. Ali-
e faz críticas muito pertinentes à orientação es- nhavando os argumentos, Freitas afirma que a
treita de formação profissional que perpassa es- política educacional em curso retira do âmbito
ses documentos e que, para ela, poderia levar a universitário e priva da ciência a formação dos
uma descaracterização da profissão docente. A professores. Assim, longe de se promover a
autora observa um possível vínculo entre as ori- profissionalização dos professores, o que se fa-
entações emanadas do MEC, eivadas da noção de vorece é sua desprofissionalização. Para ela, e
professor-reflexivo e de profissional que age na isto parece ser a questão central, a formação
incerteza, com o neoliberalismo e o pós-moder- docente estaria sendo transferida para o campo
nismo, o que levaria a um esvaziamento na for- da ‘epistemologia da prática’.
mação do professor.
De acordo com Arce (2001), a base teó- Nossa hipótese é a que as atuais políticas edu-
rica do referencial para a formação de professo- cacionais para a graduação e também para a
res é constituída a partir de teorias estrangeiras,
que trazem a valorização dos saberes tácitos, das 6. Isto fica bastante evidente no trabalho desenvolvido por Carvalho e
crenças e das experiências práticas na profissão. Simões (2002). As autoras elaboraram um amplo estudo em artigos de
periódicos de circulaçào nacional sobre o tema da formação contínua entre
A autora questiona se os autores que informam os anos 1990 e 1997 e, entre seus achados, apntam que o conceito de
essas teorias, a exemplo de pesquisadores como formação de professores predominante é o da concepção crítico-reflexiva.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.2, p. 263-280, maio/ago. 2007 271
pós-graduação pretendem gradativamente re- Ao longo de todo o artigo os argumentos de
tirar a formação de professores da formação Tardif vão se somando e encadeando-se a fim
científica e acadêmica própria do campo da de conduzir à conclusão sobre a irrelevância
educação, localizando-a em um novo ‘campo’ ou até mesmo sobre o caráter prejudicial do
de conhecimento: da ‘epistemologia da práti- saber científico/teórico/acadêmico tanto na
ca’, no campo das práticas educativas ou da formação de professores como na pesquisa
práxis. Vários estudos vêm firmando essa educacional. (p. 606)
perspectiva fortalecidos pelas reformas edu-
cativas das últimas décadas, em particular O referido autor acrescenta ainda, aproxi-
aqueles que ancoram, em nosso país, nas mando-se da posição de Arce (2001), a afirmação
contribuições de Nóvoa, Schön, Zeichner, de que essa concepção teórica é uma das expres-
Gauthier, Tardif e Perrenoud. (Freitas, 2002, sões da ideologia neoliberal e pós-moderna. En-
p.148, grifos do autor) fim, para Duarte, a perspectiva que valoriza a
epistemologia da prática concorre para precarizar
Outro autor que compreende como proble- a Educação brasileira e a formação docente.
mático o conceito de epistemologia da prática é Uma perspectiva crítica, mas distinta das
Duarte (2003). Em artigo publicado na revista anteriores, é a de Libâneo (2002). Preocupado com
Educação & Sociedade, ele discute as noções de uma possível mera oscilação do pensamento peda-
conhecimento tácito e conhecimento escolar nas gógico brasileiro provocada pela penetração das
teorizações de Schön. Sua tese é que a epistemo- teorias sobre o professor-reflexivo, Libâneo delineia
logia da prática favorece a secundarização do os sentidos do termo ‘reflexividade’ e examina um
papel da teoria e, conseqüentemente, do saber possível reducionismo na interpretação do fenôme-
acadêmico na formação do professor. no educativo. Para ele, o que nomeia a noção de
reflexividade é a capacidade racional dos seres
[...] afirmei que o escolanovismo e o cons- humanos, que permite a estes pensarem sobre
trutivismo seriam concepções negativas so- si próprios. Esse atributo humano pode, no
bre o ato de ensinar. Agora estendo essa entanto, ser visto pelo menos sob duas óticas
mesma afirmação aos estudos na linha da distintas: a reflexividade de cunho neoliberal e
‘epistemologia da prática’, do ‘professor a reflexividade de cunho crítico. Ambas as no-
reflexivo’ e da ‘pedagogia das competênci- ções, alerta o autor, possuem a mesma fonte teó-
as’, pois esses estudos negam duplamente rica — a modernidade e o iluminismo —, pois o que
o ato de ensinar, ou seja, a transmissão do está em jogo é o uso da razão para a intervenção
conhecimento escolar: negam que essa humana na sociedade, embora algumas concep-
seja a tarefa do professor e negam que essa ções do professor-reflexivo incorporem aspectos
seja tarefa dos formadores de professores. próximos das abordagens pós-modernas.
(p. 620, grifos do autor) Libâneo (2002) compreende que as noções
de reflexividade acima assinaladas partilham o
Em um exercício arriscado, Duarte (2003) mesmo contexto social: o mundo contemporâneo
generaliza os limites contidos nas proposições de em que há uma crescente imbricação entre ciên-
Schön para os demais autores que, em maior ou cia e técnica, em que há uma intelectualização do
menor medida, se vinculem aos estudos relativos processo de trabalho, reestruturação da produção
à epistemologia da prática7. Assim, por exemplo, e busca por profissionais mais flexíveis. Nesse
compreende que o canadense Maurice Tardif
desvaloriza o saber acadêmico na formação de 7. Diversos autores têm apontado limites na teoria desenvolvida por Donald
Schön, problematizando seu caráter individual, pragmático e de não-obser-
professores. Comentando um artigo de Tardif, vância dos contextos instituicionais e sociais. A esse respeito, sugiro consul-
Duarte (2000) assim se pronuncia: tar Contreras (2002), Campos e Pessoa (1998) e Pimenta (2002).

272 Wanderson F. ALVES. A formação de professores e as teorias do saber docente:...


quadro, a reflexidade de cunho neoliberal, filo- uma série de limites em suas proposições e em
soficamente sustentada no liberalismo e no suas apropriações.
pragmatismo, constrói proposições de natureza
racional-tecnológica e padece de praticismo, sen- Sem dúvida, ao colocar em destaque o prota-
do seu objetivo a identificação dos indivíduos com gonismo do sujeito professor nos processos
as necessidades do atual modelo de regulação da de mudanças e inovações, essa perspectiva
produção. Já a reflexidade de cunho crítico, bem pode gerar a supervalorização do professor
ao contrário da anterior, tem suas bases filosóficas como indivíduo. Nesse sentido diversos auto-
no marxismo, no neomarxismo, no reconstrucio- res têm apresentado preocupações quanto ao
nismo social, na fenomenologia e na teoria da desenvolvimento de um possível “praticismo”
ação comunicativa. A preocupação não é com a daí decorrente, para o qual bastaria a prática
adaptação dos indivíduos à sociedade, mas com para a construção do saber docente; de um
sua autonomia e emancipação. possível “individualismo”, fruto de uma refle-
Contudo, o autor pondera que embora xão em torno de si próprio; de uma possível
não seja possível contestar as contribuições hegemonia autoritária, se se considera que a
que as teorizações sobre o professor-reflexivo perspectiva da reflexão é suficiente para a re-
trouxeram, adverte que elas também podem solução dos problemas da prática; além de
incorrer em não-valorização dos conhecimen- um possível modismo, com uma apropriação
tos teóricos, em uma concepção individual de indiscriminada e sem críticas, sem compreen-
reflexão e na desconsideração do contexto so- são das origens dos contextos que a gerou, o
cial. Ademais, diz ainda Libâneo (2002), é que pode levar a uma banalização da pers-
difícil negar uma identificação entre o desen- pectiva da reflexão. (Pimenta, 2002, p. 22)
volvimento da capacidade reflexiva e o tipo de
perfil desejado de trabalhador na contempora- Assim, convergindo o pensamento com
neidade face à intelectualização do processo autores como Zeichner (1998) e Contreras (2002),
produtivo: um trabalhador (ou um professor) Pimenta (2002) aponta a importância da dimen-
mais autônomo, capaz de tomar decisões e de são teórica na formação do professor, bem como
automonitoramento. Vejamos agora o posicio- a necessidade da reflexão coletiva, da compreen-
namento de Pimenta (2002). são dos contextos institucionais em que se atua
Em um estudo que analisa o conceito, e da apreensão crítica da realidade social mais
os fundamentos e a apropriação que vem sen- ampla. De acordo com Pimenta (2002), no con-
do feita das teorias sobre o professor-reflexivo texto do neoliberalismo, o conceito de professor-
no Brasil, Pimenta (2002) avalia os limites e os reflexivo é muitas vezes transformado em um
avanços trazidos por essa perspectiva para o simples termo, perdendo sua potencialidade para
campo educacional e, em particular, para a for- a elevação do estatuto profissional docente e a
mação de professores. Para a autora, as contri- melhoria da educação escolar, pontos esses de-
buições de Schön foram importantes ao permi- fendidos pela autora. Daí é que, em nome dessa
tir uma reconfiguração dos pressupostos que perspectiva, a política educacional dos governos
sustentavam (e sustentam) o modelo tradicio- neoliberais desqualifica a formação profissional
nal de formação profissional assentado na dos professores, propõe aligeiramento da forma-
racionalidade técnica, decorrendo daí pensar ção e não oferece condições objetivas de traba-
em um currículo capaz de dar conta dessa for- lho. O professor-reflexivo se torna, então, nesse
mação, bem como nas condições de trabalho contexto, objeto de mera retórica.
para que esse profissional reflexivo pudesse Autores diversos e com olhares diferentes.
exercer seu ofício. No entanto, em que pese os Alguns convergindo em suas inquietações e seus
avanços trazidos por Schön, é possível anunciar entendimentos, outros se afastando e marcando

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.2, p. 263-280, maio/ago. 2007 273
posições contrárias. Enfim, o debate sobre o pro- sibilidade de generalização das limitações contidas
fessor e seus saberes parece ser bastante acirrado. na abordagem schöniana e no pragmatismo.
Ao proceder a um balanço do que disseram Tal questão fica clara quando se faz um
os autores acima sobre as perspectivas teóricas mero exercício de comparação. Tomando como
que valorizam os saberes dos professores, é pos- exemplo um outro autor, o também norte-ameri-
sível sinalizar que, no conjunto, não há consenso cano Kenneth Zeichner, é possível perceber o
entre eles. O dissenso se manifesta, pelo menos, em quanto existem aproximações e distanciamentos
três dimensões: a epistemológica, a política e a em relação a Schön. A perspectiva de prática-refle-
profissional. A primeira se refere aos embates no xiva desenvolvida por Zeichner (1983; 1998) pro-
campo da constituição do conceito de professor- cura ultrapassar a dimensão técnica de ensino,
reflexivo e de seus fundamentos filosóficos. A se- constituir um profissional que compreenda o con-
gunda diz respeito aos seus desdobramentos e texto social mais amplo e que seja compromissado
significado político. A terceira se exprime em suas com a mudança social em direção a uma sociedade
possíveis conseqüências para a profissão docen- mais justa e igualitária. Ademais, sua filiação teó-
te. A seguir, proponho o exercício de analisar cada rico-filosófica é o reconstrucionismo social8, o que
uma dessas dimensões, buscando delinear e discu- lhe confere o sentido de perceber o ensino como
tir algumas teses que lhes são subjacentes e que uma atividade crítica (Libâneo, 2002). Enfim, o que
podem ser vistas sob a forma de enunciados. estou procurando evidenciar é a impropriedade de
generalizações em um campo tão amplo e que re-
Examinando alguns enunciados úne autores tão diversos como o campo dos estu-
dos sobre os saberes dos professores.
Dimensão epistemológica Outro aspecto importante, ainda dentro
desse enunciado, é a atribuição do impulso rece-
Enunciado : os estudos que se orientam bido pelo conceito de reflexividade às influências
pela epistemologia da prática e seus correlatos da pós-modernidade. Um argumento, na verdade,
fundam-se na filosofia pragmática deweyana e duplamente curioso. Primeiro, porque uma das crí-
no ideário da pós-modernidade, sendo porta- ticas mais comuns à pós-modernidade reside em
dores de todas as suas limitações. sua suposta desvalorização da razão humana,
Constituindo-se em uma longa tradição ponto que a idéia de reflexividade marca posição
em alguns países, notadamente nos Estados Uni- oposta ao exprimir justamente a capacidade raci-
dos da América, a filosofia de matriz pragmáti- onal humana. A reflexividade é justamente esse
ca orienta vários autores no âmbito dos estudos atributo de indivíduos e grupos humanos de pen-
sobre os saberes da docência, principalmente nas sarem sobre si próprios (Libâneo, 2002). Em segun-
discussões sobre a prática-reflexiva. Entre esses do lugar, porque existe mais de um significado de
autores, talvez o mais proeminente seja Donald reflexividade. Esta pode ser entendida como um
Schön. Aqui, com base em Smyth (1992), aponto pensar sobre os próprios atos e conteúdos da
dois aspectos: primeiro, Schön legitimou tendên- minha mente, envolvendo introspecção e for-
cias e fomentou estudos na linha da prática-refle- mando orientações teóricas para a prática; pode
xiva, mas não foi seu precursor, pois esta já esta- ser entendida, também, como uma relação direta
va presente nas teorizações de Dewey; segundo, entre minha capacidade de reflexão e as situa-
embora Schön tenha tido papel importante no ções práticas, não sendo introspecção, mas algo
impulso que tomaram os estudos sobre a reflexi- imanente à minha ação e constituído em situa-
vidade na docência, essa perspectiva teórica aca- ções que ensejem experiência (é o caso do
bou tomando muitas direções e hoje segue por di-
8. O problema da qualidade do debate no campo da Educação vem sendo
ferentes caminhos. Assim, vai se desvelando algo apontado por autores de diferentes tradições teóricas, como Becker (2003)
importante para o que nos interessa aqui: a impos- e Guiraldelli Júnior (2001).

274 Wanderson F. ALVES. A formação de professores e as teorias do saber docente:...


pragmatismo); e ainda pode ser compreendida 1998). O contexto em que as teorias do saber
como reflexão dialética, sendo esta construída pelo docente e o movimento de profissionalização do
pressuposto de que existe uma realidade das coi- magistério vão se delineando e ganham impulso,
sas no mundo, independente de minha compreen- coincide com esse momento. É o momento da
são delas, e que essa realidade pode ser apreendida eclosão da crise do modelo de Estado do Bem-
mediante uma lógica de pensamento, um proces- Estar Social nos países do Norte e a reorganização
so de reflexão capaz de elaborar uma explicação do processo de produção capitalista.
teórico-prática da realidade (Libâneo, 2002). Nesse mesmo contexto, houve a ascensão
Portanto, o conceito de reflexividade não da Nova Direita e seu dogma do livre mercado.
tem somente um sentido e não pode ser ligado O discurso da autonomia e da descentralização
mecanicamente à perspectiva pós-moderna. Isso se converte em ataque às estruturas que susten-
não significa que não possam existir apropriações tavam os direitos sociais, decorrendo daí a
pós-modernas entre os muitos autores que desen- privatização, as políticas de livre escolha, a aber-
volvem pesquisas na linha da epistemologia da tura da Educação à lógica da competição, a
prática, do professor-pesquisador, do professor- desregulamentação, o aumento do centralismo e
reflexivo etc. Quer dizer apenas que as análises a ênfase na instru-mentalização técnica para a
precisam ser mais atentas à complexidade do uni- eficiência do ensino (Smyth, 1992). Se essas são
verso a que se propõe investigar. É emblemático, mudanças profundas na relação Estado-socieda-
por exemplo, a prática, não muito rara, de se con- de, elas não ficam atrás das mudanças no mundo
ceber o pós-modernismo como sendo algo nega- do trabalho. Os anos 1970 marcam também
tivo por definição, uma espécie de portador de uma mudança de paradigma na produção capi-
todos os males e que, sendo assim, não requer talista com a chegada do toyotismo e suas no-
maiores análises. Ora, como professor e pesquisa- vas demandas. O novo trabalhador requerido
dor, eu me alinho ao paradigma da modernidade, precisaria possuir novos atributos, como uma
mas não posso deixar de observar que, ao não maior capacidade de abstração, de trabalho em
questionarmos os fundamentos de nossos esfor- equipe, de tomada de decisão, automonitora-
ços intelectuais, incorremos no risco de não co- mento e compreensão global do processo de tra-
locar a teoria à prova, promovendo estranhamente balho. Temos aqui os contornos que formam o
sua autonomização. É preciso examinar com mais perfil do novo de trabalhador, um trabalhador
cuidado as teorias da pós-modernidade, pois, mais ‘reflexivo’.
como lembra um bom autor marxista, elas não são Tudo isso não tardou a repercutir no
unívocas e posicionar-se simplesmente contra ou campo educativo. As reformas educacionais nos
a favor é algo pouco produtivo (Frigotto, 1998). anos 1980 em vários países capitalistas centrais
colocaram em marcha essas novas demandas.
Dimensão econômico-política Não somente os alunos foram chamados pelas
novas exigências, mas também os professores,
Enunciado: o surgimento dos estudos so- daí a prática-reflexiva e a autonomia docente e
bre os saberes dos professores e as proposições das escolas serem postas como elementos essen-
dele advindas são expressão do neoliberalismo e ciais em muitas iniciativas oficiais. Em síntese,
convergem com o processo mais amplo de reestru- estamos diante de um processo conflitante em
turação produtiva no capitalismo. que, de um lado, o Estado promove os ajustes
O neoliberalismo corresponde a um conjun- e a infra-estrutura adequada à reprodução do ca-
to de receitas econômicas e programas políticos pital e, por outro, desenham-se caminhos para
propostos a partir dos anos 1970 do século pas- a maximização do lucro, particularmente por
sado e que foram largamente inspiradas nas pro- meio da constituição de trabalhadores mais fle-
posições de Hayek e Milton Friedmam (Therborn, xíveis, criativos e que compreendam o processo

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.2, p. 263-280, maio/ago. 2007 275
de trabalho. No entanto, é preciso introduzir gados à questão pedagógica, mas também em
nessa análise a lógica dialética. aspectos referentes à dimensão política e
É mesmo necessário compreender as re- epistemológica. Questões como a da raciona-
formas educacionais e o ideário da prática refle- lidade orientadora dos cursos, o currículo de
xiva do professor no contexto das profundas formação, a relação universidade-escola, a re-
transformações do capitalismo, mas isso não lação entre professores universitários e profes-
pode conduzir a um cenário determinista (Smyth, sores das escolas, as condições objetivas de tra-
1992). Devem-se evitar interpretações simplistas, balho do professor, a necessidade de formação
como as que relacionam qualquer modificação contínua em serviço, a pesquisa docente na
no processo de trabalho com o aumento da ti- escola etc. passaram ou voltaram a partir de
rania do trabalho capitalista9. É necessário que novos aportes a ser objeto de problematização.
sejamos mais cuidadosos, pois a maneira ativa Algumas dessas questões resultaram inclusive
como as pessoas agem muitas vezes desmente em propostas concretas de ação e se converte-
essas interpretações muito rígidas: as pessoas ram em inovadoras estratégias de intervenção
podem construir práticas contra-hegemônicas. pedagógica e formação docente — a título de
Assim, junto com Libâneo (2002), é possível exemplo, é possível citar o trabalho de Bracht
compreender que a prática reflexiva de cunho (2003) e sua equipe na Universidade Federal do
crítico possui o mesmo contexto de origem da Espírito Santo, onde desenvolveram um curso
prática reflexiva de cunho neoliberal, embora de especialização tendo como eixo central a
ambas sejam fundamentalmente diferentes. pesquisa-ação.
Faz-se necessário assinalar que tudo isso
Dimensão profissional não ocorreu ou ocorre sem contradições. Mui-
to do que foi produzido no campo pelos estu-
Enunciado: as teorias do saber docente diosos dessas questões foi apropriado também
podem contribuir com o desenvolvimento da pelo discurso neoliberal de governos interessa-
profissionalidade do professor e para o avanço dos em implementar reformas educacionais em
das condições de oferecimento da educação diversos países e, também, no Brasil. Como diz
escolar. Smyth (1992), o conceito de prática reflexiva
Os estudos sobre os saberes dos profes- tornou-se crescentemente institucionalizado.
sores e o conjunto de conceitos que foram sen- Contudo, de um modo geral, é possível
do construídos por autores que se aproximavam dizer que o campo de estudos dos saberes do-
dessa perspectiva trouxeram, ao que parece, centes, com suas diversas abordagens e auto-
contribuições importantes para a Educação, res, permitiu compreender melhor o desenvol-
particularmente para o campo da formação de vimento profissional docente10. Esse conceito
professores. O professor-reflexivo, o professor- aponta para a não dissociação da formação
pesquisador, a epistemologia da prática, o pro- inicial, formação contínua e condições objeti-
cesso de constituição dos saberes etc. não po- vas de trabalho nas discussões relativas aos
diam ser pensados em abstrato. Logo, a crítica docentes, seu trabalho e sua formação. Portan-
à racionalidade técnica e ao sentido do proces- to, desde já, afirmo a importância do campo de
so formativo presentes em muitos cursos de estudos que investiga os saberes docentes para
formação profissional passou a ser questiona- o processo de construção da profissionalidade
da, bem como foi colocada em pauta as con-
9. As discussões sobre essa questão no debate educacional brasileiro
dições concretas de exercício profissional. Para parecem ter sofrido significativa influência das teses bravermanianas sobre
a formação de professores, isso representou o a progressiva degradação do trabalho sob o capitalismo. A sociologia do
trabalho, todavia, produziu outras perspectivas mais matizadas. Uma aná-
entendimento de que a formação inicial e con- lise dessa questão pode ser vista em Ferretti (2004).
tínua precisava avançar em vários aspectos li- 10. A esse respeito consultar Almeida (1999).

276 Wanderson F. ALVES. A formação de professores e as teorias do saber docente:...


do professor. Esta, no entanto, é ainda uma tei explorar alguns deles. Extraio de toda essa
visão parcial da questão. análise três aspectos que me parecem funda-
O debate sobre a noção de profissio- mentais para o avanço das discussões. Primei-
nalismo no ensino é bastante acirrado. Apenas ro, algumas das críticas realizadas aos estudos
para aquilatar a amplitude dessa discussão, é sobre os saberes docentes precisam mesmo ser
possível destacar autores, como Fernández consideradas. É necessário que se atente para
Enguita (1991), que concebem o ensino como os riscos de que, em um contexto em que se
uma semiprofissão, outros, como Nóvoa (1991), discute tanto o professor como sujeito, em um
sinalizam para o entendimento do ensino como processo contraditório, se obtenha um profes-
uma profissão e, ainda, existem autores, como sor ainda mais alienado (Palhano, 1995). Nesse
Labaree (1992), que compreendem que a profis- aspecto, ganha evidência, de um lado, o pro-
sionalização do ensino traria mais prejuízos que blema do lugar da teoria na formação e no
benefícios a professores, alunos e comunidade trabalho docente e, de outro, o problema de
escolar. Enfim, essa não é uma discussão fácil. que a formação profissional — inicial e contí-
Subjacente a ela está com freqüência a negação nua —, a participação nas decisões que afetam
ou afirmação do modelo liberal de profissão. as escolas e as condições objetivas de traba-
Nesse sentido, convergindo com Contreras lho ainda são enormes desafios para os profes-
(2002), entendo que pensar o profissionalismo sores brasileiros.
no ensino a partir de fora, um modelo externo Em relação ao segundo aspecto, aponto
como o da profissão médica, por exemplo, não que é imprescindível nas discussões sobre a for-
parece ser o caminho mais adequado. Esse é um mação do professor o zelo pelo rigor da argumen-
modelo que busca monopólio do saber por ex- tação. A não-observância disso permite que uma
clusão, se assenta na relação profissional-clien- parte de determinado fenômeno seja tomado pelo
te e valoriza a impessoalidade. Outro caminho é todo e que, conseqüentemente, se façam gene-
pensar o sentido de ser profissional no magisté- ralizações espúrias. Por exemplo, o que permite
rio a partir de sua especificidade. Aí sim vale a a um autor afirmar que os limites contidos nas
pena pensar em profissionalismo no ensino, pois proposições schönianas podem ser estendidos
seu sentido abandona o âmbito exclusivamente a todos os autores de um campo de pesquisa?11
privado, permitindo que pais, alunos e comuni- No que se refere ao terceiro aspecto,
dade escolar se beneficiem dele. compreendo que é fundamental que a tradição
teórica crítica na educação brasileira estabele-
Conclusão ça um melhor diálogo com as novas teorias
que nos chegam. Certamente é necessário
O posicionamento dos autores que aqui avaliá-las, ver se ajudam a responder nossas
foram analisados permite sinalizar que o cam- perguntas e a formular outras. No entanto, aqui
po de estudos sobre os saberes docentes e suas não cabe qualificar essas teorias de ‘estrangei-
teorias no Brasil não é consensual. Na posição ras’, como se a validade delas ficasse circuns-
crítica dos autores, é possível perceber uma crita aos seus países de origem. É impossível
aproximação a duas lógicas de entendimento: aqui não me lembrar de uma relevante e bem-
para uns, parece se tratar de uma ideologia — humorada passagem em uma das obras de
no sentido de mascaramento da realidade —; e Sérgio Paulo Rouanet (1987), quando critica
para outros, corresponde a uma perspectiva justamente esse tipo de estreiteza de pensamen-
teórica que possui potencial para contribuir com to: “Esperemos que esteja longe o dia em que
a profissão docente e com a educação escolar. a Sociedade Brasileira de Psicanálise decida
Essas duas lógicas de entendimento gravitam proclamar o advento de uma psicanálise pura-
em torno de vários enunciados, dos quais ten- mente nacional, alegando que a criada por

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Freud só é válida às margens do Rio Danúbio jogar fora as ferramentas com as quais operamos
[...]” (p. 144). Contudo, no campo educativo, até então, mas observar criticamente em que
isso não significa e não pode significar uma medida outras ferramentas podem nos ser úteis.
adesão acrítica. A tradição teórica na Educação
brasileira possui sua própria trajetória, possui
11. O problema da qualidade do debate no campo da Educação vem sendo
história, com toda a força que encerra esse apontado por autores de diferentes tradições teóricas, como Becker (2003)
conceito. Disso decorre que não precisamos e Guiraldelli Júnior (2001).

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Recebido em 04.04.06
Aprovado em 07.08.06

Wanderson Ferreira Alves é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, doutorando pela
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação do
Educador (GEPEFE-USP)

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