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A principal referência do filme “Jogador nº1"

O diálogo entre cinema e jogos de vídeo game nem sempre foi fato inegável como é visto hoje
em dia. Antes do surgimento de Myst (Cyan) e Doom (id Software), em 1993, a associação
entre os esses universos era bem distante.

Games eram vistos como entretenimento pueril, tinham baixíssima ou nenhuma narratividade
e sua linguagem visual remetia muito mais aos quadrinhos do que ao cinema. Myst e Doom
são marcos do início de uma tradição de games em ambientes virtuais tridimensionais,
narrativamente contextualizados e visualmente ancorados num expediente visual nascido no
cinema canônico: a câmera subjetiva.

Com seu surgimento, foi como se, de repente, começasse a se realizar um desejo antigo do
espectador de cinema: o de entrar no filme, como um de seus personagens. E, se ainda hoje a
relação com o cinema não é, de forma alguma, o único viés para se compreenderem os
videogames, é inegável que esse entrar-no-filme inaugurou um novo e complexo universo de
possibilidades, que, mais de 20 anos depois, continua sendo intensamente explorado nos
games.

Ready Player One, ou Jogador número 1 é o novo filme do Steven Spielberg, mais conhecido
como “meu diretor favorito”, um filme que misturou a animação e live action para contar a
história de um planeta Terra distópico, onde a economia, em muitos países, gira em torno de
um vídeo game com jogos de realidade aumentada, onde você pode ser exatamente quem
você desejar ser, e fazer o que você bem quiser.

A trama principal é simples: um garoto, chamado Wade Watts, é um dos milhares de usuários
do Video Game Oasis. O criador desse vídeo game acaba de morrer, porém, antes de sua
morte deixou alguns easter eggs para os usuários caçarem enquanto jogam, mas, quem
conseguir capturar esses easter eggs, ganhará algo irresistível, será o herdeiro da Empresa
desse vídeo game, ou seja, além de possui uma fortuna inimaginável, será também o dono do
jogo e poderá fazer todas as mudanças que achar necessário.

Wade é uma espécie atualizada de um herói mitológico, onde enfrenta problemas válidos para
toda a humanidade, que vencem suas limitações pessoais. E sua ação, na história, se constitui
numa jornada interior, de triunfos psicológicos e não físicos, onde o mundo permanece o que
era, mas, graças a uma mudança interior, é visto como se tivesse passado por uma
transformação.

Pois bem, aspectos técnicos do filme. Em si, ele é lotado de referências que vem desde
músicas, a filmes, e principalmente a jogos dos anos 80 e 90, isso você vai notar de cara, e é
basicamente o que todo mundo se encantou.

Mas o interessante é como isso, imageticamente falando, tornou o filme muito contrastante.
Estamos em 2045, mas há uma nostalgia por parte dos jogadores e desenvolvedores em
relação a década de 80 que as vezes, quando volta ao cenário no mundo real, não notamos
essa sensação de “futuro”. Outro contraste é o lugar onde Wade mora com sua tia, uma
espécie de favela vertical, onde a fotografia opta logicamente por cores mais escuras e nada
saturadas, a câmera sempre transita de baixo pra cima, dando aquela sensação claustrofóbica
que geralmente é utilizado pra demonstrar lugares que crescem em larga escala e de forma
totalmente desorganizada, enquanto Oasis, é um lugar incrível, luxuoso, rico em detalhes,
cores, formas, um verdadeiro sonho.

As cenas de dentro do jogo nos impressionam por tamanha qualidade técnica. Ver no
cinesystem me deu uma sensação ainda melhor, por que foi um filme feito pra se ver em tela
grande e de certa forma, ser mais um jogador em busca dos easter eggs.

Poderíamos aqui falar o quanto os personagens são unidimensionais, que nota-se que não
houve uma construção baseada no real, mas em estereótipos cinematográficos. Que os vilões
são ainda mais rasos que os heróis, e com objetivos muito óbvios. Mas que a construção de
todos esses personagem, de fato, funcionam bem no filme. Isso é uma coisa que o Steven sabe
fazer de forma brilhante.

Poderíamos também destrinchar as inúmeras referências à cultura pop e ao sentimento


nostálgico que o roteirista quis despertar em nós, pobres mortais, porém não. Pra mim, todas
as incontáveis referências que foram colocadas, tanto em primeiro plano quanto em segundo
plano, sobre músicas, filmes, jogos, enfim, todas essas referências imagéticas e sonoras, não
são tão importante quanto parecem, serviram apenas de pretexto para explicar a mecânica do
jogo, onde, nitidamente, não é um jogo novo, o que é novo de fato é a sua mecânica mesmo.

O que foi mais divertido, não foi apenas ver vários personagens, e cenários de filmes que são
tão especiais pra mim, como na cena onde os jogadores entram no cenário de The Shining, um
dos meus filmes favoritos, mas saber que o filme possui uma grande referência à história de
Percival em busca do Santo Graal. Que é logo desmascarada quando Wade diz que seu
personagem se chama Perzeval.

Foi divertido, por que, eu estou lendo exatamente um livro sobre a história do Romance do
Graal, escrita no século XII por Chrétien de Troyes, fundador da literatura arturiana e dos
romances de cavalaria. Essa história, esse texto desse cara, foi o primeiro conhecido a falar do
Santo Graal. E essa história que Patrick Paul, nesse livro, tenta analisar e a fazer analogias com
vários símbolos e mitos, é uma histórica inacabada por conta da morte do autor. Mas tem
coisas muito interessante pra se analisar nesse filme à luz de pelo menos o básico da história
do Romance do Graal.

Primeiro que Percival, segundo a história do Graal, vive em uma floresta descrita como
“selvagem”, de começo, já podemos associar essa Floresta ao vasto (e de certa forma
“selvagem”) lugar onde o personagem Wade mora com sua tia. O interessante é fazer um
paralelo sobre a análise de Patrick Paul, que diz que a Floresta se situa fora da realidade física
e da civilização dos seres humanos, porém é onde o Percival deseja de todas as formas
adentrar, seu maior sonho é ser cavaleiro da corte Arturiana. É uma análise mais simbólica.
Mas podemos fazer esse paralelo. O filme nos mostra que as interações sociais acontecem
mais dentro do vídeo game, do que fora dele. É basicamente o que diz na análise do texto. As
interações sociais, o mundo físico, o mundo “real”, está fora da Floresta. Me parece uma
espécie de crítica, caso isso realmente seja concreto, e não apenas uma viagem minha, mas
colocar o vídeo game como sendo a “realidade de fato” onde as pessoas interagem umas com
as outras, enquanto há um mundo selvagem fora do jogo. E o selvagem nos lembra algo
primordial, algo que vem primeiro, como se esse vídeo game tivesse animalizado a
humanidade.

Mais uma coisa interessante no filme em relação a história de Percival, é que a mãe de Percival
morre quando ele insiste em sair da Floresta para penetrar no mundo físico. Wade também
perdeu a mãe, não só a mãe, como o pai, assim como Percival.

A busca do Graal, é a busca pela verdade. E é o que acredito que todos os jovens jogadores
nesse mundo distópico começam a desenvolver depois que as relações, já ao final do filme,
são entrelaçadas.

Sobre a última chave ser de Cristal, por exemplo, sem citar a historia de Percival, mas ainda
sim a luz de uma análise esotérica e simbólica. O símbolo do cristal, tendo em conta a sua
transparência, é o da transição entre o mundo dos sentidos e o mundo místico. O cristal é
utilizado em muitas culturas como um instrumento de contato com o mundo invisível, com os
espíritos. Ele é um dos símbolos mais universais de adivinhação e do conhecimento do oculto.
O que o Wade faz, não é exatamente desvendar o que estava oculto?

Tem uma porrada de coisas muito parecidas nas duas histórias, e eu ainda estou na metade
desse livro, pretendo termina-lo, e se for pertinente, trarei aqui uma análise mais profunda
sobre essas duas histórias.

Finaliza.

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