Você está na página 1de 4

O Barroco 1

O Barroco
Na periodização da literatura portuguesa, o barroco é um período literário
precedido do maneirismo - que prolonga em aspectos temáticos e estilísticos, mas de
que se distingue por essenciais diferenças de atitude perante o mundo e perante a
literatura - e seguido de um neoclassicismo racionalista que se afirma precisamente em
oposição à estética literária barroca.
A estética clássica já tinha sido desviada pelo maneirismo que coexistiu nas
obras de certos clássicos como Camões com as normas renascentistas da criação
artística. Antes do barroco, o maneirismo tinha significado uma reacçao contra as ideias
de normatividade, de equilíbrio, de beleza regular e contra a filosofia optimista do
humanismo, substituída por um pessimismo fundamental relativo ao homem e ao lugar
dominante no centro do universo. Segundo Vítor Aguiar e Silva, o barroco define-se por
um carácter sensorial e naturalista, apelando para as sensações fruídas na variedade
do mundo físico. O barroco é uma arte acentuadamente realista e popular, animada de
um poderoso ímpeto vital e que se compraz numa sátira exagerada. Tende
frequentemente para o ludismo e o divertimento e dissolve deliberadamente a tradição
poética petrarquista. O barroco caracteriza-se pela ostentação, pelo esplendor e pela
proliferação dos elementos decorativos, pelo senso da magnificência que se revela em
todas as suas manifestações, tanto nas festas de corte como nas cerimónias fúnebres.
O início do período barroco na literatura portuguesa pode-se situar na segunda e
terceira década do século XVII, pois nesses se publicam obras e se afirmam poetas,
que significam uma profunda alteração dos padrões literários.
A literatura, particularmente a poesia, que por esta altura começa a surgir,
apresenta já um carácter diferente do que dominava a produção poética das décadas
anteriores: atenua-se o tom ascético e acentua-se a propensão para a representação do
belo e do vistoso; a atitude galhofeira (brincalhona, divertida) e satiricamente realista
torna-se corrente; e o carácter artificioso do trabalho poético passa a constituir
frequentemente o fulcro do interesse do poema. Sem que se assista a uma clara ruptura
em relação à literatura do período anterior, o panorama poético vai surgindo alterado,
quer na visão do mundo que apresenta, quer nas formas estilísticas por que a exprime.
O período barroco vai prolongar-se por mais de um século. Como limite ad
quem fixou-se 1750, altura em que os sinais de ruptura com a literatura barroca se
multiplicam e assumem grande relevância no panorama cultural: entre estes sinais se
podem citar a publicação, em 1746, do Verdadeiro Método de Estudar de Luís António
Verney e a criação, em 1756, da Arcádia Lusitana.

A poesia barroca
No período barroco foram muito poucos os poetas que publicaram em edição
própria os seus poemas. Estes foram recolhidos em duas colectãneas: Fénix
Renascida, que saiu em cinco tomos de 1716 a 1728, e o Postilhão de Apolo, que saiu
em dois tomos, em 1761-1762.
Entre os principais autores contam-se: Francisco Rodrigues Lobo, D.Francisco
Manuel de Melo, Soror Violante do Céu, Jerónimo Baía, Frei António das Chagas, Soror
Maria do Céu.

1
O Barroco 2

A poética barroca
Para se compreender a poesia barroca torna-se necessário conhecer o conceito
de poesia, o ideal de discurso poético que subjaz à sua produção.
A época produziu um grande número de textos teóricos em Espanha
(considerada por alguns autores o centro de irradiação do barroco) e em Itália, país que
continuava a ser o principal foco irradiador de arte e cultura. Entre os tratadistas do
barroco em podem-se citar Matteo Peregrini e Emmanuele Tesauro.
Mas é a obra de Baltasar Gracián, Agudeza y arte de ingenio, publicada em
1648 que é a primeira codificação das regras da poética barroca, apresentando uma
arte (no sentido de técnica, conjunto de regras e métodos) da agudeza.
O essencial da poética da agudeza consiste no trabalho do espírito na
descoberta de relações insólitas entre as coisas, entre as palavras, e o trabalho sobre o
discurso para o fazer dizer essas relações novas e insuspeitadas. Não se pode
compreender a literatura barroca sem se pensar no peso que a retórica assumiu na
formação mental dos homens desta época e, consequentemente, nos textos que
produziram. Recorde-se que a retórica ocupava lugar de destaque no plano curricular
das escolas jesuíticas, escolas que foram os centros de instrução dominantes do tempo,
não só em Portugal, como em quase toda a Europa católica. Mas, do esquema retórico
legado pela antiguidade- da inventio à pronuntatio, passando pela dispositio, elocutio e
memoria -a época barroca valorizou sobretudo a elocutio, o trabalho de verbalização
das ideias, o moldar das palavras.
A literatura barroca, principalmente a poesia, valorizou esses processos a ponto
de muitas vezes fazer deles os protagonistas do texto. É que, ao contrário do que
acontecia com a retórica clássica, o objectivo aqui não é propriamente persuadir
racionalmente o destinatário, mas captá-lo por meio do deleite, fazer do texto um
objecto produtor de prazer estético.
Do vasto arsenal de figuras retóricas, a literatura barroca destaca aquelas que
melhor servem os seus ideais estéticos, que constituem instrumentos mais adequados à
concretização do seu conceito de texto poético.
A figura dominante da poética barroca é a metáfora. Instrumento privilegiado de
expressão do ideal barroco de metamorfose, de transfiguração, a metáfora domina quer
nos textos teóricos, quer na produção poética. A poética da metáfora é minuciosamente
teorizada e três qualidades lhe são exigidas: novidade, clareza, brevidade. A novidade é
a qualidade mais apreciada: uma relação entre termo próprio e termo figurado insólita e
inesperada que, por isso mesmo, provoca a admiração, o deslumbramento do leitor. A
clareza significa que a metáfora tem de ser perceptível para o leitor, caso contrário
perder-se-á o seu efeito, pois ninguém pode apreciar o que não entende. A brevidade é
a capacidade de dizer relações novas, por vezes complexas, de forma sucinta. Nos
poemas barrocos é raro o aparecimento de metáforas isoladas. Elas aparecem
geralmente em séries, despenham-se em cascata pelo poema numa redundância
intensificadora, numa festa de imagens, de palavras. Aparecem também com frequência
em técnica de metáfora continuada: uma série de metáforas pertencentes ao mesmo
campo semãntico introduzida por uma metáfora-síntese que se vai particularizando ao
longo do texto.
Com a metáfora se articula directamente a hipérbole, expressão do gosto do
excessivo que dominava o barroco. Outra figura dominante do panorama retórico
barroco é a antítese que exprime o conflito, o choque dos contrários, ou a sua
justaposição.

2
O Barroco 3

A poética barroca explora também a materialidade fónica da palavra: as


semelhanças (paronímia), as convergências e divergências de som e sentido
(homonímia) e o consequente jogo de equívocos.
Um aspecto relacionado com o visualismo barroco é o uso da hipotipose:
descrição destinada a impor o objecto descrito à visão do leitor: pela acumulação de
pormenores, grande número de notações visuais, sobretudo cromáticas, o apelo à visão
dirigido ao leitor. O visualismo faz com que os poetas se aproximem de outros sistemas
de signos: poemas em forma de objectos.
Uma divisão estilística característica do barroco e corrente na época é a entre o
cultismo e o conceptismo. O cultismo consiste numa sobrecarga de elementos
ornamentais, com superlativação, uso de metáforas, hipérboles, perífrases e outros
recursos, tendentes a salientar a forma. O conceptismo é o desdobramento discursivo
de um conceito ou de uma premissa, em que se toma como realidade uma metáfora e a
partir dela se vai discorrendo, por raciocínios engenhosos, até dar num imprevisto
paradoxo. Tal como o cultismo era a extravagãncia da expressão, o conceptismo é a
extravagãncia da ideia.

Temas da poesia barroca

O mundo barroco é dominado pela figura do tempo, pela visão obsessiva do seu
fluir e do seu império sobre os homens e as coisas. A consciência aguda do tempo que
foge constitui assim o núcleo de uma constelação temática - a efemeridade, a
transitoriedade, o desengano - e confere unidade semântica a motivos tão diversos
como a rosa, o relógio, as ruínas, a morte.Os relógios constituem um motivo obsessivo
da constelação temática temporal.
Esta constelação funde-se com outra linha temática: a ilusão, a confluência de
aparência e realidade, a indistinção entre a vida e o sonho. Paradigmático deste núcleo
temático é Segismundo de La Vida es sueño de Calderón de la Barca. À mesma
temática pertence o espelho que reduplica e confunde a realidade e a ilusão.
Embora o amor não seja dos temas mais frequentes da poesia barroca, não
deixam de estar presentes os sofrimentos amorosos, a saudade. É de salientar a
acentuação hiperbólica dos traços, a intensificação dos elementos visuais, a
proliferação desmedida da metáfora descritiva. Surge também a imagem de um amor
sensual, traduzida numa linguagem realista, quando não mesmo obscena. Muitos dos
poemas de amor da época barroca funcionam como reflexo de uma realidade social- os
chamados amores freiráticos, ou seja, as relações amorosas centradas nos conventos e
que originaram uma abundante produção poética.
A religiosidade é outro filão poético do barroco. Nos poemas religiosos, o homem
apresenta-se geralmente como pecador, numa posição de dependência total em relação
ao amor e misericórdia de Deus. A figura de Cristo surge no centro desta poesia e dos
episódios da sua vida destacam-se o nascimento e a Paixão. A natureza dos temas não
obsta ao seu tratamento moldado pelas tendências mais marcantes da retórica do
tempo: o gosto lúdico da expressão paradoxal, da associação de contrários, a confusão
entre religiosidade e erotismo.
O mundo da poesia barroca revela faces contraditórias: ao lado da meditação
desenganada sobre o homem e o seu destino, o repetir da lição horaciana do carpe
diem, o apelo à fruição imediata; ao lado da visão idealizada do amor, a visão sensual e
a sua expressão mais despudorada; ao lado da exaltação panegírica, o retrato
caricatural. O poeta barroco percebeu que toda a realidade, por mais trágica ou
sublime, tem a sua face grotesca e exibiu essa face em poemas em que o cómico é o

3
O Barroco 4

ethos fundamental. O poeta barroco ri de tudo: de si próprio e dos outros, de defeitos


físicos e morais, de costumes da sociedade, ri de poetas e da própria poesia, de tópicos
e textos literários. Ele recorre jocosamente (é o estilo joco-sério) à intertextualidade e à
paródia de textos sagrados da memória cultural.
O tratamento dos temas barrocos apresenta-se geralmente como representação
emblemática. O emblema era uma representação pictórica acompanhada de uma
legenda que explicitava não só as figuras concretas representadas mas também o seu
significado alegórico. Temos assim na caracterização dos emblemas dois elementos - o
visual e o verbal -e os dois níveis de significação próprios da alegoria- o literal e o
transposto. Na poesia barroca predomina uma forma de representação relacionável
com a técnica do emblema.Os poemas chamam a atenção do leitor para objectos ou
cenas concretas levando-o a visualizá-los, e explica depois o significado profundo que
eles veiculam. À descrição segue-se a explicitação do seu significado. A descrição no
texto corresponde à representação pictórica do emblema, assim como a explicação
corresponde à legenda.
Emblemas evocados na poesia barroca: a fénix concretiza as duas faces do
barroco: a ostentação e a metamorfose; a rosa significa sempre a efemeridade da
beleza; as representações macabras apontam a realidade iniludível da morte.
Emblemas polissémicos são o espelho, a água, o relógio.

Você também pode gostar