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Empreender é um ato de liberdade e de sujeitos sociais

Muitas vezes o empreendedorismo surge como uma forma de uma minoria


acuada subverter o status quo e obter sucesso.
"Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos
parte."
Paulo Freire
É necessário que nos questionemos se a forma como os processos educativos formais tem se
constituído contribuem para a formação de sujeitos sociais. O desenvolvimento proposto para
a sociedade como um todo diz respeito ao desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas
esferas: pessoal, social, cultural e econômica? Os processos educativos têm criado as
condições para que o subdesenvolvimento pessoal de parte do povo não seja banalizado como
fracasso individual? Esses sujeitos históricos têm participado do seu próprio processo de
formação?
Não obstante, afirmamos que o sujeito social que se desafia a empreender, só o faz em
exercício de liberdade, mesmo que por necessidade, e não por oportunidade, ele só
empreende em liberdade.
A afirmação pode parecer muito firme, mas não é possível imaginar uma sociedade
empreendedora subjugada e sem constituição de sujeitos sociais. Assim, pode-se afirmar que
mulheres subjugadas ao machismo; jovens e adultos acuados pela lgbtfobia e negros
humilhados pelo racismo possam ter atitudes empreendedoras se forem precedidas de
conscientização e libertação.
Conscientização e libertação não se dão fora de buscas democráticas e de direitos. Fora da
democracia o que existe é tutela - e não construções criadoras. Não é possível pensar em
empreendedorismo sem criação, sem liberdade, sem possibilidades de erros.
Os espaços formais de formação, como a escola, são os espaços privilegiados de interações e
de formação dos sujeitos sociais. Alain Touraine considera que a ideia de sujeito está
diretamente ligada a outros sujeitos, mas sem descaracterizar a individualidade. Assim,
enfatiza que ao longo da formação dos indivíduos é necessário que ele desenvolva capacidade
de resistir à dominação; ame-se, como fonte de felicidade e liberdade e reconheça os outros
como sujeitos, também.
A ideia de sujeito esboçada por Touraine necessita dos espaços democráticos para que o
indivíduo se forme, participando diretamente dessa formação: “A democracia define-se, antes
de tudo, como um espaço institucional que protege os esforços do indivíduo ou grupo para se
formarem e se fazerem reconhecer como sujeitos”
Uma lógica de sociedade sem direitos e sem democracia é uma lógica branca, hetero e
masculina. E romper com essa lógica é associar-se e constituir-se na lógica da democracia e
dos direitos humanos e sociais.
Assim, quem pretende trabalhar com o desenvolvimento de uma cultura empreendedora não
pode fazê-lo sem considerar a necessidade premente de romper com dominações banalizadas
na nossa sociedade como o machismo, o racismo e a lgbtfobia.
É com pressão sistemática e o exercício cotidiano de mudança de comportamentos
preconceituosos que vamos nos constituindo livres e sociais, rompendo a lógica meritocrática.
Sociedade empreendedora é sociedade que enxerga as potencialidades de seu povo e não
reproduz dominações como deterministas das relações.
O mundo – das relações, do trabalho, da cultura, enfim, da existência – apresenta-se como
grande instrumento pedagógico para as diversas aprendizagens quando a concepção de
formação for para além do espaço escolar, isto é, para a vida, que exige: pleno domínio da
leitura e da escrita, dos conhecimentos matemáticos, das tecnologias que cercam a todos, dos
fenômenos sociais, do trabalho, mas, sobretudo, da cultura de cada um, do que cada um
acrescenta ou pode acrescentar ao outro e à existência.
É na capacidade do homem de interagir, criar e recriar que ele constrói a história do seu
tempo. Sendo assim, ao instrumentalizar gerações por meio de processos de formação
criadora e de possibilidades, concebemos uma sociedade com mais sentido da vida e com
perspectiva de transformação de realidades perpetuadas como naturais.
Romper com a lógica machista, lgbtfóbica e racista é um caminho para a construção de
sujeitos sociais, de direitos e livres para empreender.
Como bem ressalta Janine:
“É bom lembrar sempre que, das nossas dívidas, a mais importante não é a dívida externa,
não é a dívida interna, não são as dívidas bancárias, mas sim uma dívida social que tem 500
anos, uma dívida social que começa com o descobrimento, a colonização, a repressão aos
índios, a escravidão e todos os processos de descarte que se fazem neste país no sentido de
expelir quem não é mais útil do ponto de vista da geração de riquezas, de uma perspectiva
muito imediatista.”
Renato Janine Ribeiro
Pode-se depreender dessa breve consideração sobre sujeito social e liberdade para
empreender que o processo de democratização pelo qual o Brasil passou nas últimas três
décadas foi capaz de criar mais possibilidades de uma cultura empreendedora na sociedade.
Entretanto, não é seguro que permaneça caso as conquistas alcançadas retrocedam, tanto
nos direitos como na democratização dos espaços de formação de indivíduos, independente
da classe, da cor da pele, da orientação sexual ou de gênero.
Empreender é ato de libertos!
Autora: Vânia Rego
Analista do Sebrae, Mestra em Educação pela UnB, na área de confluência Gestão e Políticas
Públicas, Professora da SEEDF, Sócia Fundadora do Centro de Educação Paulo Freire de
Ceilândia e Mãe pela Diversidade.

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