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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


12ª Câmara de Direito Privado

Registro: 2015.0000768795

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº


0019391-09.2012.8.26.0005, da Comarca de São Paulo, em que é apelante
EMBRACON ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO LTDA, são
apelados MARINALVA DIAS BARBOSA (JUSTIÇA GRATUITA) e
AILSON VIEIRA BARBOSA (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da(o) 12ª


Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: "Deram provimento aos recursos. V. U.", de
conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Excelentíssimos


Desembargadores JACOB VALENTE (Presidente sem voto), CASTRO
FIGLIOLIA E CERQUEIRA LEITE.

São Paulo, 15 de outubro de 2015


(assinatura digital)

SANDRA GALHARDO ESTEVES


Desembargadora – Relatora.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
12ª Câmara de Direito Privado

Voto nº 14.738
Apelação Cível nº 0019391-09.2012.8.26.0005
Comarca de São Paulo Foro Regional de São Miguel Paulista/ 1ª Vara Cível
Juiz(a): Lucilia Alcione Prata
Apelante(s): Embracon Administradora de Consórcio Ltda. e Marinalva dias Barbosa e
outro
Apelado(a)(s): Os mesmos

CONSÓRCIO. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES.


DESISTÊNCIA. CONTRATO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DA
LEI Nº 11.795/08.

COBRANÇA DE TAXA DE ADMINISTRAÇÃO ANTECIPADA.


LICITUDE. IMPOSSIBILIDADE, PORÉM, NO CASO
CONCRETO.
A cobrança da taxa de administração antecipada é lícita, pois
prevista em lei (Lei nº 11.795/08, art. 27, §3º). No caso
concreto, porém, ela não pode ser abatida dos valores a serem
devolvidos aos autores, pois inexiste causa que justifique o
adiantamento de tal valor, uma vez que a ré não comprovou as
despesas imediatas com a venda da cota ou com a remuneração
de representantes e corretores destinação da taxa de adesão, a
título de antecipação da taxa de administração.

CLÁUSULA PENAL. PRÉ-FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO.


ABUSIVIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO
PREJUÍZO. ÔNUS DA ADMINISTRADORA.
A prévia fixação de prejuízos, em percentual, dá ensejo ao
enriquecimento sem causa, caracteriza antecipação de
indenização e contraria a norma estatuída no art. 53, § 2º, da
Lei nº 8.078/90.

CORREÇÃO MONETÁRIA.
Cuidando-se de contrato celebrado após 06 de fevereiro de
2009, a correção monetária das parcelas pagas é devida na
forma prevista no contrato, em consonância com o art. 30 da
Lei nº 11.795/08.
Apelações providas.

Vistos,

1. Trata-se de dois recursos de apelação interpostos contra a r.


sentença, prolatada às fls. 180/182, que julgou procedentes em parte os
pedidos formulados na inicial dessa ação de restituição de valores que
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MARINALVA DIAS BARBOSA e AILSON VIEIRA BARBOSA movem em


face de EMBRACON ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO LTDA., para
declarar rescindido o contrato entre as partes, e para condenar a ré a
devolver aos autores as quantias aportadas ao grupo de consorciados por
ela administrado, devidas a partir da efetiva contemplação ou,
alternativamente, a partir da data da última assembleia do grupo, podendo
ser descontadas a taxa de administração e a multa por desistência,
calculadas durante o período em que o consorciado permaneceu no grupo,
e não sobre a totalidade do contrato. Outrossim, determinou que o fundo de
reserva seja restituído aos autores, proporcionalmente aos valores
aportados. Sobre o valor apurado incidirá correção monetária a partir dos
respectivos desembolsos, e juros de mora a partir do primeiro dia após o
prazo da devolução. Finalmente, carreou à ré os ônus da sucumbência.

Os autores narram na inicial que seu filho, CLEBER DIAS


BARBOSA, adquiriu uma quota de grupo de consorciados administrado pela
ré. O consorciado faleceu em 18.06.2010. Antes de falecer, efetuou o
pagamento da taxa de adesão e das quatro primeiras parcelas. Pedem a
restituição imediata dos valores aportados pelo consorciado.

Em contestação, a ré alega que o contrato foi celebrado em


15.03.2010, e que, dos valores a serem restituídos, que serão atualizados de
acordo com a variação do valor do bem, devem ser descontadas a taxa de
administração e as multas de dez por cento a favor do grupo, e de vinte por
cento a favor da administradora. A restituição far-se-á na data da
contemplação da quota inativa.

O julgamento do feito dispensou a abertura da fase instrutória,


e o nobre magistrado a quo entendeu que (a) os sucessores do consorciado
tinham a faculdade de permanecer com o consórcio, mas optaram pela
rescisão contratual, o que, em verdade, equivale à desistência; (b) a
restituição aos autores dar-se-á por meio de sorteio da quota inativa, ou até
a data da última assembleia; (c) a taxa de administração e a multa por
desistência podem ser abatidas do valor a ser restituído; (d) o fundo de
reserva deverá ser restituído proporcionalmente; (e) os valores a serem
devolvidos sofrerão atualização monetária desde as datas dos respectivos
desembolsos. Assim, julgou procedentes em parte os pedidos formulados
na inicial, para declarar rescindido o contrato entre as partes, e para
condenar a ré a devolver aos autores as quantias aportadas ao grupo de
consorciados por ela administrado, devidas a partir da efetiva
contemplação ou, alternativamente, a partir da data da última assembleia

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do grupo, podendo ser descontadas a taxa de administração e a multa por


desistência, calculadas durante o período em que o consorciado
permaneceu no grupo, e não sobre a totalidade do contrato. Outrossim,
determinou que o fundo de reserva seja restituído aos autores,
proporcionalmente aos valores aportados. Sobre o valor apurado incidirá
correção monetária a partir dos respectivos desembolsos, e juros de mora a
partir do primeiro dia após o prazo da devolução. Finalmente, carreou à ré
os ônus da sucumbência.

Inconformada, a ré apela às fls. 185/197. Alega, em suma, que a


correção monetária deve ser calculada com base no percentual amortizado
do valor do bem. Pugna pelo provimento do recurso para reforma da r.
sentença.

Os autores ofertaram contrarrazões (fls. 207/210).

Também inconsolados, os autores apelam adesivamente às fls.


211/213. Aduzem, em resumo, que: (a) a multa por desistência é indevida,
seja porque o consorciado faleceu, seja porque a ré não demonstrou haver
sofrido prejuízo; e (b) a taxa de administração já foi paga. Pugnam pelo
provimento do recurso para reforma da r. sentença.

Sem contrarrazões da ré (fl. 217).

É o relatório do essencial.

2. Cuidando-se de contrato celebrado após 06 de fevereiro de


2009, a correção monetária das parcelas pagas é devida na forma prevista
no contrato:
“Cláusula 40ª A restituição ao consorciado excluído será considerada
crédito parcial, cujo valor da importância paga ao fundo comum será
calculada com base no percentual amortizado do bem ou serviço vigente
na data da assembleia de contemplação, nos termos do artigo 30 da Lei
11.795/08”.

A disposição contratual em comento está em consonância com


o art. 30 da Lei nº 11.795/08:
“Art. 30. O consorciado excluído não contemplado terá direito à
restituição da importância paga ao fundo comum do grupo, cujo valor
deve ser calculado com base no percentual amortizado do valor do bem
ou serviço vigente na data da assembléia de contemplação, acrescido dos

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rendimentos da aplicação financeira a que estão sujeitos os recursos dos


consorciados enquanto não utilizados pelo participante, na forma do art.
24, § 1º”.

Assim já decidiu esta Câmara, no julgamento da Apelação nº


0011326-16.2011.8.26.0084, Rel. Des. CASTRO FIGLIOLIA, em 08.05.2013.

A cobrança da taxa de administração antecipada é lícita, pois


prevista em lei (Lei nº 11.795/08, art. 27, §3º: “É facultado estipular no contrato de
participação em grupo de consórcio, por adesão, a cobrança de valor a título de
antecipação de taxa de administração, destinado ao pagamento de despesas imediatas
vinculadas à venda de cotas de grupo de consórcio e remuneração de representantes e
corretores, devendo ser: I destacado do valor da taxa de administração que compõe a
prestação, sendo exigível apenas no ato da assinatura do contrato de participação em
grupo de consórcio, por adesão; II deduzido do valor total da taxa de administração
durante o prazo de duração do grupo). No caso concreto, porém, ela não pode
ser abatida dos valores a serem devolvidos aos autores, pois inexiste causa
que justifique o adiantamento de tal valor, uma vez que a ré não comprovou as
despesas imediatas com a venda da cota ou com a remuneração de
representantes e corretores destinação da taxa de adesão, a título de antecipação da
taxa de administração.

As cláusulas 41ª e 42ª, que preveem as deduções de dez por


cento do valor do crédito a ser restituído ao consorciado, a favor do grupo,
e de vinte por cento do mesmo valor, a favor da ré, são abusivas. Cuida-se
de verdadeiras antecipações de danos ou indenizações pré-fixadas, o que
contraria a norma estatuída no art. 53, §2º, da Lei nº 8.078/90 (“Nos contratos do
sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas
quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida
com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo”).

Importante notar que a “(...) prévia fixação de prejuízos, em


percentual, dá ensejo ao enriquecimento sem causa. Só se indenizam prejuízos
concretos, quantificados, líquidos e certos. Não se indenizam prejuízos fictícios e
imaginários, pré-fixados e aleatórios.” (TJSP, Ap. nº 9170614-75.2006.8.26.0000, Rel.
Des. CERQUEIRA LEITE, j. em 13.04.2011).

Nessa toada, cumpria à ré comprovar nos autos o efetivo


prejuízo experimentado tanto por ela quanto pelo grupo de consorciados.
Porém, desse ônus não se desincumbiu.

Não bastasse isso, a quota dos autores ficou disponível para


transferência a terceiros interessados, não se justificando as malfadadas
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deduções. Com efeito, é sabido que as cotas dos consorciados desistentes


são normalmente repassadas a outros interessados até mesmo com
vantagem financeira.

Nesse sentido:
“CONSÓRCIO. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PAGAS.
REDUTOR. ART. 53, § 2º, DO CDC. PROVA DO PREJUÍZO.
ÔNUS DA ADMINISTRADORA. CORREÇÃO MONETÁRIA.
ÍNDICE APLICÁVEL.
I - A possibilidade de se descontar dos valores devidos percentual a
título de reparação pelos prejuízos causados ao grupo (art. 53, § 2º,
do CDC) depende da efetiva prova do prejuízo sofrido, ônus que
incumbe à administradora do consórcio.
II - A atualização monetária das parcelas a serem restituídas deve ser
realizada com base em índice que melhor reflita a desvalorização da
moeda, o que não corresponde à variação do valor do bem objeto do
consórcio. Recurso não conhecido.” (REsp. nº 871.421- SC, Rel. Min.
SIDNEI BENETI, j. em 11.03.2008) os grifos não constam do original.

Assim vem decidindo esta Egrégia Câmara:


“Descabe falar em prejuízos que a autora desistente possa ter causado ao
seu grupo, porquanto não comprovados. A sua cota esteve disponível
para transferência a um terceiro interessado, e não se justifica que ao
desistente sejam restituídos os valores com o redutor de que trata a
cláusula 49ª.3, uma das cláusulas abusivas do contrato.” (TJSP, Ap. nº
9112783-98.2008.8.26.0000, Rel. Des. CERQUEIRA LEITE, j. em
10.11.2010).

Veja-se, também: TJSP, Ap. nº 9126405-16.2009.8.26.0000, Rel. Des.


CERQUEIRA LEITE, j. em 07.12.2011.

3. Em face do exposto, dá-se provimento aos recursos; ao da


ré, para determinar que a correção monetária dos valores a serem
restituídos aos autores seja feita com base no percentual amortizado do
valor do bem, conforme previsto no art. 30 da Lei nº 11.795/08 e na cláusula 40ª
do instrumento contratual; e ao dos autores, para vedar o abatimento da
taxa de administração antecipada e das multas previstas nas cláusulas 41ª e
42ª do instrumento contratual.
(assinatura digital)

SANDRA GALHARDO ESTEVES


Desembargadora Relatora.

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