Você está na página 1de 10

Análise Psicoilógica (1988), 2 (VI): 101-110

O auto conceito =

ADRIANO VAZ SERRA (*)

A - O CONSTRUCTO AUTO-CONCEITO cia entre o feedback e as auto-descrições,


pelo consenso dos outros no que respeita ao
O auto-conceito pode ser definido de feedback recebido e ainda pelas caracterís-
uma forma simples, como a percepção que ticas da pessoa que emite o feedback.
o indivíduo tem de si próprio e o conceito Outra variável, para além da mencio-
que, devido a isso, forma de si. nada, diz respeito noção que o indivíduo
Aceita-se que há quatro tipos de influên- guarda do seu desempenho em situações es-
cias que ajudam a construir o auto-con- pecíficas. Pode julgar que se sai bem ou
ceito. mal ou que é competente ou incompetente.
Uma delas, o modo como as outras pes- Uma terceira influência corresponde ao
soas observam um indivíduo. confronto da conduta da pessoa com a dos
Neste aspecto admite-se que o ser hu- pares sociais com quem se encontra iden-
mano é levado a desenvolver uma espécie tificada.
de fenómeno de espelho, em que tende a Finalmente, uma outra variável deriva
observar-se da maneira como os outros o da avaliação de um comportamento especí-
consideram (Shrauger e Shoeneman, 1979). fico em função de valores veiculados por
Tamayo (1985) ao rever uma série de tra- grupos normativos.
balhos sobre esta matéria salienta que, Nestes dois últimos casos o indivíduo
quando o feedback sobre dado indivíduo é pode considerar que está próximo ou afas-
controlado de forma experimental, ocorrem tado deles, que procede bem ou mal e, de-
mudanças nas auto-descrições das pessoas. vido a isso, sentir-se satisfeito ou insatisfeito.
Nos estudos revistos por este autor verifica- Todos estes factores ajudam a constituir
-se que as mudanças são influenciadas pela o auto-conceito, que pode adquirir caracte-
favorabilidade do feedback, pela discrepân- rísticas positivas ou negativas.
*
(*) Professor Catedrático de Psiquiatria da * *
F.M.C.; Director da Clínica Psiquiátrica dos
H. U. C.; Professor da Cadeira de Terapêutica
do Comportamento da Faculdade de Psicologia 0 auto-conceito não 6 mais do que um
e Ciências da Educação da U. C. consfructo hipotético, tal como muitos ou-

1o1
tros existentes em psicologia. No entanto é Mas, para além das auto-imagens, temos
útil e necessário. de ter também em conta aspectos diferen-
Wells e Marwell (1976) argumentam que, tes.
sendo inferido ou construído a partir de Uma outra faceta significativa do auto-
acontecimentos pessoais, tem a vantagem conceito, provavelmente a de maior realce
de permitir descrever, explicar e predizer o sob o ponto de vista clínico, é a auto-estima.
comportamento humano e fazer uma ideia Pode ser definida como a avaliação que
de como o indivíduo se concebe e consi- o indivíduo faz das suas qualidades ou dos
dera a si próprio. seus desempenhos, virtudes ou valor moral.
Por conseguinte, é um constructo que Há pessoas de auto-estima alta e, outras,
ajuda a compreender a uniformidade, a de auto-estima baixa. Aquelas tendem a
consistência e a coerência do comporta- julgar-se como competentes ou eficazes na-
mento, a formação da identidade pessoal e quilo que fazem e, estas últimas, estão dis-
porque é que se mantêm certos padrões de postas a autodepreciarem-se.
conduta no desdobrar do tempo. Desempe- Podemos sintetizar que a auto-estima é o
nha, por isso, o papel importante de um produto dos julgamentos que a pessoa faz
elemento integrador. acerca de si própria, de onde decorrem
atribuições de bom ou de mau feitas a as-
pectos considerados relevantes da sua iden-
B - OS CONSTITUINTES
DO AUTQ-CONCEITO tidade.
Devido às características assinaladas, a
Há várias facetas que estruturam o auto- auto-estima encontra-se intimamente asso-
conceito. ciada aos fenómenos de compensação ou de
Uma delas, as auto-imagens. descompensação emocional do indivíduo.
São o produto das observações em que o A prática clínica revela que as pessoas
indivíduo se constitui o objecto da própria de auto-estima baixa descompensam com
percepção. mais facilidade do que as que têm uma
Uma pessoa, a seu respeito, não tem uma auto-estima alta.
mas sim várias auto-imagens: como proge- Para além das facetas mencionadas há
nitor ou como filho, como profissional, outras para as quais é preciso chamar a
como praticante de dada modalidade des- atenção.
portiva, como cônjuge ou como especia- Se pedirmos a um indivíduo que se des-
lista em determinada actividade. creva, numa escala de auto-conceito, tal
As auto-imagens podem ser em número como habitualmente se considera, estamos
variado. Isto não é importante. O que tem a solicitar-lhe que nos dê uma ideia do seu
significado é a sua organização hierárquica auto-conceito real. Mas, em lugar de lhe
e o valor atribuído pelo próprio ao que fazer este pedido, podemos dizer-lhe que
representam. nos refira antes, em cada atributo, como
Um dado indivíduo pode, por exemplo, desejaria ser. Neste caso menciona o seu
dar apreço à sua auto-imagem como pro- auto-conceito ideal.
fissional, que coloca acima de todas as ou- O auto-conceito real e o auto-conceito
tras. ideal podem estar próximos ou afastados
Uma mulher, pode valorizar particular- entre si. Admite-se que a diferença entre os
mente a sua auto-imagem como mãe e situar dois é um indicador de auto-aceitação.
as restantes em posições subalternas. Quanto menor for a diferença, mais este
Estes casos poder-se-iam multiplicar por facto sugere que o indivíduo se aceita a si
muitos mais. próprio tal e qual é.

102
Consideremos outras particularidades. Por fim, para além das particularidades
descritas, desejamos ainda referir que o
Uma dimensão importante do auto-con auto-conceito ajuda a organizar o modo
ceito, relacionada com os seus conteúdos, como se processa a informação relevante
corresponde às identidades. para o indivíduo.
Gecas (1982) dá-lhes um relevo grande. Menciona Markus (1977) que uma pes-
Considera que reflectem, mais do que qual- soa forma esquemas mentais que se tor-
quer outro aspecto do auto-conceito, o con- nam gradualmente resistentes à informação
teúdo e a organização da sociedade. que lhes é inconsistente. Há, desta forma,
A estruturação das identidades dos seres uma tendência para ocorrer um certo con-
humanos tem atravessado, ao longo da his- servadorismo cognitivo, que organiza as
tória, as mais notáveis variações. O que é percepções, as memórias, os próprios es-
apreciado em dada época, logo a seguir é quemas de referência, de importância ful-
desvirtuado ou, pelo menos, posto em plano cral na formação das identidades significa-
secundário. tivas para o indivíduo.
Tal facto explica-nos não só a consis-
Zimbardo (1972) chama a atenção para tência e a coerência do comportamento, ao
um facto de grande interesse clínico: as longo do tempo, como a maneira tenden-
identidades prescritas. ciosa como cada qual tende a descodificar
os estímulos do meio ambiente. Só filtra e
Quer este autor significar, com tal deno- dá valor ao que considera relevante e signi-
minação, a tendência que por vezes há, em ficativo para si
certos familiares, de prescreverem aos seus
filhos ou membros determinadas identida-
des. Estas procuram ir de encontro, não às C-OS VARIOS TIPOS
aptidões reais do rapaz ou da rapariga em DE AUTO-CONCEITO
causa, mas antes ao desejo de quem ex-
prime ou luta por essa identidade. Referem Shavelson e Bolus (1982) que
Correspondem, nalguns casos, a objecti- o auto-conceito é organizado e estruturado.
vos não conseguidos anteriormente pelo Isto é, há uma tendência para que o indiví-
próprio e que pretendem ser alcançados duo forme categorias relacionadas com a
pelo investimento em determinado elemento quantidade vasta de informação que sobre
da família. si incide.
Um pai, que quis ser advogado e que, Para estes autores, o auto-conceito é mul-
circunstâncias da vida impediram de o vir a tifacetado, reflectindo cada faceta o sistema
ser, pode prescrever a um filho este papel de categorias adoptada por um determi-
e insistir que se licencie em Direito, inde- nado ser humano e/ou compartilhado por
pendentemente de aptidões e de interesses um grupo.
específicos. De acordo com Shavelson et al. (1976) a
Naturalmente que podem ser referidos um auto-conceito geral ligam-se diversos
muitos mais exemplos. tipos de auto-conceitos. Para estes autores
Mas, o que é importante, é chamar a podem ser subdivididos em quatro tipos
atenção para o facto de que a identidade diferentes: auto-conceitos académico, social,
prescrita pode não ser talhada nem se ajus- emocional e físico.
tar à pessoa em causa. Neste caso torna-se Cada um deles é significativo em áreas
uma fonte contínua de desajustamento, de diferentes.
frustração e de transtornos emocionais. Consideremos agora um outro aspecto.

103
D - CONSERVADORISMO COGNITIVO actuava de maneira a demonstrar desinte-
E AUTO-CONCEITO resse e enfado.
A qualquer das raparigas era, no final,
Mencionámos atrás que, segundo Mar- dado a conhecer como haviam sido classi-
kus (1977) um indivíduo gera certos esque- ficadas pelo entrevistador. Algum tempo
mas mentais organizativos, que influenciam depois pedia-se-lhes que selecionassem os
a percepção dos estímulos do meio am- adjectivos que pensavam o entrevistador
biente. Devido a este facto, como salientá- lhes tinha atribuído.
mos, a pessoa torna-se gradualmente resis-
Então os investigadores comprovaram
tente h informação que é inconsistente, em duas ocorrências interessantes.
função de tais esquemas. Assim, a organi-
zação das percepções, a formação das me- Uma delas, de que o facto da entrevista
mórias, os pontos usuais de referência, a ter um cunho positivo ou negativo não
génese da própria identidade passam a ser tinha influência no tipo de memórias se-
influenciados por tais factores. leccionadas.
Outra, de que as raparigas com ansie-
Não é, por isso, indiferente a forma
dade social alta seleccionavam sobretudo
como o indivíduo se percebe a si próprio.
uma informação negativa a seu respeito,
Tal facto tem ligado a si esquemas de orga-
ao contrário do que acontecia com as que
nização que influenciam a maneira como tinham uma ansiedade social baixa.
percebe os acontecimentos e actua.
Assim, estes factos sugerem que há me-
Um estudo de O’Banion e Arkowitz mórias selectivas. E, neste caso particular,
(1977) é exemplificativo deste ponto de que são geradoras e manutensoras da ansie-
vista. dade social assinalada.
Os autores seleccionaram dois sub-grupos Ponderemos agora um outro tipo de ques-
de mulheres, com ansiedade social alta e tão.
baixa.
Qualquer delas tinha de se apresentar a
um entrevistador, com o pretenso objectivo E-O AUTO-CONCEITO E A PRATICA
de estudar a forma como se comportariam CLTNICA
num primeiro encontro.
A qualquer delas foi dado, posterior- O autoconceito é importante em todas
mente, um feedback idêntico, relativo a as áreas de funcionamento da pessoa.
traços da sua personalidade. Crano e Crano (1984) referem, numa
Contudo, o entrevistador comportava-se revisão da literatura, o seu papel crucial no
de duas maneiras estereotipadas, ao acaso, desenvolvimento cognitivo, social e acadé-
sem atender h ansiedade social da entrevis- mico do indivíduo.
tada. Fitts (1972b) comprovou, sob um ponto
Numa delas, que procurava representar de vista clínico, num número vasto de tra-
uma experiência positiva, de êxito, o entre- balhos, que o auto-conceito é sensível ao
vistador iniciava a conversa, mostrava inte- bom ou ao mau ajustamento geral da pes-
resse no que a entrevistada dizia, sorria soa, aos distúrbios da personalidade, aos
com frequência e procurava olhar para ela. transtornos neuróticos ou psicóticos.
No tipo de experiência negativa, exem- Vaz Serra apresentou em 1985 o «Inven-
plificativa de fracasso, o entrevistador só tário Clínico de Auto-Conceito» (ICAC),
iniciava a conversa passados alguns minu- que consiste numa pequena escala de tipo
tos de interacção, respondia de forma breve Likert, de 20 items, que procura medir as-
às questões da entrevistada, pouco sorria e pectos sociais e emocionais de auto-conceito.

104
Na metodologia da sua construção verifi- Por outro lado verificou-se ainda uma
cou-se que tem uma boa validade de cons- correlação muito significativa entre auto-
tructo, uma boa consistência interna e esta- conceito e locus de controlo.
bilidade temporal. Há uma tendência para o indivíduo com
Uma análise dos componentes principais, um bom autoconceito atribuir a obtenção
seguida de uma rotação do tipo varimax de um reforço em dada tarefa ao seu pró-
levou a extrair seis factores, dois dos quais prio esforço e a não aceitar que o mesmo
são mistos e, devido a isso, não são usual- tenha sido conseguido por influência de
mente considerados. outras pessoas mais poderosas ou de cir-
Os primeiros 4 factores são representati- cunstâncias de sorte ou de acaso.
vos de dimensões subjacentes específicas, Os factores de aceitaçáo/rejeição social
nomeadamente de aceitaçãolrejeição social, e de auto-eficácia surgiram como as dimen-
de auto-eficácia, de maturidade psicológica sões do ICAC ligadas de forma mais signi-
e de impulsividade-actividade. ficativa e positiva ao locus de controlo in-
Estudos diversos têm revelado que o terno, acontecendo o inverso em relação ao
ICAC apresenta correlações negativas e locus de controlo externo (Vaz Serra, Fir-
altamente significativas com a ansiedade mino e Matos, 1987b).
social, com sentimentos depressivos na po- Estes resultados são abonatórios de duas
pulação em geral ou com perturbações conclusões.
emocionais em doentes psiquiátricos (Vaz Por um lado, a validade e a sensibili-
Serra et al., 1986 a, b, c) e com ansiedade, dade do ICAC em relação a diversos fenó-
fobia, depressão e somatização, medidas menos psicológicos significativos.
pelo Middlesex Hospital Questionnaire Por outro lado, a relevância do auto-con-
(Mota Cardoso et al., 1986). ceito como um indicador importante de um
Por outro lado verificou-se igualmente bom ou de um mau ajustamento pessoal.
que o ICAC apresenta correlações positivas Tais factos levam-nos a ponderar a utili-
e altamente significativas com expectativas dade de medidas tendentes a melhorar o
gerais e com as atribuições feitas aos resul- auto-conceito de uma pessoa.
tados positivos de circunstâncias específi- Como é que este objectivo pode ser con-
cas (Vaz Serra et al., 1986 d, e) bem como seguido?
com alguns factores do Diferencial Semân- Há tentativas, expressas na literatura, a
tico de Osgood (Mota Cardoso et al., 1986) este propósito.
e autoafirmaçáo (Bouça e Fonte, 1986). Algumas vezes não são tidas como es-
Trabalhos mais recentes, feitos com esta tando directamente a intervir sobre o auto-
escala, revelaram existir uma influência conceito. Mas, de facto, é o que acontece.
específica das relações com os pais e um Vamos tentar considerar alguns exem-
bom auto-conceito. Este está dependente de plos.
uma boa atmosfera familiar, em geral, e
de uma relação positiva com o pai e com
F - TENTATIVAS PARA MELHORAR
a mãe. Além disso, uma relação de tole- O AUTO-CONCEITO
rância, de compreensão, de ajuda e de in-
centivo para vencer as dificuldades, por Uso do Princípio Premack
parte de ambos os progenitores, igualmente
se relacionam com um bom auto-conceito. O Princípio Premack enuncia que todas
Estes factos revelam a importância dos as respostas, imediatamente antecedentes a
factores de educação na sua génese (Vaz um comportamento emitido com grande
Serra, Firmino e Matos, 1987a). frequência, tendem a ficar fixadas.

105
Aproveitando-se deste princípio Todd Nesta altura o autor decidiu envolver a
(1972) procurou tratar uma mulher de 49 doente num plano de terapia comportamen-
anos, cronicamente deprimida, que não ti- tal que veio a corresponder a 35 sessões
nha tido grande recuperação ao longo de individuais e a 6 sessões com o marido,
três anos de psicoterapia. conseguindo recuperar completamente da
O terapeuta, ao pedir à doente que se sua depressão e manter-se bem ao longo
descrevesse por palavras simples ou através de um seguimento de 3 anos.
de frases curtas, comprovou que ela só Foi considerado pelo terapeuta que a
tinha a seu respeito respostas negativas. utilizacão do Principio Premack e a modi-
Então mencionou-lhe que, se se via a si ficação da forma como a doente se via a
própria de forma tão depreciativa, não si própria se tornou crucial para o avanço
admirava que se mantivesse deprimida. E clínico.
estabeleceu com ela a necessidade de pro-
curar afirmações positivas que a pudessem
descrever. A Auto-Zmagem Idealizada
A enferma conseguiu seleccionar, após
uma busca honesta, seis características po- O treino da Auto-Zmagem Idealizada
sitivas sobre a sua maneira de ser. (AZZ) foi criado com o intuito de propiciar
Foram escritas num cartão que foi depois uma identidade mais positiva e melhorar
colocado entre o papel celofane e o envó- a auto-estima. Pode ser igualmente útil para
lucro do seu maço de tabaco. facilitar uma maior autonomia em perso-
nalidades dependentes.
O terapeuta referiu-lhe então que, pensar Refere Susskind (1970) que muitas pes-
positivamente sobre si, podia ser aumen- soas, devido às experiências da própria
tado desde que aquelas descrições positivas vida, aprendem apenas a esperar fracasso
fossem lidas e sentidas sempre que fumasse e rejeição, estando particularmente atentas
um cigarro ou fizesse algum outro compor- às suas inadequações e erros.
tamento que fosse frequente. Estes factos fazem-nas cair num ciclo vi-
Combinaram então que, antes de acender cioso em que, a fraca opinião que têm a
um cigarro, devia ler uma ou duas daquelas seu respeito, as leva a evitar envolverem-
afirmações positivas. Quando deitasse o -se em quaisquer situações de desafio, que
maço fora, este devia ser colocado numa lhes possam prover um sentido de compe-
folha de papel com as suas qualidades po- tência.
sitivas escritas em letras grandes. Sempre O uso da AZZ pode ajudá-las a resolver
que se lembrasse de mais características po- as suas dificuldades.
sitivas, estas deviam ser acrescentadas à Como se procede?
lista existente. Segundo Susskind o processo decorre
Ao fim de uma semana a lista subiu para percorrendo cinco degraus diferentes.
oito descrições positivas. Inicialmente, de olhos fechados e de uma
Após outra semana a doente referiu que forma relaxada, o indivíduo deve imaginar-
começava a andar menos deprimida, prin- -se como tendo todas as características, tra-
cipiando a estar com um estado de ânimo ços e qualidades que gostaria de possuir.
que já não sentia há anos. Revelou também No degrau seguinte, deve Seleccionar
que agora os sentimentos positivos lhe uma AZl que efectivamente possa alcançar
começavam já a aparecer espontaneamente num curto espaço de tempo, que tenha as
na cabeça, mesmo sem os associar ao há- características que deseja obter, conside-
bito de fumar. rando sobretudo o problema em que esteja

106
envolvido. Nesta altura, o terapeuta sugere Eis algumas delas, preconizadas por
ao indivíduo que sobreponha a AZZ h sua aquele autor:
imagem real e veja a forma como gradual-
mente esta se expande. Neste ponto o -Reconheça os seus pontos fortes e fra-
doente não se deve considerar a actuar cos e, nos seus objectivos, não proceda ao
passivamente, mas sim de uma forma activa acaso, mas sim de acordo com eles.
e participativa. Isto é, deve imaginar-se -Faça um inventário de todas as per-
estar de facto a procurar atingir os seus sonagens que tem guardadas dentro de si
objectivos. e actualize-as, de acordo com o espaço psi-
No terceiro degrau deste processo o indi- cológico em que de momento se encontra,
víduo deve relembrar uma situação autên- de forma a poder chegar onde quer.
tica em que de facto se tenha saído bastante -Não procure as causas do seu com-
bem e com um sentimento de êxito ou de portamento em deficiências da sua perso-
realização. nalidade, mas sim em aspectos físicos, so-
No passo seguinte, a pessoa deve ser ciais, económicos ou políticos.
encorajada a expandir os sentimentos de -Nunca diga coisas irreversíveis e ne-
êxito e de realização a qualquer problema gativas a seu respeito, tais como «SOU um
presente e a planear o que vai fazer no estúpido», «SOU feia», «SOU um fracassado»
futuro. Deve considerar os seus fracassos ou «não tenho solução».
passados como um simples sinal de paru- -Não tolere pessoas, empregos ou si-
gem e como alguma coisa que o fez apren- tuações que o façam sentir-se inapto. Se
der algo de novo e se tornou um incentivo não os puder modificar em seu proveito,
para desenvolver novas tácticas. evite-os ou afaste-se deles definitivamente.
No quinto degrau o terapeuta encoraja - Estabeleça objectivos a longo prazo
o doente a usar a AZZ, que foi criada, em para a sua vida, subdividindo-os em tarefas
situações reais: desde o simples caminhar muito específicas, de curto prazo.
na rua, no trabalho ou nas ocasiões sociais.
Deve pedir-lhe que actue, sinta e se relu- Embora não estejam descritas as quinze
cione de acordo com a sua AZZ. Faz-lhe medidas que Zimbardo aconselha, há alguns
compreender que, da forma como se vir a aspectos que o autor tenta promover. En-
si mesmo, é que igualmente os outros o tre eles, o facto de qualquer indivíduo ter o
perceberão. E que dessa percepção de si direito de ser como é, de evitar circunstân-
próprio é que vai decorrer a maneira como cias que o firam e igualmente os processos
passa a actuar, a sentir ou a relacionar-se de avaliação depreciativa que se centrem
com os outros. na sua pessoa em lugar de ser nos aconte-
Lazarus (1 984) igualmente aconselha o cimentos.
uso da AZZ como uma maneira fácil de me-
lhorar a auto-estima e o sentimento de com-
petência individual, citando exemplos clí- Seleccionar e promover pontos fortes
nicos em que se comprova a eficácia do
seu uso. Zimbardo ( 1 972) igualmente preconiza
dois métodos que podem ajudar a melhorar
a auto-estima e, com isso, o auto-conceito
A defesa da auto-estima do indivíduo.
Um deles pedir a um amigo íntimo e de
Zimbardo ( 1972) preconiza quinze me- longa data que faça uma lista de aspectos
didas que ajudam a defender a auto-estima. que realmente aprecia em si. Depois apren-

107
der a aceitar elogios que lhe dirijam sobre Novamente troca de lugar, ocupa a sua
estes pontos e ser capaz de saborear os sen- cadeira e tenta responder.
timentos positivos que os elogios podem Tenta assim dar azo h consciencialização
suscitar. e libertação dos sentimentos mais íntimos
Finalmente aprender a reconhecer tam- e a melhorar a sua capacidade de auto-afir-
bém os aspectos positivos dos outros e pas- mação.
sar a elogiá-los, adequada e contingente-
mente, nas pequenas coisas do dia-a-dia.
Um outro método também aconselhado Estabelecer objectivos
consiste em solicitar ii pessoa que se lem-
É frequente as pessoas com perturbações
bre de todos os aspectos, mesmo triviais,
em que saiba que se sai bem. De seguida emocionais deixarem-se interferir pelos
deve escrevê-los e colocá-los em sítio bem acontecimentos da vida e permitirem que
visível, de forma a todos os dias serem re- a mesma se atraze, deixando ficar para se-
lembrados e promovidos por si. gundo lugar uma data de objectivos de-
sejáveis.
A realização de objectivos é importante.
Pôr os outros em causa E que saber criar e dar continuidade aos
objectivos pessoais ajuda o indivíduo a sen-
E conhecido que os doentes com pertur- tir-se competente, a ganhar confiança em
bações emocionais frequentemente se cul- si e a melhorar com isso o seu auto-con-
pabilizam e autodepreciam. Vivem predis- ceito.
A primeira atitude a tomar sob este as-
postos a infligir diariamente grandes perdas
h sua auto-estima, a colocarem-se a si pró- pecto, refere Zimbardo (1972) é, antes de
prios em causa, em lugar de questionarem tudo, decidir o que o indivíduo pretende.
os outros. Recapitulando a sua vida a pessoa deve
Devido a estas particularidades, Zim- começar a saber escolher objectivos realis-
bardo (1972) aconselha um método em que tas e com probabilidade de poderem ser
a pessoa pode aprender a colocar os outros alcançados num prazo relativamente curto
em questão. como, por exemplo, um mês.
Solicita ao indivíduo, que tem dificul- Uma vez seleccionados devem ser regis-
dades inter-pessoais, que faça repetidas ve- tados.
zes o exercício que vai ser descrito.
Por exemplo:
Arranja duas cadeiras e coloca uma em
frente da outra. -Tratar de pôr em ordem um seguro
Senta-se numa delas e imagina que na antigo que é preciso corrigir.
outra está sentado alguém que o faz sen- -Arranjar alguém para vir tratar da
tir-se mal ou inferiorizado. Então deve dar canalização da casa.
largas aos seus sentimentos e gritar, berrar -Fazer um programa concreto para o
ou manifestar h outra suposta pessoa todo estudo de cada Cadeira.
o mal que ela lhe tem feito e a maneira - Pôr em ordem os elementos para ela-
com a faz sentir, responsabilizando-a pelos borar um relatório que já devia estar
seus problemas. feito.
Depois, o mesmo autor preconiza que o - Etc.
indivíduo em causa troque de cadeira e
tente desempenhar o papel que a outra pes- De seguida o indivíduo deve esquemati-
soa possivelmente faria. zar os planos de acção para cada um dos
objectivos: o que tem de ser feito em pri- tempo central e simples, relacionada com
meiro lugar, o que vai ser executado em muitas outras, com que podemos lidar.
segundo ou em terceiro lugar. A análise das suas relações e as conse-
Após este aspecto preliminar, a quando quências de um auto-conceito pobre, fazem-
da realização efectiva, deverá ir riscando -nos deduzir que, em condições de sfress,
cada etapa que for cumprindo e atribuir-se provavelmente, na maior parte dos casos,
a si próprio uma recompensa específica e o que é importante não é a situação em si.
apreciada por cada sub-etapa que for alcan- Mas antes a pessoa que nela está, a avalia
çando (ir ver determinado filme, ler um e se avalia.
livro que aprecie, visitar uma pessoa amiga E, por tudo quanto esboçámos, um cons-
ou outra actividade qualquer, ditada por tructo crucial para a compreensão de nu-
gostos pessoais). Ao mesmo tempo terá de merosos fenómenos psicopatológicos, de
aprender a saborear o próprio mérito e forma mais evidente os transtornos emocio-
passar a dizer a si mesmo que se saiu bem. nais.
Os objectivos seleccionados podem não Estes factos fazem com que prestemos
ter viabilidade de serem executados todos atenção ao auto-conceito e aos esforços que
ao mesmo tempo. Podem criar a necessi- levem h sua melhoria.
dade de serem hierarquizados. Ao conseguir realizá-lo estamos, sem dú-
vida, a contribuir para uma melhor saúde
Neste caso, quando o primeiro estiver
mental do indivíduo.
cumprido, deve entrar em execução o se-
gundo e assim sucessivamente.
Arnold Lazarus (1984) assinala, a este RESUMO
respeito, as facilidades que podem ser con-
seguidas na prossecução de objectivos atra- O auto-conceito pode ser definido como
vés do ensaio em imaginação. a percepção que o indivíduo tem de si pró-
Segundo este cientista, a concretização prio e o conceito que, devido a isso, forma
do objectivo, as alternativas de solução, a de si.
esquematização de respostas a dar a tercei- G um constructo que ajuda a compreen
ros, tudo pode ser ensaiado previamente der aspectos importantes do comportamento
em imaginação e facilitar a obtenção dos hlimano, como a uniformidade, a consciên-
resultados. cia e a coerência da conduta observável, a
E a este propósito refere a utilidade que noção de identidade e a manutenção de
tal método consegue ter na melhoria do certos estereotipos de acção na continui-
comportamento auto-afirmativo, no desem- dade do tempo.
penho de provas atléticas, na conduta em O auto-conceito pode ser classificado em
palco, nas disfunções sexuais e ainda nou- diversos tipos, como os auto-conceitos aca-
tras ocorrências. démico, emocional, social ou físico. Cada
qual liga-se a aspectos diferentes do com-
portamento humano.
G -COMENTAR10 FINAL Entre os constituintes intrínsecos do auto-
conceito realça-se a auto-estima. Esta deriva
Fitts (1972a) menciona que o auto-con- dos processos de avaliação que o indivíduo
ceito tem o condão de capturar e condensar faz das suas qualidades, desempenhos ou
motivos, necessidades, atitudes, valores e virtudes. Ocupa, por isso, um lugar proemi-
traços de personalidade. Por isso, segundo nente na compreensão e na explicação dos
este autor, torna-se uma variável ao mesmo transtornos emocionais.

1o9
O auto-conceito desempenha, assim, um SHAVELSON, R. J., e BOLUS, R. (1982)-Self-
papel significativo em diversos contextos, -concept: the inter-play of theory and me-
thods, J . Education. Psychol., 74 (1): 3-17.
particularmente na prática clínica. Encon- SHRAUGER, J. S., e SCHOENEMAN, T. J
tra-se intimamente relacionado não só com (1979) - Symbolic Interaccionist view of seif-
outros conceitos psicológicos relevantes, -concept: through tlie looking glass darkly,
como com numerosos fenómenos de natu- Pschological Bulletin, 86 (3): 549-573.
reza psicopatológica. SUSSKIND, D. J. (1970) - The Idealized Sef-
-1mage (ISI): A New Technique in Confi-
No presente artigo é dada uma noção dente Training, Behavior Therapy, 1: 538-541.
destes aspectos, bem como de algumas ten- TAMAYO, A. (1985)-Relação entre o auto-
tativas, dispersas pela literatua, para me- conceito e a avaliação percebida de um par-
lhorar o aufoconceito do indivíduo. ceiro significativo, Arq. Bras. Psic,, 37 (1):
88-96.
TODD, (F. J. (1972) - Coverant Control of Self-
-Evaluative Responses in the Treatment of
BISBLIOGRAFIA
Depression: A New Use for an Old Principle
Behavior Therapy, 3: 91-94.
BOUÇA, J., e FONTE, A. (1986) -Assertividade
e autoconceito - trabalho apresentado no VAZ SERRA, A. (1986) -A importância do auto-
I Encontro Ibérico de Terapia Comporta- conceito, Psiquiatria Clínica, 7 (2): 57-66.
mental, 20-23 de Novembro de 1986, Porto VAZ SERRA, A .(1986)-O «Inventário Clínico
(Portugal). de Auto-Conceito»,Psiquiatria Clínica, 7 (2):
CRANO, S. L., e CRANO, W. D. (1984) - Deve- 67-84.
lopment of Portuguese and SpanishaLanguage VAZ SERRA, A.; ANTUNES, R.; e FIRMINO,
Measures of Self-Concept, Revista Interame- H. (1986) - Relação entre auto-conceito e
ricana de Psicologia, 18 (i & 2): 1-19, expectativas, Psiquiatria Clínica, 7 (2): 85-90.
FITTS, W. H. (1972a) - The self-concept and VAZ SERRA, A., e FIRMINO, H. (1986) -0 au-
performance - Monograph, National Techni- to-conceito nos doentes com perturbações
cal Information Service, U. S. A. emocionais, Psiquiatria Clínica, 7 (2): 91-96.
FITTS, W. H. (1972b)- The self-concept and VAZ SERRA, A.; MATOS, A. P.; e GONÇAL-
psychopathology -Monograph, National Te- VES, S . (1986) -Auto-conceito e sintomas
chnical Information Service, u. S. A. depressivos na população em geral, Psiquia-
GECAS, V. (1982) -The self-concept, Ann. Rev. tria Clínica, 7 (2): 97-101.
Sociol., 8: 1-33.
LAZARUS, A. (1984)-In the Mind’s Eye (The VAZ SERRA, A., GONÇALVES, S.; e FIRMINO,
Power of Imagery for Personal Enrichment), H. (1986) -Auto-conceito e ansiedade social,
The Guilford Press, New York, London. Psiquiatria Clinica, 7 (2). 103-108.
MOTA CARDOSO, R.; MOURA, L.; PAIS, A. B,; VAZ SERRA, A.; GOUVEIA, J. P.; MATOS, A.
e VERISSIMO, R. F. B. (1986) -0 Autocon- P.; FONSECA, L.; e ROBALO, M. (1986)-
ceito e as Perturbações Psicopatológicas de Self-concept and attribution: some facts of
Nível Neurótico, Psiquiatria Clínica, 7 (3): its relationship. Trabalho apresentado como
189-193. um poster no 16th. Congress of EABT.
MOTA CARDOSO, R.; VERISSIMO, R. F. B.; VAZ SERRA, A.; FIRMINO, H.; e MATOS, A. P.
e MOURA, L, (1986)-O Inventário Clínico (1987) - Influência das relações pais-filhos
de Autoconceito de Vaz Serra e o Diferen- no auto-conceito, Psiquiatria Clínica, 8 (3):
ciador Semântico de Osgood, Psiquiatria 137-141.
Clínica, 7 (4): 273-284. VAZ SERRA, A.; FIRMINO, H.; e MATOS, A. P.
O’BANION, K., e ARKOWITZ, H. (1977) -Social (1987) -Auto-conceito e locus de controlo,
anxiety and selective memory for affective Psiquiatria Clínica, 8 (3): 143-146.
information about the self, Social Behavior WELLS, L. E., e MARWELL, G . (1976)-Self-
and Personality, 5 (2): 321-328. -Esteem: its conceptualization and measure-
SHAVELSON, R. J.; HUBNER, J. J., e STAN- ment, Vol. 20, Sage Library of Social Re-
TON, J. C. (1976) - self-concept: Validation search, Sage Publications.
of construct interpretations, Review of Edu- ZIMBARDO, P. G. (1972) -A Timidez, Edições
cational Research, 46: 407441. 70.

110

Você também pode gostar