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Não.
Eu vi o menino nos meus sonhos copiar os desenhos orientais – e, bem, naquele tempo sequer
sabia da existência das palavras como palavras e, contudo, lambia-as e tomava a mão de Lady
MacBeth – onde estará agora? Ou seja, como outra força, esta, sim, honesta, porque vale-se
como dobradiça. E será que é necessário dizer tantos para muitos? Não. Terrível palavra,
Vieira! Tendo a achar que os outros estão corretos. Sem paciência não quero mais discutir e
encenar o papel daquele que apresenta os mais rigorosos argumentos e o milagre do contrato
social faz-se. Tu tens a certeza de que, no que tange à coleção de conhecimentos que
meramente distingue-me de um simples escolarizado, engano-me. Era sobre isso? É, aliás, para
isso que cheguei até aqui? Chegar até aqui é a afirmação do medo. Do desastre. Da ruína. Ó,
Klee. Para reclamarmos das injustiças do mundo? Acreditei, outrora, e me debulho em risos,
que a responsabilidade do mundo é o próprio mundo como responsabilidade. O mundo é
grave, sério, fraco e franco. Homens tombam pelos mais bobos motivos. O acúmulo de copos,
a nossa dignidade tomada como cifra de ciranda não é indicativo de orgulho nem ilustre tema
para a declinação das frases em pauta. E, bem, o que estou mesmo a fazer? A tentativa besta
de escrever dois de abril.
O que eu gostaria realmente de contar é que pela primeira vez eu acordei suportando o
cansaço como um homem cicatrizado e, com as mãos coçando, pude voltar à meninice,
quando possuía um diário cuja capa havia um sol rubro cheio de sorrisos, como se estivesse
me dizendo: despeja a tinta aqui, meu amigo, que seus significados ecoam e ricocheteiam o
sujeito. É certo que se parte e se reparte e se desdobra e as consequências sociais, deste
círculo maldito, afinal, existem realmente no livro das desculpas e das culpas para se
acumularem. Mais do mesmo. Demasiada responsabilidade atribuída a quem não se conhece,
melhor, a quem não foi gerado, não nasceu, não sabe ainda articular os fonemas, não... E
então para quê tudo isso? O alheamento, se o outro de mim mesmo é insaciável, incontrolável
e assustador, não é mesmo? Não é mesmo – e o resto que se acerte no abismo e infinitude.
Os pares ditam o ritmo e assim a estratosfera assistiu, silenciosa, a conversa de canhões. Como
eu sei? É por ser espectador dos corpos como sinônimos para cifras, mas também para nossas
misérias e prepotências, nossas insolências e educações duvidosas. Leio de tudo e me esqueço
– e se forçosamente faço circular a ponta para um registro que se quer intenso e extenso é
que, no fundo, não se distingue tanto da turba a montagem do esqueleto cujas sinapses crê os
gestos, no ar e na gota de cada orvalho, pranto, elabora o importante das importâncias, isto é,
todos nós. A retificação, a lua, o escorregão e o hermetismo – cais.
Isto é dois de abril? Dois de abril é drums e rachaduras. Conversa! Tudo deve, pois, ter a sua
explicação e o seu tratado. Deus acredita em mim por compensação. Por fadiga. Medo.
Destreza. Covardia. Compaixão. Morri porque quis, não é mesmo? Aliás, como sempre,
fundado o terror, nossa vida artística – a arte como teleologia. Assinaturas possuem a forma
de lápides. Elogios como necrológios. Assim é o que é, aceita-se. Conforma-se. Planta-se.
Produz e diverte. Entendimentos para o currículo das pobrezas. Há as histórias particulares
cujos fatos são desinteressantes, mas existem as armadilhas e a organização de que nossa
estrela é a dádiva no início dos pés, excetuando-se, pois, os dáctilos. Então caminhemos,
esvaziando a sacola de chistes.
E se tudo cheira mal significa que meus sentidos ludibriam-me ou não sei diferençar
fragrâncias nem espécies? Esforços para justificar-te, eu sei, detalhados no livro da
contabilidade e chegará, logo, a oportunidade (em pares) determinando o código das águas
claras. Vou te confessar: a meninice me assalta, arrebata-me e me preenche de todos os às
disponíveis. Veja bem, no cálculo das probabilidades, nossa cama de papel e mancha. Escrever
é isto? Cores reacendendo o desperdício das eras vazias?
Abril é o mais cruel dos meses, germina lilases da terra morta, mistura memória e desejo, aviva
agônicas raízes com a chuva da primavera. O inverno nos agasalhava, envolvendo a terra em
neve deslembrada, nutrindo com os secos tubérculos o que ainda restava de vida – T.S.Eliot.
Nós dois tivemos muito medo e, contudo, não deixamos para depois a necessidade de sujar
lentamente os dedos e o pensamento. E é, talvez, por muito menos, que a cara encardida
denuncia nossa insensatez diante dos sistemas pré-estabelecidos. E é ingenuidade, afoita,
natimorta e saturada, que nos nossos semblantes abençoa. Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Derramam-se chás. Hosanas! Hoje é dois de abril e eu, não sei por qual motivo, não posso
deixar que me pesem as amizades, os compromissos, a injustiça social, as resmas e a cor, a cor,
a cor invisível. Posso mesmo delinear, como esboço, a humanidade, exemplar consciente.
Afinal, é dia dois de abril? Os cachorros ajustam o relógio e o sussurro dos receios. Um rato
passou entre as varetas e o suor de minha carcaça – e distraídos ambos, levo-me pela torta
ideia de que sou incapaz de amar e ele muito menos de me morder.
Por que na minha frente aparecem amar amor amante e demais cognatos? Não aprendi a lição
de Nietzsche? Ainda não? Este é o cerne da questão? Meu girassol? O cajado do pastor? A
lança de Ulisses? Condimento para as mais macias carnes? Para os mais saborosos molhos? A
entrada, o prato principal e a sobremesa? E o que fazer da inanição? E das papilas sem
funcionalidade?
Eu sei. Eu concordo. Eu prefiro não. Eu dou-te um tapinha nas costas, em sinal de intimidade.
Eu olho nos seus olhos, como bem quereis, ditame da sinceridade sem igual. Eu te satisfaço
enchendo o copo de sangue do cordeiro. Eu te dou o líquido na boca. Eu te faço arrotar. Eu
despeço-me e eu recolherei, como bem quereis, o lixo do dia seguinte. Com discrição. Fora do
meio. Sem afinar. Perdoe os ossos. Tão brancos, não é mesmo? Eu concordo. Eles cegam.
Hinos ao Sagrado Coração. Trompetas. Abre-se a curvatura. Costelas. Tiros para ninguém. A
invisibilidade em par. Repetições. Datilográficas. Não, diz Antonio Vieira. Terrível. Dia-a-dia. Há
muitos séculos. Faz. De que sou herdeiro. Príncipes que não fui e carrasco que julguei ser.
Torturado pelas fibras. Vaidade no intervalo.