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UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ANTECIPADAS PRODUZIDAS NO INQUÉRITO

POLICIAL COMO PROVAS EMPRESTADAS NO PROCESSO CIVIL

Alexander Meurer

RESUMO

A celeridade processual é um fim almejado por aquele que ingressa em


qualquer lide. Porém, atingir tal objetivo não é tarefa fácil, haja vista os entraves que
se apresentam, como legislação defasada, falta de efetivo no judiciário etc. Por tal,
toda e qualquer ferramenta jurídica idônea deve ser utilizada em juízo para agilizar o
andamento processual. Nesse sentido, o uso, como prova emprestada no Processo
Civil, das provas produzidas no Inquérito Policial é uma eficaz ferramenta que
homenageia os Princípios Constitucionais da Celeridade Processual e Economia
Processual, pois agiliza a solução das contendas processuais, devendo ser
amplamente utilizada nos processos em geral. Isso porque tais provas antecipadas,
em que pese serem feitas na fase inquisitorial, são produzidas sob o crivo do
contraditório real, com a presença do Magistrado e das partes, observando, assim,
os Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa. Para demonstrar
tal tese, foi realizada ampla pesquisa jurídica, utilizando-se de sítios eletrônicos e
obras de renomados autores da seara judicial.

Palavras-Chave: Celeridade Processual. Economia Processual. Provas


Emprestadas. Inquérito Policial. Provas Antecipadas

Introdução

Ter uma solução rápida à contenda apresentada em juízo é uma das


garantias do jurisdicionado e visa a garantir, precipuamente, a paz social e a
dignidade da pessoa humana.

Nesse diapasão, a celeridade processual, que é princípio instrumental do


Processo Civil, se torna cada vez mais importante. Como
Alexander Meurer – Agente de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, Bacharel em Direito pela
Universidade Estadual do Oeste de Santa Catarina, Campus de Francisco Beltrão - PR.
corolário dessa norma, as provas emprestadas têm um papel fundamental, pois
agilizam a instrução processual ao permitirem o uso de uma prova feita em processo
diferente daquele em que é usada.

Por regra, só são permitidas como provas emprestadas as produzidas em


outro processo, com todas as garantias a ele inerentes. Assim também o é nas
provas oriundas do Processo Penal, inclusive as produzidas durante o Inquérito
Policial que, por regra, devem ser refeitas na fase de instrução processual penal.

No entanto, há determinadas provas que desde a fase policial são produzidas


sob as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa: as provas
antecipadas. Estas são feitas com todas as garantias existentes na fase processual,
sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, inclusive na presença do magistrado,
e podem, como se pretende demonstrar neste trabalho, ser usadas como provas
emprestadas nos mais diversos tipos de processos.

1 – O Inquérito Policial

1.1 - Conceito de Inquérito Policial

Leciona Fernando Capez (CAPEZ, 2010, p. 109) que o Inquérito Policial é “o


conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma
infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar
em juízo (CPP, art. 4). Trata-se de um procedimento persecutório de caráter
administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos
o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129., I), e o
ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem
o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o
recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à
necessidade de decretação de medidas cautelares”.

1.2 – Finalidade do Inquérito Policial


O Inquérito Policial tem como fim precípuo apurar fatos que configurem
infrações penais e sua respectiva autoria, angariando elementos de prova para
instruir uma eventual ação penal. Ele é a atividade fim da Polícia Judiciária (CF, art.
144, IV e § 4º) e, salvo algumas exceções, é presidido por Delegados de Polícia de
carreira.

1.3 – Características do Inquérito Policial

Conforme Alexandre Cebrian Araújo Reis, (REIS, 2012, p. 50-52), trata-se de


um procedimento que tem por características:

 Escrito (CPP, art. 9º) - não se concebe uma investigação verbal.


 Sigiloso (CPP, art. 20) – a autoridade policial assegurará o sigilo
necessário para a elucidação do fato ou se assim exigir o interesse da
sociedade. O sigilo não se estende ao representante do Ministério Público
nem à autoridade judiciária. No caso do advogado, pode consultar os
autos de qualquer inquérito, exceto se for decretado sigilo judicial. Porém,
ao advogado constituído não é oponível tal regra, exceto quanto aos
elementos de prova ainda não documentados no Inquérito (STF, Súmula
Vinculante n.º 14).
 Oficial – trata-se de atividade investigatória exercida por órgãos oficiais.
 Oficioso – a atividade investigativa da Polícia Judiciária independe de
qualquer espécie de provocação (CPP, art. 5º, I), ressalvados os casos de
ação penal pública condicionada e de ação pena privada (CPP, art. 5º, §
4º e §5º).
 Indisponibilidade – após a instauração, o Inquérito não pode ser
arquivado pela Autoridade Policial (CPP, art. 17).
 Inquisitivo – salvo raras exceções, às atividades persecutórias
documentadas no Inquérito Policial não se aplicam os princípios da ampla
defesa e do contraditório.
 Dispensável – o Inquérito Policial não é fase obrigatória da persecução
penal, podendo ser dispensado caso o Ministério Público ou o ofendido já
disponham de suficientes elementos para propor a ação penal (CPP arts.
12, 27, 39, §5º, e 46, §1º).

1.4 – Provas e Elementos de Informação produzidos no inquérito policial

O Inquérito Policial, como visto, tem conteúdo informativo. Ele visa fornecer
ao Ministério Público ou ao ofendido os elementos necessários para a propositura da
ação penal. Seu valor probatório, conforme Reis (REIS, 2012, p. 51), é relativo, haja
vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório
e da ampla defesa, tampouco na presença do juiz de direito.

Nesse sentido, o art. 155 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941)


assevera que “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as
provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Assim também é a jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal, o


qual entende que “Não se justifica decisão condenatória apoiada exclusivamente em
inquérito policial pois se viola o princípio constitucional do contraditório” (RTJ,
59/786).

Nesse contexto, é importante distinguir prova de elementos de informação.

Prova, conforme preceitua Capez (CAPEZ, 2010, p. 344), “é o conjunto de


atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, I e II, com a redação
determinada pela Lei n. 11.690/2008, 209 e 234) e por terceiros (p. ex. peritos),
destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência
de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação...”. As provas, em regra,
são produzidas na fase judicial, com observância obrigatória dos princípios do
contraditório e da ampla defesa.

Já os elementos de informação, conforme citado autor (CAPEZ, 2010, p. 346),


são produzidos na fase inquisitorial, sendo dispensável a observância dos princípios
do contraditório e da ampla defesa. Em regra, eles não são produzidos na presença
do juiz, mas há exceções, como os as provas antecipadas. Essas, em que pese
serem produzidas ainda na fase inquisitorial, são, por uma situação peculiar,
tratadas da mesma maneira que as provas produzidas na fase judicial.

Os elementos de informação, de uma forma geral, tem caráter probatório


relativo, podendo ser repetidos na fase judicial, à exceção das provas cautelares,
das não repetíveis e das antecipadas, que, em que pese serem produzidas ainda na
fase inquisitorial, não podem ser repetidas na judicial, tendo, assim, uma importância
probatória maior no processo.

2 – Provas Cautelares, Não Repetíveis e Antecipadas

As provas cautelares, as não repetíveis e as antecipadas são espécies de


provas produzidas no inquérito policial, fulcradas do art. 155 do Código de Processo
Penal, que não podem ser refeitas, por um motivo ou outro, na fase judicial.

Cautelares são as provas em que existe um risco de desaparecimento em


razão do decurso do tempo. Nessas, o contraditório será diferido. Como exemplo,
tem-se a busca e apreensão, a interceptação telefônica. Em regra, tais provas
precisam de autorização judicial para ser feitas.

Não repetíveis são as que não podem ser coletadas ou produzidas na fase
judicial em virtude de desaparecimento da fonte probatória. Como exemplo tem-se a
perícia realizada em crime de estupro, cujos vestígios desaparecem com passar do
tempo. Por regra, tais provas independem de autorização judicial.

E provas antecipadas são aquelas produzidas em momento processual


distinto do legalmente previsto para acontecerem. Elas são realizadas com
contraditório real, na presença do Juiz e da outra parte. Acontecem geralmente na
fase do Inquérito Policial, por motivos de relevância e urgência, como perigo de
morte de uma testemunha ou de uma parte processual. Seu valor probatório no
processo é muito grande, e são produzidas com o contraditório concomitante ao ato
(REIS apud GRECO FILHO, 2012, p. 251).

As provas antecipadas são previstas no art. 366 do Código de Processo


Penal, que diz:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir
advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional,
podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas
urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do
disposto no art. 312.

Elas são realizadas na presença do próprio magistrado, pois a situação


emergencial assim exige. Bom exemplo dessa espécie de prova é a oitiva de uma
testemunha que está no leito de morte. O risco de se perder o testemunho é muito
grande, permitindo a oitiva e produção antecipada da prova.

O STJ emitiu súmula de n.º 455 a respeito de tal prova:

A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no


artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a
justificando unicamente o mero decurso do tempo.

Ou seja, apenas situações excepcionais permitem tal forma de prova, o que a


torna deveras importante, fazendo com que ela possua um valor jurídico mais
relevante que as demais provas produzidas no Inquérito Policial.

3 – Provas no Processo Civil

Provas, conforme leciona Marcus Vinicius Rios Golçalves (GONÇALVES,


2012, p. 369), são os meios utilizados para formar o convencimento do juiz a
respeito de fatos controvertidos que tenham relevância para o processo. O objeto da
prova são os fatos controvertidos relevantes para o julgamento do processo. Elas
são disciplinadas no Código de Processo Civil – CPC.

As provas que não terão nenhuma repercussão no desfecho do processo e as


irrelevantes são dispensadas. E mesmo entre os fatos relevantes, há alguns que não
precisam ser comprovados. O art. 334 do CPC os enumera: Fatos notórios; os
afirmados por uma parte e confirmados por outra; os admitidos no processo como
incontroversos; e os em cujo fator milita presunção legal de existência ou veracidade
(GONÇALVES, 2012, p. 369-370).
Como a prova é destinada a convencer o juiz a respeito dos fatos
controvertidos, sua participação na fase instrutória não deve ficar relegada a um
segundo plano, de mero espectador das provas requeridas e produzidas pelas
partes: cumpre-lhe decidir quais as necessárias ou úteis para esclarecer os fatos
obscuros. Por isso, a produção de provas deverá resultar de atuação conjunta das
partes e do juiz.

O art. 333 do CPC dispõe que cumpre ao autor a prova dos fatos constitutivos
do seu direito e cumpre ao réu a prova da existência de fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor.

Assim, as partes têm o ônus de produzir as provas daquilo que alegarem.


Mas há situações em que ocorre a chamada inversão do ônus da prova, que pode
ser por vontade dos litigantes, determinação legal ou judicial.

Vigora a regra geral do art. 332, do CPC, em que “Todos os meios legais,
bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são
hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

Desta forma, são meios de prova a confissão, o depoimento pessoal das


partes, prova testemunhal, a prova documental, a prova pericial, a inspeção judicial.
Tal rol não pode ser considerado taxativo, diante do caráter genérico do art. 332 do
CPC.

O CPC, nos artigos 131 e 436, adotou o princípio do livre convencimento


motivado ou da persuasão racional. Conforme esse, o juiz julga de acordo com a
convicção formada pela análise do conjunto probatório, não sendo vinculado a
nenhum tipo de prova, uma vez que nosso ordenamento não alberga a tarifação ou
valorização das provas. Assim, ao juiz compete avaliar e sopesar as provas, não
ficando vinculado a elas.

Dentre as provas que hoje possuem mais relevância estão as documentais.


De acordo com o art. 364 do CPC, as provas públicas, oriundas de documentos
públicos, fazem prova “não só da sua formação, mas também dos fatos que o
escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença”.
Porém, tal regra deve ser analisada com cuidado, pois, por exemplo, um
boletim de ocorrência, documento público, faz prova de que o particular compareceu
à Delegacia de Polícia ou ao Posto Policial e prestou as declarações ali contidas,
mas não que os fatos ocorreram da forma por ele declarada.

Nesse sentido, o STJ afirmou que o art. 364 do CPC “não estabelece a
presunção ‘juris tantum’ da veracidade das declarações prestadas ao agente
público, de modo a inverter o ônus da prova” (STJ RT726/206).

Dentre os documentos públicos está a prova emprestada, analisada abaixo.

4- Prova Emprestada

Para Capez, prova emprestada é “aquela produzida em determinado


processo e a ele destinada, depois transportada, por translado, certidão ou qualquer
outro meio autenticatório, para produzir efeito como prova em outro processo”
(CAPEZ, 2010, p. 382).

Ela consiste na utilização em um processo de prova que foi produzida em


outro. Mas não é toda e qualquer prova que pode ser assim utilizada, há requisitos a
ser observados.

Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade consignam que “A condição mais


importante para que se dê validade e eficácia à prova emprestada é a sua sujeição
às pessoas dos litigantes, cuja consequência primordial é a obediência ao
contraditório” (NERY JR, 2006, p. 386).

Assim, a utilização da prova emprestada só é possível se aquele contra quem


ela for utilizada tiver participado do processo onde essa prova foi produzida,
observando-se os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Logo, se a prova foi produzida em processo no qual o acusado não teve


participação, não há falar em prova emprestada, e sim em mera prova documental.

O uso da prova emprestada homenageia os princípios constitucionais da


economia processual e da celeridade processual, previstos no art. 5º, inc. LXXVIII,
da Constituição Federal, que assegura que “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”.
Tais provas podem assumir exatamente a eficácia probatória daquela que
seria produzida no processo em que se dela faz uso. Ademais, a repetição de uma
prova já produzida traz prejuízos para a administração da justiça e para as partes.
Perde-se tempo e a tutela jurisdicional será prestada mais tardiamente.
O Juiz, ao apreciar as provas, poderá conferir à emprestada precisamente o
mesmo peso que esta teria se houvesse sido originariamente produzida no segundo
processo. Porém, admite-se a utilização da prova emprestada no âmbito do
processo “desde que não constitua o único elemento de convicção a respaldar o
convencimento do julgador.” (HC 180.194/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma,
julgado em 28/06/2011, DJe 01/08/2011).
Com efeito, a prova emprestada pode ser utilizada em processos de áreas
diversas da que foi produzida. Por exemplo, uma prova produzida no processo penal
pode ser utilizada em um processo administrativo ou em um processo na área cível.
Nada impede tal uso, desde que os requisitos acima mencionados sejam
observados, pois todos os meios legais de prova, bem como os moralmente
legítimos (art. 332 do CPC), podem ser trasladados de um processo para outro.

A prova emprestada tomará sempre a forma documental, não importando qual


tenha sido sua natureza no processo de origem: todas as provas são trazidas
documentalmente, mediante certidão ou cópias autenticadas das folhas em que
foram produzidas na demanda original.
Com efeito, em relação à prova colhida em processo que corre em segredo
de justiça, sua importação somente se admite em outro processo entre as mesmas
partes, a fim de guardar o interesse protegido na demanda original (DIDIER JR,
2007, p. 67). Nesse sentido também entendeu o Tribunal de Justiça, que no Agravo
de Instrumento n.º 1550230 PR assim decidiu (grifos nossos):
A prova emprestada, para ser aceita, precisa observar o princípio do
contraditório, isto é, faz-se necessário que a parte contra a qual se utilizará
a prova no segundo processo tenha participado do feito original e tenha tido
a oportunidade de contradizê-la. 2 - Se o processo original corre em
segredo de justiça, apenas a parte em relação a qual a prova diz respeito
pode pleitear para que seja utilizada em outro feito.
Forte controvérsia reside na possibilidade de se utilizar como prova
emprestada no processo civil ou administrativo de uma interceptação telefônica
obtida em processo penal. A interpretação do inciso XII do art. 5º da Constituição
Federal leva a conclusão de que não seria possível essa importação, na medida em
que dispõe expressamente que essa prova somente pode ser utilizada para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal.
Contudo, Barbosa Moreira admite a utilização da interceptação telefônica
como prova emprestada no processo cível, entendendo que "sacrificado o direito da
parte à preservação da intimidade, não faria sentido que continuássemos a
preocupar-nos com o risco de arrombar um cofre já aberto". E prossegue dizendo, "a
sentença penal é título executivo judicial no âmbito cível e o devedor-executado não
poderá formular qualquer objeção no sentido de que a sentença se fundara em
interceptação telefônica, que não pode ter eficácia no juízo cível (a eficácia
preclusiva da coisa julgada impediria essa conduta)" (BARBOSA MOREIRA, 1995,
p. 120-121).
Essa, ao que parece, é a orientação prevalente na jurisprudência, inclusive
tendo o STF já admitido a utilização de interceptação telefônica obtida mediante
autorização judicial para fins não penais:

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - OBJETO - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL -


NOTÍCIA DE DESVIO ADMINISTRATIVO DE CONDUTA DE SERVIDOR. A
cláusula final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal - ... na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal - não é óbice à consideração de fato surgido mediante a
escuta telefônica para efeito diverso, como é exemplo o processo
administrativo-disciplinar. (...) (STF, RMS 24956/DF, Relator Min. MARCO
AURÉLIO, Primeira Turma, DJ 18-11-2005).

Assim, pode-se concluir que é possível utilizar provas emprestadas extraídas


de processos de outras áreas, diferentes daquela em que foi realizada, desde que
obedecidos os requisitos legais para o uso de tal prova.

5 – Uso de prova produzida no inquérito policial como prova emprestada


no processo civil
Como visto, por regra as provas devem ser produzidas na fase processual,
visando-se respeitar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Provas angariadas em outros momentos devem ser refeitas ou revistas na fase
processual, em obediência a tais princípios.

Por conta disso, as provas feitas no Inquérito Policial, por regra, devem ser
refeitas na fase processual penal. Isso se aplica também para as provas cautelares
e não repetíveis. Porém, as provas antecipadas tem um tratamento diferenciado,
pois contam com um verdadeiro contraditório real ainda na fase inquisitiva, com a
presença do magistrado (REIS apud GRECO FILHO, 2012, p. 251).

Essa espécie de prova observa, em sua produção, todos os requisitos da


prova feita na fase processual: o contraditório e a ampla defesa. Ou seja, todas as
garantias legais a serem observadas na produção da prova foram analisadas e o
direito está resguardado.

Por conta disso, compreende-se que não há nada que impeça seu uso como
prova emprestada em processos civis, administrativos ou criminais, haja vista que os
requisitos basilares do uso da prova emprestada foram respeitados.

Para exemplificar, veja-se o seguinte caso: João mata seu pai, Mario. A única
testemunha do ocorrido é a mãe, Maria, que possui uma grave doença e encontra-
se em estado terminal. As chances de ela morrer antes do início da fase processual
penal são grandes. É instaurado um Inquérito Policial pela autoridade policial, a qual
solicita a produção antecipada da prova. A oitiva de Maria então é feita na presença
do Magistrado e de João, junto de seu advogado, sob o crivo do contraditório e da
ampla defesa.

João tem um irmão legítimo, José. Este, preocupado com a inevitável morte
de sua mãe e a distribuição da herança, promove uma ação judicial solicitando a
exclusão do autor do delito por indignidade, baseado no art. 1.814 do Código Civil:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio


doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu
cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
Caso José tenha de esperar o desfecho da Ação Penal para só depois dar
início à ação para excluir João da sucessão, isso poderia lhe acarretar graves danos
patrimoniais, até mesmo irreversíveis. Então, o uso da prova antecipada, produzida
no Inquérito, sob todas as garantais processuais, poderia embasar a decisão no
cível de excluir desde logo João.

Portanto, o uso das provas antecipadas produzidas nos Inquéritos Policiais


homenageia os Princípios Constitucionais da Celeridade Processual e Economia
Processual, ao permitir que provas preciosas sejam de pronto utilizadas em
processos judiciais, assegurando a aplicação da justiça ao caso concreto.

6 – Considerações Finais

A prova antecipada, realizada nos autos do Inquérito Policial, tem em sua


produção a observância do contraditório real, com a presença do Magistrado e das
partes interessadas. Portanto, é apta a produzir efeitos nos processo em geral,
sejam penais, civis ou administrativos, podendo figurar como prova emprestada,
sendo uma fonte probatória confiável capaz de colaborar com a celeridade e
economicidade processual, princípios constitucionais que norteiam os processos
judiciais em geral, auxiliando no exercício da jurisdição e na aplicação da justiça ao
caso concreto.

Referências
ALVIM, Arruda. Prova emprestada. São Paulo: Revista dos Tribunais, Revista de
Processo, vol. 202, dez. 2011.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Constituição e as provas ilicitamente
obtidas. Temas de direito processual: 6 série. São Paulo: Saraiva, 1995.
BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. Vol. 1. Niterói: Impetus, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Código de Processo Civil , BRASIL, 1973.
Código de Processo Penal, BRASIL, 194 1.
DIDIER Jr, Fredie; OLIVEIRA, Rafael; BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direito
Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2007, vol. II.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2 ed.
São Paulo: Saraiva, 2012 .
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo
Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006.
STJ – Súmula n.º 455. - 25/08/2010 - DJe 08/09/2010
REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito Processual Penal Esquematizado.
1 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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