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O que é lecionar?

Feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina

– Cora Coralina

Quando nos indagamos sobre o que é o conhecimento, o saber humano,


nós nos deparamos com um dos seus principais problemas que é a sua
própria permanência - e importância para a comunidade humana -, ou
seja, a validade e transmissão, e seus critérios que garantem ao saber um
sentido de verdade e valoração.

Partindo desta idéia, à relevância que tem para a formação do homem, ou


como dia os gregos, a Paideia, a educação, na contribuição da criação de
instituições que formem homens e mulheres nós vemos que, a formação
dos sujeitos, e do ato que os tornam conscientes de si, passa
necessariamente por um tipo de encontro que reúne, pelo desejo de
saber, aquele que aprende, o aprendiz, e aquele que responde pelas
garantias de que determinado conhecimento deva ser preservado e
expandido, o mestre, e deste encontro resulta a nossa humanidade. Em
suma, o conhecimento é altamente dependente desta relação, onde tanto
o aprendiz quanto aquele que ensina, colocam a si e ao outro na busca
incessante pelo saber. A este afeto, os gregos deram o nome de filo
(phylia) Sofia (Sophia).

Mas, para preservar este desejo de saber, onde podemos situar esta
situação? Ou em outras palavras, qual é a parte que nos cabe, em vida, de
responsabilidade por levar adiante esta busca?

Antes de avançarmos, seria necessária aqui uma breve abreviatura, sobre


a forma clássica de lecionar. Lembremos, antes, que os próprios termos
aqui dispostos tem em suas raízes uma forma – se não, um conjunto de
valores – que dizem respeito a este momento, que aqui estamos hoje, mas
que dizem respeito a justamente ao lócus, o lugar da escola, e como ela se
revela de suma importância para a contemporaneidade. Rebateremos
aqui, a instrumentalidade que visa apenas a doutrinação e por outro lado,
o próprio preconceito em relação à Filosofia.

Vejamos, estamos em uma classe, um espaço físico, uma sala de aula –


classe, de onde se deriva a palavra clássico, é aquilo que é trabalhado em
classe. Lecionar – do latin, legere, é ler, leitura. Ou seja, não estamos aqui,
neste momento apenas por uma obrigação qualquer, mas sim,
encontramo-nos aqui, por que somos solicitados por nós mesmos. Para
revisitar um conhecimento que é especificamente trabalhado por
classificação e matérias de interesse público, levamos assim, adiante então
o desejo de saber.

Philia e Sophia. Este composto de amor, ou amizade, pelo saber, pela


sabedoria, jamais esteve tão presente em nossas vidas, e também, nunca
nos sentimos tão distante do verdadeiro e do conhecimento. Nossa crítica,
portanto, nesta leitura re-quererá de nós um verdadeiro empenho e
reflexão, sobre o que é a filosofia? Qual o seu objeto de estudo? A fim do
que somos levados a filosofar? E de que forma a filosofia nos permite
conhecer o mundo e o ajude a humanizá-lo, de outra forma, nada mais
nos interessa, pois se ela é a base e fundamento de todos os outros
conhecimentos, aqui está o ponto de início-fim de tudo.

A Lei que faz obrigatório o ensino de Sociologia e Filosofia no Ensino


Médio, de 2006, busca estimular a reflexão e o pensamento crítico dos
alunos. Estas disciplinas passaram a ser obrigatória nas escolas a medida
que na própria constituição do ensino público há uma percepção da
necessidade e das demandas sociais que os sujeitos tem em relação ao
mundo atual, mas principalmente, aponta para uma função social que
possa construir uma sociedade mais justa e democrática. A sociologia visa,
antes disso, ao aluno uma compreensão da própria sociedade, mas,
quando pensamos na Filosofia, vemos que ela transpõe ao educando uma
perspectiva que busca refletir o próprio mundo, a filosofia nesse sentido
não se fecha apenas sobre os estudos clássicos, vai além e busca um
sentido e uma formação que permita a todos uma busca por uma visão de
mundo – Weltanschauung, como diria os alemães.

Nesse sentido, poderíamos perguntar? Mas o que é isto Filosofia? Qual


seria então o objetivo da Filosofia no Ensino Médio?

O único objeto da filosofia é o próprio pensamento. Quando se coloca fora


do pensamento, a filosofia é o modo pelo qual o pensamento encontra a
possibilidade de investigação do próprio ato de pensar.

O que, leva-nos a indagar seria, portanto, ao pensamento, todos os seus


objetos transparentes ao próprio pensamento? O ser-ai ou o si-mesmo, de
nossas operações mentais oblitera-se, ao se desdobrar na fina camada que
forma as nossas percepções? Esconderia se, de si?

Para resolver este problema a tradição filosófica deu-se conta que em


lugar de encaminhar um determinado conteúdo, ou pensar que o ensino
de filosofia seja mera transmissão de conteúdos, chegou-se a formular que
se não podemos ensinar uma filosofia, podemos, no percurso dos
estudantes durante o período do ensino médio, podemos estimulá-los ao
filosofar, a um uso do pensamento crítico, como prática de suas suas
cidadania.

Em psicoterapia, costumamos encontrar esta instância ao se tornar, ela


também, uma maneira ocupacional destes objetos, encobertos, tornarem-
se conscientes ao intelecto humano. A cura, naquela medicina, não é algo
inalado ao paciente, mas ao contrário, é o próprio processo de
transferência, com o psicoterapeuta (o mestre, em nosso caso) que
permite a mente aperceber-se como algo em constante interrogação.

Perguntar-se sobre algo externo ao mundo interior da mente não desvela


a estrutura interna que mantém a mente em movimento. O pensamento
abstrato, no entanto, também não fornece elementos para que este
investigue a si mesmo. Ou seja, o Símbolo, com que aferem as relações e
associações cognitivas não perde sua ambivalência frente ao conceito, ou
idéia, formada pelo processo daquilo que é ideado. O estudante quando
atinge sua maturidade intelectual, compreende que não está no outro,
mas em si mesmo o conhecimento, assim ao tomar parte da comunidade
humana ele aprende a aprender, percebe em si mesmo que nenhuma
fronteira lhe obstrui o caminho do conhecimento e é, justamente, nesse
sentido que ele é o sujeito de seu próprio conhecimento, e – “Navegar é
preciso, viver não é” – como nos diria o poeta português, Fernando
Pessoa.

Aristóteles, filósofo grego do séc. IV a. C., faz referencia ao primeiro motor


como aquilo que em si já congrega Ato e Potência de uma substância.

Esta referência ao primeiro motor é uma tentativa aqui de descobrir no


próprio ato de pensar a sua ordem, na qual situa a todos nós como o
móvel para a busca a um mundo possível, aonde possamos coexistir. Seja a
partir de nossas ações, ou no modo como refletimos sobre elas, o
importante como veremos será não ignorarmos, ou, nos afastarmos dos
primados da filosofia, a fim de constituirmos um fundamento que sirva de
referência para uma vida ética e, contudo, mas principalmente, a ciência.

Mas é investigando a própria história do pensamento, que podemos


decalcar algo que indique o fundo, de onde se forma a nossa mentalidade.
A compreensão mesma do discurso filosófico é em si uma tarefa do
pensamento que se pensa – quando somos solicitados a isto! Enfim, a
filosofia sempre estará lá a nossa espera.

Um recurso possível, neste procedimento, é reconhecer as raízes e as


profundezas de nossas idéias. A história do pensamento Ocidental é parte
do próprio acervo cultural da humanidade. Com isto, quando tomamos
como ponto de partida à análise das figuras paradigmáticas das formas
(Eidos) de construir diagnósticos (diagignóskein) – de como a medicina
contribuiu com a sua práxis, os modos de pensar, os nossos -, sobre quais
tomamos a liberdade de vê-la, ou representá-la na realidade é que nos
damos conta que além de profundas estas raízes instaura-nos no Ser do
mundo.

O real, aqui, é antes de mais nada, Metafísica, dirão. No entanto, se não


verificarmos uma relação da atividade pré-posta, com a concretude da
realidade do sujeito que o pensa. O exame deve voltar-se sobre o
examinado.
Esta implicação, do sujeito que pensa, com o processo de depuração – são
tentativas de se desvencilhar das ambivalências suportadas nos símbolo
(?) – para se afastar das “ilusões da vida”, criou-se o que veio se chamar
filosofar.

A Filosofia foi também chamada pelos antigos de pharmacon – ou seja,


pela etimologia da palavra, do grego, esta palavra se liga a remédio ou
veneno. Observe-se aqui, novamente, que tanto na linguagem, como na
fonte das idéias aquela ambivalência se instala e aumenta a um nível
quase absoluto de abstração, o (diagignóskein) – esta aproximação,
portanto com a medicina indica-nos a importância do pensamento
filosófico – não apenas, para construir o mundo a partir do pensar – mas,
ajuda-nos a compreender e desconstruir os preconceitos em torno dela.
Ela é de máxima importância, por isto, de difícil utilidade.

A máxima hipocrática, (Hipócrates – pai da medicina) ao apontar que o


“médico suplanta o acaso com seu saber e o vence, com sua métis”
(Chaui, M 1994, 2002) vem de encontro com a Teoria do Conhecimento
praticada pelos filósofos na modernidade, estes médicos da alma, como o
são os psicólogos e psicanalistas de nosso mundo atual. O primeiro e mais
conhecido dos aforismos de Hipócrates é aquele com que se abre a obra
Aforismos, em que diz:

“A vida é breve, a arte é longa, o momento oportuno, fugidio,


a prova, vacilante e o juízo, difícil.”

Assim, Nos encaminhamos – quando nos pomos a pensar – e não por isto,
René Descartes, filósofo Frances nos séc. XVII re-inventa na filosofia o
processo de descoberta da verdade como seu método (in Latin caminho,
caminhar) – chamando assim a atenção para quais procedimentos são de
fato relevantes quando se preparamos para alçar vôo, quais nossos
recursos, e nesta visada, quando olhamos em nosso entorno, encontramos
a Escola Pública, como um direito que nós temos para ter acesso ao
conhecimento e a sabedoria.

Doravante: Por que ter medo de pensar?


Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,


que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Carlos Drummond de Andrade

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