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Registros e registros…

Terezinha Guerra

Educadora com ampla experiência em capacitação técnica de professores, produziu inúmeros textos, vídeos e
publicações sobre arte e educação, para secretarias de educação, instituições nacionais e internacionais, tendo
integrado a equipe do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ação Comunitária (Cenpec).

Pois é, basta nascermos e alguém já corre a providenciar nosso registro! Outros tantos virão pela nossa vida afora,
memórias vivas do que já fomos ou fizemos: diplomas, certidões, certificados e quantas e deliciosas fotos de
aniversários, formaturas, casamentos, natais, viagens… E nossos diários e agendas de adolescentes? Quantos registros
de momentos mágicos, de sonho e também de tristezas, na época parecendo insuperáveis? Sim, somos seres de
registros, precisamos deles! Aliás, segundo Vygotsky, o que nos diferencia dos animais é o exercício do registro. Desde
os tempos mais remotos, em que nossos ancestrais desenharam nas paredes das cavernas até os dias de hoje, em que
grafiteiros pintam os muros das grandes cidades, o ser humano sente a necessidade de deixar sua marca por onde
passa. Histórias gravadas em pedras, papéis, filmes, fotos…

Enquanto professores, também somos agentes de uma história compartilhada por dezenas de alunos e, nesse percurso,
deixamos marcas, elaboramos registros… Mas, o que seriam registros, nas aulas de arte?

Na verdade, todas as produções dos alunos – escritas, desenhadas, cantadas, representadas, dançadas… – são
registros. Demonstram de que forma relacionaram, pensaram, simbolizaram, apreenderam, articularam determinados
conteúdos e de que maneira esses se concretizaram, se sintetizaram em recortes do conhecimento apreendido.

O aluno, quando registra, se situa melhor dentro dos conteúdos desenvolvidos, estabelece relações entre o que já sabe,
o novo e outras áreas do conhecimento. Dá sentido ao que aprendeu, torna-se mais crítico e exigente em relação a si
mesmo e ao ensinar/aprender arte. Percebe seu percurso e tem bases mais sólidas para proceder a uma auto-avaliação.

Elaborar registros escritos é fundamental na aula de arte, pois o ato de escrever sobre aquilo que se aprendeu – ou se
ensinou – faz refletir, organiza o pensamento e sintetiza idéias de forma consciente, mais profunda, num exercício de
apropriação do conhecimento e de construção de significações.

Para o professor, o ato de registrar – intimamente ligado ao ato de avaliar – possibilita a melhor percepção dos
progressos, obstáculos, retrocessos e limites de seus alunos, assim como permite efetuar as intervenções imediatas e
apontar possíveis encaminhamentos. Cada momento de registro é também uma pausa para se repensar a própria
prática pedagógica, rever caminhos, tentar novas possibilidades e reafirmar certezas.

Pedir, observar e interpretar os registros dos alunos requer um olhar que vá além das aparências, que busque os
significados estéticos, simbólicos, cognitivos; um professor atento, investigativo, sensível, que não despreza pistas, que
lê nas entrelinhas, dialoga com seus aprendizes e com sua própria prática e que, acima de tudo, tem clareza do papel da
arte na educação, dos objetivos do ensinar aprender arte e o que pretende com cada uma das situações de
aprendizagens propostas.

O quê e quando registrar?

Quando fotografamos um aniversário, por exemplo, tiramos fotos dos momentos mais significativos da festa, aqueles que
sintetizam, da melhor forma possível, o evento que queremos registrar, para relembrar o acontecido, para organizarmos
nosso álbum de memórias.

Assim também, na sala de aula, registros devem marcar etapas importantes de um projeto ou seqüência de situações de
aprendizagem. Podem ser solicitados registros ao se dar início a um novo projeto, com função de diagnóstico; nesse
caso, o professor poderá perceber o repertório artístico e estético de seus alunos, tendo, assim, melhor clareza de como
orientar seu planejamento a partir das noções e conceitos que a classe já possui, desvelando e ampliando
conhecimentos, corrigindo possíveis distorções e atendendo às necessidades e interesses individuais e coletivos.

Registros também podem e devem ser feitos ao final de uma aula, etapa ou momento significativo de um projeto ou
seqüência didática, quando se pretende verificar o que de fato foi apropriado pela classe até então, observando suas
dificuldades e progressos, verificando como se dá a articulação entre o repertório dos alunos e os novos conteúdos
trabalhados, pensar intervenções, replanejar ações.

Ao final de um projeto, registros mostram a sistematização do conhecimento, o que de fato foi significativo, quais
mudanças ocorreram, se os objetivos propostos foram atingidos, de que forma os aprendizes articularam seu fazer
artístico à apreciação estética e ao conhecimento da produção artística da humanidade em seus contextos conceitual,
histórico e cultural.

Os registros dos alunos podem ser feitos de forma individual, grupal ou com todo o coletivo da classe, sempre mediados
pelo professor, cujo encaminhamento deverá visar sempre a busca daquilo que o aluno aprendeu em arte, não se atendo
a questões como “você gostou do que fez?’ “como você se sentiu?’…
Vale relembrar que toda produção dos alunos é uma forma de registro: desenhos, pinturas, gráficos, charges,
quadrinhos, tabelas, música, poemas, teatro, esculturas… E, é claro, também fotos e gravações! O importante é que
estes registros, todos, tenham legendas, datas, que sejam contextualizados. Nada mais intrigante (e frustrante!) do que
uma foto antiga que ninguém mais se lembra de onde foi tirada, em que época, que pessoas são aquelas ali retratadas…
Assim, se o professor faz uma gravação de uma apresentação musical de seus alunos ou os fotografa em uma atividade
de pintura, é fundamental garantir todos os créditos: a data, quem são as pessoas ali presentes, qual a etapa do projeto,
qual o projeto… Alunos e professores precisam adquirir o hábito de datar suas anotações, suas produções, de
contextualizá-las.

É importante salientar que registros escritos são fundamentais, mas não devem ocupar um período muito grande das
aulas de arte, cujo universo é especialmente o não verbal e cujo espaço dentro do currículo escolar já é tão reduzido!
Todos já vimos pessoas em viagens de férias que passam o tempo todo com uma filmadora a tiracolo… Sim, registram
tudo, o tempo inteiro, mas e o passeio? E a festa, o prazer, o conhecimento de uma nova cultura? Fica tudo virtual, tudo
visto muito tempo depois, através de uma lente… É preciso fotografar, filmar, registrar sim, mas apenas os momentos
mais significativos, porque infelizmente, nossa memória vai se tornando diáfana, mas, mais importante que tudo, é viver,
experienciar, estar ali de corpo e alma!

Desta forma, o que vale mesmo, é o professor estar presente e atento a todas as produções dos alunos, e anotar – estes
são os seus registros – de forma individual ou por grupos de aprendizes, como estes se envolvem nas atividades, de que
forma resolvem os desafios propostos, que dificuldades apresentam, que soluções encontram para determinados
problemas, de que maneira articulam o fazer, o conhecer e o fruir arte. Aos poucos, através da prática do registro, é que
o professor vai percebendo quais são os momentos sínteses de cada proposta, de cada situação que merecem ser
registrados.

O portfólio

Há algumas décadas atrás, os “registros” da aprendizagem em arte se resumiam a cadernos de desenhos iguais,
encapados iguais, apresentando a mesma seqüência de atividades iguais e o melhor aluno era, obviamente, aquele que
fosse mais “igual” ao professor, que cobrava cada página ausente (ele sabia a ordem das coisas…) e não aceitava nada
além daquilo que ele havia colocado na lousa…

Educadores contemporâneos sugerem a organização dos registros dos alunos – e também os do professor – em
portfólios, palavra essa que não deve ser desconhecida dos arte-educadores, pois se trata de uma pasta há muito tempo
usada por artistas e arquitetos que nelas documentam todo seu percurso profissional, selecionando suas obras mais
marcantes e significativas.

Cada aluno pode e deve criar seu próprio portfólio – que é individual -, nele guardando suas produções e documentando
toda sua trajetória durante um determinado projeto ou ano escolar, sempre orientado pelo professor que, com sua turma
pode combinar os critérios de seleção dos trabalhos que dele farão parte: textos, desenhos, rascunhos, projetos,
anotações, reflexões, trabalhos individuais ou em grupo, relatórios, marcos significativos de aprendizagem organizados
de forma que evidenciem o envolvimento do aprendiz no processo de ensinar/aprender arte. Cada portfólio é único, tem
a marca de quem o fez, com a história única, irrepetível de seu autor.

Um portfólio não deve ser visto como uma caixa onde se guardam coisas que não se usa mais, nem organizado de
forma mecânica ou burocrática. Ë algo vivo, dinâmico, que se consulta sempre, que é objeto de reflexão, de análise e de
avaliação contínuas.

O professor também deve elaborar o seu portfólio, de cada classe, com registros de cada aluno ou grupos de alunos,
com suas reflexões, anotações, avaliações, enfim, com a história de seu percurso com aquele grupo de alunos que lhe
foi confiado naquele período de tempo.

Portfólios podem e devem ser compartilhados entre os alunos da classe, com outros professores da escola assim como
com os pais. São como álbuns de fotografias, revelam vidas, contam histórias…

Bibliografia

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