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MULHERES CAMPONESAS
trabalho produtivo e engajamentos políticos
Niterói, 2013
© 2013 by Delma Pessanha Neves e Leonilde Servolo de Medeiros (organizadoras)
Direitos desta edição reservados às Organizadoras.
É permitida a reprodução total ou parcial desta obra desde que citada a fonte.
Fevereiro de 2013
Direção Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores
MPA/Brasil
SUMÁRIO
I PARTE
MULHERES CAMPONESAS E REPRODUÇÃO DE GRUPOS DOMÉSTICOS
Apresentação ...................................................................................................................... 17
Delma Pessanha Neves
Maria Angélica Motta-Maués
II PARTE
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
DAS MULHERES DO CAMPO
III PARTE
INVENTARIANDO O CAMPO TEMÁTICO DA ARTICULAÇÃO
GÊNERO E CAMPESINATO
A
presente coletânea compreende uma série de artigos que versam sobre
as formas de participação de mulheres em projetos diversos, cujo obje-
tivo é a reprodução da família camponesa, quer vista sob sua dimensão
econômica ou cultural, quer considerada pelo exercício de mediação política
em movimentos sociais e/ou como quadros institucionais.
A ideia de elaborá-la liga-se à experiência das autoras desta apresentação
como participantes de uma equipe de pesquisadores convidados a organizar
os volumes da coleção História Social do Campesinato, publicados ao longo de
2008 e 2009 pela editora da Unesp, em parceria com o Nead/MDA, por demanda
da Via Campesina, em especial do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA.
Por ocasião do lançamento dos dois primeiros volumes da referida coleção,
na Bienal do Livro de 2008, em São Paulo, lideranças do MPA solicitaram a or-
ganização de mais um tomo que focalizasse as especificidades da contribuição
das mulheres camponesas. O convite correspondia a uma questão específica:
análise dos modos de participação das mulheres nas lutas sociais, públicas e
cotidianas, relacionadas às condições de reprodução social de todo o grupo.
Tratava-se de refletir sobre as diversas formas de resistências e também sobre
a ampliação de conquistas coletivamente valorizadas. Na ocasião, alguns temas
foram propostos à reflexão acadêmica, tendo em vista os embates travados
pelas dirigentes institucionais e as necessidades de conhecimentos valorizados
para a preparação de mediadores ou assessores políticos. Outros temas foram
elencados segundo o conhecimento que pesquisadores vêm acumulando ao se
dedicarem ao estudo de relações de gênero no campesinato.
Os volumes que compõem a coleção História Social do Campesinato e que
inspiraram a presente coletânea tomaram como foco um segmento de produ-
tores ou uma categoria política e socioprofissional como unidade de análise.
Esse recorte, no plano geral, apagava a diversidade de posições comumente
assumidas por mulheres frente a recursos materiais e políticos. Esse obscure-
cimento ocorreu, evidentemente, em decorrência da perspectiva privilegiada:
tomar uma forma de classificação em jogo, visto que ela é produto arbitrário e
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Apresentação
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I PARTE
O
s artigos que compõem esta parte da coletânea, a despeito de registra-
rem situações empíricas muito diversas, exprimem inúmeros pontos
de acordo entre as autoras.1 Um dos pontos é a unânime aceitação de
definições conceituais elaboradas por Joan Scott. Por esta contribuição, na ob-
servação das situações sociais em que se defrontam, todas as autoras advertem
a dimensão socialmente construtiva das diferenciações e hierarquias informadas
pelas percepções de gênero: mulheres vis-à-vis homens. E por esta advertên-
cia, elas também se contrapõem às apressadas e naturalizadas atribuições de
sentidos com base nas diferenças biológicas entre os sexos. A valoração de tal
construtivismo é também qualificadora dos contextos interativos nos quais a
reclamada diferença das mulheres em relação aos homens as requalifica em ter-
mos hierárquicos e absolutizantes: secundarizadas e subordinadas, mas, desta
condição, constituindo culturalmente específicos patrimônios de experiências,
saberes e sentimentos.
Como advertem algumas dessas autoras, a ênfase no contraponto a pers-
pectivas naturalizantes da distinção entre sexos muitas vezes é tomada para
justificar ações violentas contra as mulheres, isto é, formas de encarnação da
dependência pautadas não só em exercícios de dominação simbólica, mas em
certas situações objetivadas em agressões físicas. Por esse caráter, a definição
absolutizante também se apresenta como operador limitativo dos universos
de comunicação, mobilidade e conhecimento a que, nos casos considerados,
as mulheres se integram ou se afastam. E para tal argumentação, quase todas
as autoras, como o fazem em relação a Joan Scott no que tange ao conceito de
gênero, acolhem as interpreçãoes de Bourdieu sobre dominação masculina. Em
síntese, ao enfatizarem o caráter construtivo das relações de gênero, fundamen-
tam as análises por dimensões de poder e, recorrentemente, por advertências
denuncistas das injustiças perpetradas contra as mulheres.
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Isso não quer dizer que não seja produzida ali uma diversidade de alimen-
tos, mas sim que muitos dos alimentos que anteriormente eram produzidos
na propriedade passaram a ser comprados (ainda que de vizinhos).
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Apresentação
Referências
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002.
GARCIA JR., Afrânio Raul. Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos
produtores. São Paulo: Paz e Terra, 1983. 236 p.
HEREDIA, Beatriz Maria Alásia de. A morada da vida: famílias de pequenos pro-
dutores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
LEWIS, Oscar. Five families: mexican case studies in the culture of poverty, [New
York: Basic Books], 1959.
______. The children of sanchez: autobiography of a mexican family, [New York:
Random House], 1961.
______. La vida: a puerto rican family in the culture of poverty. San Juan, New
York, 1966.
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MULHERES NA PESCA ARTESANAL: TRAJETÓRIAS,
IDENTIDADES E PAPÉIS EM UM PORTO PESQUEIRO NO
LITORAL DO ESTADO DO PARÁ*
N
as duas últimas décadas, tem crescido a visibilidade social e política
das mulheres no setor da pesca artesanal. Isso se verifica, de imediato,
no aumento do número de mulheres registradas como pescadoras nas
organizações de classe e, também, expressa-se na recém-instituída Lei de Pesca
do Brasil, que incorporou uma concepção ampliada desse profissional e, assim,
abriu portas para o pleno reconhecimento das mulheres enquanto agentes
produtivos nesse setor, até há pouco visto como formado fundamentalmente
por homens. A definição de “atividade pesqueira artesanal” passou a incluir os
“trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca e o proces-
samento do produto da pesca artesanal”, ou seja, as tarefas pré e pós-captura,
nas quais é grande a presença das mulheres.1
As atividades de captura já se enquadravam no conceito anterior de pesca,
que contemplava as mulheres que as exerciam, como é o caso das marisqueiras
nas comunidades costeiras nos estados do Nordeste, ou as pescadoras de ca-
marões no estuário amazônico ou, ainda, as pescadoras em lagos e rios nessas
regiões. Contudo, vale notar que, apesar do amparo legal, mesmo essas pesca-
doras não se registravam como profissionais, não atuavam nas organizações
em proporções significativas e, muito menos, eram referidas nas estatísticas
pesqueiras, como já evidenciara a literatura em ciências sociais relativa a essa
temática e que será referida adiante neste texto.
* Este artigo é uma versão com modificações de um capítulo originalmente publicado em Sociologia na
Amazônia. Debates teóricos e experiências de pesquisa, coletânea organizada por Maria José Jackson
Costa, Belém, Editora da UFPA, 2001, p. 165-196.
** Doutora pela Université de Toulouse France, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e
pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Morais sobre Mulher e Relações de Gênero
(GEPEM), da UFPA.
Agradecimentos: à Profa. Maria Iracema da Frota, in memoriam, que gentilmente assumiu meus
compromissos de ensino durante o período de trabalho de campo de que resultou este artigo. Às
professoras Maria Luzia Álvares e Maria Conceição D’Incao, pelas críticas à primeira versão do texto,
isentando-as, evidentemente, de responsabilidade por quaisquer erros ou omissões aqui contidos.
1 Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
da Aquicultura e da Pesca.
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2 Censo Pesqueiro realizado pelo Centro de Pesquisa e Extensão Pesqueira do Norte do Brasil (Cepnor),
órgão vinculado ao Ibama.
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3 A categoria tripulante é utilizada aqui para fazer referência ao pescador que não possui meios
de trabalho próprios, engajando-se como tripulante em unidades produtivas. Os proprietários
de embarcações no setor pesqueiro artesanal podem ser eles mesmos pescadores ou, então,
pequenos ou médios empresários, inclusive comerciantes de produtos da pesca.
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5 As tensões ocorrem devido a problemas que vão desde desentendimentos a bordo, como,
por exemplo, a forma de comando do “encarregado”, até discordâncias quanto aos valores pagos
aos pescadores após a venda do produto e a dedução das despesas da viagem. Há, também,
um problema que vem se tornando comum na região: o roubo de redes de pesca, no mar. A
concorrência crescente nos mesmos espaços, inclusive com a atuação da frota industrial pesqueira,
também contribui para acirrar tensões.
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6 Denominação corrente para povoados situados à beira-mar, em ilhas costeiras, ou à margem de rios
ou baías, próximos ao mar.
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e irmãos dos cônjuges podem trilhar mais tarde o mesmo caminho, reunindo-se
aos parentes já estabelecidos na cidade. O percurso das informantes evidencia
nitidamente um processo de dispersão seguida de reunificação dos grupos
domésticos.
Portanto, nas estratégias de sobrevivência das populações pesqueiras,
as mulheres estão sempre assumindo funções essenciais. Fazem-no, por certo,
nos limites estabelecidos pelas hierarquias de gênero, articulando os requisi-
tos da produção e da reprodução do grupo familiar. Dentre as famílias objeto
deste estudo, nas condições histórico-sociais em que vivem, marcadas por um
equilíbrio sempre delicado, evidencia-se como as mulheres não podem deixar
de cumprir os papéis tradicionais de “suporte”. Ora trabalhando nos espaços
públicos, ora nos “bastidores”, elas respondem às exigências de manutenção da
família. Nos relatos sobre a migração em particular e também quando narram a
situação anterior e posterior à mudança, esse papéis sobressaem.
No entanto, ao mesmo tempo que sobressaem em suas falas – afinal, são
esforços diários, labores variados, preocupações que se renovam, buscas, idas
e vindas... –, destaca-se também a pouca visibilidade e importância que se lhes
atribui. O exercício desses papéis ocorre, no mais das vezes, sob silêncio. Aquele
silêncio que se costuma guardar em relação ao que é tido como “natural” e ao
que “sempre foi” e que, portanto, se inscreve na categoria das obrigações e dos
comportamentos esperados.
Esses elementos são presentes nos testemunhos das três entrevistadas em
Vigia. De diferentes maneiras, em vários momentos de suas vidas, elas efetiva-
mente atuaram na pesca. Mas elas não se identificavam como profissionais do
setor, como pescadoras ou trabalhadoras da pesca. Com efeito, suas “carreiras”
foram sendo construídas na interseção entre as esferas produtivas e reproduti-
vas, características da experiência de tantas mulheres de sua condição.
Eu pescava desde uma idade de 8, 9 anos, com meu pai. Cansei de pescar
naquelas canoinhas com meu pai e minha irmã, que mora em Macapá. A
minha mãe trabalhava na roça, mas quando era tempo de pegar caranguejo,
pegar siri, eu ia com ela. A gente ia no tempo do caranguejo tá andando.7
7 Refere-se ao período da “andada dos caranguejos”, relacionado ao ciclo de reprodução da espécie, quando
eles saem das tocas e “andam” sobre o solo do manguezal.
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O meu pai tinha barco. Quem ajudava o meu pai era eu e a outra irmã
maior. A minha mãe trabalhou bastante, mas em roça. A única coisa que
eu não fiz foi arrastar camarão,8 porque eu tinha medo de estar muitas
horas na água, de arraia me ferrar. Eu nunca fui muito boa pra negócio
de lavoura. Só quando chegava aqueles dias de mulher mesmo, é que eu
não saía de casa.
Regina exercia a pesca com o pai, juntamente com uma irmã. Além disso,
ela coletava mariscos com a mãe, para vender. É oportuno destacar sua opção
pela pesca, em detrimento da lavoura, de que não gostava. Seu depoimento en-
cerra uma construção comum quanto ao papel da mulher pescadora: o trabalho
constante – “eu pescava” desde a infância – e, ao mesmo tempo, visto como
“ajuda”. Por seu turno, essa ajuda era parte integrante da produção familiar.
Tal percepção do trabalho como ajuda, interiorizada e expressa nas práticas
cotidianas, incide no estatuto social da mulher pescadora, que permanece pouco
reconhecida pelas instituições, pelas associações sindicais.
Quando constituiu sua própria família, ainda no povoado natal, Regina
continuou atuando na pesca, com parentes. Desse modo, assegurava parte das
despesas da casa.
Esse meu filho mais velho, vai fazer 11 anos, foi criado mais nessa vida
de pesca. Quando eu ia tirar mexilhão, eu levava ele. Depois que eu
fui morar com ele [cônjuge], eu continuei trabalhando. A gente ia tirar
mexilhão e eu atava a rede dele [filho] na casinhola do barco. Aí, com
aquele jogo da maresia ele dormia. Eu ia com meu pai, a minha mãe e
outras pessoas que iam com a gente. A gente cozinhava o mexilhão, ti-
rava da casca, colocava no saco e vinha uma senhora de Bragança todo
fim de semana pegar o mexilhão. Aquele dinheirinho era só pra fazer a
despesinha de casa mesmo.
8 Arrastar camarão é uma prática de captura de camarão com rede em forma de saco, regionalmente
denominada puçá, feita por duas pessoas, a pé, que arrastam a rede pelo fundo, em local próximo à
margem de um rio, ou próximo à praia.
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A ida para Vigia foi feita através de um contato com o sogro de Regina,
residente nessa cidade. Ela foi precedida por uma permanência em outra cida-
de, no interior do nordeste paraense. Já depois de residir em Vigia, a família
morou ainda por um ano em lcoaraci, próximo a Belém, outro importante porto
pesqueiro da região. Buscava, sempre, melhor inserção no mercado de traba-
lho para o pescador. As restrições desse mercado, porém, tornam escassa a
possibilidade de um emprego formal:
A gente veio pra Vigia, porque ele [marido] tinha vontade de vir. O pai dele
mora aqui. É separado da mãe dele. Quando foi um dia, ele escreveu pro
pai dele e ele respondeu e disse que era pra ele vir, que tinha um quarto
na casa dele. Aí nós viemos embora pra cá. Aí ele passou ainda uns 15
dias sem trabalhar. Depois arrumou vaga num barco, foi pra fora. Antes,
a gente tinha ido pra Capanema [cidade da zona Bragantina do Pará]. Ele
trabalhava numa oficina de carroceria de caminhão, mas o tio dele, que
era o dono, não assinou a carteira dele.
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Quando a gente chega [da viagem], a maior parte do que a gente ganha
é pra pagar o que tá devendo. [...] A pescaria agora tá meio devagar. O
cara pra sustentar uma família como eu tenho e ganhar só uma parte, ele
rebola. (Wagner, 31 anos)
Regina não pesca mais em Vigia. Já teceu redes, mas no momento da entre-
vista não tinha atividade remunerada. Sendo jovem e com o filho mais velho com
11 anos, pretendia voltar a estudar. Na cidade, existe em tese a possibilidade
de estudo. Porém, geralmente mulheres casadas enfrentam fortes resistências
do companheiro a essa maior mobilidade possível no espaço urbano. Nesse
mesmo sentido, tende a haver maior aceitação com trabalhos que possam ser
realizados pela mulher na casa.
Eu disse, Wagner, eu queria que tu me desse tua permissão pra mim es-
tudar. Ele se virou, olhou pra mim e disse: não! Porque tem muita mulher
de pescador aqui na Vigia que estuda. A Sônia [parente], ela estuda, né? E
eles vê, eles escuta outros homens tá falando no beiradão, que o homem
vai pra fora e a mulher fica estudando, em vez de vir direto pra casa, fica
conversando pelos cantos. E diz que vai pra escola e vai pra outro lugar.
Então, ele diz que não quer que ninguém fale isso de mim. Ele bota muita
dificuldade. Ele diz: quem é que vai ficar com os meninos?
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seu caso, deu-se quando ela já tinha mais idade. Ela não apenas tomou parte
ativa na decisão sobre a migração, como se empenhou, junto com o marido, na
busca de condições para a constituição de uma unidade produtiva autônoma
na pesca. É nesse último sentido que ela é aqui considerada “parceira” – termo
frequentemente empregado pelos pescadores para se referir aos membros da
tripulação com quem trabalham.
Antes de vir para essa cidade, seu filho mais velho já o tinha feito, na com-
panhia de um tio, que era encarregado de barco. Seu relato evidencia a falta
de alternativa na comunidade de origem, aliada ao atrativo das informações
prestadas pelos parentes que os precederam na mudança. Tal como Regina,
Jesus também havia trabalhado na pesca, desde a infância, participando de
uma produção organizada em moldes familiares.
Já pesquei muito. Aqui mesmo em Vigia é que eu já fui só umas cinco vezes,
pra curral.11 Aliás, lá no meu lugar, inclusive quando eu tinha 12 anos, que
eu morava com meu pai, eu pescava de rede, que pega tainha, camarão...
Foi a minha vida. Eu cresci nesse trabalho, pescando. Depois que eu casei,
me separei, eu tive que continuar minha pesca. Eu pescava também. Aí
eu tinha também minha rede, eu dava pra um irmão meu levar pra fora
e pescava de dia, às vezes até de noite, camarão. Eu pescava com um tio
meu, casado com a minha tia e esse meu irmão mais velho.
Como foi dito, ela parece ter tido um papel muito ativo na decisão última
sobre a migração, bem como nos esforços da família em se adaptar ao novo lugar.
A gente tava quase sem condição e ele [filho pescador] ligou pra mim dizen-
do que aqui tava melhor a pesca. Eles tinham vindo direto pra cá, porque
eles acham que aqui é mais perto do ponto de pesca. E a situação, como
tava ruim, nós resolvemos. Lá, eu tinha casa de alvenaria. [...] O meu filho,
quando chegou aqui, foi morar com a família onde o meu irmão morava,
no Sol Nascente. Era casa de um conhecido nosso. Foi pra lá também que
a gente foi logo quando chegou aqui.
11 Armadilha fixa de pesca. Constitui-se em um grande cercado de varas, de formatos diversos, instalado
próximo a margens de rios, beiras de praias ou, ainda, sobre bancos de areia ao largo.
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Nós viemos com a coragem. O meu pai não queria que a gente vendesse a
casa. Mas lá tava muito ruim e aqui podia ser que a gente conseguisse um
outro meio, como lá eu tinha essa associação [associação de moradores],
lutando, mas era ele [marido] que dava conta de tudo; e a pesca não tava
dando. O meu trabalho lá era voluntário mesmo, tava começando. Quando
a gente começou a se organizar, que foi pra colher, eu vim embora. E aí a
gente veio só por isso, mas no sonho de a gente conseguir comprar uma
embarcação pra gente. Inclusive as minhas coisas que eu vendi, eu botei
o dinheiro na poupança, chegou aqui a gente tirou, foi naquela época de
passar o cruzeiro pra o real, aí eu tirei.
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Só que a gente começou a comprar uma canoa muito pequena. Não teve
condições. Aí eles foram pescar sem conhecer a área, quer dizer que per-
deram a rede toda. Era uns mil metros e se perdeu quase tudo. Aí o homem
esmoreceu. Eu tornei, enfrentei, fui em Bragança12 tentar comprar a rede
de um tio que foi lá. Fui de carona mesmo. Ele [marido] gosta de pescar,
mas por essa parte ele já é mais parado. Aí eu fui com um senhor que tem
aí, comprei rede novamente.
Mas aí veio o problema da casa, porque a casa que a gente tava não era
da gente. Era de um senhor que deu, que inclusive era o patrão do meu
irmão, que pescava no barco dele. Quando ele saiu da embarcação dele,
ele pediu a casa. O meu irmão era encarregado. O meu filho e, também, o
rapaz que mora com a minha filha trabalhavam com ele.
Eu acho que valeu a gente vir. Não foi tanto a pena, porque eu fiquei longe
da minha mãe e do meu pai. Mas valeu, porque a pesca tava muito devagar.
Então eu acho que, com todo sofrimento, valeu a pena, porque eu já tenho
a minha casinha. E a gente tá aí batalhando, com um sonho de conseguir
alguma coisa, se Deus não mandar o contrário.
12 Cidade portuária situada a 240km a leste da capital, onde também se destaca a atividade pesqueira.
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Nós morava em Bragança, nós fomos pra lá por causa do serviço pra ele.
Lá no lugar onde eu nasci, ele trabalhava no barco de um tio meu. Aí nós
se conhecemos e se casamos. Só que o meu tio vendeu o barco e não teve
mais condição de ficar em Nova Olinda. Aí viemos pra Bragança. Ele traba-
lhava lá com um compadre meu. Aí também ficou difícil em Bragança, de
serviço. E ele queria vir embora pra Vigia. O pessoal aconselhava que não
era pra vir. Aí nós vendemos uma casinha que nós tinha e viemos. Ele não
arrumava serviço, uma vaga certa, pra ele trabalhar. Aí ele veio na frente
pra Belém. De Belém, ele arrumou vaga pra Vigia. Aí eu agarrei e disse: ah,
eu vou embora atrás dele e levar o menino que eu já tinha. Cheguei aqui,
já tinha quarto alugado, porque ele ia chegar da pesca e ia me buscar em
Bragança. Aí eu cheguei.
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O marido de Maria Helena, pescador, por vezes fica sem emprego. Ela
faz diversos expedientes para complementar a subsistência da família e,
por vezes, o seu ganho é o único da casa, como ela explica.
Logo que eu cheguei aqui, eu arrumei serviço de lavar pros outros. Era só
ele pescando, né? E eu sempre gostei de ganhar meu dinheirinho. Aqui,
depois que eu cheguei eu não tive nenhum filbo de nove meses, era tudo
fora de tempo. Aí eu não me dei mais lavando. Eu só vivia bronqueada.
Aí eu me operei.
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Referências
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LEITÃO, W.; MELLO, A. F. Povos das águas, realidade e perspectivas na Amazônia.
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BRUMER, Anita. Previdência social rural e gênero. Sociologias. Porto Alegre, ano
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BRUSCHINI, C. Mulher, casa e família. São Paulo: Fundo Carlos Chagas; Vértice,
1990. 222p.
DURHAN, E. A caminho da cidade. São Paulo: Perspectiva, 1973.
FRASER, Nancy. Justice interruptus: critical reflections ons the “postsocialist”
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FURTADO, L. G. Curralistas e redeiros de Marudá: pescadores do litoral do Pará.
Belém: CNPq/Museu Paraense Emílio Goeldi, 1987.
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Maria Cristina Maneschy
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AGROECOLOGIA E RELAÇÕES DE GÊNERO
EM PROJETO SOCIETÁRIO*
N
este artigo, analiso os deslocamentos sociais alcançados por mulheres
agricultoras, mediante participação em processos de construção da agri-
cultura ecológica, no quadro de investimentos econômicos e políticos
de grupos familiares situados no território sudoeste do Paraná. Pautando-me
em análise de narrativas por elas construídas em atos de entrevistas a mim
concedidas, enfatizo a compreensão dos diversos olhares que elas elaboram
sobre si mesmas, ao se perceberem construindo tessituras na trama das resis-
tências; ao se perceberem diante de transformações que imprimem no cotidiano
do grupo familiar; e ao se redimensionarem diante das atuações que integram
coletivos organizados. Enfim, ao reconhecerem que alteram condições de vida
e posições sociais ao imprimirem sentido e visibilidade ao projeto de consoli-
dação da agricultura ecológica.
Para compreender os modos de percepção das mulheres no decorrer
das ações em processos de construção da agricultura ecológica no território
identificado, valorizei o estudo de trajetórias de grupos familiares; portanto,
de agricultores e agricultoras1 em relações. Além disso, combinei tais dados
com leituras documentais, participação em diversas reuniões, feiras livres e
outras formas de encontro, como Jornadas, Festas das Sementes, recursos
institucionais pelos quais o projeto de construção da agricultura ecológica
ganha objetivação.
* Este texto é fruto das reflexões apresentadas na tese de doutorado “Atores de Conhecimento e Intervenção:
a Construção Social da Agricultura Ecológica,” em Antropologia Social, na Universidad Nacional de
Misiones (UNaM), Faculdad de Humanidades y Ciencias Sociales, curso para o qual recebi financiamento
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e orientação da Drª. Gabriela
Schiavoni.
* * Doutora em Antropologia Social pela Universidad Nacional de Misiones Argentina. Assessora no Programa
Gênero e Geração do Cooperativismo Solidário, na União de Cooperativas da Agricultura Familiar e
Economia Solidária do Paraná.
1 Ao reconhecer a importância da distinção social de sexos construída pelas concepções que referenciam
relações de gênero, tal como no processo de constituição da agricultora ecológica são fundamentalmente
valorizadas, manterei a diferenciação ao me referir aos agentes que participam do processo, mas
principalmente da interlocução da qual este texto foi possível. Em relação aos nomes das pessoas, todos
são fictícios, já que os dos lugares foram preservados.
Iara Aquino Henn
2 Espaço, categoria quase sempre remetida às reflexões de Bourdieu (2007) sobre “espaço social”, está sendo
por mim valorizado para construir uma perspectiva de estudo orientada por relações sociais no plano
macro, mas principalmente para assumir a análise sobre agricultores e agricultoras como agentes sociais,
constituídos em relações de força. Na investigação aqui em causa, os espaços são apreendidos pelas
lutas sociais que se organizam diante de fins coletivos; e por posições que os constituem em relação com
outros lugares. O lugar, como pensado pelo autor, caracteriza-se pelo espaço físico no qual os agentes se
encontram situados ou pela localização ou posição relacional que ocupam.
3 Revolta Armada na luta de campesinas e campesinos contra companhias que se instalaram na região
a partir de acordos (desacordados por interlocutores/as) para venda de títulos das terras, já adquiridos
anteriormente, frutos da compra da terra ou de ocupações decorrentes, também pelo incentivo de ações
governamentais. A cobrança indevida de títulos, a repressão e a violência por parte destas companhias
foram alguns dos motivos de confronto, resistência, luta armada e a vitória que culminou na expulsão
destas da região.
4 “Ficar” ou “sair” nos remete diretamente à investigação da autora De Castro (2005) sobre o dilema que
encontram os jovens na trama das relações. Em nossa investigação está diretamente ligada à reprodução
da vida social de grupos familiares e coletivos organizados em prol da luta por projetos de vida para
continuar como agricultores e agricultoras, dando curso à agricultura ecológica.
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Agroecologia e relações de gênero em projeto societário
social, experiência na qual tramaram uma tessitura distinta nas dinâmicas dessa
agricultura (HENN, 2010).
A problematização pública das relações entre representações de gêne-
ro5 e agroecologia6 veio me chamando atenção durante todo o meu longo
processo de pesquisa. Iniciei este investimento com o estudo da construção
das narrativas de vida de mulheres feirantes e sindicalistas, no município de
Francisco Beltrão, durante o ano de 2008. Nos encontros e nas entrevistas,
elas me mostravam, por reflexão de suas vivências, que, depois da “guerra”,
continuaram a promover rupturas e deslocamentos sociais em expectativas de
comportamento, mudanças que a priori diferenciam pelas confusões dos limites
ao que é atribuído ao homem ou à mulher. Por exemplo: pela participação em
organizações sociais7 ocupando cargos até então exercidos majoritariamente
por homens; ou nas construções de projetos de vida nas Unidades de Produção
e Vida Familiar (UPVF).8
Pelo deslocamento da prática produtiva anual de grãos – anteriormente
exercida em terrenos íngremes –, narrada pela “dor” e pelo “sofrimento” de um
trabalho “pesado” (PAULILO, 1987), para a atual horticultura, orientada por
princípios da agricultura ecológica e em terrenos mais adequados, as mulheres
demonstram os caminhos que lhes possibilitaram tais transformações. Dentre
as estratégias por elas cunhadas, a feira livre lhes proporcionou formas de so-
cialização avaliadas como expressões de crescimentos pessoais, aprendizagens
e elevação de autoestima, além de ser estratégia de viabilidade econômica.
Relatando múltiplas situações, as mulheres do grupo de agricultores pesquisa-
do reconhecem a singularidade de suas formas de participação na reprodução
cotidiana, bem como na historicidade longa de si mesmas e do grupo ao qual
pertencem. Além disso, os espaços ocupados em organizações sociais como
diretoras e lideranças também são exemplos de deslocamentos sociais que elas
objetivam, ultrapassando os limites morais de constrangimento aos espaços
privados, em medida concomitante à vivência cotidiana em espaços públicos
(HENN, 2010).
5 Gênero entendido como a produção do saber sobre as diferenças entre homens e mulheres e como
elemento constitutivo das relações sociais e de poder, sendo, assim, categoria social e histórica, segundo
Scott (1995).
6 Sobre a situação da mulher na agricultura brasileira, ver estudos de Brumer (2004); e sobre as mulheres
na agricultura ecológica, recorrer a Siliprandi (2009).
7 Por organizações sociais nomeio um conjunto de coletivos organizados ou sujeitos políticos como
cooperativas de Interação Solidária de diferentes ramos, ONGs, Sindicatos de Trabalhadores Rurais,
associações, entre outros. A Assesoar tem uma atuação longa na organização de processos sociais e na
sustentação da agricultura ecológica.
8 Unidade de produção e vida familiar (UPVF) é um conceito cunhado nas experiências destes/destas
interlocutores/as, no qual a terra não é apenas espaço de mercantilização, mas de vida e de construções
sociais/culturais multidimensionais, onde se constituem os projetos de vida e relações de gênero, de geração
e participação dos grupos familiares em estudos e ações organizativas.
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9 A mediação neste sentido se aproxima das reflexões empreendidas por Neves (2008), como um conjunto
de ações sociais em espaços, nos quais os mediadores, com diferentes aportes, agem no sentido de tornar
acessíveis outros universos sociais. Para a autora, este movimento da mediação não é apenas de interação,
mas construção de significações e representação sociais em jogo.
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10 Em outro estudo identifiquei que trabalhos no espaço doméstico não são apenas responsabilidade de
mulheres, pois muitos homens compartilham de atividades no âmbito da casa e ainda, mesmo que mais
raramente, alguns já o assumiram ou assumem como responsabilidade de igual valor ao trabalho da roça.
(HENN, 2010)
11 Organização em rede nos três estados do Sul do Brasil, a partir da qual se organizam e se debatem
conhecimentos, práticas, tecnologias, estratégias de agroindustrialização, de conformidade e de
comercialização, entre outros elementos.
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na região e, da mesma forma, no percurso das ações práticas que nela desem-
bocaram, as mulheres estiveram presentes: fazendo, observando e refletindo.
Uma das expressões mais reconhecidas refere-se ao caso da Sra. Rosemara,
diretora de uma cooperativa solidária na microrregião Fronteira do Sudoeste,
que destacou, durante as Ecas, as experiências com as práticas de adubação
verde, de consorciamentos, fabricação de repelentes e macerados caseiros,
adotadas pelas mulheres para cultivos de hortaliças.
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“Quem te viu e quem te vê, hoje, não diz mais que é você!”
Sra. Rosa, agricultora ecológica e feirante.
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antes ocorria: o trabalho na horta era feito quando sobrava tempo, porque a
preferência era a roça.
Entre as dificuldades sentidas como feirante, ela destacou os problemas
com os cálculos e a aprendizagem para “lidar” com as reclamações e os comen-
tários de consumidores. Para dar conta de tal responsabilidade, valeu-se de uma
calculadora ou recorria a outras mulheres feirantes e até mesmo consumidores
em que ela confiava. Depois, com a mudança de organização da feira e a exis-
tência de um caixa único para recebimento de todos os pagamentos, ela não
mais se defrontou com aquelas limitações. Atualmente vende os produtos e
anota em ficha única para ser ressarcida no caixa. Tais dificuldades, no entanto,
não parecem se reduzir a ela, tanto que esta organização é considerada como
um dos avanços que feirantes de uma forma geral conseguiram, elaborada e
planejada a partir de reuniões entre eles.
Mesmo diante de várias tentativas dos irmãos para que ela fosse morar
na cidade, resistiu sempre, analisando que já havia tentado lá viver e não teria
dado certo. Avaliando-se pela limitação de perspectivas, pergunta-se: Como vou
sobreviver? Posteriormente, começou a se animar com a feira, pois cada vez
rendia mais um pouco de dinheiro, alternativa que minimizou muitos de seus
problemas, inclusive para sair de casa, porque em parte eles estavam ligados
à situação de pobreza. No seu relato ela assinala que não possuía nem calçado
adequado para se apresentar a outras pessoas.
Segundo sua análise, aprendeu mais nos consecutivos oito anos de feira
do que em todo o tempo de vida anterior. Ao ser questionada quanto ao que
aprendeu, ela respondeu:
Não, onde que já se viu, ele diz. “O jeito que você era e o jeito que você tá
hoje”. Eu disse: “Os anos mudou, mudou. Só quem não muda é você, mas os
anos mudaram. Eu, meus filhos estudaram, foram na catequese, passaram
primeira comunhão, crisma. Eu nunca fui em nada, em nenhuma reunião
e no dia da crisma deles eu não fui pra igreja. Hoje não, eu viajei lá para a
cidade, pra Joinvile, meu neto passou a primeira comunhão lá e eu daqui
de Beltrão fui. Não fico mais. (Sra. Rosa, agricultora ecológica e feirante)
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Iara Aquino Henn
recebeu de herança familiar. Ela assinalou, sorrindo, que, após sua entrada na
feira, acordou e não se sujeita mais a tais imposições, tanto que agora ela se
defende e também se orienta por opções próprias, a despeito da reação dele.
Reage constantemente o seu esposo, considerando que mulheres que adotam
comportamentos como os dela são as que querem mandar no marido e são
machonas. Diante dessas reclamações do marido, ela o contesta e, sempre que
se vê obrigada a discutir essa questão com ele, reafirma suas mudanças de
“condição” e de “posição”. Atualmente, ela faz a gestão do dinheiro oriundo
da sua aposentadoria e da feira, enquanto o marido gasta, de imediato, todo o
valor da aposentadoria dele. Entre os investimentos que objetivou depois da
participação na feira, assinalou, com orgulho, a compra do forro da casa e a
pintura que, pela segunda vez, está fazendo, mas agora com tinta de melhor
qualidade. Complementarmente, também destaca a compra de móveis, roupas
e calçados, para que ela possa passear e participar das reuniões.
Depois que eu entrei na feira eu acordei. Agora quem tem que trilhar atrás
é ele [risos]. Essa é a realidade. [...]. Agora ele acha que mulher que age
dessa maneira é machona, quer tomar conta do marido. Eu tomo conta
do dinheiro que faço, o dele ele gasta tudo, o da aposentadoria. Ele não
me ajuda a fazer nada, eu faço tudo sozinha [...]. (Sra. Rosa, agricultora
ecológica e feirante)
agora eu abri os olhos, porque eu andei 45, 48 anos com os olhos fechados.
Agora, tá no tempo de tu mudar também, os anos mudaram e a mudança
é a gente que tem que fazer, tem que fazer sempre pra melhor. [...] Eu dis-
se: “Não quero mais que você interfira na minha vida, deixa eu trabalhar
do meu jeito, deixa eu administrá meu dinheiro”. (Sra. Rosa, agricultora
ecológica e feirante)
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Agroecologia e relações de gênero em projeto societário
sistema de irrigação utilizado na horta. Após várias tentativas, não estava bem
organizado. Sua filha se prontificou e foi então na Assesoar para que o Sr. Ângelo
lhe explicasse o modo de funcionamento e o colocou em ação.
Ao perguntar-lhe quanto rende cada feira semanal, afirmou ser em torno
de cento trinta reais (R$130,00) a cento e quarenta reais (R$140,00). Justificou
seus ganhos pela solubilidade adquirida pela alface que produz: vende toda a
quantidade que leva. Nas primeiras feiras, lembra no decorrer da situação de
entrevista, ela não acreditava no valor que rendiam suas vendas. E até pergun-
tou ao coordenador do caixa se ele não havia se enganado com a conta dela.
Assinalou que fez amizade com os fiéis consumidores que vão à feira, apesar de
sempre haver pessoas indo pela primeira vez. Contou que o genro, por ocasião
de uma visita que fez a ela na feira, brincou com ela: “Mas a vó tá virada num
feijão preto, pois todo mundo conhece”. Às vezes, diante do cansaço, pensa em
não ir à feira, mas não mais consegue ficar em casa nos dias para ela previstos:
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dos afazeres do dia seguinte. Em sua narrativa, brota uma força relativamente
enigmática, deixada a perceber quando se refere à participação social nas
formas de organização política, na produção e comercialização das hortaliças
cultivadas em pedaços de terra “emprestada”.
Marcada pela exclusão em relação à educação escolar, Vera salientou
que organiza o plantio, trabalha fora como empregada doméstica, cuida dos
afazeres da casa, mas não vai à feira, por não saber ler e escrever, sendo então
este o compromisso da filha mais velha. Ao lhe perguntar em que implica essa
restrição, relatou que o fato de não ser alfabetizada lhe dificulta fazer os cálculos
e comercializar os produtos. Começou a participar de um grupo de Educação
de Pessoas Jovens e Adultas na escola da localidade, mas afirma não ter tido
êxito: “não tinha cabeça” para aprender. Durante a aula suas preocupações
estavam centradas nas atividades do dia seguinte, momento em que melhor se
dava conta de sua responsabilidade no sustento do grupo familiar, junto com
o marido e o filho mais velho, que trabalha fora, numa empresa.
A entrevista em que registrei a narrativa da trajetória de vida desta inter-
locutora aconteceu pouco tempo depois da mudança da casa. Por isso, eram
acentuadas as queixas sobre as dificuldades de produzir hortaliças em terreno
coberto por uma espécie de gramínea, ainda não contemplada no rol das que
são enfrentadas pela elaboração de técnicas para repelir insetos, de adubação
verde e construção de barreiras. Contrastivamente, relata como era sua horta
na outra moradia, dotada de barreiras de girassol, na qual as verduras não
eram cultivadas em terra limpa, mas no entremeio às plantas espontâneas
que, além de conservarem a umidade da terra, contribuíam para repelir os
insetos. Mesmo assim, na ocasião em que a visitei, já havia longos canteiros
de brócolis, couve-flor, alface, cenoura, beterraba, batata-doce e mandioca. O
cultivo estava organizado na parte do terreno próxima à moradia e num outro
pedaço de terra, próximo à igreja e de propriedade desta. O local foi cedido pela
comunidade religiosa e, em troca, a agricultora lhe entregava parte da renda
obtida com o cultivo.
O cultivo das hortaliças é em parte dirigido ao mercado, mas também atende
ao consumo do grupo familiar, pois, se não as produzissem, teriam que comprá-
-las, sem saber se estavam consumindo um alimento limpo. Ela afirmou que, desde
que os membros da família se tornaram feirantes, cultivam hortaliças ecológicas
e passaram a fazer itens de panificação. Por meio dessa comercialização, eles
conseguem gerar uma renda, pequena, mas regular, que contribui no sustento do
grupo familiar, à qual também se agregam os rendimentos do trabalho do filho e
de seu emprego de doméstica. A Sra. Vera e o Sr. Carlos se queixaram do vizinho,
que planta milho e soja até próximo à casa deles e que usa agrotóxicos. Esses
produtos terminam por contaminar sua horta com efeitos nocivos à saúde das
pessoas que ficam em contato direto. Esta queixa é frequente entre os agricultores
e as agricultoras vinculados à produção ecológica, pois suas terras fazem divisa
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filho. Assim, justifica-se, tem mais tempo para acompanhar o marido na “lida”
da horta ou mesmo para ir trabalhar fora da UPVF. Outro caso é o da Sra. Marta,
que incentivou e sempre persistiu diante das dificuldades com a legalização
da agroindústria, assinalando que a fabricação de queijos não só era viável,
como também permitia conjugá-la com os trabalhos da casa e o cuidado com
os filhos. Chegou a afirmar que, em 60 por cento dos trabalhos que sustentam
a UPVF, ela está inserida, razão pela qual se define como base de sustentação
das atividades de outras pessoas do grupo familiar.
Outro exemplo é o da Sra. Odete, que chorou ao relatar os problemas
vivenciados com o marido em relação ao trabalho, afirmando que ele só vai à
roça se ela tomar a frente, a despeito de ela assumir a produção ecológica e a
feira como espaço de comercialização (HENN, 2010).
A rotina de todas essas mulheres é árdua, mesmo com o redimensiona-
mento dos tempos e dos espaços nas UPVFs, tendo em vista a multidimensio-
nalidade requerida nos projetos de vida. Como anteriormente afirmei, muda-se
o valor atribuído às várias dimensões da vida, mas o tempo ocupado para o
trabalho e a sustentação cotidiana do grupo familiar toma ainda a maior parte
do tempo. Como a Sra. Vera, para quem o dia inicia às cinco horas da manhã, a
maioria das outras mulheres também se aplica às suas tarefas muito cedo e só
termina após lavar a louça do jantar. As maiores transformações são no âmbito
do trabalho da roça, que é deslocado para trabalhos como o da horta, no caso
da Sra. Rosa, da Sra. Vera e da Sra. Odete; da agroindustrialização dos queijos,
no grupo familiar do Sr. Roberto, sob a responsabilidade da Sra. Marta; na in-
clusão da panificação, a cargo da Sra. Iolanda, no grupo familiar do Sr. Amadeu.
E dentre outras atividades que desenvolvem, ainda há a produção de geleias,
sucos congelados, doce de leite para comercialização no Programa Nacional
de Alimentação Escolar (Pnae).
As mulheres afiliadas ao projeto de vida na agroecologia, com a diversida-
de de cultivos e atividades, agregam, na geração de renda, parte do valor, não
apenas monetário, mas também de prestígio relativo, no sentido de que reco-
locam, nos diversos espaços, “produtos” originários de seus saberes. Os pães,
as bolachas, as geleias, os congelados, todos esses produtos contribuem nos
projetos de vida, gerando renda, e, na dimensão da produção, ocupam outros
espaços, valorizados por constituírem o universo de diversificação nas UPVFs,
momento em que surgem novos horizontes de produção, trabalho e identifica-
ção por parte das mulheres.
Tais saberes eram desvalorizados no projeto de desenvolvimento eco-
nômico convencional ou moderno, no qual a monocultura atribui maior valor
ao trabalho dos homens na produção em escala. Na experiência com práticas
alternativas, as próprias mulheres se fazem visíveis, seja no espaço da feira
livre, seja nos espaços institucionais que foram possibilitados por alguns dos
projetos governamentais.
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Referências
BOURDIEU, Pierre. Efeitos do lugar. In: ______. (Org.). Miséria do mundo. 6. ed.
Petrópolis: Vozes, 2007. p. 159-166.
BRUMER, Anita. Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura do
Rio Grande do sul. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 205-
227, jan./abr. 2004.
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COLONAS ITALIANAS NO SUL DO BRASIL:
ESTIGMA E IDENTIDADE
N
osso objetivo neste artigo é analisar a forma como as descendentes
de imigrantes italianos do Rio Grande do Sul constroem e vivenciam a
identidade étnica e de colonas. Buscaremos, por meio de revisão biblio-
gráfica e de estudos empíricos, salientar o quanto essa categoria é construída
e valorada positivamente na contemporaneidade, apesar dos estereótipos e
preconceitos existentes, bem como do ambiente em que elas estão (ainda)
inseridas, no qual a autoridade paterna e a patrilinearidade ainda são valores
importantes. Compreendemos o conceito de gênero da mesma forma que Joan
Scott (1990), ou seja, uma construção sócio-histórica e não biológica. Assim,
as mulheres que serão aqui enfocadas são fruto de construções sociais que as
colocaram em determinados contextos interativos nos quais a diferença em re-
lação aos homens as desqualificava hierarquicamente, por vezes numa violência
suave, quase invisível, porque exercida pelas vias simbólicas de comunicação
e conhecimento (BOURDIEU, 2002, p. 7, 8).
Ao se instalarem em pequenas colônias no Sul do Brasil, os imigrantes
europeus buscavam, pelos parâmetros da política de colonização brasileira
do final do século XIX, reproduzir o modelo camponês europeu. No entanto, o
parcelamento das terras os levou à migração para novas frentes de expansão,
recurso pelo qual investiam na manutenção da identidade camponesa. As ve-
lhas colônias do nordeste do Rio Grande do Sul logo produziram excedentes
populacionais para novas colônias no noroeste do mesmo estado, e também no
oeste de Santa Catarina e no Paraná. A colonização europeia dá assim origem a
uma reimigração de pequenos proprietários, que buscavam terras mais baratas,
para possibilitar a reprodução social ou geracional do grupo.
No caso dos descendentes de imigrantes italianos, além da migração, a
ordenação sacerdotal e a expansão do estudo (principalmente a educação for-
mal) se tornaram estratégias de reprodução social, das quais os camponeses
* Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo - USP. Professora do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Pesquisadora Associada
ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios- NIEM.
** Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pó-Graduação em Antropologia Social do Museu
Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, professora do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Pesquisadora Associada ao
Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios- NIEM.
Maria Catarina C. Zanini e Miriam de Oliveira Santos
costumavam (e costumam) lançar mão para evitar o parcelamento das terras, tal
como já demonstramos em outros trabalhos. O regime de herança via minorato,
que é um sistema no qual quem herda preferencialmente a terra é o filho mais
novo, foi decisivo para as primeiras expansões das colônias. Nesse sistema,
o caçula herda as terras e a responsabilidade de cuidar dos pais; os demais filhos
homens são ajudados pelo pai na compra de novas terras, nas quais reproduzirão
o modelo de produção familiar. As mulheres preferencialmente não herdavam
e, quando se casavam, recebiam de casa:1 o enxoval, a máquina de costura e,
quando possível, uma vaca. Nos dias atuais, tais práticas estão sendo alteradas
quanto ao tipo de dote concedido às mulheres, que pode ser um investimento
para que estudem ou a compra da terra a elas legalmente atribuída, para que
a mesma permaneça na mão dos homens da família. Contudo, a não sucessão
feminina continua sendo a regra. É comum, igualmente, pendências judiciais e
desentendimentos familiares causados pelo não entendimento acerca da pro-
priedade (ou posse) da terra.
A esse respeito, Seyferth explica:
Sendo assim, a palavra colono, que era a designação oficial para o imigrante
que adquiria um lote de terra em projeto de colonização, converte-se em sím-
bolo de diferenciação étnica, para enfatizar aquele trabalhador rural distinto
do nacional. Apesar de, em plano “mítico”, o colono estar identificado com o
“pioneiro”, com aquele que “civilizou” um lugar “selvagem”, as referências aos
colonos “reais” não são tão elogiosas assim.2
O estigma adquire mais peso com os processos de urbanização e industria-
lização, que “[...] produzem a clássica dicotomia entre o citadino e o camponês.
O urbanita diferencia-se e se distancia gradualmente do colono, que passa a
uma categoria social própria, inferior à daquele” (AZEVEDO, 1982, p. 269, grifo
do autor).
1 Receber de casa é termo local utilizado para receber da família. Ao invés de herança, as mulheres
recebem dote.
2 Segundo Teixeira (1988, p. 54): “Disto resultou a frequente utilização do termo colono como instrumento
de ofensa, em especial contra os descendentes de colonos. Registrei inclusive um caso de ação judicial
provocada por este tipo de ofensa, movida por um influente industrial, neto de imigrantes italianos, em
Caxias do Sul, na década de 1960”.
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Colonas italianas no Sul do Brasil: estigma e identidade
3 Cidade localizada no centro do Rio Grande do Sul e próxima da região da ex-colônia de Silveira Martins.
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Maria Catarina C. Zanini e Miriam de Oliveira Santos
4 Migrante de 14 anos que vem para o Brasil com sua família. Seus escritos foram publicados e traduzidos
por seus descendentes quando dos festejos do Centenário da Imigração Italiana para o estado, em 1975.
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Colonas italianas no Sul do Brasil: estigma e identidade
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Maria Catarina C. Zanini e Miriam de Oliveira Santos
Na maior parte das vezes, seu destino era deixar a autoridade paterna para se
submeter à autoridade do marido e, posteriormente, à dos filhos (homens) ou
dos genros.
A identidade étnica (Barth, 2000)5 costuma ser exclusivista e homoge-
neizadora. No entanto, apesar do discurso unitário, observamos que a cons-
trução da identidade do pioneiro italiano, do self-made-man que construiu um
patrimônio, exclui e estigmatiza a todos que não correspondem a esse modelo,
principalmente os agricultores mais despossuídos, os “colonos pequenos”. Nas
narrativas dos descendentes de imigrantes empreendedores e vencedores, há
uma tendência a traçar trajetórias diretas da imigração para a aquisição de um
capital, que não residiria na terra, mas no comércio ou na indústria.
Desse ponto de vista, a identidade modelo é a masculina, valorizando
especialmente aqueles que migraram para a cidade, deixaram a agricultura e
instalaram estabelecimentos comerciais e/ou industriais no mundo urbano,
adquirindo hábitos e estilos de vida qualificados como mais modernos. Os ho-
mens ocupam a esfera pública enquanto as mulheres tendem a assumir papéis
socialmente inerentes à esfera doméstica, assumindo um lugar subordinado na
sociedade e um estatuto de objeto nas estruturas de parentesco. Importante
salientar que da mulher camponesa italiana era exigido também que educasse
os filhos, tornando-os seguidores dos valores grupais. Quando isso não ocorria,
culpava-se a mulher.
Segundo Dubar (2005, p. 79), “Os homens se definem pelo trabalho, en-
quanto as mulheres, mesmo quando devem trabalhar, se definem por seus
papéis domésticos”. E ele continua o raciocínio, ao afirmar que a “identidade
feminina é inseparável da dos relacionamentos de dominação sexuada”, tendo
como corolário o fato de que:
5 Compreendemos identidade étnica como aquela que é estabelecida nas fronteiras interativas por meio
de sinais adscritivos (BARTH, 2000).
6 Empoderamento (empowerment) é um conceito utilizado nos estudos de gênero como um aporte analítico
que permite conhecer o processo de adição de poder e de aumento de controle das mulheres sobre suas vidas.
Sendo assim, o processo de empoderamento relaciona-se com a possibilidade de transformação da ação dessas
mulheres visando à superação de desigualdades. Ver, entre outros, Amarthya Sen (2000) e Zorzi (2008).
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Colonas italianas no Sul do Brasil: estigma e identidade
inclusão por meio de ações afirmativas, pelas quais elas consigam se inserir e
se situar enquanto sujeitos de ação. Torna possível perceber também por que
essas mulheres não costumam habitualmente ser consideradas como agricul-
toras, mas sim esposas e filhas de agricultores.
Segundo Melo (2003), a partir da mobilização das mulheres,7 o Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA) determinou, em 2001, a inclusão de mulhe-
res nas políticas públicas para a agricultura familiar. Como consequência dessa
medida, o governo federal designou, por meio de uma portaria, que, no mínimo,
30% dos recursos relativos à linha de crédito do Programa de Agricultura Fami-
liar (Pronaf), nos termos do Plano de Safra da Agricultura, fossem destinados às
mulheres, referenciados pelos objetivos declarados de facilitar a emancipação
das mulheres rurais. Cabe ressaltar que o Pronaf Mulher surge no bojo de uma
série de políticas reivindicatórias e de um Programa de Políticas Afirmativas
(Pigre) denominado Igualdade de Gênero, Raça e Etnia.
Retomando a questão do gênero, observamos que a palavra está atrelada
à posição social que cada sexo exerce numa determinada cultura. Este conceito
se refere a valores sociais e não biológicos e, portanto, à desigualdade entre os
sexos e à inferioridade que as mulheres sofrem na nossa sociedade.
Schaaf (2001) salienta que as relações de poder no interior da família e
especialmente nas regiões rurais são embasadas por princípios morais. Nesse
contexto, a autoridade masculina se justifica como uma forma de manutenção
da coletividade e ainda como um instrumento para neutralizar as divergências
e tensões no seio da família. É claro que tal visão contribui para naturalizar as
desigualdades de gênero. Schaaf (2001) afirma também que, sob a aparência
de proteger os membros da família, são mascaradas as relações de dominação
e subordinação entre o pai e os demais membros da família, pois apenas ele
dispõe de poder para interferir na vida das pessoas às quais ele protege.
É essa desigualdade que nos permite também entender a distribuição
dos bens materiais no seio da família camponesa de origem italiana. Schaaf
(2001), Brumer (1996), Carneiro (2001) e outras autoras remetem à herança
assimétrica, em que os filhos (homens) herdavam, ao se casar, um pedaço
de terra, sendo que à mulher solteira nada era dado; e às mulheres que se
casavam eram transferidos apenas um enxoval, uma vaca e, em alguns casos,
uma máquina de costura. O não recebimento de terra por parte das mulheres
era justificado pela possibilidade de o marido tê-la recebido como herança,
já que a mulher saía da casa dos pais para morar com a família do marido
(nas terras dele).
Brumer (1996) demonstra que, por muito tempo, o papel da mulher na
propriedade rural esteve ligado a atividades privadas, que não requeriam
7 Especialmente através do Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA), que surgiu em Santa Catarina
na segunda metade da década de 80 do século XX e se espalhou pelo Rio Grande do Sul, Paraná, Mato
Grosso do Sul e São Paulo. Para mais detalhes ver Paulilo (2000).
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Maria Catarina C. Zanini e Miriam de Oliveira Santos
A socialização da mulher rural foi muito dura; ela foi educada para aceitar
o que os homens decidem ou, se não para aceitar, para não decidir. Isso
sempre foi uma tarefa de seu pai ou de seu marido. Não é “tranquilo”, como
os dirigentes [sindicais] afirmam, buscar a igualdade na família, pois ali
existem muitas diferenças [...]. (BONI, 2004, p. 298)
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Colonas italianas no Sul do Brasil: estigma e identidade
9 Aqui, estamos nos referindo à crescente vivência do indivíduo como um valor (DUMONT, 1985), em que
os projetos e desejos individuais tendem a ser considerados prioritários em relação aos desejos coletivos
(familiares e grupais), como ocorria no passado.
10 Em estudo realizado na região central do estado do Rio Grande do Sul, Filipetto (1999, p. 41) observa o
papel desempenhado pelos grupos de terceira idade junto a idosos: “Também pela sua organização e
afirmação neste contexto, reafirmam-se os valores de sua cultura própria, quando se inverteu a situação
muitas vezes colocada como vergonhosa de ‘ser da roça’ ou ‘do serro’, ou ainda desta pequena cidade,
onde se fala ‘diferente’, para uma situação de orgulho de ser descendentes de imigrantes, de trabalhar
muito e de organizar seu tempo para participar de atividades como ‘aquelas de Santa Maria’. Trata-se de
um sentimento igualitário em relação aos idosos do meio urbano, com a consciência de que seu tipo de
vida é apenas diferente, e não inferior”.
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O tempo, antes ditado pelo trabalho na terra e pela vida doméstica, pode ser
agora pensado em relação a elas mesmas. Contudo, o tempo livre era, na maior
parte das vezes, investido na família ou na casa.
O que se tem detectado, inclusive, é que algumas dessas mulheres, quan-
do viúvas, não desejam mais se submeter às regras do casamento, caso seja
o homem que deva assumir o papel principal. Nas cidades próximas a Santa
Maria, há grupos de terceira idade voltados a essas mulheres, nos quais se tem
trabalhado a autoestima da trabalhadora rural e a sua importância nas econo-
mias locais. Tais grupos, ao resgatarem a importância da cultura italiana e ao
organizarem corais e grupos de dança, contribuem para diminuir o estigma de
“colonas”, valorizando os saberes que elas trazem da sua socialização familiar.
As regras de casamento intergrupais também estão mais abertas que no
passado. Já há casamentos inter-raciais e mulheres que casam com uma idade
mais avançada, coisa que no passado não corresponderia às regras sociais que
orientavam tais formas de associação. As separações entre casais no mundo
rural são exceção e altamente comentadas. Contudo, em famílias extensas que
têm parentes no meio camponês e no mundo urbano, as separações ocorridas
no mundo da cidade já são mais toleradas, todavia não sem pesar e comentários
que justifiquem o ocorrido.
A explicitação pública de comentários sobre a sexualidade entre as des-
cendentes de mulheres camponesas italianas é ainda um tabu, sendo que os
preceitos religiosos adquirem um peso muito grande nas escolhas cotidianas
relativas aos usos do corpo. A utilização de anticoncepcional, não aceito formal-
mente pela Igreja católica, é um recurso que muitas delas consideram importante
para o controle da natalidade e para propiciar condições satisfatórias para a
manutenção da condição camponesa. Nesse aspecto, o discurso médico entra
como um mediador dos usos do corpo. Na região central do estado, o número
de filhos por propriedade é pequeno, entre um e dois na maior parte dos casais
reprodutivos, não havendo, entre estes, pretensão de um número mais elevado.
As razões alegadas iam desde o limite de recursos para bem criar um filho, a
divisão da terra, a sobrecarga de trabalho feminino, entre outros.
Essa diminuição do número de filhos em famílias da região rural não é
específica do Rio Grande do Sul. Estudos da ONU apontam uma queda de mais
de 40% na taxa de fertilidade do Brasil, desde a década de 1980, demonstrando
também que a diferença entre as taxas de fertilidade no campo e na cidade
estão diminuindo rapidamente (PAULILO, 2000). A sexualidade, contudo, não é
tema fácil de ser pesquisado entre estas mulheres, e muitas perguntas comuns
nos serviços de saúde podem ser tomadas como intromissão ou desrespeito.
As mulheres mais jovens tendem a falar mais abertamente, contudo sem um
desejo de exposição de suas vidas e intimidades.
A religiosidade católica, no interior da unidade familiar camponesa no
Rio Grande do Sul, é ainda muito importante. As casas costumam ter símbolos
98
Colonas italianas no Sul do Brasil: estigma e identidade
11 As capelas, mais que lugares de culto, são espaços de sociabilidade e, de certa forma, divisões
administrativas; elas congregam os moradores da área e são administradas pelos fabriqueiros ou
responsáveis, que são submetidos à autoridade do padre. Tradicionalmente, além da Igreja propriamente
dita, fazem parte da capela a escola, a copa e o cemitério. Ainda hoje, a diocese de Caxias do Sul possui
a zona rural organizada em capelas, num total de cerca de 650. Sobre as capelas, ver Azevedo (1982).
99
Maria Catarina C. Zanini e Miriam de Oliveira Santos
12 Entendemos consumo conforme Canclini (1996, p. 66), para quem “o consumo é visto não como mera
possessão individual de objetos isolados, mas como a apropriação coletiva, em relações de solidariedade
e distinção com outros, de bens que proporcionam satisfações biológicas e simbólicas, que servem para
enviar e receber mensagens”.
13 Em seu estudo na região central do estado com mulheres rurais, Ronsini (2001) observou: “É este quadro que
leva a mulher, através do melodrama, a transcender seu estilo de vida, ora em termos morais, ora em termos
materiais. Ela deseja viver concreta e/ou vicariamente o universo urbano ou rural construído pela TV”.
100
Colonas italianas no Sul do Brasil: estigma e identidade
grande investimento e certo “sacrifício”, pois, além de abrir mão dessa força
de trabalho, necessitavam auxiliar com gastos para a manutenção do jovem.
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que recebe muitos estu-
dantes da região central do estado, há moradia estudantil para aqueles que,
comprovando baixa renda, conseguem ter acesso ao ensino médio, médio técni-
co e superior com uma boa assistência estudantil. Nessa população estudantil,
há um expressivo número de filhos de colonos italianos, alemães, poloneses e
de outras ascendências, que encontram na universidade uma forma de ascensão
social. O número de estudantes mulheres é alto. Para elas, o ingresso no meio
universitário é visto como grande conquista.14 Contudo, como Brumer e Anjos
(2008) ressaltam, são os excluídos da herança da terra que procuram a cidade
e a escolarização.
Em relação à televisão especificamente, cabe ressaltar que ela tem sido
um elemento extremamente importante como fonte de reflexividade e de ques-
tionamentos acerca da importância de seus projetos pessoais em relação ao
que delas se espera enquanto mulheres no mundo camponês. De certa forma,
essas mulheres descendentes têm tido suas subjetividades e concepções do
eu transformadas, em especial devido à importância das novelas em suas roti-
nas. As novelas costumam ser muito apreciadas e trazem novos olhares sobre
consumo, sexualidade e autoridade masculina (ZANINI, 2005).15
Além disso, pode-se pensar, no tocante ao mundo do trabalho camponês,
como ressalta Souza (2004), em maior tendência à individualização do trabalho
agrícola no interior das famílias camponesas. Com certeza, este é um tema que
mereceria mais estudos, em especial ao concomitantemente levar em conta
as relações de gênero e geracionais. Pensando-se no crescimento do turismo
rural e das agroindústrias entre os colonos italianos, observa-se muitas vezes
que, embora a família trabalhe em conjunto, determinadas atividades acabam
sendo delegadas mais fortemente a um membro familiar. Exemplo disso são o
fabrico dos queijos ou das compotas e geleias, atividades geralmente vistas
como femininas.
Quanto ao maquinário agrícola, ele tem trazido maior independência para
a mulher, que pode se dedicar mais ao mundo doméstico e elaborar produtos
que podem gerar renda extra, tais como massas, queijos, geleias, pães, bolachas,
sucos, artesanatos, entre outros. O queijo, nas trocas de mercado, é visto como
um produto altamente positivo, pois traz bom retorno em lucro mercantil. Na
cidade de Santa Maria, o queijo colonial é muito procurado nas feiras e no co-
mércio, devido a seu sabor mais marcante e sua textura mais encorpada. Essas
14 Bourdieu (2008, p. 37) aponta para um descrédito dos “valores camponeses” e consequentemente do
valor do camponês e demonstra como as mulheres “parecem mais predispostas a aceitar desde a escola
as novas exigências do mercado de bens simbólicos”.
15 Em seu estudo no Egito, Lila Abu-Lughod (2003) observou essas mudanças em relação às mulheres egípcias
também que saíam do mundo camponês e iam trabalhar na cidade por meio dos melodramas televisivos.
101
Maria Catarina C. Zanini e Miriam de Oliveira Santos
Considerações finais
102
Colonas italianas no Sul do Brasil: estigma e identidade
Referências:
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BONI, Valdete. Poder e igualdade: as relações de gênero entre sindicalistas
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BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: EDUSP, 2008.
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Maria Catarina C. Zanini e Miriam de Oliveira Santos
104
Colonas italianas no Sul do Brasil: estigma e identidade
105
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TEIXEIRA, Sérgio Alves. Os recados das festas. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1988.
VENDRUSCOLO, Rafaela. “Somos da Quarta Colônia”: os sentidos de uma iden-
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região de Santa Maria-RS. Santa Maria: EDUFSM, 2006.
ZORZI, Analisa. Uma análise crítica da noção de empoderamento com base no
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trado) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
106
O “BOM” CASAMENTO EM ÁREAS DE FRONTEIRA
OU A DIFÍCIL AUTONOMIZAÇÃO DAS “TAREFAS”
FEMININAS EM ÁREA DE FRONTEIRA
N
as principais alternativas que têm permitido a reprodução do campe-
sinato brasileiro, recorrentemente o papel da mulher é subestimado, a
tal ponto que aparece como negado. Para o caso das frentes pioneiras,
no imaginário coletivo associadas ao desbravador da floresta virgem, elas são
preponderantemente concebidas como espaço masculino, do qual as mulheres
estão ausentes, ou pelo menos significativamente sub-representadas em com-
paração com outras tantas daquelas alternativas (HENRÍQUEZ, 1985; LEFFERTS,
1977; THÉRY; MELLO, 2005). Todavia, concebidas como universo de violência e
competição no acesso à terra, a coesão de um grupo de parentes é amplamente
necessária. Posto que o trabalho dos homens é procurado e valorizado nessas
regiões, a mulher pode “ajudar”, tal como também registrou Garcia em outro
contexto situacional (1983), mas não é vista como capaz de realizar as tarefas
de preparo da terra.
Muitas vezes concebida como projeto para instalar os filhos na terra, a
migração para a fronteira torna essa mão de obra indispensável também para o
pai. As filhas não recebem terra, a não ser que elas sejam casadas e que o esposo
acompanhe a migração para a frente pioneira. Todavia, essa posição subordi-
nada não implica que elas não tenham uma participação efetiva no processo
produtivo, mas que o seu trabalho passa por um processo de invisibilização, em
108
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
das “mais leves”. Tão pouco essas fronteiras são estáticas, sem flexibilidade ou
“rasuras”, para lembrar o termo cunhado por Hall (2000), ao discutir a questão
da identidade em tempos de globalização.
Em áreas de colonização, esses papéis, definidos por normas bastante
fortes, têm dificuldade de ser alterados. Se o caráter socialmente construído
dessa norma parece evidente, em casos de contestação a dificuldade encon-
trada para tanto é marcante. Várias mulheres não conseguem autonomia em
áreas de fronteira. Da mesma forma os homens não conseguem viver sozinhos.
Evidencia-se assim a importância do casamento, e em particular do “bom”
casamento (ARNAULD DE SARTRE, 2012).
Neste artigo monstraremos que, nas dimensões de reprodução do campesi-
nato brasileiro, as mulheres são menos presentes do que os homens. No entanto,
isso não significa que o casamento perca seu papel nessas áreas. A presença
de homens e mulheres é condição da reprodução do campesinato, até porque
a migração para área de fronteira só tem sentido se for um projeto familiar. Em
torno do casal está construída uma norma de separação das esferas feminina
e masculina, tornando difícil a vida para solteiros em tais áreas.
109
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
(primeira metade dos anos 1990) a Maçaranduba. Para poder contrapor a pirâ-
mide de idade nessas áreas à situação de fecundidade das famílias, projetamos
a pirâmide de idade que seria observável caso todos os membros das famílias
dos respectivos chefes que entrevistamos estivessem morando nas localidades.
Observam-se diferenças claras entre os dados das duas localidades.
A forma geral dos gráficos, que nem podem ser chamados de pirâmides de
idade, pelo tanto que a base da suposta pirâmide é estreita, é explicável pelo
fato de que se trata de populações de migrantes – condição que explica uma
sub-representação de algumas faixas etárias. Confirma-se que, de forma geral,
há menos mulheres nessas localidades do que homens (44% e 56% respectiva-
mente). Se até os 14 anos a proporção de mulheres e homens é comparável,
isso começa a mudar a partir dos 15 anos e, muito mais marcadamente, nas
faixas etárias de 25 a 35 anos. Depois dessa idade, a proporção continua a ser
a mesma. Isso significa que estamos diante de um fenômeno recente de saída
das jovens das zonas rurais; ou estamos diante de um fenômeno estrutural (em
certas idades, as mulheres teriam maior tendência do que os homens de irem
embora das regiões rurais). Se refletirmos mais detalhadamente sob a perspec-
tiva conceitual da estrutura da população, e também levando-se em conta as
localidades em que foram aplicados os questionários (Gráfico 3), as mulheres
representam 40% (travessão 338 Sul) e 47% da população dessas áreas (Maça-
randuba). Quanto mais recente e isolada for a fronteira, menor se encontra a
proporção de mulheres.
Esse fenômeno já foi constatado e estudado em outras zonas rurais do
Brasil (ver o mais recente: Brumer, 2008). Anita Brumer explica o fenômeno
muito menos por fatores como a modernização da agricultura e pela melhor
possibilidade de emprego para as mulheres nas cidades do que por fatores
ligados ao funcionamento das famílias camponesas: as mulheres são desfavo-
recidas pela divisão sexual do trabalho e pelos processos de herança da terra.
Queremos ampliar essa análise acrescentando dois outros fatores que são
importantes nessas zonas rurais – que decorrem tanto das análises de Brumer
quanto das nossas pirâmides. Com efeito, essas últimas mostram que a saída
de mulheres das zonas rurais é, sobretudo, daquelas entre 15 e 35 anos, ou seja,
as mais jovens. Para as outras faixas etárias, não se observa uma proporção
significativamente diferente de ambos os sexos.
Para as faixas etárias mais elevadas, até os 60 anos, a proporção de ho-
mens é bem menor do que nas faixas etárias mais jovens. A diferença é em boa
parte explicável pelo fato de as famílias terem por vezes uma dupla residência
rural/urbana, destinada a assegurar a escolarização dos filhos acima da quarta
ou da oitava séries (GRANCHAMP FLORENTINO, 2000). Mas esses resultados
também podem ilustrar que os homens solteiros são poucos, confirmando que
o casamento está na base da vivência nas áreas de fronteira (como também
mostram ARNAULD DE SARTRE, 2012; FELIX, 2008).
110
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
Maçaranduba - 3 43 5 51
Pacajá 4 6 39 2 51
Palmares 1 7 39 4 51
Total 5 16 121 11 153
111
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
Antonio: Não faz, não! Faz só assim, ir lá na roça capinar mato, [a]panhar
um feijão, quebrar o milho, [a]panhar um arroz, mas outro serviço assim de
roça mesmo, não vai; pra derribar [derrubar] também não vai, né, plantar,
também, só se for plantar alguma cova de melancia, um milho, uma coisa
assim, mas outro legume ela não sabe, né?
Antonio: É, não pode porque elas têm o serviço de casa pra fazer, né? Aí o
homem não vai ficar em casa, deixar a mulher e mandar ela ir pra roça e o
homem ficar em casa, né? Aí o homem vai pra roça e a mulher fica em casa.
112
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
Antonio: É, tem a condição, que às vez o cabra quer, quer ir pra um mo-
vimento assim e a mulher disconcorda [discorda] que não quer, né? Aí,
aquilo eu acho muito, muito ruim, né? Às vezes o cabra quer ir pra um
caminho certo, aí a mulher já quer tirar pra ir pro caminho errado, né? Aí
descontrola, né?
[...]
Pesquisadora: Mas e aí, sempre são os homens que estão certos, eles
decidem, é a mulher que tem que seguir, que aceitar?
Antonio: Eu acho que a mulher tem que seguir os passos que o homem
dá, né? Se ela não quer seguir os passos que o homem quer fazer, aí nada
[vai] em frente; os dois têm que andar tudo combinado certo, né? Porque
se não combinar, não, nada vai pra frente.
Mateus: Pode!
Mateus: Ah ! Ajudo a lavar roupa quando precisa, né? Mas é mais no caso
da doença, né? Mas quando está bom assim, tem as tarefas da gente, aí a
gente se ocupa mais naquilo. Mas se vier o caso, né, igual ao que aconteceu
com meu irmão, que a esposa dele viajou, ele fazia tudo! Cuidava da casa,
lavava roupa, e ainda trabalhava na roça. Então, a gente sabe fazer um
113
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
Sr. Gogó: Eu sempre faço mais meus meninos. É, à esposa pertence aqui o
pilão, a cozinha, a viagem do poço, lavagem de vasilha, uma roupa, o varrer
do terreiro, mexer com algum bicho, quando cobra um pouco.
Pesquisador: E a esposa do senhor faz o que durante o dia, desde que ela
acorda até a hora que ela vai dormir?
Sr. Gogó: Ela, o pão pra nós comer né, e daí continua, vai pro pilão pisá o
arroz, vai lavá uma vasilha, uma roupa. À tarde é a mesma coisa, o cami-
nho da cozinha nunca se acaba, né, é a que trabalha mais da família é a
cozinheira, e nunca acaba o serviço da mulher, ela começa de manhã, e
se bobear ela vai à noite e não dá conta talvez. Eu sempre tenho prestado
atenção. Muitas vezes o homem tem que se orientar e ajudar a mulher
porque ela talvez não dá conta de fazer [tudo] durante o dia.
114
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
Rosemar: Mas, muitas das vezes, o dinheiro dele não dá nem para fazer as
coisas que tem que fazer [risos]. Tem que pedir a ele mesmo, ele é que tem
que se virar. Aqui, o negócio é assim: pra fazer compra fora eu mesmo é
115
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
quem vou direto. Sempre o povo diz assim: “vem cá, tu não és casada, não?”.
“Eu sou casada, graças a Deus, sou mãe de oito filhos”. “E cadê teu marido?”
“É porque nós temos o que fazer. Nós não podemos sair os dois. Quando
um sai, o outro fica”. Agora, em festa, eu sempre vou. Festa! Gosto de festa,
mesmo! Gosto de brincar. Gosto de beber um goró [risos]. Agora o Fogoió
é maranhense, mas é do maranhense velho das pernas duras, que não sabe
dançar. Vai pra festa, fica lá olhando e eu danço mais meus amigos. Danço
mesmo! Eu gosto de brincar. Eu acho que é por isso que eu ...
Rosemar: Vai, ele fica lá, senta num banco lá, dentro de casa, muita das
vezes fica fora, e “ó xente! não vai dançar, não? Não, não vou, não”. E aí
eu arrocho a dançar mais as minhas colegas. E aqui dacolá que apare-
ce uma Skol, uma 51, uma coisa qualquer e eu estou dentro, bebendo
também [risos]. [...] Nós vendemos pra poder pagar a segunda parcela
da nossa conta no banco, né. Aí que a gente fez o Pronaf, né, a gente
recebeu gado, e aí eu já paguei a primeira parcela, o ano passado, e esse
ano tem a segunda parcela pra eu pagar. Que eu ainda não fui porque
tá faltando ainda cinquenta reais e aí eu ainda não fui pagar. Mas nós já
estamos com o cheque.
Rosemar: Não. O único débito é esse. O meu pai, eu, pelo meu pai até nem
tanto, que fica perto né, que daqui prali não é distante, pra onde o meu
pai mora. Agora o pai do Fogoió, eu nunca nem vi [risos]. Não sei nem se
ainda é vivo. O povo do Fogoió, aqui ele só tem mesmo de parente só eu
e os filhos.
A terra na qual vive hoje o casal foi em parte comprada pelo pai de Rose-
mar. Quando isso acontece, parece que o genro “ajuda” bastante o sogro no lote
dele, reatualizando uma relação de dívida que normalmente se observa entre um
pai e seus filhos. Nas famílias camponesas de área de fronteira, não é raro que,
quando um pai compra a terra na qual vive seu filho, este continue ajudando
sem querer remuneração do seu pai durante anos. Quando o pai não consegue
116
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
dar terra a seus filhos, ele corre o risco de vê-los afastar-se em busca de terra
ou de emprego, e assim perder essa ajuda. Quanto às filhas, elas se destinam a
morar na terra do seu marido, o que pode explicar que alguns pais digam que
criar uma filha é uma perda de tempo – pois, quando elas casam, afastam-se
do pai e vão para a família do seu sogro. Se o pai compra a terra do seu genro,
tal como exemplificado anteriormente, reproduzem-se as mesmas obrigações
atribuídas ao filho (ARNAULD DE SARTRE, 2012). Isso é uma solução comum em
muitas sociedades camponesas que adotam uma regra de transmissão desigual
e orientada para os filhos homens (geralmente o mais velho): a “captação” de
um homem pelo casamento para reconstruir uma linhagem, chamado “casa-
mento em genro” (DOUSSET, 2009; TESTART; GOVOROFF; L’ÉCRIVAIN, 2002).
Trata-se de uma estratégia praticada em várias regiões do mundo. Foi isso que
aconteceu com Rosemar e Fogoió. Só que, depois de um tempo, o casal saiu da
área que estava perto da terra familiar e foi buscar outra na região de fronteira.
Como a terra foi comprada pelo sogro, está no nome de Rosemar, que fica en-
tão responsável pelo contrato de crédito. Na época da entrevista, o casal não
tinha mais relações com a família de Rosemar, mas ela continuava tendo uma
autonomia frente ao esposo, a ponto de diferenciar esse casal do ideal-tipo da
família camponesa.
Esses casos mostram que a aparência de naturalidade das relações ideal-
-típicas, anteriormente apresentadas, tem na verdade uma base econômica bas-
tante forte: quem compra a terra tem uma capacidade mais forte de negociação
no relacionamento do casal. Demonstram assim a importância do casamento
e principalmente das condições nas quais esse casamento foi contratado. Tais
situações podem explicar por que o casamento tem de ser tratado com cuidado
analítico, até mesmo por que a problemática do casamento acaba não sendo
a mesma para os homens e as mulheres. A Tabela 2 mostra claramente que,
sobretudo em área de colonização recente, os que vivem sozinhos (solteiros e
separados) são sobretudo homens.
117
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
Luzia: Aqui, nós fazemos tanta coisa! Agora mesmo esses dias, eu fui aju-
dar ele na roça, ali pra plantar o feijão. Ajudar ele engarranchar. Botar o
carvão pra queimar, a roça não queimou boa. Teve umas partes que nem
a cor não queimou. Aí teve que engarranchar. Aí tirando desse serviço
daí, quando ajudo ele, eu só cuido aqui da casa. Eu lavo a louça, roupa
e as vasilhas, aí pronto! Porque é muita gente! Mas sempre quando eu
tenho tempo, eu ajudo ele, na roça. A gente apanha arroz, quando tem
que quebrar o milho, ajudo também, quebrar o ramo... a gente capina o
mato do arroz, não é todas as vezes, porque mulher não é como homem,
que tem temporada que não pode! Aí eu aproveito mais assim, quando
eu posso, aí eu ajudo. Agora, no apanhar do arroz, é direito, todo mundo
ajuda pra apanhar arroz.
Eu fui criada assim: o papai levava nós pra roça e tudo era pobre. É muito
filho! Ele levava nós pra roça e nós aprendemos a trabalhar mais ele. E aí
casei! Meu marido só trabalha de roça, e aí na hora que ele vai pra roça
muitas vezes ele reclama: “Mulher fica em casa”. Mas eu fico até doente
quando eu fico só em casa! Nós voltamos pra roça mais tu. “Não, não é
pra ir, não, pode ficar”. Mas quando ele pensa que não, estou chegando
lá, com facão velho, com roçadeira, aí eu chego lá, estou ajudando ele. Aí
é plantar mandioca pra fazer farinha... e só não dei conta aqui é de torrar
farinha. Mas as outras coisas da farinha, eu sei fazer tudinho.
118
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
Apesar do orgulho que transparece nessa última fala, todas as mulheres que
tiveram que aplicar esses saberes transmitidos pelo pai para poder sustentar
a família avaliam a experiência em termos de sofrimento.
Outro caso é o da Santana, a própria esposa do Sr. Antônio, que expressava
uma adesão forte à norma tradicional de divisão sexual do trabalho, antes de
casar com ele, quando experimentou por muitos anos a situação de mulher
solteira, trabalhando sem ajuda na roça.
Santana: [...] Meu pai morreu, fiquei com oito anos de idade, e aí eu me
casei, me ajuntei com um homem. A primeira vez não deu certo, eu não fui,
fiquei com o filho dele, aí me juntei; a segunda vez já fiquei com o filho, e
daí pra cá fiquei com quatro filhos sozinha e eu fui pelejar pra criar com
a ajuda só de Deus. Eu não tinha apoio de irmão, irmão não me apoiava.
Nenhum! Eu não tinha apoio dos meus irmãos, somente da minha mãe
abaixo de Deus, e minha mãe por mim só. E minha luta foi muito forte,
criei meus filhos, já estão do tamanho que estão e trabalhando de roça,
era lutando, trabalhando de roça, saía de casa de manhã e aí arrumava
uma merendinha pra eles e deixava um pequeno tomando de conta, que
tudo era pequenininho, e ia pra roça. [...]
Hoje eu vivo com um homem que não é pai deles, mas, apesar dele não
ser o pai de nenhum, me ajuda bastante. Morei oito anos sozinha, hoje
tá dentro de cinco anos que vivo com esse homem na minha companhia.
Abaixo de Deus tem ele por mim, então hoje eu tenho uma forte ajuda.
Abaixo de Deus tem ele que me ajuda bastante, trabalha direito, bota
tudo dentro de casa e tá me ajudando a criar. Agradeço muito a Deus em
primeiro lugar, em segundo lugar a ele, de ter me dado esse apoio, de me
tirar daquele sofrimento em que vivia. Hoje eu trabalho mais ele muito, nós
trabalhamos de roça, se ele botar onze linha de roça ou dez ele não pede
trabalho que não tem dinheiro pra pagar, quem ajuda é eu mais minhas
filhas, nós vamos tudo, até as mais pequenas vão pra roça. Chega cada
um com um facãozinho limpando.
119
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
Entrevistadora: Por que a senhora acha que suas irmãs tiveram mais su-
cesso? O que faz o sucesso na vida?
Luzia: Elas têm uma coisa assim, o marido delas desde o início do casa-
mento é bom pra elas, elas nunca tiveram uma vida sofrida igual eu, então
é um sucesso. Elas levam uma vida melhor.
120
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
Luzia: Tem uma que mora. Que é a Hilda que mora ali também. Acho que ela
tem uma vida boa também. [...] Ah! O marido dela não bebia, não jogava,
não gastava... aí tinha mais condição!
Sr. Groselino: Olha, eu gosto do lote, mas satisfeito eu não estou, porque
não tenho costume de ficar só, que nem gato na tapera. Eu, toda vida, de
dezesseis anos pra cá, eu nunca fiquei só! Quando separo de uma mulher,
arrumo outra, né? Ficar sozinho, eu não fico aqui dentro.
Sr. Groselino: Olhe, porque se eu não arrumar uma companheira logo pra
mim, eu entrego a terra para os meninos e vou dar uma volta.
Mesmo se o que diz esse agricultor se deve ao fato de ficar “sem jeito” de-
pois da saída da sua esposa, a realidade é que ele saiu mesmo do lote dele, veio
entregá-lo ao filho de sua esposa (não sabemos se houve transação financeira).
Esse tipo de comportamento pode explicar por que o número de solteiros nas
zonas rurais de fronteira é tão pouco importante. O Sr. Groselino explica o fato
de precisar de uma mulher ao seu lado com os argumentos de ajuda que já
encontramos. Portanto, o homem não precisa de uma mulher ao seu lado com
uma tal intensidade como essas mulheres que acabamos de citar. Na verdade,
não se trata apenas de a mulher assumir tarefas domésticas como limpar e co-
zinhar, pois, pode-se imaginar, de um ponto de vista econômico, que a presença
de uma cozinheira é facilmente dispensável em zonas de fronteira. Basta citar
os garimpeiros, que conseguem trabalhar anos sem a presença de uma mulher;
ou de muitos agricultores que encontramos e que trabalharam anos sozinhos
na roça, assumindo também essas tarefas.
121
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
122
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
Considerações finais
123
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
Gráfico 1 – Evolução da proporção de mulheres em zonas rurais brasileiras
Legenda
Fonte: IBGE.
124
Gráfico 2 – Pirâmides de idade elaboradas segundo padrões de fecundidade de famílias de áreas de colonização da Amazônia oriental
125
Xavier Arnauld de Sartre, Laurence Granchamp Florentino, Gutemberg Armando Diniz Guerra
Luiza Mastop-Lima, Ailce Margarida Negreiros Alves, Hélène Guétat-Bernard
Gráfico 3 – Contraste entre pirâmides de idade de três áreas de colonização na Amazônia oriental
126
O “bom” casamento em áreas de fronteira ou a difícil autonomização das “tarefas” femininas em área de fronteira
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128
REORIENTAÇÕES PRODUTIVAS NA DIVISÃO FAMILIAR DO
TRABALHO: PAPEL DAS MULHERES DO SERTÃO DE SÃO
FRANCISCO (SERGIPE) NA PRODUÇÃO DO QUEIJO DE COALHO
O
meio rural apresenta-se como um universo heterogêneo, cujas múlti-
plas dimensões exigem perspectivas de análise diferenciadas. Dentre
elas, destacam-se as possibilidades de diversificação das atividades
produtivas assumidas por grupos camponeses, como aquelas que são atri-
buídas ou reivindicadas como alternativas à participação das mulheres.
Para focalizar essa dimensão, tomamos como estudo de caso a produção
de alimentos e a criação de outras funções, entre elas a atividade queijeira
artesanal desempenhada pelas mulheres camponesas do território sertanejo
sergipano. Por essa mesma perspectiva de compreensão da diversidade de
situações, o estudo da atividade não se limitará à prática produtiva (produção
e comercialização), mas contemplará a produção de significados e simbologias
que a envolvem.
No sertão sergipano do São Francisco, predomina o clima semiárido, mar-
cado pela irregular distribuição de chuvas concentradas no período de outono/
inverno e sete a oito meses secos, temperatura superior a 20°C. Em adequação
a tais condições climáticas, a criação de gado tem perdurado, desde o período
de colonização, como principal atividade econômica.
A despeito de se constituir como principal atividade, até metade do século
XX a pecuária apresentava-se ainda pouco intensiva. Os bovinos eram criados
soltos, pouco modificando a vegetação nativa. Constatada sua limitada produ-
tividade, órgãos do estado ocuparam-se de fomentar programas públicos, com
o objetivo de gerar maior rendimento.
Com o crescimento da pecuária e da produção de leite, foram instaladas
indústrias para o beneficiamento de leite na região, voltadas para o abasteci-
mento dos centros urbanos que, com o crescimento populacional, demandam
tal produto. Essas empresas absorviam prioritariamente a produção de leite
dos grandes e médios produtores. Os camponeses, em decorrência da reduzida
produtividade, estavam excluídos desse mercado agroindustrial. Para aproveitar
o leite produzido praticamente durante todo o ano, as mulheres camponesas,
∗ Doutora em Geografia e professora da Universidade Federal de Sergipe.
∗∗ Maria Geralda de Almeida é doutora em Geografia e professora titular da Iesa, Universidade Federal de
Goiás.
Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
130
Reorientações produtivas na divisão familiar do trabalho:
papel das mulheres do sertão de São Francisco (Sergipe) na produção do queijo de coalho
Fonte: IBGE.
O desenho da ocupação dessa região no século XVI deu-se com a doação
de grandes e pequenas glebas de terras pela Coroa portuguesa, visando firmar
a posse, então ameaçada pelas invasões holandesas. Nesse bojo, os indígenas
são empurrados para outras terras, processo violento e perverso no qual tribos
inteiras foram dizimadas.
No século XVII e parte do século XVIII, a região não correspondia às fronteiras
econômicas definidas pelo Estado. Teixeira da Silva (1981) considerou o sertão do
São Francisco, nesse período, como Terra de Refúgio. Essa denominação refletia
a pequena ocupação e o domínio de índios, negros e homens pobres evadidos
de outras regiões. Diniz assinala que, embora outras categorias populacionais
131
Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
132
Reorientações produtivas na divisão familiar do trabalho:
papel das mulheres do sertão de São Francisco (Sergipe) na produção do queijo de coalho
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Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
134
Reorientações produtivas na divisão familiar do trabalho:
papel das mulheres do sertão de São Francisco (Sergipe) na produção do queijo de coalho
135
Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
A atividade leiteira deve ser vista sob um prisma social em algumas regiões
semiáridas do Nordeste, contribuindo para aumentar a oportunidade de
ocupação da mão de obra e remuneração do trabalho familiar, sendo mais
estável que a agricultura de sequeiro. (DEBEUX JÚNIOR, 1998, p. 65)
136
Reorientações produtivas na divisão familiar do trabalho:
papel das mulheres do sertão de São Francisco (Sergipe) na produção do queijo de coalho
137
Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
138
Reorientações produtivas na divisão familiar do trabalho:
papel das mulheres do sertão de São Francisco (Sergipe) na produção do queijo de coalho
o queijo de coalho com minhas filhas dentro de casa. Agora meu marido resolveu
montar uma fabriqueta e trabalha com os meus dois filhos. No início eu ensinei
como fazer o queijo, agora esse é o trabalho deles”.
A hegemonia e a concentração da produção de leite no território e a
ausência da transnacional estimularam outros atores locais a aproveitar esse
potencial, ao perpetrar e emergir pequenas e médias empresas formais. A
reestruturação espacial se dá com a territorialização dos empreendimentos
processados sob a forma de cooperativas e associações, fundadas nas redes
sociais; e pela ação do capital privado individual local, despontando simul-
taneamente com o crescimento das fabriquetas, porém sem absorver a mão
de obra feminina.
Em 2003, surgiu o PAA/Leite Fome Zero pela Lei n° 10.696/03, regulamenta-
da pelo Decreto n° 4.772/03, como uma ação do governo federal, do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em convênio com os governos
estaduais. Esse programa consiste em uma ação de compras governamentais,
que tem por finalidade a aquisição de alimentos (leite) da agricultura familiar
e sua posterior distribuição às famílias em situação de insegurança alimentar
e nutricional. O PAA adquire a produção de leite de pequenos produtores e
incentiva a constituição de pequenos laticínios, como um fator de geração de
emprego para os estados que participam do programa.
Quanto aos requisitos básicos para o fornecimento do leite para esse pro-
grama, exige-se daqueles enquadrados como agricultor familiar Pronaf tipo A:
portar o DAP fornecido pelo órgão de assistência técnica, assim como realizar
a vacinação do rebanho regularmente contra a febre aftosa e a brucelose. Esse
agricultor deverá produzir uma média diária de até 100 litros, priorizando aque-
les produtores com volume de até 30 litros/dia. Por fim, ele deverá fornecer até
35 litros de leite, percebendo o valor máximo estipulado pelo PAA, fixado em
R$3.500,00 por semestre.
Com a inserção das fabriquetas de queijo, indústrias e as ações do PAA/
Leite, técnicos de instituições públicas propagaram o fim da produção do queijo
de coalho caseiro sob a responsabilidade do sexo feminino. Ao referir-se a essa
produção caseira artesanal feminina, os técnicos consideram as práticas arte-
sanais uma desvantagem persistente, com deficiências múltiplas, o que permite
uma associação com o conceito de rugosidade, pois, “vista individualmente ou
nos seus padrões, revelam combinações que eram as únicas possíveis em um
tempo e lugar dados”.1***
Essa alternativa de produção expressa uma ação que configura a possibili-
dade de as mulheres participarem ativamente na construção do seu território,
de forma autônoma, com a elaboração de um produto de identidade territorial.
1*** Aquilo que ficou do passado, “o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição [...]
apresentadas de forma isolada ou como arranjos” (SANTOS, 1996, p. 113).
139
Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
O queijo caseiro não deve ser considerado uma raridade. Existem tipos
similares na região Centro-Sul do Brasil. Em Sergipe, é banalizado, não devi-
damente observado por setores técnicos, políticos e pela rede institucional.
Delineia-se, aqui, essa alternativa de produção que significa uma ação concreta,
possibilitando a continuidade no território.
A (re)configuração dos estabelecimentos camponeses e a demanda do
mercado urbano repercutiram na expansão da produção de leite e derivados,
e o queijo – que apresentava exclusivamente valor de uso – transforma-se em
valor de troca. Retoma-se o saber-fazer, e esse queijo deixa de estar geografica-
mente limitado aos espaços circunscritos das residências, como no passado,
constituindo-se, nas duas últimas décadas, como estratégia de reprodução
social impressa em um gênero de vida autônomo. Compreender essa prática
implica a busca dos significados dessa atividade pelo grupo que não se deixou
capturar pelos novos atores inseridos no território.
A produção do queijo de coalho caseiro e a sua dimensão territorializada
foram identificadas nas comunidades e povoados como Algodoeiro e Mandacaru
em Nossa Senhora da Glória; Jaramataia, João Pereira, Palestina, Ouricuri e São
Mateus no município de Gararu; por toda a zona rural dos municípios de Monte
Alegre de Sergipe e Porto da Folha; e de forma reduzida em outras localidades
dos demais municípios sertanejos do estado de Sergipe.
A sua forma de produção é análoga àquela dos antepassados. Comumente
esse tipo de queijo é elaborado pela manhã, logo após a ordenha, com o leite
cru produzido exclusivamente no estabelecimento, num processo similar ao
exposto no fluxograma do queijo coalho. (Figura 2)
140
Reorientações produtivas na divisão familiar do trabalho:
papel das mulheres do sertão de São Francisco (Sergipe) na produção do queijo de coalho
Tal produto não apresenta padronização na forma, e seu peso varia entre
1,600kg a 2,00kg. Depois de desenformados e salgados, são armazenados no
interior de caixas plásticas e cobertos com um tecido branco. Diariamente, as
peças são lavadas e recebem uma nova camada de sal para a conservação do
produto até o momento da comercialização.
Devido à não maturação, apresentam uma coloração clara, diferindo dos
queijos da região Centro-Sul e assemelhando-se aos demais queijos de coalho
produzidos nos estados nordestinos.
As razões da continuidade de produção do queijo caseiro têm suas ex-
plicações no seio dos próprios produtores, como uma camponesa assim se
pronunciou:
141
Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
142
Reorientações produtivas na divisão familiar do trabalho:
papel das mulheres do sertão de São Francisco (Sergipe) na produção do queijo de coalho
2 A produção mensal com base em 30 dias e a produção anual em 364 dias – uma vez que existe um único
dia no decorrer do ano no qual não se produz queijo: a Sexta-Feira da Paixão.
143
Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
Considerações finais
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145
Sônia de Souza Mendonça Menezes e Maria Geralda de Almeida
146
PRÁTICAS ALIMENTARES ENTRE CAMPONESES:
EXPRESSÃO DE RELAÇÕES FAMILIARES E DE GÊNERO
N
este artigo, buscamos identificar, a partir do olhar sobre as concepções
que orientam a produção e o consumo da comida, transformações nas
relações sociais vividas por camponeses. Nossa atenção estará centrada
nas classificações e hierarquizações que agricultoras e agricultores elaboram;
e não apenas quanto à comida que produzem e consomem. Mas, concomitante-
mente, em relação àquelas classificações que operam sobre si mesmos, sobre
os membros da família e da comunidade rural, conferindo particular ênfase às
mediações referidas às relações de gênero.1
A comida, tal como aqui a abordamos, é compreendida para além de sua
materialidade e dimensão fisiológica, sendo assim entendida como “boa para
pensar”, uma vez que a partir dela podem ser reconhecidas dimensões da vida
social conformadoras dos sentidos que referenciam modos de viver. Entende-
mos, dessa forma, a comida como elemento que “fala” sobre família, homens
e mulheres.
A realização dessa pesquisa ocorreu em uma comunidade rural no Rio
Grande do Sul, na região do Vale do Taquari, a partir de convivência cotidiana
com famílias rurais que lá residem. Acompanhamos as famílias em suas casas,
na horta, no quintal, na roça, no trato com os animais, nos rituais de carnear, nos
cultos, nas festas da comunidade, reuniões de clube de mães, jogos, atividades
da Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (Oase),2 entre outros. Nesses
espaços, conversamos com agricultoras e agricultores e registramos aspectos
de seu cotidiano, em diário de campo e fotografias.
* Licenciada e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e mestre em
Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
** Doutora em Antropologia Social. Professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), vinculada ao
bacharelado em Antropologia e ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais; professora do
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(PGDR/UFRGS).
1 Cabe ressaltar que a dimensão de gênero, como categoria analítica, é aqui apreendida a partir do trabalho
referencial de Scott (1995), que salientou a construção social das diferenças entre os sexos.
2 É um grupo de mulheres ligadas à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, que se reúne para
estudos bíblicos, assistência a doentes da comunidade e interação com grupos de mulheres de outras
localidades.
Josiane Carine Wedig e Renata Menasche
Da pesquisa de campo
148
Práticas alimentares entre camponeses: expressão de relações familiares e de gênero
3 A escola era mantida pela comunidade: os pais pagavam o salário do professor e mantinham a
estrutura. Essa escola foi desativada e hoje um ônibus escolar leva as crianças a escolas da cidade de
Roca Sales.
4 O telefone rural comunitário tem uma central telefônica, que recebe as ligações eletronicamente, as
registra e repassa para os ramais instalados na localidade.
5 São muitos os aviários e chiqueiros presentes na localidade, estabelecidos em sistema de integração com
grandes agroindústrias.
6 Há a produção de leite para consumo doméstico e a destinada às indústrias de lacticínios, nesse caso,
valendo-se de instrumentos mecanizados.
149
Josiane Carine Wedig e Renata Menasche
Trabalho e hierarquia
150
Práticas alimentares entre camponeses: expressão de relações familiares e de gênero
Espaços e classificações
151
Josiane Carine Wedig e Renata Menasche
152
Práticas alimentares entre camponeses: expressão de relações familiares e de gênero
7 Para um panorama do tema no campo das Ciências Sociais, indicamos o clássico artigo de Mintz (2001), bem como
o capítulo introdutório do livro de Goody (1995) e, ainda, mais recente e a partir do ponto de vista da Sociologia,
um artigo de Díaz Méndez e Gómez Benito (2005). Vale ainda consulta à tese de Dutra (2007).
153
Josiane Carine Wedig e Renata Menasche
154
Práticas alimentares entre camponeses: expressão de relações familiares e de gênero
155
Josiane Carine Wedig e Renata Menasche
Plantar, colher, criar e carnear são atividades por meio das quais se pode
observar a forma como homens e mulheres, reconhecidos como especificamente
responsáveis por ocupações diferenciadas, desempenham seu trabalho.
A horta e o quintal são espaços de cultivo do qual ficam encarregadas as
mulheres. É ali que, em geral, elas plantam a maior parte dos alimentos utilizados
na cozinha e que são para o gasto. Esse espaço é completado com um Eckchen
(cantinho) da roça, onde se produz feijão, cana-de-açúcar, aipim, batata-doce e
amendoim para o consumo familiar.
Já as lavouras comerciais estão, na maior parte dos casos, sob responsa-
bilidade do pai de família – apenas em casos raros, quando não há homens na
família, a mulher pode vir a assumir esses compromissos.
Desse modo, pudemos observar que – conforme alguns estudos já desta-
caram anteriormente – o trabalho das mulheres é mais voltado para atender
156
Práticas alimentares entre camponeses: expressão de relações familiares e de gênero
8 Carnear refere-se, entre os agricultores, ao abate de animais, principalmente boi ou porco. Esse ritual envolve
a reunião de vizinhos e parentes, que auxiliam na atividade. Essa ajuda é retribuída com o oferecimento de
carnes e derivados preparados e também com a participação no ritual quando o vizinho carneia.
9 Existe uma série de regras que se multiplicam entre os camponeses, prescrevendo comportamentos com
respeito à menstruação, nascimento e morte, que mereceriam em si um estudo aprofundado.
157
Josiane Carine Wedig e Renata Menasche
10 Note-se que a expressão é empregada para diferentes itens, mas sempre denotando desvalorização.
158
Práticas alimentares entre camponeses: expressão de relações familiares e de gênero
159
Josiane Carine Wedig e Renata Menasche
160
Práticas alimentares entre camponeses: expressão de relações familiares e de gênero
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Josiane Carine Wedig e Renata Menasche
162
CAMPONESAS, FIANDEIRAS, TECELÃS, OLEIRAS*
O
Vale do Jequitinhonha constitui-se numa das regiões mais pobres do
país. Situado no nordeste do estado de Minas Gerais, ocupa 13,5% do
território mineiro e apresenta, do ponto de vista geográfico, duas gran-
des unidades diferenciadas: o Alto Jequitinhonha e o Médio Jequitinhonha.
Historicamente, desde o século XVI, várias expedições dirigiram-se ao nordeste
de Minas, à procura de riquezas minerais. No entanto, a ocupação definitiva
ocorrerá no século XVIII com as atividades mineradoras e, em seguida, com as
agropastoris. Evidentemente, esta ocupação, tal como em outras áreas do país,
foi marcada pelas lutas com os índios. Vários documentos registram as guer-
ras travadas contra os Botocudos, até sua capitulação, através da escravidão
(SAINT HILAIRE, 1938, p. 48).
A grande quantidade de ouro, diamantes, pedras crisólitas, safiras, cristais,
pingos-d’água, além da abundância de peixes como os curimatãs, traíras, piaus,
atraíram os faiscadores e, com muita rapidez, surgiram povoados, arraiais, vilas
e cidades. (CESAR JR., SANTOS, s.d.)
Da mesma forma que existiram conflitos com os índios, também ocorreram
vários contra os negros. Em 1821, eclodiu no distrito diamantino uma revolu-
ção de negros, africanos vindos como escravos, que se espalhou por toda a
província de Minas Gerais e outras do país (REVISTA DO ARQUIVO MINEIRO,
1908, p. 158-159).
A história registra, em seguida, o silêncio tanto dos índios quanto dos
negros. Silêncio dos vencidos. Com a decadência da mineração, estas popu-
lações pobres ou, então, no dizer da historiadora Laura de Mello e Souza, os
desclassificados do ouro espalharam-se por estas extensas áreas, muitas vezes
sobrevivendo no interior das grandes fazendas de agropecuária que se forma-
ram, como agregados, ou em pequenas posses (MOURA,1988). Estes desclassi-
* Uma primeira versão deste texto foi publicada na Revista Projeto História, São Paulo, n. 16, fev. 1998,
p. 75-104.
** Professora Livre-docente em Sociologia pela UNESP (Universidade Estadual Paulista) Júlio de Mesquita
Filho. Professora visitante do Departamento de Sociologia da UFSCar -Universidade Federal de São Carlos.
Maria Aparecida de Moraes Silva
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Uai, quem trabalha na roça não tem essas coisas de tempo dividido, não.
Faz aqui, faz ali. Mulher é como engenho, não para de rodar.
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Desde o século XVIII, como se viu, a história dessas populações foi marcada
pela atividade da indústria doméstica. Assim, a menção aos tecidos de algodão,
como cobertas, os “exportados” para o Rio de Janeiro, aparece nos escritos dos
viajantes (MAWE, 1978, p. 163-164):
Os colonos vestem-se ahi com estofos muito grosseiros; mas não trazem
a roupa em farrapos, e como os panos de algodão são aqui muito baratos
e grande número de habitantes fabricam-nos em sua própria casa, os
próprios negros andam melhor vestidos do que allures. (SAINT HILAIRE,
1938, p. 216)
O barro existente nas veredas foi essencial à reprodução social dos cam-
poneses ao longo do tempo. Além dos potes para carregar e transportar água,
as mulheres fazem panelas e objetos de enfeites, como figuras de santos, pre-
sépio, casas, animais, brinquedos. A água, o barreiro, a madeira existente nas
chapadas e o couro fornecido pelo gado criado solto nas chapadas e a terra
das grotas formavam um todo único e fundamental ao desenvolvimento da
indústria doméstica.
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Maria Aparecida de Moraes Silva
[...]
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Camponesas, fiandeiras, tecelãs, oleiras
R. Ah, a minha mãe, minha avó. Quando minha avó não aguentou a traba-
lhar mais, ela ficava só sentada, fiando, fazendo o que eu estou fazendo
agora. A gente não comprava roupa. Era pra homem, pra mulher, era tudo.
A gente fiava e repartia aquilo tudo. As mulheres faziam saia, fazia blusa,
fazia tudo. E tingia e ficava bonito.
R. Faço tudo. Faço farinha, não faço mais rapadura, porque o engenho
quebrou. Faço colorau, faço óleo de pequi.
R. Ah! Debulham aquelas varginhas e põe fubá e soca e põe gordura, peneira
e aí sai o pó. O pó é o colorau.
R. Quando sobra, vendo pote, doce, colorau, óleo de pequi, farinha e balaio.
R. É difícil. A gente tem que tirar a taquara do bambu, buscar ela e fazer o
trançado para o balaio e cesta. Eu aprendi quando eu fiquei sem o marido,
eu casei duas vezes. Eu casei uma vez, o marido morreu, eu fiquei com uma
criança novinha para criar. Eu não saía, eu não podia sair para trabalhar,
eu esforçava pra fazer o serviço aqui dentro de casa mesmo e tinha que
fazer. Eu aprendi com o meu irmão. Não é serviço pesado. O pesado é da
roça e da oleria [olaria]. O mais leve é fiar algodão. Distrai. O balaio tam-
bém. Eu estralo as taquaras, sento numa sombra e vou tecendo. Eu faço o
balaio quando estou mais folgada..., que eu não estou muito atarefada de
serviço, eu faço balaio. É pra encomenda. É tudo encomenda. Eu faço de
tudo. Esta gamorra [pilão] aqui é pra socar milho, pra fazer o fubá. Esta
é a roda pra relar [ralar] mandioca. Este é o tacho pra torrar a farinha.
Quando tem o mandiocal grande, a gente faz a farinha e vai ensacando. O
dia de fazer farinha é só farinha.
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R. A minha mãe. Ela era tecelã. Aprendeu com minha avó, a mãe dela.
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uma vez, da pessoa sobre a coisa. Por outro lado, garantir a primazia não signi-
fica tratar a coisa como algo inerte, objetivado. Por isso, diferencia seu trabalho
do das outras meninas que sabem fazê-lo. A posse do saber não significa uma
relação de equivalência entre ela e as meninas. A mercadoria, colcha, pode ser
a mesma. No entanto, quando afirma que as meninas só veem o dinheiro, isso
significa que elas produzem a colcha enquanto valor de troca, coisa objetivada,
exteriorizada, servindo a um uso geral. Ao contrário, ela, ao reclamar o valor para
si, na verdade interioriza o valor da coisa como se fosse dela mesma. Identifica-
-se com a coisa, seu produto, seu valor. Transmite à coisa sua representação,
seu pensamento, seus símbolos, sua alma, sua vida. Aqui, podemos parafrasear
Mauss, referindo-se aos indígenas maoris, acerca das trocas.
[...] [a] ligação pelas coisas é uma ligação de almas, porque a própria coisa
tem uma alma, é alma. Donde se segue que apresentar qualquer coisa a
alguém é apresentar qualquer coisa de si. (MAUSS, s. d., p. 67)
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Camponesas, fiandeiras, tecelãs, oleiras
Outro elemento que pode ser analisado no ato de tecer se refere às can-
ções. Ao jogar a lançadeira, é como se a pessoa estivesse dançando. O objeto
de trabalho encarna-se na tecelã. Ao mesmo tempo em que a colcha está
sendo tecida, tecem-se fofocas, tecem-se os laços e as relações sociais. Da
mesma forma que o pássaro (a garrincha) canta quando faz o ninho, a tecelã
canta quando faz a colcha. Há, portanto, uma ligação estreita entre tecelã,
pássaro e aranha. Todos tecem para sobreviver. Para a tecelã, o ato de tecer
lhe permite o sustento dos filhos. Da mesma forma que o ninho e a teia de
aranha representam o local para a reprodução. O lugar onde se tece assume
a mesma importância.
Retomando as considerações feitas anteriormente à luz das reflexões de
Luciana Bittencourt, observa-se que o trabalho, enquanto ato de tecer, envolve
uma ligação estreita entre sujeito e objeto, cimentada pela rede do imaginar,
das projeções, dos significados simbólicos, pelos quais a natureza se faz
presente não só enquanto objeto de trabalho, como também enquanto parte
do universo simbólico. A relação entre mulher, aranha, garrincha, tear, teia e
ninho faz-se pela simbiose entre mulher e natureza, permeada pelos símbolos.
O ato de tecer, atividade essencialmente feminina, sofreu transformações
a partir do momento em que os homens foram introduzidos nesse processo,
sobretudo quando a Codevale passou a incentivar a tecelagem manual enquanto
atividade comercial.
Viu-se, através do depoimento da artesã Dona Antônia, como ela estabe-
lecia a diferença entre seu trabalho e o das “meninas” de Roça Grande. Além
desse aspecto, podem-se introduzir outros, a partir da pesquisa de Luciana
Bittencourt. A referida autora salienta que, antes, os homens discriminavam
o ato de tecer: “se um homem tecer, ele vira mulher, as pernas vão afinar e o
esperma vira água, e ele não vai ter condições de sustentar a família” (BITTEN-
COURT, 1995). A partir do momento em que os homens começam a tecer, há
uma mudança profunda dos significados. A tecelagem perde as características
femininas e assume as masculinas. Agora, ela é vista como trabalho pesado;
antes era leve. O peso do tear passa a causar mal às mulheres. O tear agora
torna-se uma espécie de extensão do corpo do homem. Quanto às canções e
aos demais símbolos, houve profundas alterações. Os homens não cantam, eles
mantêm as narrativas da roça.
Nesse sentido, redefine-se a divisão sexual do trabalho, restando à mulher
as tarefas da casa. O tear de Roça Grande não é o mesmo de antes. A produção
de mercadorias, portanto do valor de troca, produz a desconstrução das relações
e representações sociais. Realiza-se, assim, através da inserção dos homens
neste processo, uma “des-re-construção” da atividade de tecer e do universo
de significados permeado pelas relações de gênero.
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Maria Aparecida de Moraes Silva
Comecei a fazer sozinha. Ninguém me ensinou. Foi depois que eu casei que
eu comecei a fazer. Eu inventei a fazer, porque a gente sempre precisava.
Depois, as meninas começaram a fazer também. Aí, elas pegaram a fazer
melhor do que eu. Hoje, eu faço os potes, essas casinhas, eu faço. A igreja,
o sobradão são as minhas filhas que fazem.
Soca o barro, peneira, depois amassa o barro e corta, assim, com a faca.
Corta as pecinhas e levanta e depois, então, que abre as portinhas. Depois,
faz as telhas, depois põe por cima. Antes faz as lajezinhas e depois põe
as telhas... vai, com a ponta do dedo, fazendo estas viradinhas para dar a
forma pras telhinhas. Agora, para queimar é o seguinte: põe fogo no forno
cedo e vai candeando até as duas ou três horas da tarde. Aí, põe bastante
fogo pra poder clarear. Os potes, a gente usa um que serve de fôrma. A
gente faz o fundo e depois vai levantando... agora, pra tingir as casinhas,
eu uso a tinta de bisnaga, comprada, ou a tinta de tingir roupa. Eu faço
assim, por costume. A gente corta os tantozinhos numa bitola só, mas a
casinha não tem jeito de pôr na fôrma; não tem jeito, porque depois, como
é que tira? O pote põe na fôrma, levanta até numa altura, depois vai pondo
o pavio, que eles tratam, e levantando... Tem que amassar muito, porque
qualquer um cisquinho que ficar não queima, estoura; estoura, solta os
pedaços de barro no lugar.
A gente aprendeu na pura ideia. A gente fez assim, um cálculo pra ver
se deva certo pra poder queimar e fez com mais pouco suspiro. Então,
ficava preto, a vasilha ficava preta. Então nós aumentamos, aumentamos
o suspiro, aí, deu certo, porque fica clarinho. Porque sendo pouco suspi-
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Camponesas, fiandeiras, tecelãs, oleiras
ro, dá pouco fogo pra cima, então, tem lugar que fica preto... a gente foi
praticando e... foi cuidando por ideia, mesmo.
Tem o pote pra pôr água, doce; tem os enfeites; tem as panelinhas e o pote
pra ir no fogo, pra cozinhar. Agora, pra cozinhar, a gente usa outro barro,
mais forte. Porque a gente não pode enganar. Vender uma vasilha que é
de pôr água, eles põem no fogo, ela estoura, perde o que tinha comprado.
Então, a gente tem que explicar o jeito... pra que serve. Porque senão eles
perdem o trabalho de compra.
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Considerações finais
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Referências
ALVES, Márcia Angelina. A tecnotipologia da cerâmica popular do Vale do Jequi-
tinhonha. Niterói, 27-30 mar. 1994. Trabalho apresentado no GT 16: Organização
social e cultura material rural, do XIX Congresso da ABA. Revista
BITTENCOURT, Luciana. Tecendo textos culturais: tecelagem, narrativas orais
e gênero no Vale do Jequitinhonha. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 38,
n. 2, 1995.
BRUMER, Anita. Gênero e agricultura: a situação da mulher no RGS. In: INTER-
NATIONAL CONGRESS OF THE LATIN AMERICAN STUDIES ASSOCIATION, 22.,
2000, Miami. Paper... Miami, 16-18 mar. 2000.
CESAR JR., Demóstenes; SANTOS, Waldemar, César. Esplêndidos frutos de uma
bandeira venturosa. Minas Novas em escorço histórico. Belo Horizonte, Lemi, s.d.
COSTA, Albertina de Oliveira et al. (Orgs.). Mercado de trabalho e gênero. Com-
parações internacionais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2008.
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II PARTE
O
s textos que se seguem nos oferecem um panorama da origem e dos
desdobramentos, nas três últimas décadas, de algumas das experiências
de organização das mulheres no campo. Ao longo desses anos, elas não
só se multiplicaram, como se diversificaram e se desenvolveram em diversos
pontos do país, de norte a sul, passando a trazer novos temas para a pauta
quer das organizações porta-vozes, no espaço público, dos interesses dos tra-
balhadores do campo, quer a fazer experimentos organizativos e de intervenção
social. A leitura dos artigos certamente proporcionará ao leitor uma amostra da
diversidade de questões pelas quais as mulheres vêm se mobilizando, indicando
que, se há temas comuns – como o acesso à terra, geração de renda, desejo de
firmar novas relações com pais e companheiros –, há também particularidades
locais que precisam ser consideradas para evitar reducionismos que encubram
a riqueza das experiências em curso.
Os dois primeiros artigos desta parte da coletânea tratam das organizações
das mulheres na produção (Na trajetória dos assentamentos rurais. Mulheres,
organização e diversificação, de autoria de Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante,
Henrique Carmona Duval, Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco e Ana Paula
Fraga Bolfe, e Razão da participação das mulheres rurais em grupos produtivos,
de autoria de Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Silvia Aquino, Caroline
Bordalo e Laeticia Jalil). Por meio deles se visibilizam experiências produtivas
diversificadas: preparação de pães, doces e geleias; extração de sementes para
a indústria de cosméticos; produção de artesanato; cultivo de hortas, visando
à venda para mercados diferenciados (tanto locais, como para empresas de
grande porte). No entanto, não se trata apenas de buscar novas fontes de ren-
da, como uma leitura superficial poderia sugerir, mas também de afirmação de
laços sociais, da construção de espaços próprios de convivência, de exercícios
de tomada de decisão. Como apontam Bruno et al., “os grupos produtivos são,
ao mesmo tempo, lugar para a valorização do trabalho e o espaço de fortale-
cimento da sociabilidade e da amizade entre as mulheres”.
* Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora do Programa
de Pós graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro.
** Doutora em Antropologia pelo PPGAS/MN/UFRJ. Professora do PPGSP/SPO/CFH/UFSC - Programa de Pós-
graduação em Sociologia Política/Depto de Sociologia e Ciência Política/ Centro de Ciências Humanas/
Universidade Federal de Santa Catarina.
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Apresentação
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Apresentação
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Nesse quadro, a própria militância, mesmo sem essa intenção explícita, acaba
se constituindo em uma possibilidade de saída e de ruptura com o trabalho
agrícola, descortinando novos horizontes.
O tema de uma nova forma de agricultura é retomado no artigo de Ema
Siliprandi, que se volta para a análise do lugar da mulher na construção do
movimento agroecológico. A autora reconstrói os principais momentos da
formação dos movimentos de mulheres no Brasil, mas afirma que é somen-
te no início dos anos 2000 que agricultoras aparecem publicamente, pela
primeira vez, como produtoras rurais propriamente ditas, reivindicando
também o direito de serem beneficiárias de políticas produtivas e exigindo
tratamento diferenciado por parte da sociedade e do Estado. As Marchas
das Margaridas, realizadas em 2000, 2003 e 2007, coordenadas pela Comissão
Nacional da Trabalhadora Rural da Contag e as grandes manifestações da
Via Campesina nas comemorações do dia 8 de março, Dia da Mulher, a partir
de 2006, são os exemplos dados pela autora. Segundo ela, os movimentos de
mulheres rurais avançam na proposição de um modelo de desenvolvimento
para o campo que combina questões estratégicas presentes nos movimen-
tos ecologistas/ambientalistas com elementos trazidos historicamente pelo
feminismo. Nesse processo, ao mesmo tempo em que dão destaque a temas
como alimentação e saúde das pessoas e do ambiente, ressaltam, de forma
crítica, suas experiências pessoais como responsáveis pelas tarefas do cui-
dado e da reprodução dentro das famílias, questionando a divisão sexual do
trabalho existente no meio rural: as tarefas relacionadas ao “cuidar” acabam
sobrecarregando-as e dificultando sua participação em outras esferas, entre
elas a política.
O conjunto dos textos apresentados nesta parte da coletânea traz temas
interessantes para discussão e para possível aprofundamento em investimen-
tos futuros de pesquisas. Um dos aspectos que chama a atenção é a relação
entre os emergentes movimentos de mulheres e diversas instituições com as
quais se relacionam, quer numa perspectiva de colaboração, quer de conflito.
Os movimentos feministas, que começaram a ganhar corpo no Brasil nos anos
1970, o sindicalismo rural no interior do qual se iniciaram as mobilizações,
num primeiro momento por direitos previdenciários, o Movimento dos Tra-
balhadores Rurais Sem Terra, as comunidades eclesiais de base constituem-se
uma multiplicidade de lugares em que, pouco a pouco, se elaboraram questões
relacionadas a reivindicações específicas das mulheres, colocando o tema
“gênero” num local central da pauta política (assim como, logo depois, foi
feito com a “juventude”). Nesses espaços são múltiplas e contraditórias as
mediações, impondo dinâmicas que não só geram disputas entre as chamadas
“organizações mistas” e as de mulheres (“autônomas”), como também refletem
em grande medida as divisões que recortam as organizações que disputam a
representação dos trabalhadores do campo.
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NA TRAJETÓRIA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS:
MULHERES, ORGANIZAÇÃO E DIVERSIFICAÇÃO
Introdução
A
história de mulheres na constituição e trajetória dos assentamentos é
marcada por muitos atos de discriminação naturalizada. Discriminação
respaldada pelas visões patriarcais do projeto estatal, pelo atraso na ex-
tensão dos direitos trabalhistas e previdenciários, pela exclusão em programas
de crédito/comercialização/investimentos. As mulheres têm tido ao longo de
anos, na história de muitos assentamentos, presença ativa na intermediação
com o poder local, na proposição de iniciativas de diversificação produtiva, no
reforço de estratégias familiares que têm se apresentado nas relações de apro-
ximação e de conflito que permeiam a constituição deste novo modo de vida.
O presente artigo trabalha experiências recentes de atividades de diversi-
ficação desenvolvidas em núcleos de assentamentos da Fazenda Monte Alegre
(núcleos III e VI), do Bela Vista do Chibarro, ambos na região de Araraquara, e
ainda no assentamento Vergel na região de Campinas, no estado de São Paulo.
Essas experiências, em um dos casos, mediada pelo poder público munici-
pal, em outro, pelo movimento sindical e, no terceiro, pelo desenvolvimento de
parcerias, estão sendo analisadas como expressão de resistência ao modelo de
agronegócio que tem pautado as avaliações dos assentamentos rurais.
O artigo retoma expressões de diversificação produtiva que vêm se apre-
sentando como alternativas de geração de renda e busca trabalhar as relações
entre produção/reprodução social de maneira crítica, especialmente pela na-
turalização de lugares atribuídos a um e outro momento. Questiona também o
caráter de complementaridade inicialmente atribuído ao trabalho de mulher
na agricultura e procura analisar a importância de tais atividades no contexto
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Retratos do presente
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1 Prática reprimida pelo Incra – daí as ações de reintegração de posse – e, por outro lado, legalizada pelo
Itesp através da Portaria nº 077/2004 – segundo a qual cada assentado pode produzir até 50% de seu lote
com culturas agroindustriais, em parceria com agroindústrias.
2 Este Sindicato faz parte da Feraesp – Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São
Paulo –, criada em 1989 e legalizada por decisão do Tribunal Superior do Trabalho de 27 de novembro de
1990. A criação da Feraesp pode ser considerada como um desdobramento dos movimentos grevistas de
boias-frias deflagrados no estado de São Paulo nos anos de 1984-1985 e como uma resposta às contradições
detectadas no sindicalismo rural paulista até então unicamente representado pela Fetaesp – Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo. Atualmente, a Feraesp tem 86 sindicatos a ela
filiados, enquanto a Fetaesp tem 140 sindicatos sob sua jurisdição.
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3 O Projeto Lagartinhas Verdes foi criado em 1995 por assentadas do Assentamento Bela Vista do
Chibarro, com o intuito de trabalhar com hortaliças. O nome Lagartinhas Verdes foi sugerido por uma
das participantes do projeto e provocou controvérsias. Diante da expectativa de ser a produção natural,
sem herbicidas, no imaginário dessas assentadas, a imagem do inseto comedor de hortaliças poderia ser
invertida, daí o acolhimento ao título “Lagartinhas Verdes”.
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tobata com um assentado para facilitar nosso trabalho, mas ele não quis
alugar. Enfrentamos resistência por parte de alguns homens, muitos passa-
vam e riam, diziam que isso não iria virar nada, que nós éramos um bando
de mulheres desocupadas, enfim, foram muitas as chacotas. (Depoimento
de uma assentada do Bela Vista)
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Na trajetória dos assentamentos rurais: mulheres, organização e diversificação
4 A Fundação Mokiti Okada participou desse projeto através de pesquisadora da área ligada ao Centro de
Pesquisa Mokiti Okada, que está focado na realização de pesquisas e no desenvolvimento de tecnologias
sustentáveis para a expansão da agricultura natural no Brasil. Através de projetos, incentiva a agricultura
natural, considerada uma forma eficaz de se direcionar para a saúde e recuperação da parte física, biológica
e química do solo, ao contrário da agricultura convencional, que somente observa a planta. (MOKITI
OKADA, 2010)
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Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante, Henrique Carmona Duval, Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco, Ana Paula Fraga Bolfe
Rural – Senar – de Mogi Mirim) com fibra de bananeira, taboa, palha de milho,
jornal; produção de plantas medicinais e aromáticas.
O grupo, fez parcerias, dentre elas, com o Centro de Pesquisa Mokiti
Okada, junto do qual conseguiu um espaço de venda direta ao consumidor
na feira mensal no Johrei Center de Mogi Mirim (unidade da Igreja Messiânica
Mundial do Brasil), e com a Empresa Piraí de sementes de adubos verdes de
Piracicaba/SP, que doou 300kg de sementes, espécies de adubação verde para
multiplicação nos lotes. Participa ainda do mercado local em Mogi Mirim, na
feira de produtores, comercializando semanalmente seus produtos.
A AMA Vergel também integra a Rede de Agroecologia Mantiqueira/Mogiana,
coordenada pela Embrapa Meio Ambiente de Jaguariúna (SP) e tem presença
ativa nas reuniões, nos intercâmbios e eventos, nos quais o trabalho do gru-
po é referência em suas atividades de conservação, multiplicação e troca de
sementes. A Rede de Agroecologia Mantiqueira/Mogiana tem como objetivo a
construção de conexões entre os atores sociais, principalmente agricultores,
que se identifiquem e eventualmente já façam uso de práticas sustentáveis nas
suas atividades agrícolas. É formada por vários atores sociais, entre eles agri-
cultores, pesquisadores, estudantes, técnicos e extensionistas rurais (REDE DE
AGROECOLOGIA MANTIQUEIRA-MOGIANA, 2010).
O grupo AMA se insere na Rede participando dos intercâmbios com agri-
cultores que se encontram também em transição, já que o grupo tem o foco de
produção de produtos sem uso de insumos químicos, construindo um banco de
sementes e produzindo plantas medicinais, mandioca, derivados da mandioca,
banana, galinha caipira, ovos e outros.
O grupo liderou a Cooperativa de Produção do Assentamento do Vergel
(Coopavel), participando da direção, apoiado pela Incubadora Tecnológica de
Cooperativas Populares (ITCP) da Universidade Estadual de Campinas (Uni-
camp), e conseguiu aprovar um projeto para construção de uma agroindústria
no assentamento. No entanto, essa cooperativa foi desarticulada, e nesse ano
está sendo retomada a ideia de uma nova cooperativa que ainda não teve seu
nome em votação, mas contempla a participação de todos os assentados sob a
liderança da líder do grupo AMA, que foi escolhida pelo “povo” (termo utilizado
pelas assentadas quando fala do assentamento como um todo). Uma cooperativa
que nasce em função dessa liderança em outra perspectiva, como se pode ver
na articulação e aprovação do estatuto que coloca um novo formato de traba-
lho em equipe: equipe de tesouraria, equipe de secretaria etc.; cada equipe se
responsabilizando por uma área.
Mesmo com todas essas atividades que geram renda para seus grupos
familiares, as mulheres, na maioria das vezes, chegam a enfrentar até três jor-
nadas de trabalho diárias e não recebem apoio de seus maridos, como se pode
observar no depoimento de uma assentada:
206
Na trajetória dos assentamentos rurais: mulheres, organização e diversificação
Eu acho que a mulher precisa ter a autonomia dela. Por mais que ela ajude
o marido no sítio, por mais que ela tenha renda junto com o marido, mas
ela quer um trabalho dela, uma renda dela, né? Que agrega na família. Ela
tem o direito de ter esta autonomia, de ter esta renda à parte. Principal-
mente quando se trata de grupos de mulheres, né? Quando a gente fala
grupos, a gente desvincula das famílias. É outro interesse. Então eu acho
assim que tem que ter uma verba específica, separada dos homens. E os
jovens também precisam. O jovem está sempre envolvido nos núcleos
de família e não tem autonomia. Às vezes eles querem um projeto que é
deles, eles querem desenvolver esse projeto, aonde eles estão no núcleo
da família e não têm esta renda, é aonde eles ficam desmotivados, vão
pra rua, vão pras drogas, tudo que não presta, né? Minha vida é viver
207
Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante, Henrique Carmona Duval, Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco, Ana Paula Fraga Bolfe
lutando por estes jovens e lutando pelas mulheres. A gente precisa ter
esta autonomia. (SIQUEIRA, 2008, p. 128-129)
Porque a gente aprende muita coisa. Nas reunião eu aprendi muita coisa.
Eu aprendi tantas coisas no grupo de mulher e eu faço aqui em casa mes-
mo. Principalmente pra cozinhar. Pra fazer um pão, um bolo, eu não sabia
fazer estas coisas. Mas agora fazendo estas festas, almoço, eu aprendi, né?
A fazer reunião. Como fazer a reunião entre as mulher, como conversar,
como respeitar as outras mulher. Como respeitar a opinião de outra mulher.
Às vezes a gente tava no grupo de mulher, uma desabafava com a outra.
Era tipo assim uma terapia pra gente. Às vezes eu me sentia angustiada,
então eu desabafava. E as mulheres desabafavam com a gente. Quer dizer
que é gostoso, assim. Nós trabalhávamos assim, só que uma contava os
problema pra outra, a outra contava o problema com o marido dela, uma
terapia de grupo [risos]. Falava ali, ali morria mesmo, né? Aquela mesa
da Ileide lá, só aquela mesa pode contar. E assim esclarece até a mente da
gente. (SIQUEIRA, 2008, p. 118)
Foi por meio desse processo que houve um aumento de renda, com o qual
foi possível pagar dívidas contraídas anteriormente em projetos convencionais
de produção.
208
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No presente, as mulheres do Núcleo III não estão fazendo doces com re-
gularidade para vender em Araraquara. A cozinha tem sido usada por apenas
duas delas esporadicamente, quando há encomendas por parte de comerciantes
da cidade de Ribeirão Preto ou quando elas vão participar de uma feira livre
em Matão.
No Núcleo VI, o sabor dos pães caseiros transmite uma sensação de estar
junto, em casa, em um lugar pleno de significações. Neste núcleo, o processo
caminha mais rapidamente. Na Associação constituída – Associação de Mulhe-
res Assentadas do Monte Alegre VI (AMA) – com 11 associadas, todas pagam
uma mensalidade de R$10,00 e parecem caminhar, regulando cada passo, em
um processo lento, mas continuado de mudanças.
212
Na trajetória dos assentamentos rurais: mulheres, organização e diversificação
Era uma quarta-feira e ela estava no lote cortando cana para dar ao gado
que a família cria, ou seja, trabalhando na roça junto com o marido. Ela disse
que tivemos sorte de chegar naquele horário (às 10:30h), pois ela tinha
acabado de parar com esta atividade e ido para casa fazer o almoço. Nos
falou: “daqui a pouco chega o homem e o almoço tem que estar pronto”,
por isso não podia parar para nos atender naquele momento. A Danuta
(pesquisadora que estava junto) perguntou em quais dias da semana ela
estava na cidade para vender os produtos no terminal e se ela podia res-
ponder algumas perguntas num outro momento. Dona Nice respondeu que
às sextas-feiras ela está no terminal de integração e chega tarde em casa,
só dá tempo de descansar um pouco. No sábado, ela acorda às 02:30h e
começa a preparar as mercadorias para ir à feira da praça Pedro de Toledo.
Volta da feira por volta das 13:00h e logo já precisa ir lavar a igreja, onde
participa do grupo de orações e do coral. Só depois disso tudo vai dormir.
Descansa no domingo, pois segunda-feira começa tudo outra vez. Bem,
provavelmente no domingo ela também tem trabalho doméstico, portanto
esse descanso é relativo. (Diário de Campo, 19 mar. 2009)
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Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante, Henrique Carmona Duval, Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco, Ana Paula Fraga Bolfe
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Na trajetória dos assentamentos rurais: mulheres, organização e diversificação
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Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante, Henrique Carmona Duval, Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco, Ana Paula Fraga Bolfe
Referências
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horizonte dos bóias-frias). Natureza, História e Cultura – Repensando o Social,
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Acesso em: 19 abr. 2010.
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- Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola, Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 2009.
SIQUEIRA, A. P. P. de. Impactos sobre a dinâmica produtiva e as relações de
gênero na transição agroecológica de um grupo de mulheres assentadas. 2008.
Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) - Programa de Pós-Graduação
em Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2008.
216
RAZÕES DA PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES RURAIS
EM GRUPOS PRODUTIVOS*
Regina Bruno**
Valdemar João Wesz Junior***
Caroline de Araujo Bordalo****
Silvia Lima de Aquino*****
Laeticia Jalil******
Introdução
U
m dos desdobramentos da luta por direitos das mulheres rurais nos anos
recentes foi a instituição de políticas públicas voltadas para o atendimento
de suas demandas específicas. Dentre as políticas, destaca-se o Programa
de Organização Produtiva de Mulheres Rurais (POPMR), criado em 2008 com oin-
tuito de contribuir para maior inserção econômica das mulheres rurais, do ponto
de vista de uma perspectiva “igualitária”. Na descrição de Butto e Dantas (2010):
* Este artigo tem como referência empírica e analítica a pesquisa sobre o Perfil dos grupos produtivos de mulheres
nos territórios da cidadania em áreas de reforma agrária, convênio IICA/BRA-Redes– 2010, sob coordenação de
Regina Bruno (profa. CPDA/UFRRJ). Participaram da pesquisa Regina Bruno (profa. CPDA/UFRRJ - coordenação);
Caroline de Araújo Bordalo, Laeticia Jalil, Silvia Lima de Aquino e Valdemar João Wesz Junior (alunos do CPDA/
UFRRJ e assistentes de pesquisa); Leonilde Servolo de Medeiros (professora do CPDA/UFRRJ - consultoria);
Andrea Butto, Assessoria Especial de Gênero, Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário – Aegre/
MDA; Maria de los Angeles Guevara (Universidade de Holguin/Cuba - primeira fase da pesquisa); e Karla Hora
(Aegre/MDA - primeira fase da pesquisa). A pesquisa foi realizada em 2009 e 2010.
** Professora do Programa de Pós graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ.
*** Doutorando do Programa de Pós graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ.
**** Mestranda do Programa de Pós graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ.
***** Doutoranda do Programa de Pós graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro do CPDA/UFRRJ.
****** Doutoranda do Programa de Pós graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ.
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
1 Para mais informações sobre o POPMR e as políticas existentes, ver “Políticas para as mulheres
rurais: autonomia e cidadania” (BUTTO; DANTAS, 2010). Ver também o portal do MDA: <www.mda.
gov.br>.
2 Ver, no Anexo deste artigo, uma sucinta descrição dos grupos.
218
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
Fonte: IBGE.
Organização: assistentes de pesquisa.
219
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
3 O grupo produtivo Pé da Serra (MS) desenvolve a agroindustrialização de produtos vegetais, em sua maioria
nativos do Cerrado, onde se têm como produto final geleias, doces e conservas. O Grupo de Mulheres
do Assentamento Rio Fábrica (PA) coleta e extrai sementes oleaginosas (babaçu, manteiga de ucuuba,
óleo de murumuru, pracaxi), bem como vende açaí no mercado local. O grupo produtivo Fibra e Arte (RJ)
produz artesanatos de fibra da bananeira e palha de milho, materiais facilmente encontrados no próprio
assentamento. O grupo produtivo Liberdade (PB) desenvolve artesanato com a fibra do coco. Por último,
o grupo produtivo Anescha (SC) fabrica bolos, biscoitos de milho e trigo, doces, schimier, cucas, bolachas,
macarrão e pães, produtos tradicionalmente confeccionados pelas famílias do Sul do país.
220
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
Ele é quem trabalha na terra. Eu não planto nada. Eu não faço mais parte
da terra. Tenho só o meu nome lá no título, mas não trabalho nem planto
nada. Moro só aqui nessa casa da agrovila. Ocupo somente aqui a casa
mesmo. Ele é quem planta, é quem colhe, é quem vende. Eu não tenho
saúde. Eu não vou brigar com ele pra dividir a terra. E também não tenho
condição de pagar alguém pra trabalhar a terra... Não vou tirar meus filhos
da escola pra botar eles trabalhando na terra, de enxada. (PB)
221
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
Nem meu nome eu sei escrever, porque fui criada na roça e o meu pai
era um piauiense muito carrasco! Para ele, mulher não poderia estudar
porque era só para escrever carta para conquistar homem. Quando eu era
pequena,chorava quando via os meus irmãos indo para a escola e meu
pai não deixava.
4 Os cursos mais frequentes: “agricultura”, “artesanato”, “apicultura”, “criação de bovino”, “congelados”, “corte e
costura”, “derivados de leite”, “enfermagem”, “ervas medicinais”, “fabricação de doces”, “panificação”, “frutas
e hortaliças”, “piscicultura”, “produtos de limpeza” e “solos”.
222
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
5 Tal postura as difere das entrevistadas que optaram por não participar dos grupos produtivos e
abandonaram outras instâncias de organização, em grande parte “desiludidas” com os movimentos
comunitários e com as políticas públicas por se sentirem desvalorizadas. Elas transformaram em desilusão
a insatisfação com os movimentos sociais e com o sindicato. Muitas argumentaram que não participam
porque já sabem de antemão que o grupo produtivo de mulheres está fadado ao fracasso. “Sei que não
vai dar certo”, declara uma das assentadas. No primeiro caso, a pessoa se constrói no coletivo e a partir
do coletivo. No segundo, colocam o coletivo a serviço do indivíduo.
223
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
6 Os cinco grupos por nós pesquisados participaram das feiras organizadas pelo MDA e as entrevistadas
consideraram positiva a avaliação por abrir novos mercados, possibilitar o intercâmbio de experiências e
conhecer melhor a demanda dos consumidores.
224
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
225
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
Agora nós temos o nosso dinheirinho [...] para os homens seria melhor
se a mulher ficasse na casa dela, fazendo as coisas da casa, só! Claro. Eles
tinham domínio total, né? Era bem melhor do jeito que tava pra eles, né?
Ele dominava! Agora não, agora nós temos voz ativa. (MS)
Antes de surgir esse grupo de mulheres aqui, eu não sabia entrar num
banco, [mas] eu queria ter a minha conta. Hoje eu tenho uma conta, uma
poupança minha, eu tenho o meu dinheiro. E eu fiquei feliz porque nós
também. Eu consigo pagar a roupa para meus filhos, material escolar,
tudo dali, você entendeu? Sem contar que a autoestima nossa mudou
completamente! (MS)
7 Paralelamente, as vendas na Feira Municipal, que acontece semanalmente e que tem como público os
moradores da cidade, também se apresentaram como importante espaço de comercialização.
226
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
Eu nunca tentei tirar crédito, porque nunca tentei. Meu marido ainda deve
o empréstimo e eu fico pensando se eu posso fazer o mesmo. Mas tenho
medo, porque meu salário é importante e tenho medo de [o salário] ficar
preso no banco. (PA)
Por sua vez, a participação das mulheres em grupos produtivos faz com
que ela se veja diante de processos sociais até então distantes de seu uni-
verso ou mesmo desconhecidos, como a dificuldade de acessar o crédito e
o medo do endividamento, além da dificuldade histórica de comercialização
da produção.
Em algumas situações, a precariedade de recursos e de políticas é tamanha,
que termina por moldar o comportamento das pessoas e dos grupos sociais
desfavorecidos, seja na tendência a aceitar tudo o que lhes é oferecido (crédi-
tos e recursos, cursos de formação e de qualificação) e “entrar em tudo o que
aparece”, na expectativa de melhoria da vida e na esperança de que um dia dê
certo; seja na decepção e no desalento diante das dificuldades.
Enfim, a maioria das mulheres vê o grupo como lugar de maior autonomia
e espaço de liberdade para se “reunir”, “aprender a falar”, “saber como lidar
com o dinheiro” etc.
Muitas vezes, a falta de liberdade em lidar com o dinheiro começa no con-
vívio com os pais. O pagamento que recebem (quando recebem) pelo trabalho
na roça é condicionado às regras paternas sobre como e quando usá-lo.
Meu pai sempre pagava pelo trabalho dos filhos e das filhas, mas condi-
cionava a determinadas regras: o dinheiro recebido não podia ser usado
para comprar cigarro, bebida. Enquanto morasse no teto da casa do pai,
era proibido. (RJ)
227
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
“Geralmente ele não ‘apita’ em nada do que eu vou fazer. Eu mesma tomo as
minhas decisões. Mas a minha decisão é sempre família” (RJ).
Além disso, não se trata de um recurso qualquer, nem de uma atividade
com um bom retorno financeiro, mas é um dinheiro socialmente legitimado,
porque faz parte “de uma política pública” (RJ).
As mulheres não votavam aqui pra associação, era só homem [que vo-
tava]! O cantinho delas era cuidar dos filhos e da casa. Quando marcava
reunião da diretoria, não aparecia uma mulher! Era só dos homens, só.
E só briga. Você não tem noção das briga de leão deles! Quando surgiu a
agroindústria, o grupo das mulheres tomou outro rumo. Foi uma luta! Eles
não queriam fazer uma assembleia pra gente entrar, porque no estatuto,
como era um estatuto provisório, eles não tinha pensado nisso. Começou
com 20% das mulheres, aí foi para 30% e agora a gente monta a chapa e
manda ver. (MS)
A mulher tem que ter o grupo dela, tem que ter um movimento. Porque
eu acho, assim, que a gente devemos ser livre como um passarinho.
Devemos ter nossa atividade, que a gente possamos ajudar até dentro
de casa com alguma atividade. Eu acho que a mulher deve ter a própria
228
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
atividade dela. Porque a mulher está tomando o espaço e tem que tomar
o espaço dela. A mulher não tem que ser aquela mulher que vivia lá no
canto como antigamente, “tu vai cozinhar, tu vai lavar roupa’”. A mulher
deve ter o espaço dela dentro da comunidade, dentro do assentamento,
e esse espaço é o grupo. (PA)
“Sozinha nós não somos nada”, diz outra entrevistada. Para as mulheres
da comunidade Rio Fábrica (PA), a existência do grupo lhes proporcionou
maior visibilidade, na medida em que passaram a ser mais reconhecidas pela
comunidade. Desse modo, o grupo para elas também se apresenta como lugar
de reconhecimento como mulher, esposa, mãe, avó etc.
Considerações finais
229
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
Referência
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BRUNO, Regina; BORDALO, Caroline; AQUINO, Silvia. Sociabilidade e gênero:
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Técnica - PCT - REDES/IICA-MDA – NEAD. Mimeografado.
230
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
BRUNO, Regina et al. O perfil das mulheres rurais integrantes dos grupos pro-
dutivos nas regiões brasileiras. In: ENCONTRO DA REDE DE ESTUDOS RURAIS,
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EdUFRGS, CPDA, 1999.
231
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
ANEXO
A pesquisa
232
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
Feminista; g) 1ª Feira da Economia Feminista e Solidária do Rio Grande do Norte; e h) Sistema de Informações
em Economia Solidária (2007).
10 Na região Sul do país, não encontramos nas fontes disponibilizadas nenhum grupo produtivo de mulheres
que contemplasse o recorte da pesquisa. Buscamos, então, a intermediação e o apoio de alguns órgãos
e instâncias (estatais, ONGs, entidades de representação etc.), mas, naquele momento, ninguém possuía
informação precisa sobre a existência de grupos produtivos com as características por nós elencadas.
Diante disso, adequamos a metodologia e sorteamos um grupo de mulheres da agricultura familiar em
Território da Cidadania. Se de um lado a pesquisa perdeu em rigor metodológico, de outro ganhou em
reflexão, pois permitiu perceber semelhanças e diferenças entre duas categoriais sociais: assentamentos
rurais e agricultura familiar.
233
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
234
Razões da participação das mulheres rurais em grupos produtivos
11 De acordo com a atual coordenadora e fundadora do grupo, a palavra Anescha “[...] é um conjunto de
nomes, né?”, ou seja, trata-se da junção das iniciais dos integrantes de sua família.
12 Schmier é um doce pastoso de origem alemã, feito de frutas, semelhante a uma geleia. A cuca é um bolo,
também de origem alemã, feito com ovos, farinha de trigo, manteiga e fermento.
235
Regina Bruno, Valdemar João Wesz Junior, Caroline de Araujo Bordalo, Silvia Lima de Aquino, Laeticia Jalil
geleias, bolachas de açúcar mascavo, macarrão e pães de vários tipos, que são
comercializados tanto por encomendas quanto em uma feira local semanal. A
formação do grupo está diretamente ligada à vida pessoal da atual coordenadora.
O grupo foi criado em 2001em um momento de crise financeira da família dela.
Nessa época, seu marido descobriu que estava doente, o que o impossibilitava
de exercer o trabalho na agricultura. Sem recursos financeiros para manter a
família, a coordenadora, a partir da ideia de uma vereadora, que na época era
extensionista da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina S/A (Epagri), resolveu criar o grupo.
Desse modo, em relação às motivações para a criação do grupo, percebe-se
que o sentido maior da existência do grupo Anescha e a justificativa primeira
de sua fundação é o fator financeiro. É por meio do dinheiro oriundo da comer-
cialização dos artigos produzidos pelo grupo que as integrantes conseguem
complementar a renda familiar e, em alguns momentos, como no caso da atual
coordenadora, garantir a subsistência familiar.
236
O PROTAGONISMO POLÍTICO DE MULHERES RURAIS
POR SEU RECONHECIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL
Introdução
N
as últimas décadas o campesinato brasileiro vem sendo construído, na
sua forma conceitual, para afirmar a condição camponesa como “pro-
jeto concorrente de reordenamento social”, que se configura “como
uma forma legítima de se apropriar de recursos produtivos” e também para
ter reconhecimento real de suas forças sociais, de suas lutas políticas e de
modalidades “de sua capacidade adaptativa a formas econômicas dominantes”
(NEVES; SILVA, 2008).
A categoria campesinato é analisada pela academia com base em três
aspectos considerados constitutivos e concebidos como princípios mínimos
para expressar sua existência: a forma como se dá a organização da produção,
que envolve modos de produção específicos e presença da mão de obra fami-
liar; a relação com o mercado, principalmente o local; e sua dimensão social
e política, que remete a modos de vida, de sociabilidade e de transmissão de
valores (NEVES; SILVA, 2008).
Este texto pretende tratar de dois aspectos constitutivos do campesina-
to: a organização da produção e o caráter político. A academia tem recorrido
a tais princípios para explicar a existência da categoria campesinato porque
eles apontam as especificidades na sua relação com outras formas produtivas,
dentre elas a que se caracteriza pelo modo de produção capitalista (latifúndio,
monocultura, alto padrão tecnológico, produção para exportação). Destaco que
por camponeses também são compreendidos diferentes categorias de trabalha-
dores rurais – moradores, meeiros, rendeiros, sitiantes –, por se incluírem na
forma conceitual de produtor camponês, segundo os critérios antes apontados.
Recorro neste texto a dois aspectos/princípios para produzir uma reflexão
relacional e problematizadora que se ancore e inclua as experiências de e com
mulheres camponesas, contribuindo com estudos iniciados no final da década
de 1970 (GIULIANI, 1989; HEREDIA, 1979).
A organização da produção camponesa se alicerça no uso da mão de
obra dos membros da família em condições de trabalho. A mulher (esposa,
mãe, filha) é envolvida para auxiliar no processo produtivo, e seu trabalho se
* Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará/UFC. Professora Associada do Departamento de
Economia Doméstica/UFC. Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente/
PRODEMA/UFC. Professora do Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Políticas Públicas/MAPP/UFC
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
238
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
239
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
240
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
1 No ano de 1976, o governo federal instala no Nordeste brasileiro o Projeto de Apoio aos Pequenos
Produtores Rurais (Papp) e no ano seguinte o Programa Polonordeste (Programa de Desenvolvimento
de Áreas Integradas do Nordeste).
241
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
2 Na década de 1970, a Diocese do município de Afogados da Ingazeira (sertão de Pernambuco) reúne uma
equipe de religiosos e leigos para realizar formação política e organizar trabalhadores rurais em torno da
discussão sobre suas condições de vida (ALMEIDA, 1995, p. 42).
3 O reconhecimento da categoria e de direitos para o trabalhador rural se dá com a Lei n° 4.212, denominada
Estatuto do Trabalhador Rural (2 de março de 1963), e a lei de desapropriação de terras, chamada Lei do
Estatuto da Terra, é promulgada em 30 de novembro de 1964 com o n° 4.504.
242
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
4 Margarida Maria Alves iniciou sua vida sindical em 1967, com mandatos de presidente nas gestões de
1973, 1976, 1979 e 1982, e participou da fundação, em 1980, do Centru. Foi assassinada em 1983, em razão
de sua atuação frente ao sindicato.. Elizabeth Teixeira, esposa de João Pedro Teixeira, substituiu o marido,
quando este foi assassinado em 1962, como liderança da Liga Camponesa na Paraíba, e protagonizou
o filme Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. Maria da Penha Nascimento foi dirigente do
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande e do Movimento de Mulheres do Brejo. Morreu num
acidente de carro que não foi devidamente esclarecido..
5 Um folder do MMTR-NE Sertão Central – PE informa que as primeiras reuniões se dão no ano de 1982, no
distrito de Caiçarinha da Penha, município de Serra Talhada, em Pernambuco. O material é distribuído no
1° Encontro Latino-Americano e do Caribe da Mulher Trabalhadora Rural, realizado em Fortaleza em 1996.
243
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
244
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
245
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
8 Para o aprofundamento do sentido de campo político, campo de forças e campo de lutas, consultar
Bourdieu (1989).
246
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
9 São homenageadas como símbolos da resistência Margarida Maria Alves, Elizabeth Teixeira e Irmã Aurélia
Duranti, religiosa italiana da Congregação Franciscana do Verbo Encarnado (JST, Fev/1985, p. 19).
247
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
10 Ver Jornal Sem Terra (set. 1984): entrevista com Divina Francisca de Oliveira, dirigente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STRs) de Goiás Velho/Goiás. Matéria sobre o acampamento e a mobilização de 500
mulheres na luta por sindicalização em Nova Timboteua/Pará (maio 1985). Entrevistas com Maria Aparecida
Rodrigues Miranda e Maria de Jesus da Silva, presidentes dos STRs de Unaí/MG e de Jacundá/Pará (jun.
1985). Matéria sobre a organização das mulheres para sindicalização, informada por Maria da Penha do
Nascimento, diretora do STR de Alagoa Grande/Paraíba (dez. 1985).
248
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
11 A consulta realizada ao Jornal Sem Terra, edições de 1981 a 1985, traz referências sobre a mulher num
contexto da estrutura familiar, como membros de famílias de colonos, camponeses, de trabalhadores.
Essas mulheres são identificadas como esposas, mães e grávidas.
249
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
250
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
251
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
mulheres para uma participação organizada e voltada para atuarem nas lutas
gerais15 dos trabalhadores rurais (sindical e do MST), em que é produzida a
intersecção entre a luta de classe e a luta de gênero.
A unidade constituída no campo das forças e das lutas específicas fortalece
mulheres para ações políticas no interior dos movimentos mistos16 e em movi-
mentos políticos que se organizam na década de 1990. A condição subalterna da
mulher problematizada nos movimentos autônomos de mulheres trabalhadoras
rurais e em seus espaços formativos e de lutas ao articular a luta de classe à luta
de gênero ganha força e representação no I Congresso Latino-Americano de Or-
ganizações do Campo (Cloc), realizado em 1994 no Peru. Com a participação de
mulheres brasileiras de movimentos autônomos e mistos, registram no documento
final do congresso que “a luta das mulheres do campo é a luta de todos [...] não é
um problema só de homens e, sim, de todos os explorados de toda a sociedade”.
As relações e a pressão internacional17 colaboram para a aceitação pelas
forças masculinas da entrada do conceito de gênero como categoria teórica que
passa a contribuir nos eventos formativos para a análise e o entendimento da
condição de desigualdade vivenciada historicamente pela mulher na sociedade
camponesa, assim como a orientar as lutas específicas e a relacioná-las à luta
de classe.
O debate analítico sobre a luta de classe e a luta de gênero é trabalhado
de forma relacional durante a realização do I Encontro Nacional de Mulheres
Trabalhadoras Rurais.18 Nesse evento as mulheres definem e criam uma enti-
março nos estados da Paraíba, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná; audiências feitas com o Ministro
da Previdência Social em abril e agosto (em abril entregam um abaixo-assinado com mais de 100 mil
assinaturas); a criação pelo Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Mirad) da Comissão
de Apoio à Mulher Trabalhadora Rural. Em 1992 cerca de 1.300 mulheres do campo e da cidade fazem
uma caravana a Brasília para realizar audiências no Ministério da Previdência, com a pauta de direitos
previdenciários (Jornal Sem Terra, anos de 1986 a 1992).
15 Há registros de mulheres no 4o Congresso da Contag, em 1985, nos encontros estaduais e nacionais e nos
congressos nacionais do MST, no 2o Congresso Nacional da CUT (JST, Jul/Ago/1986), na disputa eleitoral
para prefeituras, câmara de vereadores e de deputados estaduais e na luta por direitos constitucionais
(Jornal Sem Terra, 1985 a 1992).
16 Durante a realização do 4o Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, em 1985, o Polo Sindical do
Sertão Central de Pernambuco apresenta um documento elaborado pelo MMTR com justificativas para
a sindicalização das mulheres que, até então, sofriam restrições à sindicalização própria, baseado na
argumentação de que os homens sindicalizados representavam o casal – a família trabalhadora rural
(GIULIANI, 1989, p. 256). As mulheres do MST produzem uma cartilha denominada “A Mulher nas diferentes
sociedades” em 1986, material pedagógico a ser trabalhado com grupos de mulheres nos acampamentos
e assentamentos e publicado no Jornal Sem Terra (dez. 1987).
17 No campo de lutas políticas (internacional) as mulheres se fazem presentes desde a 1ª Conferência
de criação da Via Campesina realizada em 1993 na Bélgica, promovendo debates sobre a condição
específica da mulher rural. Na 2ª Conferência da Via Campesina realizada em 1996, no México, as mulheres
produzem linhas políticas das mulheres e formam um grupo permanente de articulação das mulheres
do campo, que faz sua primeira reunião ainda no ano de 1996. No II Cloc, realizado em Brasília em 1997,
elas fazem a 1ª Assembleia Latino-Americana de Mulheres, que se repete a cada evento do Cloc.
18 Realizado em São Paulo (out. 1995), reúne 22 entidades de mulheres e mistas de 17 estados do país.
252
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
19 No Encontro deliberam pela elaboração de uma cartilha e da Campanha “Nenhuma Trabalhadora Rural
Sem Documento”, que são lançadas nacionalmente nos dias 6 e 12 de agosto de 1997, quando a ANMTR
realiza atos de caráter nacional em Alagoa Grande/PB para denunciar a violência contra as mulheres e a
impunidade aos crimes cometidos contra trabalhadores/as.
20 Em outubro de 1999 a ANMTR veicula para os movimentos sociais mistos e autônomos de mulheres do
país a cartilha “Mulheres Gerando Vida, Construindo um Novo Brasil” que resgata a trajetória de luta da
ANMTR, orienta para a unificação das ações políticas para o dia 12 de agosto como “Dia Nacional de Luta
das Mulheres contra a Violência no Campo e pela Reforma Agrária” e traz as orientações para a realização
do 1° Acampamento Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais a se realizar em Brasília no período de
13 a 17 de março de 2000, sendo esta a principal ação política da Mobilização Nacional das Mulheres
Trabalhadoras Rurais que se faz no mesmo período em vários estados com atividades sintonizadas com
o acampamento nacional.
253
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
21 A lei que regulamenta o direito ao salário-maternidade para as trabalhadoras rurais é assinada no dia 14
de julho de 1994 pelo então Presidente da República, Itamar Franco.
254
O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social
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255
Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo
256
A PERSPECTIVA DE GÊNERO NO MST:
UM ESTUDO SOBRE O DISCURSO E AS PRÁTICAS DE
PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES
Neiva Furlin*
Introdução
N
as últimas décadas constatamos que o campo dos estudos sobre gênero
tem se ampliado rapidamente, incorporando diferentes desdobramentos
e perspectivas na compreensão das relações socioculturais. A origem do
conceito de gênero está associada ao debate feminista dos anos 1970, embora a
sua formulação, como categoria analítica, apareça somente no final da década
de 1980 e sua consolidação ocorra na década de 1990 como novo referencial
analítico no interior das ciências humanas e sociais.
Os estudos acadêmicos com a perspectiva de gênero influenciaram mo-
vimentos sociais, ONGs e a formulação de políticas públicas.1 A incorporação
do conceito de gênero nos discursos das organizações e dos movimentos so-
ciais permitiu explicar os comportamentos e papéis assumidos por mulheres
e homens na convivência social, bem como compreender os problemas e as
dificuldades que as mulheres enfrentavam na vida política, social, profissional
e familiar.
Isso mostra que na sociedade atual as preocupações em torno das pers-
pectivas de gênero não estão só na academia, mas também nos vários segmen-
tos da sociedade, o que revela a importância deste debate, sobretudo para
os segmentos sociais que se empenham em construir novas relações sociais,
com vistas à superação das desigualdades de gênero, que foram reproduzidas
historicamente pela cultura patriarcal.
No meio rural, destacou-se nesta discussão o Movimento dos Trabalhado-
res Rurais Sem Terra (MST), que surgiu a partir da reivindicação pelo acesso à
terra. No entanto, no processo de sua organização e consolidação, incorporou
outras lutas, como aquela por uma política própria de educação, tendo em
vista a construção de novos valores; por novas estratégias de produção; por
novas relações com o meio ambiente, bem como pela construção de um novo
homem e de uma nova mulher, colocando a questão da reforma agrária numa
perspectiva de transformação social mais ampla.
2 As fontes empíricas de caráter documental deste estudo estão datadas até o ano 2000. Os documentos
permitiram evidenciar como o MST integrou em seu discurso a preocupação com transformações das
relações de gênero, sobretudo no que diz respeito à ampliação da participação das mulheres nas instâncias
de liderança do próprio movimento.
3 Nessa proposta as propriedades são construídas próximas umas das outras e à estrada principal, facilitando
a nucleação das famílias, o transporte, a locomoção e a organização política. Cada núcleo é coordenado
por um homem e uma mulher e possui todos os setores de organização (educação, lazer, comunicação,
religião, gênero, infraestrutura, finanças, produção, esportes etc.).
4 A pesquisa documental exigiu várias visitas à biblioteca da Secretaria Estadual do MST, onde foram consultadas
as publicações do Movimento, especificamente os Cadernos de Formação e Cadernos de Normas.
5 As entrevistas foram feitas na pesquisa de campo realizada junto à Direção Estadual do MST/PR e no
Assentamento Contestado. Os dados coletados visaram perceber como as políticas e metas presentes no
discurso do Movimento se concretizam nas práticas. Esses dados não serão aqui apresentados. Far-se-á
apenas referência no último ponto deste artigo.
258
A perspectiva de gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação das mulheres
6 A participação maciça das mulheres na luta pela terra em conjunto com os homens, sobretudo nos
acampamentos, foi constatada no estudo da Unesco sobre as relações de gênero nos assentamentos
rurais. Ver Abramovay e Rua (2000).
259
Neiva Furlin
7 Segundo Stédile (1999), a imagem foi inspirada em um cartaz da Nicarágua, no qual estava impressa a
imagem de um homem e de uma mulher em uma manifestação.
8 Tais informações se encontram num breve histórico da participação das mulheres elaborado por Isabel
Greem (1995), quando coordenadora do setor de educação e do setor gênero do MST do PR, e membro
da coordenação estadual do MST.
9 Entre os eventos internacionais se registra o Congresso Internacional de Mulheres realizado em 1986, em
Moscou, e o Encontro de Mulheres Rurais realizado no Chile, também em 1986.
260
A perspectiva de gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação das mulheres
mulheres, do documento sobre as normas gerais do MST. Este capítulo foi uma
das primeiras conquistas das mulheres do MST, e o documento, o primeiro a
abordar a importância da atuação das mulheres nas instâncias de poder. Por
isso, optamos por transcrevê-lo na íntegra:
Art. 43. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra deve estimular
a participação das mulheres em todos os níveis de atuação, em todas as
instâncias de poder, e de representatividade.
Art. 46. A nível municipal, estadual e nacional devemos estimular para que
as mulheres sem terra participem ativamente das comissões e demais
formas de organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais, que se
articula dentro do movimento sindical, todas as mulheres trabalhadoras
rurais, independente da categoria, unificando sem terra, as pequenas
proprietárias posseiras, assalariadas etc...
Art. 47. A nível nacional deve funcionar uma equipe de mulheres do Movi-
mento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A equipe tem como função:
a) pensar, propor e planejar políticas específicas para a organização das
mulheres sem terra, e apresentá-las à direção e à executiva nacional; b) a
equipe de mulheres a nível nacional será formada por indicação da direção
e da executiva nacional, como um organismo específico de trabalho dentro
dessas instâncias; c) será de responsabilidade da equipe nacional a elabo-
ração de materiais, publicações e assessorias, para subsidiar e orientar
o trabalho específico com mulheres do movimento (MST, 1988, cap. 8).10
10 O documento Normas Gerais do MST não é paginado, mas dividido por capítulos e artigos.
261
Neiva Furlin
remete à afirmação de Scott (1990) de que gênero é também uma primeira forma
de significar as relações de poder.
As normas anteriormente citadas propõem que se estimule a organização
de comissões de mulheres no MST. Esta parece ser uma estratégia apresentada
pelas mulheres com o intuito de conquistar espaços de poder e visibilidade, já
que, estando num movimento de luta por transformações sociais, ainda neces-
sitam se organizar dentro do próprio movimento para conquistar seus direitos
como mulheres e lutar por relações igualitárias de gênero. Tal situação parece
contraditória, mas remete à afirmação de Pinto (1992) de que uma das formas
de inserção e construção de espaços de poder é aquela em que as mulheres,
aderindo a um movimento liderado por homens, passam a constituir grupos
distintos de luta, no interior do próprio movimento.
No relatório do II Congresso Nacional do MST, ocorrido em 1990, aparecem
novas políticas de ação para as mulheres agricultoras do MST. A partir desse
congresso, o movimento assume novos compromissos em relação às mulheres,
tais como: incentivar a participação sindical, direito de associação e conquista
de espaços nas diretorias para as mulheres; comprometer as mulheres a votarem
em mulheres e a assumir a profissão de trabalhadora rural nos documentos,
não aceitando mais a simples denominação “do lar”. Registramos, a seguir, as
linhas de ação que o II Congresso Nacional do MST definiu com a finalidade de
ampliar a participação das mulheres nas instâncias de liderança do movimento.
5. Que as secretarias estaduais dos sem terra enviem material para ajudar
a organização das mulheres nos assentamentos.
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A perspectiva de gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação das mulheres
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Neiva Furlin
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Neiva Furlin
Há um outro fator que se soma aos esforços das mulheres, talvez como
consequência destes nos países de primeiro mundo. Trata-se da pressão
das agências financiadoras internacionais que começaram a colocar como
condição para a aprovação dos financiamentos dos projetos a contempla-
ção da categoria “gênero” tanto como reflexão teórica como nos programas
de ações dos movimentos e ONGs financiados. (LOPES, 2001, p. 3)
[...] nós temos que lutar por uma transformação social maior, não podemos
ficar só na luta pela terra, por isso nós assumimos outras lutas, porque
é uma incoerência só querer terra, se a vida da gente não for mais feliz,
não for melhor. Pra gente ser mais feliz, precisamos nos relacionar melhor
como homens e mulheres. Então eu acho que o movimento chegou a uma
conclusão de que a luta pela terra é bem maior do que a terra. (Entrevista
nº 3 – Mulher integrante da direção estadual do MST)
270
A perspectiva de gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação das mulheres
271
Neiva Furlin
f) Garantir uma educação dos filhos que não gere discriminação, mas que
esteja comprometida com a construção do novo homem e da nova mulher.
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A perspectiva de gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação das mulheres
de classe, e, similarmente, a classe é constitutiva de gênero [...] As relações de classes estão presentes na
reprodução, assim como as relações de gênero penetram na produção. Não existem fronteiras para as
relações humanas, sejam elas de gênero ou de classes, uma vez que elas são constitutivas umas das outras,
fundindo-se numa simbiose da lógica contraditória”.
21 Os Coletivos de Gênero são setores formados por pessoas responsáveis pelas atividades relacionadas à
temática de gênero, que refletem e se qualificam na área, tendo como meta o bom funcionamento e a
organização do movimento.
22 Os setores foram surgindo a partir de situações específicas, nas quais o movimento sentiu necessidade
de avançar na reflexão em vista de outras conquistas. Estes setores são: formação, produção, educação,
saúde, direitos humanos, comunicação e cultura...
23 Disponível em: <www.mst.org.br/mstsp/sgen.htm>. Acesso em: jun. 2002.
273
Neiva Furlin
274
A perspectiva de gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação das mulheres
24 Alguns documentos ao falar sobre a liderança se remetem somente ao termo masculino – “os companheiros”.
25 Dos membros da diretoria estadual do MST do Paraná, foram entrevistadas duas mulheres e um
homem.
26 No Assentamento do Contestado, foram entrevistadas cinco mulheres que assumiam liderança em um
dos 10 núcleos que compunham o assentamento (a coordenadora do núcleo, mulheres representantes
de alguns setores e o esposo da coordenadora do núcleo).
27 O Assentamento era composto por 108 famílias, organizadas em núcleos de 11 a 12 famílias, perfazendo
um total de 10 núcleos, os quais eram identificados por nomes de mártires do Movimento ou personagens
que deixaram marcas de resistência na história. O núcleo como instância de base do Movimento era
coordenado por um homem e uma mulher... Assim, a coordenação geral do assentamento era formada
pela coordenação de cada núcleo (10 homens e 10 mulheres).
275
Neiva Furlin
28 Embora na coordenação dos núcleos a representação fosse de 50% para cada sexo, na coordenação geral
do assentamento essa presença ficava mais no papel, já que nem todas as mulheres participavam de fato
e, quando o faziam, nem sempre podiam tomar a palavra.
29 A direção estadual do MST no Paraná, nos anos de 1992 a 1996, era composta por 11 homens e uma
mulher. Nos anos 1997 a 2000, 12 homens e duas mulheres, enquanto nos anos de 2001 a 2002 contava
com a presença de 27 homens e oito mulheres. Apesar do aumento significativo no número de mulheres,
a sua representação continuou baixa, quando se leva em conta a ampliação do número de homens na
direção do MST.
30 Isso foi possível evidenciar no Assentamento Contestado, pois, enquanto as mulheres estavam mais
representadas nos setores de educação, gênero e religião, os homens estavam mais nos setores de
infraestrutura, produção, finanças e esportes.
276
A perspectiva de gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação das mulheres
Considerações finais
277
Neiva Furlin
relações igualitárias de gênero. Tal questão pode ser vista como um salto qua-
litativo na organização do MST, já que este demonstra compreender que a nova
sociedade não implica somente novas relações de classe, mas também novas
relações de gênero no interior de uma mesma classe. Nesse sentido, o discurso
do MST e algumas de suas práticas sinalizam que é possível combinar lutas de
classe e gênero na construção de uma nova sociedade, embora essa questão,
no nível das ideias, ainda mereça aprofundamento.
A partir da incorporação do debate de gênero, o discurso do MST eviden-
cia outros aspectos que podem ser considerados como saltos qualitativos na
organização interna e no compromisso com a transformação social:
s As “questões das mulheres”, que antes eram tratadas pelo MST como
algo específico delas, com a incorporação do debate gênero, passam a
fazer parte das suas lutas mais gerais. O próprio Movimento demonstra,
discursivamente, ter avançado na compreensão de que as mudanças
sociais serão fruto da participação de trabalhadores e trabalhadoras
e a igualdade de gênero é fundamental para a construção de uma so-
ciedade democrática fundada sobre a justiça.
278
A perspectiva de gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação das mulheres
279
Neiva Furlin
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281
Neiva Furlin
282
PARTICIPAÇÃO FEMININA E RESISTÊNCIA CAMPONESA NO
MARANHÃO DO SÉCULO XX
P
artindo da análise de registros orais e escritos, pretende-se abordar ex-
periências de mulheres camponesas no Maranhão, (auto)identificadas
como “quebradeiras de coco”, durante a segunda metade do século XX.
Enfoca-se especialmente a participação dessas mulheres na configuração do
campesinato maranhense, suas lutas pela posse de terras e demandas pelo
acesso e preservação de palmeiras de babaçu, assim como suas estratégias de
mobilização e organização em movimento próprio – o Movimento Interestadual
das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). As análises apresentadas baseiam-
-se no exame de jornais, revistas, relatórios de diversas instituições, bem como
em “memórias camponesas”. O trabalho com memórias tornou-se fundamen-
tal, haja vista que a documentação oral vem sendo largamente utilizada para
possibilitar estudos com temáticas contemporâneas e para aproximar-se de
grupos ou movimentos sociais (FENELON, 1993, p. 78). Além disso, a utilização
da documentação oral tem sido muito atribuída à falta de registros sobre os
desfavorecidos e, portanto, a uma tentativa de reconstrução de “uma história
vinda de baixo” (SALVATICI, 2005). Desse modo, consideram-se procedimentos
teórico-metodológicos oferecidos pela História Oral, especialmente em sua re-
lação com a discussão sobre memória – entendida como trabalho elaborativo
(JELIN, 2002) –, na tentativa de reconstituir experiências camponesas no Mara-
nhão, histórias de atores comuns que, fortemente vinculados a determinadas
práticas sociais, interferem nos processos históricos por meio das suas ações
individuais e coletivas.
* Doutoranda em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Assistente do Curso de
Licenciatura em Ciências Humanas da UFMA.
Viviane de Oliveira Barbosa
1 Ver, dentre outros jornais de época, Pacotilha (15 jun. 1891), Diário do Norte (19 abr. 1940), O Imparcial
(03 mar. 1941) e Jornal Pequeno (08 abr. 1954), além de artigos, revistas e livros referentes à economia
do babaçu, dentre os quais Abreu (1929), Revista da Associação Comercial do Maranhão-ACM (1937) e
Maranhão (1942).
2 Nessa “economia do babaçu”, observam-se números e cálculos, promessas de governantes e expectativa
de lucros para a indústria. Pelo menos desde os anos 1920, um dos grandes desejos dos economistas e
governantes era ter acesso a “um aparelhamento”, uma “máquina de quebrar” o fruto, para dinamizar e
tornar real a economia do babaçu (ABREU, 1929; ESCOBAR FILHO, 1943; MARANHÃO, 1942; REVISTA DA
ACM, 1937), entendido como o “Eldorado do Maranhão” (MARANHÃO, 1942, p. 10).
284
Participação feminina e resistência camponesa no Maranhão do século XX
Nessa perspectiva, há, sobretudo nos discursos, uma divisão sexual e mesmo
etária que envolve as relações de trabalho. Essa divisão sugere que crianças
(meninos e meninas) e mulheres quebrem o coco, ao passo que os homens,
jovens e adultos, não o fazem.
Se, durante o século XX, a visão de governantes, comerciantes, investidores,
bem como a de poetas e cronistas maranhenses esteve muito mais pautada no
potencial econômico-industrial do babaçu e na possibilidade atribuída a este
produto de fazer avançar economicamente o Maranhão e o país, torna-se ne-
cessário evidenciar a relação não somente econômica e utilitária, mas também
afetuosa que o conjunto de agroextrativistas estabelece com esse recurso. Que-
bradeiras de coco organizadas no Movimento Interestadual das Quebradeiras
de Coco Babaçu (MIQCB), em associações, cooperativas, grupos de mulheres
falam sobre seu modo de vida, em cujas vivências o babaçu assume uma grande
importância cotidiana. O babaçu é um elemento a partir do qual elas se autoi-
dentificam e em relação ao qual constroem sentimentalidades.
Em estudo sobre a Terra de Índios, município de Viana, no Maranhão,
Andrade (1999) descreve a atividade de extração do babaçu, destacando a exis-
tência de representações, entre o grupo, da palmeira como “virgem” ou “viúva”:
alguns moradores veriam o corte do cacho de coco como o defloramento de
uma virgem ou o molestar de uma viúva. De acordo com sua análise, “o que
está em jogo por trás dessas representações sobre os cortes dos cachos de
coco é a preocupação em permitir que este recurso esteja disponível a todas
as unidades domésticas” (ANDRADE, 1999, p. 175). Almeida (1995, p. 78, 79)
também se refere ao fato de que, em algumas áreas de babaçuais, as palmeiras
são consideradas mães. Entretanto, assim como Andrade (1999), não vai além
de uma leitura material sobre aquele recurso.
A oração “Ave-Maria das Quebradeiras” evidencia a profundidade das
relações estabelecidas pelas quebradeiras com as palmeiras de babaçu, que
ultrapassam a esfera do material, o nível da subsistência.
285
Viviane de Oliveira Barbosa
286
Participação feminina e resistência camponesa no Maranhão do século XX
3 Até 1980, essa microrregião, pertencente à mesorregião Centro maranhense, compreendia apenas os
municípios de Bacabal, Pedreiras e São Luís Gonzaga. Houve, porém, uma reestruturação espacial, e essa
área passou a compreender os municípios de Esperantinópolis, Lago do Junco, Lago dos Rodrigues,
Olho D’Água das Cunhãs, Bacabal, São Mateus do Maranhão, Satubinha, Igarapé Grande, Lago Verde,
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Viviane de Oliveira Barbosa
São Bernardo do Mearim, Pedreiras, Santo Antônio dos Lopes, São Raimundo do Doca Bezerra, Trizidela
do Vale, Bom Lugar, Pio XII, São Luís Gonzaga do Maranhão, São Roberto, Lago da Pedra, Lima Campos,
Poção de Pedras (ANDRADE; FIGUEIREDO, 2004).
288
Participação feminina e resistência camponesa no Maranhão do século XX
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Viviane de Oliveira Barbosa
4 Subir em um pedaço de pau, comumente um galho de árvore cortado, e fingir estar andando a cavalo.
5 Temendo sofrer surra, espancamento.
6 Cestos grandes em formato arredondado, confeccionados com palha da palmeira de babaçu.
290
Participação feminina e resistência camponesa no Maranhão do século XX
Se você é fazendeiro
Ou um grande industrial,
Segure sua cabroeira7
Eu não sou o seu rival,
Mas deixe nossas palmeiras
Botar coco em seu quintal.
7 Bando de capangas, jagunços e/ou peões que trabalham para proprietários de terras.
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Viviane de Oliveira Barbosa
renda obtida pela mulher com a quebra do coco era superior à que eles ganha-
vam enquanto contratados de fazendeiros. (UM NOVO..., 2004). Essas situações
revelam as contradições presentes nas lutas e mobilizações camponesas do pe-
ríodo. Fato é que, sem terra para trabalhar, muitos agricultores ficavam sujeitos
ao trabalho contratado, especialmente a capina/roçagem da juquira (espécie
de mato recorrente na região) e corte de palmeiras.
Segundo lideranças do MIQCB, as mobilizações camponesas se efetivaram
quando quebradeiras de coco começaram a lutar pelo acesso aos babaçuais.
Sem dúvida, a violência sofrida por esses sujeitos se inscreveu em sua memória
e cotidianidade tanto em nível material quanto simbólico.
De acordo com entrevistas realizadas, as mulheres exerciam grande prota-
gonismo durante os conflitos. Embora não aprofunde a questão, Andrade (2005,
p. 179) afirma que, em situações de conflito, houve uma “divisão sexual do tra-
balho guerreiro” com o objetivo de desenvolver estratégias de enfrentamento
aos antagonistas. Ela aponta que nas práticas desencadeadas por essas famílias
292
Participação feminina e resistência camponesa no Maranhão do século XX
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Viviane de Oliveira Barbosa
8 Criada na microrregião do Médio Mearim maranhense em 1989, é uma organização não governamental
que teve importante atuação no processo de articulação das quebradeiras. Composta por trabalhadores
rurais e assessores técnicos, em sua maioria pesquisadores, seu objetivo, desde o início, foi atender as
demandas de agricultores e extrativistas da região, prestando assistência técnica, jurídica, econômica e
política para as associações e cooperativas dos trabalhadores.
9 Alguns políticos, sobretudo do Partido dos Trabalhadores (PT), e intelectuais também estiveram junto
a quebradeiras de coco e agricultores na época de conflitos. A própria constituição do MIQCB deve ser
pensada a partir das influências que acadêmicos, sobretudo antropólogos, exerceram na mobilização
dessas mulheres. Ao que tudo indica, esses políticos e intelectuais encontraram um terreno organizacional
mais ou menos estruturado pela Igreja Católica, como clubes de mães, grupos de mulheres e outros
espaços de socialização, sobre o qual eles atuaram.
294
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Participação feminina e resistência camponesa no Maranhão do século XX
Considerações finais
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Viviane de Oliveira Barbosa
10 No Maranhão, são beneficiados pela lei os municípios de Lago do Junco, Lago dos Rodrigues,
Esperantinópolis, São Luís Gonzaga do Maranhão, Lima Campos, Capinzal do Norte, Imperatriz e Peritoró.
Atualmente, um projeto de lei federal, sob o nº 747/2003, tramita em nível de Congresso Nacional. Em
seu sentido mais amplo, a Lei Babaçu Livre estabelece: “As matas nativas constituídas por palmeiras de
coco babaçu em terras públicas, devolutas ou privadas são de livre acesso às populações agroextrativistas
e de livre uso por elas”, caso “as explorem em regime de economia familiar e comunitária, conforme os
costumes de cada região, na forma do regulamento”.
298
Participação feminina e resistência camponesa no Maranhão do século XX
da “Lei Babaçu Livre”, o Direito Civil e o Direito Agrário brasileiro têm sido inca-
pazes de comportar relações sociais como a dos produtores extrativistas para
quem as árvores são mais importantes do que a terra. Tanto o Direito Civil, que
privilegia a propriedade privada, quanto o Agrário, que impôs o caráter social
à propriedade da terra e não o estendeu à cobertura vegetal, são insuficientes
para pensar aquelas relações (SHIRAISHI NETO, 2001, p. 52, 54).
Vale ressaltar, no entanto, que “a luta pela terra e pelo acesso a outros
recursos produtivos não assume apenas a dimensão mais visível das lutas
camponesas”. Ela se configura em um nível menos perceptível, por meio de
formas outras de resistência, relacionadas às estratégias construídas pelos
camponeses para trabalhar e garantir a reprodução de sua família, mesmo em
condições extremamente desfavoráveis (MOTTA; ZARTH, 2008, p. 14).
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299
Viviane de Oliveira Barbosa
300
Participação feminina e resistência camponesa no Maranhão do século XX
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AS JOVENS DO MOVIMENTO DE MULHERES CAMPONESAS
(MMC) EM SANTA CATARINA*
Sirlei A. K. Gaspareto**
Marilda A. Menezes***
O
presente artigo analisa as propostas do Movimento de Mulheres Cam-
ponesas (MMC), relativas à construção de um projeto de agricultura
camponesa em Santa Catarina quanto às demandas e perspectivas de
vida das jovens militantes, ativas no cotidiano do MMC. No entanto, quando
refletimos sobre suas perspectivas de vida e trabalho, explicitam-se impasses
em relação às suas possibilidades de permanência no campo.
O Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA) que, posteriormente, se
transforma no MMC, começa a se organizar no início da década de 19801 quando
as famílias de agricultores vivenciaram os impactos do endividamento nos bancos,
baixos preços dos produtos agrícolas e fim dos subsídios agrícolas.2 Esse período
é também marcado pela atuação de vários outros movimentos e organizações da
Igreja, tais como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), as pastorais sociais,
a Comissão Pastoral da Terra (CPT), sindicatos, associações, o Sindicato de
Trabalhadores Rurais (STR), o Movimento de Atingidos pelas Barragens (MAB),
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outros.
Gradativamente, algumas mulheres foram conquistando visibilidade so-
cial, o que evidenciava as contradições de gênero, classe e etnia. Começaram
3 Paulilo (2009, p. 182) mostra como as questões de gênero e classe acompanham a trajetória do movimento
de mulheres agricultoras: “No início, o que atraía as mulheres para o MMA eram as questões trabalhistas,
tais como: serem consideradas produtoras rurais, com direito à assistência em caso de acidente de
trabalho; aposentadoria aos 55 anos; salário-maternidade e pensão-viuvez. A Constituição de 1988 abriu
possibilidades para a reivindicação desses direitos que, aos poucos, foram sendo regulamentados. As
questões trabalhistas eram mais importantes que as de gênero. Porém, nos anos 1990, começaram a
despontar entre as militantes questões propriamente feministas, e as mulheres passaram a insistir na
autonomia do movimento frente à Igreja, ao Estado e aos partidos políticos”.
304
As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
A partir dos anos 1950, a região oeste de Santa Catarina foi palco de novas
atividades no ramo agroindustrial, como a instalação de frigoríficos. Em outubro
de 1952, o frigorífico S.A. Indústria e Comércio Chapecó instala-se na cidade
de Chapecó; em 1956, o Frigorífico Indústria e Comércio Ltda. (Incomasa); e
em 1969, a Cooperativa Central Oeste Catarinense, voltada à industrialização
e comercialização da produção de suínos. Naquele período, há uma expansão
dos centros urbanos, com a crescente migração da área rural para a cidade. Na
década de 1970, intensifica-se a expansão do setor agroindustrial. Como exemplo,
tem-se a Cooper Alfa, que atua no ramo de beneficiamento, processamento e
industrialização de cereais (ALBA, 2002). Assim, ao mesmo tempo em que na
região existia a produção agrícola familiar, foram se consolidando as grandes
agroindústrias, como atividades inter-relacionadas.
Associado ao processo de agroindustrialização, inicia-se a modernização
da agricultura,4 que se caracterizou pela mecanização, monocultura, insumos,
sementes híbridas e agrotóxicos, entre outros. Nesse contexto, paralelo ao
processo de integração das pequenas propriedades às agroindústrias, ocorria
um processo de fragmentação fundiária. Alguns dados em relação à evolução
do número de estabelecimentos agropecuários com área inferior a 10 hectares,
na região oeste, mostram que em 1975 eram 26.936 estabelecimentos com área
inferior a 10 hectares; em 1980 passaram para 32.613; em 1985 esse número su-
biu para 40.100 (IBGE, 1995). Verifica-se, nesse período, um aumento do número
de pequenas propriedades com consequente redução de área, o que acentua a
precariedade das condições de reprodução social da família camponesa. A partir
de meados de 1980, aumentam as dificuldades frente à crise vivida na agricultura,
sendo que cada vez mais se tornava difícil subdividir a propriedade sob pena de
comprometer a produção agrícola necessária para garantir a sobrevivência do
núcleo familiar, intensificando a saída de um contingente do meio rural para as
cidades. No oeste catarinense, de acordo com o IBGE (2001), no período de 1991
a 2000, migraram do campo para a cidade 102 mil pessoas.
É nesse contexto de fragilidade das condições de reprodução social das
famílias e fragmentação das pequenas parcelas de terras que as mulheres agri-
cultoras, por meio de sua militância nas CEBs e das lutas de oposição sindical,
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Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
5 Entre os dias 19 e 24 de outubro de 1995, em São Paulo, foi realizado o encontro que firmou a
Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR) como espaço de discussão, elaboração
e unificação das lutas. Fazem parte da ANMTR movimentos autônomos, coletivos de mulheres dos
movimentos mistos e pastorais (MOVIMENTO DE MULHERES CAMPONESAS – MMC, 1997, p. 3).
6 A constituição de um movimento popular, autônomo, classista aflora da necessidade de unificar as lutas
feministas, aprofundando a história de luta das mulheres, e elaborar coletivamente a intervenção política
para a construção de uma sociedade igualitária. Após intenso processo de estudo com dirigentes e grupos
de base em 19 estados, foi realizado, em Brasília, de 5 a 8 de março de 2004, o congresso nacional de
consolidação do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). (Arquivos internos do MMC.)
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
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Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
9 Referimo-nos a um novo ator social que vai ganhando visibilidade a partir de sua construção identitária.
Ele emerge em meio às lutas e experiências do MMC. Não se trata de um setor dentro do MMC, conforme
acontece em outros movimentos sociais que trabalham com o setor da juventude, setor de gênero, entre
outros.
10 Aqui entendemos que se trata de uma educação comprometida e participativa, orientada pela perspectiva
de realização de direitos do povo. Uma educação que se baseia no saber da comunidade e incentiva o
diálogo. Visa à formação de sujeitos com conhecimento e consciência cidadã e à organização do trabalho
político para afirmação do sujeito.
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
Esses limites não são fixos. Para os que não têm direito à infância, a juven-
tude começa mais cedo. E, ao mesmo tempo, o aumento da expectativa
de vida e as mudanças no mercado de trabalho permitem que parte deles
possa alargar o chamado tempo da juventude até 29 anos. Com efeito,
qualquer que seja a “faixa etária” estabelecida, jovens da mesma idade vão
sempre viver juventudes diferentes. (NOVAES, 2003, p. 121-122)
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Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
Algumas relatam que é mais fácil dizer que mora na roça. Dessa forma,
não precisam indicar os atributos negativos impregnados ao termo campo-
nês. Sobretudo, porque as jovens falam a partir de uma realidade histórica
local que tem, por muito tempo, associado os termos “camponês” e “colono”
a sujeitos sociais posicionados em lugares inferiores na sociedade. Segundo
a entrevistada:
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
Talvez o termo camponês não tá bem explicado pra algumas pessoas que
pensam que o camponês é o jeca-tatu, que vive todo jogado, todo pinchado,
se fosse mais especificado o termo camponês, compreenderiam melhor.
(Clarinês Panis)
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Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
“Jovem camponesa” é um passo que se tem para uma mudança. Essa coisa
de que no campo tudo é feio. Qualquer coisa serve, que a mulher é menos
que o homem, né. A partir do momento que a jovem estudar e que ela
puder expor o que ela aprendeu, eu acho que essa categoria vai ser mais
importante, eu acho que quando a gente puder expor vai ser diferente.
Quando a gente conseguiu atingir a juventude. Eu me refiro à ideologia, à
mudança, à forma de viver, os conceitos, o que se aprende no Movimento,
a libertação da mulher camponesa. Não mais esse sistema que te oprime,
que te faz se sentir envergonhada. (Julciane Anzilago)
É, por sua vez, no contexto das tensões do que significa ser “camponês”,
das demandas das jovens e da família e de suas perspectivas de vida, que emer-
gem as propostas do MMC. Destacaremos duas, que consideramos relevantes: o
projeto de agricultura camponesa e a possibilidade de acesso à educação formal.
12 Entende-se que na luta por políticas agrícolas está inserida a questão dos preços justos, infraestrutura
para o campo e direito à habitação digna para quem vive no meio rural e deve ser contemplada enquanto
direito das mulheres.
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
13 Dados fornecidos pela assessora especial do Ministério de Desenvolvimento Agrário para Ações Afirmativas
(MDA), Andréa Butto. Entre 1992 e 2002, o Programa de Agricultura Familiar (Pronaf ) teve entre seus
beneficiários/as apenas 7% de mulheres (MURDOCH; PRATT, 1993, p. 417).
14 O MMC está de acordo com as posições explicitadas por João Pedro Stédile quando, em entrevista, afirma:
“A luta pela reforma agrária vai existir enquanto tivermos na sociedade brasileira a contradição entre
30 mil fazendeiros, 4 milhões de famílias sem-terra e 11 milhões de famílias que estão em programas
assistenciais do governo. Menos de 1% dos proprietários controla 46% de todas as terras no Brasil. [...] A
sociedade brasileira precisa discutir como enfrentar a crise econômica que está aí. Precisamos discutir
como produzir alimentos sem agrotóxicos, como ter uma agricultura sustentável, como preservar a terra,
a água e a biodiversidade, que são bens da natureza, repartidas entre todos os brasileiros, e não apenas
entre fazendeiros e empresários” (STEDILE, 2009).
15 O objetivo desta campanha é defender os direitos de agricultores/as camponeses/as e familiares, dos
povos indígenas e quilombolas de não só produzirem, guardarem e trocarem as sementes, mas também
de questionarem a ofensiva neoliberal de monopolizar e comercializar todas as formas de vida.
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Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
Para o MMC, este debate requer uma nova compreensão do trabalho da mu-
lher enquanto possibilidade de humanização e emancipação, pois o Movimento
entende que a agricultura camponesa também reproduziu padrões da cultura
patriarcal e de opressão da mulher. Por muito tempo, a dominação de gênero
vem tratando a mulher como inferior e desprovida de autonomia, invisibilizan-
do seu trabalho e suas potencialidades. A proposta de agricultura camponesa
no MMC estabelece uma superação das relações de dominação da mulher.
Assim, o desenvolvimento de tecnologias simples, acessíveis, adequadas e que
apresentam resultados satisfatórios adquire importância ao tornar o trabalho
na agricultura mais leve e rentável. Busca-se valorizar a presença e o poder de
decisão feminina, a valorização de uma cultura camponesa e feminista16 que
redimensione as relações sociais com a natureza, suas crenças, rituais, festas
e mutirões entre outros. O movimento esclarece às mulheres que
16 Para o MMC, “o feminismo se constitui enquanto atitude política que analisa as relações de gênero, étnico-
raciais e de classe, realiza o enfrentamento ao patriarcado e busca a construção de uma sociedade igualitária
com a socialização do poder, da riqueza e do saber [...] O feminismo é uma referência histórica de análise
de relações de gênero, étnico-raciais e de classe expressas nas lutas [...] de emancipação das mulheres no
mundo (MOVIMENTO DE MULHERES CAMPONESAS, 1999a, p. 15).
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
19 O local Faxinal dos Rosas carrega um forte simbolismo. De um lado, é a terra de famílias que há mais
tempo se engajaram nos movimentos sociais. No caso do MMC citamos a família de Rosa Kiliam e Carmen
Munarini, cujos filhos e netos estão engajados em diferentes movimentos sociais. De outro, o faxinal
era, no período anterior à colonização, um espaço de criação que compatibilizava a criação de gado e
plantio, mantendo as árvores, principalmente os pinheiros. De modo geral, os faxinais carregam o nome
das famílias. São reconhecidos hoje como comunidade tradicional.
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20 A Alfa ou Cooperativa Regional Alfa é uma empresa que incorporou pequenas cooperativas da região.
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
Boa parte das jovens tem o sonho de estudar e hoje na roça a gente não
consegue estudar. [...]. Parece que a roça é um lugar feio, sem perspectiva
de futuro e sem lazer e aí não é isso que a juventude quer. [...] Eu penso
assim, pouca juventude quer ser o que o pai e a mãe foram. Porque o que a
gente enxerga em nossas mães: sofrimento, muito trabalho, uma vida cheia
de trabalho, os pais trabalham muito, mas é diferente. [...] Eu afirmo que
a gente tem que recuperar, re-significar muitas coisas que tem de bonito
pra juventude ficar na roça, mas a gente não consegue. (Andreia)
O acesso à educação
21 Souza (2006) apresenta algumas definições sobre políticas públicas: “Mead (1995) a define como um
campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas, e Lynn
(1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue
o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos [...]”. Dye (1984), “o que o governo
escolhe fazer ou não fazer” (SOUZA, 2006, p. 21). Talvez para as camponesas, “a definição mais conhecida
continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às
seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz” (SOUZA, 2006, p. 26).
22 Entende-se que a perspectiva das relações sociais de gênero, classe e raça deve perpassar a concepção
de educação a fim de não reproduzir a desigualdade e as discriminações.
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Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
23 Destas, 13 jovens continuam morando no campo, 15 continuam no MMC e oito não participam mais
dele. No curso de Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial, três jovens concluíram os estudos; três
finalizaram o curso de Pedagogia da Terra; oito terminaram o curso Técnico Agropecuário Ecológico, 10
concluíram o curso de extensão Realidade Brasileira, uma terminou o Curso de Medicina, e uma concluiu
Pós-graduação em Educação no Campo. Continuam estudando 19 jovens (algumas terminaram um curso
e estão fazendo outro) nos seguintes cursos: três em Medicina, uma em Agroecologia, uma em Pedagogia
da Terra, duas em Licenciatura em Educação do Campo, sete integram o Curso da Juventude da Classe
Trabalhadora do Campo e da Cidade, duas no Tecnólogo em Agroecologia, uma em Pós-graduação em
Educação do Campo, uma no curso de extensão em Filosofia, uma no Curso de Energia e Desenvolvimento
Sustentável.
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
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Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
25 Vejamos as respostas: nove não sabem que profissão querem, mas enfatizam que não querem ser
agricultoras; três querem ser agricultoras; duas professoras; duas advogadas; duas médicas; uma cantora;
uma coreógrafa; e uma juíza.
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
Mesmo hoje estudando pra ser uma advogada, ou alguma coisa assim,
nesse sentido, eu quero continuar no campo tendo lá minha horta, meu
pomar, onde eu possa dar pra minhas filhas uma alimentação um pouco
mais saudável. Como eu falei, não que o campo seja minha fonte de renda
principal, não é meu objetivo, até porque vendo hoje a nossa propriedade
não teria condições de fornecer isso, se fosse dividido em cinco irmãos,
né. O que é possível pro meu futuro é uma chacrinha, onde tem os ani-
mais, horta, pomar, pra mim e pra minhas filhas. Porque eu quero ficar no
campo. (Ana Elza Munarini)
No campo [...] você vive mais tranquilamente, não sofre tanta violência,
pode caminhar tranquilamente, depende o lugar que você tem, vive uma
vida mais saudável, tem uma alimentação mais saudável.
Julciane afirmou:
eu tenho dúvidas o que eu quero, por mais que eu goste da roça, mas
eu tenho dúvidas, ali tá muito difícil, pouca terra, parece que tu não vê
perspectivas, tenho dúvidas.
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Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
As jovens acabam saindo porque elas querem ser independentes, elas não
querem sempre ficar pedindo tudo o que precisam. Não tem terra pra nós
plantar, daí a renda fica difícil. (Clarinês Panis)
26 Quando perguntadas sobre se gostam da vida no campo, as respostas foram as seguintes: 12 responderam
sim; seis não responderam; e três disseram não. Entre as que gostam da vida no campo, destacaram a amizade
sincera, o contato com a natureza, a produção de alimentos saudáveis, “mais qualidade de vida”, flexibilidade,
visto que não precisam cumprir horário, entre outros aspectos. Para as jovens que participam de movimentos
sociais, essa questão é parte do debate. Duas jovens, na ocasião da pergunta, afirmaram: “se a gente não
sofresse tanto, eu diria que gosto”. Outra jovem pontuou: “O campo é bom, mas é muito sofrido”.
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As jovens do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em Santa Catarina
Não há tempo para conversar com a família, tempo ao lazer, [...] hoje os
vizinhos não se visitam mais. (Noeli)
Considerações finais
325
Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
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THOMPSON, Eduard Paul. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
327
Sirlei A. K. Gaspareto e Marilda A. Menezes
328
MULHERES AGRICULTORAS E A CONSTRUÇÃO
DOS MOVIMENTOS AGROECOLÓGICOS NO BRASIL
Emma Siliprandi*
E
m linhas gerais, a modernização da agricultura ocorrida no Brasil desde
a década de 1960 seguiu o modelo da Revolução Verde, a chamada “in-
dustrialização da agricultura”. Apoiado em políticas estatais de crédito
subsidiado, pesquisa e assistência técnica, esse modelo promoveu uma mudança
no padrão tecnológico de produção agrícola, levando à maior concentração
fundiária e a profundas transformações nas relações sociais no campo e na
cidade. Muitos trabalhadores que viviam no interior das grandes propriedades
migraram para as periferias das pequenas cidades, embora continuassem a
trabalhar, mesmo que temporariamente, em atividades agrícolas. Outros foram
expulsos da terra e também migraram, buscaram novas terras, ou, o que é mais
comum, foram para as cidades. Favelização, precarização do trabalho, entre
outros efeitos observados no contexto urbano, não podem ser separados desse
processo de mudanças no campo. Da mesma forma, podem ser pensados os
fluxos migratórios e suas novas direções.
Entre as consequências mais evidentes desse processo no meio rural estão
a diferenciação ocorrida nos setores de produção familiar com a integração de
parte dos agricultores aos circuitos agroindustriais; a pauperização e margina-
lização de setores voltados para o autoconsumo; o êxodo rural; a degradação
ambiental, cujos sinais mais conhecidos são o aumento do desmatamento, a
destruição de ecossistemas e a contaminação dos solos e da água pelo uso de
agrotóxicos nas lavouras.
Durante as décadas de 1980 e 1990, assistiu-se ao surgimento de pro-
postas que se contrapunham a esse modelo, encampadas por movimentos
organizados de trabalhadores rurais, pesquisadores, acadêmicos e técnicos da
burocracia estatal. Experiências práticas de produção “alternativa” de vários
tipos (ecológica, orgânica, biodinâmica, natural) foram realizadas no Brasil,
muitas vezes sob auspícios de organizações não governamentais. Herdeiro de
propostas advindas da contracultura e dos movimentos internacionais de con-
testação social da década anterior – hippie, antinuclear, pacifista e feminista,
entre outros –, esse campo de atuação foi se consolidando e ganhou o nome de
330
Mulheres agricultoras e a construção dos movimentos agroecológicos no Brasil
1 Entendidos como formas familiares de produção agrícola e extrativista, baseadas em pequenas parcelas
de terra, que englobam também grupos étnicos específicos, como é o caso dos indígenas, pescadores
artesanais e quilombolas.
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Emma Siliprandi
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Mulheres agricultoras e a construção dos movimentos agroecológicos no Brasil
2 As mulheres agricultoras até a década de 1980 eram consideradas “membros não remunerados da família”,
sem que fossem reconhecidas legalmente como trabalhadoras rurais. Estavam excluídas do sistema
previdenciário e de todo conjunto de espaços de representação social e política (como era o caso dos
sindicatos), em que participavam apenas os homens, considerados os “chefes” da família.
3 Sobre a organização dos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais no Brasil, ver, entre outras:
Almeida (1995); Carneiro (1994); Deere (2004); Deere E León (2002); Giuliani (1989); Heredia e Cintrão
(2006); Schaaf (2001).
333
Emma Siliprandi
334
Mulheres agricultoras e a construção dos movimentos agroecológicos no Brasil
novo modelo produtivo para o campo – uma frente de lutas que não fazia parte,
até então, da agenda geral do movimento sindical. Por outro lado, cobravam
posições dos demais sindicalistas e dos governos com relação à questão da vio-
lência de gênero no campo, exigindo o cumprimento da Lei Maria da Penha, de
prevenção da violência contra as mulheres, que havia sido promulgada em 2006.
Grandes manifestações também foram protagonizadas pelas mulheres da
Via Campesina, que têm organizado uma série de eventos públicos para marcar
a passagem do Dia Internacional da Mulher (8 de março) como uma jornada de
lutas. No Brasil, essas ações têm sido coordenadas pelo MMC (originário dos
MMTRs) e pelas mulheres do MST, embora tenham envolvido também mulheres
de outras organizações ligadas à Via Campesina.
O mais famoso desses eventos foi a ocupação dos laboratórios de produção
de mudas de eucaliptos da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, em 2006,
realizada por duas mil agricultoras. A mobilização tinha o objetivo de denunciar
as consequências sociais e ambientais do avanço do “deserto verde” criado pelo
monocultivo de eucaliptos e outras espécies florestais, e a expulsão violenta de
indígenas e camponeses de terras reivindicadas pela Aracruz, ocorrida no início
daquele ano, no estado do Espírito Santo. A ação foi definida por elas como uma
manifestação contra o “agronegócio” e em defesa de um “projeto de agricultura
camponesa”, que respeite a natureza, produza alimentos para o autossustento,
conserve a biodiversidade e promova a soberania alimentar (MOVIMENTO DE
MULHERES CAMPONESAS, 2006).
Nos anos seguintes, nessa mesma época do ano, foram promovidas ocupa-
ções de fazendas, prédios públicos, sedes de laboratórios e de multinacionais
produtoras de sementes e agrotóxicos, e também redes de fast-food. Os temas
privilegiados por esses movimentos têm sido: soberania alimentar, defesa da bio-
diversidade e promoção da alimentação saudável, tendo como eixo a afirmação
de um modelo de desenvolvimento rural sustentável, baseado no campesinato.
Podemos considerar que o aparecimento de mulheres rurais em ações de
impacto político (como as mencionadas) é parte do processo de afirmação de sua
identidade enquanto mulheres, em meio a um conjunto de categorias que vivem
no campo, e que se aglutina em torno de questões diferenciadas: “sem-terra”,
“atingidos por barragens”, “seringueiros”, “canavieiros”, “pequenos agriculto-
res”, mostrando o quanto a questão agrária brasileira permanece multifacetada
e complexa (MEDEIROS, 2007). A afirmação de identidade das mulheres dentro
de movimentos que, de certa forma, perpassam todas essas categorias vem se
dando como fruto do questionamento de gênero que passou a ser incorporado
nos discursos e nas práticas de distintas forças sociais e, ainda, em função do
amadurecimento da organização política das próprias mulheres.
Têm contribuído para esse processo organizações não governamentais de
apoio ao desenvolvimento rural que passaram a assumir enfoques de gênero no
conjunto de suas ações e também organizações feministas que, ao trabalhar no
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Mulheres agricultoras e a construção dos movimentos agroecológicos no Brasil
341
Emma Siliprandi
Referências
ANA - ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA. Carta Política do II Encontro
Nacional de Agroecologia. Recife, 2006.
ALMEIDA, V. Ser mulher num mundo de homens: Vanete Almeida entrevistada
por Cornelia Parisius. Serra Talhada (PE): SACTES/DED, 1995.
ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável.
Guaíba: Agroepecuária, 2002.
342
Mulheres agricultoras e a construção dos movimentos agroecológicos no Brasil
343
III PARTE
* Este texto, reelaborado, foi preliminarmente construído para corresponder ao produto contratado por
financiamento do projeto de pesquisa pelo CNPq (Edital nº 57/2008 Gênero C1 – Processo 402510/2008-
9), pelo qual nos foi possível compor esta coletânea como trabalho coletivo, contando inclusive com o
apoio imprescindível do comitê acadêmico.
INTRODUÇÃO
A
elaboração de resenhas tem sido revigorada a partir das alternativas
apresentadas pelo domínio público de textos acadêmicos, graças à
tecnologia digital e à produção de sites. Dentre esses recursos, desta-
camos a exposição de resultados de pesquisas e reflexões teóricas em teses
e dissertações mediante o portal da Capes, enfim, o direito de a coletividade
conhecer o que está sendo produzido nas universidades.1 Há assim disponível
uma profusão de conhecimentos que vêm sendo produzidos nos quadros dos
cursos de pós-graduação. Para o caso em quetão neste texto, destacamos aque-
les referenciados à mobilização política em torno da construção de sociedade
pautada em igualdade entre homens e mulheres; ou os que aludem à criação
de percepções e sensibilidades para ações práticas segundo perspectivas de
gênero e distinções sexuais.
Elaborar resenha sobre transversalidade de temáticas, como gênero,
condições sociais de vida de mulheres (e em raros casos homens), feminis-
mo ou sexualização da vida social, é tarefa complexa e arriscada a produzir
deformações. A coleta de informações é uma escolha em determinado campo
de possibilidades, por si mesmo devedor de outras escolhas. Por tantas inter-
ferências ou sucessivas intervenções, relativamente fora do controle de quem
elabora a resenha, o respectivo exercício é uma tentativa de aproximação do
que pode ser selecionado para análise. A resenha não pode então ser elabo-
rada e lida sem que se levem em conta os constrangimentos enfrentados. De
qualquer modo, ela é uma compreensão possível, da qual se pode tirar algu-
mas consequências. O conjunto de fragmentos de que nos apropriamos visou
antes de tudo projetar as redes de interconhecimento na produção de temas
e problemáticas.
Esta resenha, sem reivindicar por isso particularidades muito singula-
rizadas, porque os limites explicitados são de certa forma constitutivos dos
atributos dessa forma de narrativa, só pode ser lida como uma das variedades
*
Doutora em Antropologia pelo PPGAS/MN/UFRJ, professora permanente do Programa de Pós-graduação
em Antropologia da Universidade Federal Fluminense.
**
Doutoranda no PPGA/UFF.
***
Mestrando no PPGA/UFF.
1 Citaríamos, à guisa de exemplo, e nos restringindo aos textos cujas reflexões tomam por base empírica o
reconhecido mundo rural: 1. Weisheimer (2005). Sobre a produção na pós-graduação, 2. Sposito (2009).
Delma Pessanha Neves, Priscila Tavares dos Santos e Rodrigo Pennutt da Cruz
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Introdução
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Delma Pessanha Neves, Priscila Tavares dos Santos e Rodrigo Pennutt da Cruz
2 Nesse quadro não estão incorporados os títulos de dissertações e teses referentes a estudos que tomam
por base empírica o mundo rural, como serão posteriormente apresentados, mas que não incorporam
análises sob a perspectiva de relações de gênero.
354
Introdução
Estaduais
UE Maringá 1 1 1
UE Ponta Grossa 1 1 1
UERJ 1 1
UNEB 1 1
UNESP (Araraquara, Assis, 10 10 7 3
Franca, Marília, Presidente
Prudente)
UNICAMP 17 17 11 6
USP 16 13 3 8 2 5 1
Subtotal 47 42 3 30 2 14 1
Universidades Regionais
Anhembi Morumbi 1 1 1
Blumenau 1 1 1
Noroeste do Rio Grande do Sul 4 3 1 3 1
Sorocaba 1 1 1
Vale do Rio dos Sinos 8 7 1 7 1
Subtotal 15 13 2 12 1 2
Privadas
Castelo Branco 1 1 1
Católica de Brasília 1 1 1
Católica de Goiás 2 2 2
Católica do Rio Grande do Sul 1 1 1
Centro Universitário de 1 1 1
Caratinga (mestrado
profissional rural)
Escola Nacional de Ciências 1 1 1
Estatísticas
Escola Superior de Teologia 2 2 1 1
Fundação Getulio Vargas 1 1
Gama Filho 7 6 1 6 1
Luterana do Brasil 2 1 2
Metodista de Piracicaba 5 4 1 4 1
Metodista de São Paulo 3 3 3
Oeste Paulista 1 1 1
Pontifícia Universidade 1 1 1
Católica de Campinas
Pontifícia Universidade 12 12 7 5
Católica de São Paulo
Pontifícia Universidade 2 2 1 1
Católica do Rio de Janeiro
Pontifícia Universidade 12 12 9 3
Católica do Rio Grande do Sul
Subtotal 55 51 2 42 1 12
Total geral 307 278 25 218 22 66 1
355
Delma Pessanha Neves, Priscila Tavares dos Santos e Rodrigo Pennutt da Cruz
Referências
WEISHEIMER, N. Estudos sobre os jovens rurais do Brasil: mapeando o debate.
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SPOSITO, M. (Coord.). O estado da arte sobre juventude na pós-graduação brasi-
leira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006). Belo Horizonte:
ARGVMENTVM, 2009.
356
CAMPOS TEMÁTICOS DE ESTUDO DE RELAÇÕES DE GÊNERO
EM DISSERTAÇÕES E TESES
E
m se tratando de pesquisas e textos elaborados entre profissionais em gran-
de parte devotados a práticas educativas, destaca-se o amplo interesse por
processos de socialização, considerados, em certos casos, em consonância
a distinções por sexo. Em outros, por vezes muito mais anunciados que realiza-
dos, apenas tentativas de refletirem tais distinções segundo padrões vigentes de
construção de relações de gênero. Neste bloco temático, foi-nos possível agregar
títulos de dissertações e teses elaboradas e defendidas entre 1989 e 2007.
No tocante a problemáticas associadas a processos de socialização, espe-
cialmente escolar, os registros de anos de defesa da titulação podem ser assim
distribuídos no tempo:
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Delma Pessanha Neves e Rodrigo Pennutt da Cruz
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Campos temáticos de estudo de relações de gênero em dissertações e teses
366
Campos temáticos de estudo de relações de gênero em dissertações e teses
MELLO, Silvia Natália de. Gênero e alfabetização de jovens e adultos: uma in-
terlocução necessária para a educação. 2007. Tese (Doutorado) - Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, 2007. Orientadora: Ana
Maria Colling.
MEYRER, Marlise Regina. Evangelisches stift: uma escola para moças das me-
lhores famílias. 1997. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, 1997. Orientadora: Heloísa Jochims Reichel.
MOITA, Filomena Maria Gonçalves da Silva Cordeiro. Educação e violência do-
méstica: a construção da pedagogia do e no medo – olhar de gênero no contexto
familiar. 1999. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Paraíba/João
Pessoa, 1999. Orientadora: Celinda Lilian de Lourdes Letelier Vasquez.
MONTAGNER, Rosangela. Ressignificando imagens/memórias de alunas do
Instituto de Educação Olavo Bilac: processos de formação de professores (1929-
1969). 1999. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Maria, 1999.
Orientador: Jorge Luiz da Cunha.
MONTEIRO, Luciene Cunha. Conhecimentos e crenças sobre doenças sexualmente
transmissíveis e comportamento sexual em jovens de escolas públicas estaduais
de Goiânia. 1999. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás, 1999.
Orientador: Mauricio Gomes Pereira.
MOTTA, Luciane. A canoa rosa que virou minhoca, ou como se aprende a ser me-
nino/menina na educação infantil: a narrativa de uma educadora em processo.
2003. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2003.
Orientadora: Edla Eggert.
MOURA, Geovana Ferreira de Melo. Por trás dos muros escolares: luzes e sombras
na educação feminina (Colégio Nossa Senhora das Dores – Uberaba, 1940-1960).
2002. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Uberlândia, 2002. Orientador:
Geraldo Inácio Filho.
MOURA, Neide Cardoso de. Relações de gênero em livros didáticos de língua
portuguesa: permanências e mudanças. 2007. Tese (Doutorado) - Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo, 2007. Orientadora: Fúlvia Maria de Barros Mott.
MUNIZ, Diva do Couto Gontijo. Do lar para a escola e da escola para o lar: mu-
lher e educação em Minas Gerais no século XIX (1834-1889). 1998. Dissertação
(Mestrado) - Universidade de São Paulo, 1998. Orientadora: Antonia F. Pacca
A. Wright.
NAPOLITANO, Sira. Gênero, educação e preconceito: uma pesquisa no Curso de
Serviço Social através da abordagem psicossocial. 2002. Dissertação (Mestrado)
- Universidade Est. Paulista Júlio de Mesquita Filho, Franca, 2002. Orientadora:
Irene Sales de Souza.
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Delma Pessanha Neves e Rodrigo Pennutt da Cruz
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Campos temáticos de estudo de relações de gênero em dissertações e teses
375
Delma Pessanha Neves e Rodrigo Pennutt da Cruz
ABREU, Maria Jasylene Pena de. Modos de vida, gênero, gerações e meio ambiente
no Parque Nacional do Jaú/AM. 2000. Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal de Santa Catarina, 2000. Orientadora: Mara Coelho de Souza Lago.
ALVES, Francisca Elenir. Mulheres trabalhadoras, sim. Alunas, por que não?: estudo
sobre gênero, trabalho e educação na Bahia. 2006. Dissertação (Mestrado) - Univer-
sidade Católica de Brasília, 2006. Orientadora: Candido Alberto da Costa Gomes.
AMARAL, Graziele Alves. A mulher e a tripla jornada de trabalho: como é adminis-
trado esse desafio? 2007. Dissertação (Mestrado profissionalizante) - Faculdade
de Estudos Administrativos de Minas Gerais, 2007. Orientadora: Adriane Vieira.
376
Campos temáticos de estudo de relações de gênero em dissertações e teses
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Delma Pessanha Neves e Rodrigo Pennutt da Cruz
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Delma Pessanha Neves e Rodrigo Pennutt da Cruz
382
Campos temáticos de estudo de relações de gênero em dissertações e teses
SILVA, Dina Maria da. Ascensão social e os conflitos de gênero e raça. 2003.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2003.
Orientador: Antonio Carlos do Nascimento Osório.
SILVA, Diomedes Paulo da. A regulação da atividade de merendeiras e auxiliares de
serviços gerais de escolas públicas. 2005. Dissertação (Mestrado) - Universidade
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SILVA, Fabiane Ferreira da. Corpos femininos, superfície de inscrição de discursos:
mídia, beleza, saúde sexual e reprodutiva, educação escolarizada. 2007. Disserta-
ção (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007. Orientadora:
Paula Regina Costa Ribeiro.
SILVA, Flavio Caetano da. A mulher que a professora revela: sujeito, gênero e
educação nas práticas discursivas. 2002. Tese (Doutorado) - Universidade de
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o status da mulher: um estudo de caso em favelas de Belo Horizonte1993. Dis-
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SOARES, Guiomar Freitas. Sexualidade e gravidez na adolescência: um estudo
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SOUSA, Leilane Barbosa de. Contaminação por DST e conjugalidade: etnografia
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SOUZA, Patrícia Alves de. Os possíveis motivos do adiamento da denúncia de
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SOUZA, Terezinha Martins dos Santos. Emoções e capital: as mulheres no novo
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TESSELER, Fani Averbuh. Ser livre porque obediente: autonomia na identidade
de professoras em uma escola de periferia. 1994. Dissertação (Mestrado) - Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul, 1994. Orientador: Fischer Nilton Bueno.
383
Delma Pessanha Neves e Rodrigo Pennutt da Cruz
384
Campos temáticos de estudo de relações de gênero em dissertações e teses
ABICHEQUER, Aline Marie Dabdab. “Só pega essa doença quem quer?”: tramas
entre gênero, sexualidade e vulnerabilidade à infecção pelo HIV/Aids. 2007.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.
Orientadora: Dagmar Elisabeth Estermann Meyer.
ANGELINI, Rosimeire A. O cotidiano e a cidade: práticas, papéis e representações
femininas em Londrina (1930-1960). 1994. Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal do Paraná, 1994. Orientador: Carlos Roberto A. Dos Santos.
BALDUINO, Soraia Cristina. Sombras de mulheres um estudo sobre a represen-
tação feminina e a categoria docente na Revista do Professor (1934-1965). 2003.
Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo. 2003. Orientadora: Cynthia
Pereira de Sousa.
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Delma Pessanha Neves e Rodrigo Pennutt da Cruz
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Considerações finais
390
Campos temáticos de estudo de relações de gênero em dissertações e teses
391
MUNDO RURAL E RELAÇÕES DE GÊNERO
A
dotando os mesmos procedimentos praticados na análise do item 2,
voltamos a construir condições para reflexão relacional, mas neste item
pensando contrapostamente o número de textos vinculados a estudos
rurais e, entre estes, aqueles cujo objeto se afilia aos estudos de gênero ou de
uma visão “generificada” ou sexualidada da vida social. Para efeito de análise
dos títulos quanto a subtemáticas ou problemáticas que anunciam, elaboramos
uma classificação geral, a partir da qual pressupusemos princípios gerais de
reflexão dos autores. Detalharemos, em seguida, as áreas disciplinares ou in-
terdisciplinares específicas, às quais eles se afiliam de forma mais recorrente,
e posteriormente a listagem dos títulos. Computamos as teses e dissertações
segundo as temáticas e também uma classificação temporal que valoriza a data
em que foi realizado o ato de defesa.
*
Doutora em Antropologia pelo PPGAS/MN/UFRJ, professora permanente do Programa de Pós-graduação
em Antropologia da Universidade Federal Fluminense.
Delma Pessanha Neves
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Mundo rural e relações de gênero
395
Delma Pessanha Neves
396
Mundo rural e relações de gênero
397
Delma Pessanha Neves
Universidades
Temas das dissertações e teses Total UFSer UNESP UFF UFPR USP
Unidade familiar de produção, 9 3 3 2 1 23
campesinato, mudança e reprodução
social, trabalho externo, relações com
mercado
Ribeirinhos e organização da produção 1 1 1
Processo de assentamento rural
- Relações familiares e intergeracionais 2 2
Campesinato, representação política, 1 2 4
vida comunitária e associativismo
Agricultura familiar e políticas públicas 1 1 1
Assalariamento entre mulheres rurais 1 1
boias- frias
Fronteira agropecuária 1 1
Ecologismo, produtivismo e gestão 2 1 1
ambiental
Agronegócio e resistência camponesa 2 1 1 3
Sustentabilidade 1
Processos de assentamento rural 1
Total 20 7 6 1 4 33
398
Mundo rural e relações de gênero
Processo de 1 1
assentamento
e relações
familiares
Campesinato 1 1
e sistema
agroalimentar
Campesinato 3 1 1 1
e representa-
ção política,
vida comuni-
tária e asso-
ciativismo
Agricultura 2 1 1
familiar e
processo de
mudança e
reprodução
social
Agricultores 2 1 1
familiares e
processos de
construção
de identidade
social
Relações de 1 1
gênero no
meio rural
Escola, família 1 1
e construção
de relações de
gênero
Comunida- 2 1 1
des negras,
relações de
gênero e
reordenação
social
Campesinato 1 1
e preservação
de recursos
hídricos
Economia 1 1
solidária e
participação
das mulheres
Desenvolvi- 1
mento rural
sustentável
Total 19 1 3 1 2 1 1 2 2 2 1 3 1
399
Delma Pessanha Neves
Universidades
Temas C.U.
Total
CARA- UFAM UFP UFPA UFCG UFMG UFSC UFV UFLA- ESALQ
TINGA VRAS
400
Mundo rural e relações de gênero
s Psicologia
Campesinato e educa- 1 1
ção escolar
- proposta pedagógica 1 1
- juventude, sexualida- 1 1
de e educação sexual
Processos de assenta- 2 1 1
mento rural e redefi-
nição de relações de
gênero
Processos de assenta- 2 1 1
mento rural e relações
familiares e intergera-
cionais, organização
social
Processos de assenta- 1 1
mento rural.
Trabalho, educação e
família e escola
Empoderamento de 1 1
mulheres em
assentamento rural
A luta pela terra, 1 1
representações
segundo construção
de relações de gênero
Comunidades negras e 1 1
relações de gênero
Unidades de conserva- 1 1
ção e papel da escola
Memória de 1 1
professoras rurais
Total 13 2 1 1 2 2 2 1 1
401
Delma Pessanha Neves
402
RELAÇÃO DE TÍTULOS (DISSERTAÇÕES E TESES) AFILIADOS
AO CAMPO DE ESTUDOS NO MUNDO RURAL
*
Mestrando no PPGA /UFF.
**
Doutoranda no PPGA/UFF.
Rodrigo Pennutt da Cruz e Priscila Tavares dos Santos
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Relação de títulos (dissertações e teses) afiliados ao campo de estudos no mundo rural
405
Rodrigo Pennutt da Cruz e Priscila Tavares dos Santos
LUNARDI, José Clovis Teles. Olhares camponeses: escola uma terra de educar.
2000. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná,
2000. Orientadora: Lígia Regina Klein.
MACEDO, Marly. Memórias de professoras primárias no cotidiano das escolas
públicas estaduais da zona urbana e rural de Teresina (PI): 1960-1970. 2005. Dis-
sertação (Mestrado em Educação) - Fundação Universidade Federal do Piauí,
2005. Orientadora: Maria do Amparo Borges Ferro.
MACIEL, Antonio Carlos. A dinâmica do processo de ocupação socioeconômica
de Rondônia: trajetórias e tendências de um modelo agropecuário na Amazônia.
2004. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) -
Universidade Federal do Pará, 2004. Orientador: Francisco de Assis Costa.
MARTINS, Pedro. Comunidade cafuza de José Boiteux/SC: história e antropologia
da apropriação da terra. 2001. Tese (Doutorado em Ciência Social - Antropologia
Social) - Universidade de São Paulo, 2001. Orientadora: Margarida Maria Moura.
MELO, Rita de Cássia. A espacialização das associações comunitárias no muni-
cípio de Malhador: estratégia de permanência da unidade de produção familiar.
2005. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Sergipe,
2005. Orientadora: Alexandrina Luz Conceição.
MELO, Rosemeri Santos de. Terra, trabalho e vida: o trabalho externo fabril
como estratégia de permanência do campesinato em Itaporanga D`ajuda. 1995.
Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Sergipe, 1995.
Orientador: José Alexandre Felizola Diniz.
MENASCHE, Renata. Percepções e projetos: agricultura familiar em mudança: o
caso da região de Santa Rosa, noroeste do Rio Grande do Sul. 1996. Dissertação
(Mestrado em Desenvolvimento) - Agricultura e Sociedade, Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, 1996. Orientador: Roberto José Moreira.
MORAES, Maria Ângela Barros. A unidade de produção familiar e a política pú-
blica de desenvolvimento sustentável no município de São Domingos/Goiás: o
caso Baru. 2004. Dissertação (Mestrado, em Geografia) - Universidade Federal
de Sergipe, 2004. Orientadora: Alexandrina Luz Conceição.
MOURA, Edila Arnaud Ferreira. Práticas socioambientais na Reserva de Desen-
volvimento Sustentável Mamirauá. 2007. Tese (Doutorado em Desenvolvimento
Sustentável do Trópico Úmido) - Universidade Federal do Pará, 2007. Orienta-
dora: Deborah de Magalhães Lima.
MUÑOZ, Estevan Felipe Pizarro. Utilização da biomassa pela agricultura campo-
nesa na perspectiva da produção consorciada de alimento e energia: o caso da
COOPERBIO, RS. 2007. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) - Univer-
sidade Federal de Santa Catarina, 2007. Orientadores: Clarilton Edzard Davoine
Cardoso Ribas; Francisco José da Costa Alves.
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Relação de títulos (dissertações e teses) afiliados ao campo de estudos no mundo rural
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Rodrigo Pennutt da Cruz e Priscila Tavares dos Santos
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Relação de títulos (dissertações e teses) afiliados ao campo de estudos no mundo rural
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TEMÁTICAS RECORRENTES NAS TESES E DISSERTAÇÕES
REFERENTES AO UNIVERSO RURAL
D
o conjunto de textos anteriormente apresentados, destacaremos de
forma mais analítica alguns deles, por corresponderem a temáticas mais
recorrentes. Uma delas diz respeito à problemática da educação no meio
rural. Dentre as preocupações intelectuais com o sistema de ensino atribuído
aos segmentos populacionais rurais, destacam-se aquelas que problematizam
a formação de professores. Elas estão agrupadas neste item porque os autores
consideraram alguns dos padrões que constroem mutuamente e contextual-
mente a interdependência da representação homem-mulher. Reivindicando a
afiliação aos estudos de gênero, distinguiram empiricamente papéis específicos
desempenhados por mulheres. Tomaremos dois casos para exemplificar.
Em Memórias de professoras primárias no cotidiano das escolas públicas
estaduais da zona urbana e rural de Teresina (PI) – 1960-1970, texto de disserta-
ção de mestrado em Educação, defendida junto à Universidade Federal do Piauí
no ano de 2005, a autora, Marly Macedo, analisa a participação da professora
primária no contexto do ensino rural, no município de Teresina (PI). O objetivo
precípuo na dissertação fora reconstruir textualmente memórias de professo-
ras primárias aposentadas quanto ao cotidiano escolar. Foram selecionadas
aquelas que se encontravam em sala de aula nas décadas de 1960 e 1970, pe-
ríodo de implantação das Leis nºs 4.024/61 e 5.692/71. Segundo a autora, essas
normas legais causaram grande impacto no sistema educacional brasileiro.
Quanto à temática reprodução social do campesinato, merecedora de es-
pecial atenção entre os autores nesta sessão elencados, exemplificamos com a
referência ao estudo desenvolvido por David José Caume, no texto A construção
social de um outro ofício de agricultor: as estratégias tecnológicas de reprodução
social do campesinato. Ele corresponde à dissertação de mestrado em Sociologia
defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nela o autor reflete
sobre interpretações clássicas das práticas técnicas dos camponeses, a partir
de estudo de caso junto a tal segmento, situado na região do Alto Uruguai (RS).
Segundo o autor, “as práticas tecnológicas dos camponeses investigados foram
interpretadas enquanto estratégias tecnológicas de reprodução social e como
produtos de uma dupla inflexão: a degradação de suas condições socioeconô-
micas e ecológicas de produção e a vivência de um itinerário técnico”.
*
Doutora em Antropologia pelo PPGAS/MN/UFRJ, professora permanente do Programa de Pós-graduação
em Antropologia da Universidade Federal Fluminense.
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Temáticas recorrentes nas teses e dissertações referentes ao universo rural
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Temáticas recorrentes nas teses e dissertações referentes ao universo rural
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Temáticas recorrentes nas teses e dissertações referentes ao universo rural
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Temáticas recorrentes nas teses e dissertações referentes ao universo rural
tivo. Os resultados mais evidentes são por elas reconhecidos: pela elevação da
autoestima; pelo exercício da fala nos espaços públicos; pelo reconhecimento
social de saberes que dominam; e pelo respectivo enriquecimento decorrente
de novos conhecimentos no desenvolvimento de suas habilidades práticas.
Tais aquisições materiais, mas principalmente de símbolos de prestígio, se-
gundo a autora, facilitaram: o acesso às políticas de crédito; o reconhecimento
da identidade de trabalhadora rural; a consciência crítica das desigualdades
de poder que referenciam relações entre mulheres e homens e os padrões de
organização social.
Ainda focalizando a formação escolar e social de jovens, autores se ocu-
param dos métodos diferenciados que vêm sendo experimentados pelo projeto
metodológico do MST.
No texto Fuxicando sobre a cultura do trabalho e do lúdico das meninas-
-jovens-mulheres de assentamentos do MST, correspondente à dissertação de mes-
trado em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina, defendida
em 2004 por Natacha Eugênia Janata, a autora, em pesquisa participativa, inova
na adoção de instrumentos propiciadores de coleta de dados. Tais instrumentos
foram por ela qualificados como oficina de fuxico, grupos focais ou discussão
em grupo. Portanto, valorizou especialmente a observação participante, cujas
reflexões foram sistematizadas em anotações no diário de campo, bem como
por recurso audiovisual como filmagem e também fotografias.
A investigação se circunscreveu ao estudo da articulação entre a atividade
de educação física e a produção de engajamentos em Movimentos Sociais, parti-
cularmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Partindo
da problemática da migração da juventude rural para a cidade, o objetivo da
autora fora compreender as relações e contradições entre a cultura do trabalho
e a cultura lúdica, vividas e construídas pelas jovens dos Assentamentos 30 de
Outubro e São José. Ambos são representantes de mobilizações coordenadas
por lideranças do MST e estão situados no município de Campos Novos-SC.
Valorizando a participação das mulheres nas atividades de pesquisa parti-
cipativa, a autora enfatiza, como eixo da análise, as problemáticas vinculadas a
desigualdades nas relações de gênero. Em consequência, traz ao conhecimen-
to do leitor a explicitação situacional de sonhos (desejados, elaborados em
contextos em que elas enfatizavam “uma vida dura, regada a muito trabalho
e responsabilidades, cuja ética assim formulada faz ressaltar conquistas con-
seguidas a duras penas”. Por essa reflexão coletiva, reconhece a autora, as
mulheres adquiriram um novo significado diante dos engajamentos no projeto
político do MST.
No texto Juventude e sexualidade no contexto escolar de Assentamentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra, correspondente à dissertação
de mestrado em Educação defendida na Universidade Federal de Santa Catarina
em 2004, Rosângela Stefen Vieira também focaliza a relação entre educação e
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Temáticas recorrentes nas teses e dissertações referentes ao universo rural
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Delma Pessanha Neves
Trabalhadoras rurais
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Temáticas recorrentes nas teses e dissertações referentes ao universo rural
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ARTIGOS PUBLICADOS CUJA PERSPECTIVA ANALÍTICA
CONTEMPLA ESTUDOS DE GÊNERO E MUNDO RURAL
C
onforme já destacamos, o levantamento desses artigos não visou à análise
de conteúdo e sitematização de problemáticas, tarefa que ultrapassava
as possibilidades de realização no contexto de cumprimento do projeto
de pesquisa do qual derivaram as reflexões aqui apresentadas. Ele foi realizado
para identificar autores e vínculos institucionais para os quais a coordenação do
projeto de organização da coletânea encaminharia circular mobilizando autores
para participarem da seleção, tendo em vista a organização da coletânea em
curso. Aproveitamos a oportunidade da publicação da coletânea para anexá-lo,
esperando facilitar a avaliação analítica por leitores interessados na questão.
No exercício atual, não contrastaremos os artigos com outros títulos cujos
temas privilegiaram o mundo rural, nem tão pouco bibliografia mais generalizada so-
bre estudos de gênero, procedimento que vimos adotando no decorrer deste texto.
A listagem seguinte permite, contrastivamente, ressaltar autores e revistas
que apresentam tendências à especialização tanto nos estudos feministas e de gê-
nero, como desta questão no mundo rural, como demonstradas no quadro a seguir.
*
Mestrando no PPGA /UFF.
**
Doutoranda no PPGA/UFF.
Rodrigo Pennutt da Cruz e Priscila Tavares dos Santos
Referências
AGUIAR, Neuma. Múltiplas temporalidades de referência: trabalho doméstico e
trabalho remunerado em uma plantação canavieira. Cadernos do Núcleo Trans-
disciplinar de Gênero – NUTEG, v. 1, n. 1, 2000.
ANDRADE, Maristela de Paula. Conflitos agrários e memória de mulheres cam-
ponesas. Universidade Federal do Maranhão. Estudos Feministas, Florianópolis,
v. 15, n. 2, maio/ago. 2007.
ARROYO, Miguel Gonzalez. Políticas de formação de educadores(as) do campo.
Caderno Cedes, Campinas, v. 27, n. 72, maio/ago. 2007.
BELAUNDE, Luisa Elvira. A força dos pensamentos, o fedor do sangue: hema-
tologia e gênero na Amazônia. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 49, n. 1,
jan./jun. 2006.
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Artigos publicados cuja perspectiva analítica contempla estudos de gênero e mundo rural
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Rodrigo Pennutt da Cruz e Priscila Tavares dos Santos
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Artigos publicados cuja perspectiva analítica contempla estudos de gênero e mundo rural
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