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Supremo Tribunal Federal

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 966.483 SÃO PAULO

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


RECTE.(S) : ANA LUIZA DE FIGUEIREDO GOMES
ADV.(A/S) : HELENICE BATISTA COSTA
RECDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO

DECISÃO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM


AGRAVO. ADMINISTRATIVO.
AFASTAMENTO PARA CONCORRER A
CARGO ELETIVO. DESCONTOS DE
VALORES NA REMUNERAÇÃO DO
SERVIDOR. ALEGADA CONTRARIEDADE
AO ATO JURÍDICO PERFEITO: AUSÊNCIA
DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO:
SÚMULAS NS. 282 E 356 DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL
SE NEGA PROVIMENTO.

Relatório

1. Agravo nos autos principais contra inadmissão de recurso


extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, al. a, da
Constituição da República contra o seguinte julgado da Turma Recursal
dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de São Paulo:

“Trata-se de recurso interposto pela parte Autora, ANA LUIZA


DE FIGUEREDO GOMES, em face de sentença que julgou
improcedente os pedidos contidos na exordial. Pretende a Autora
reconhecer o seu direito à restituição dos valores descontados a título
de adicional por tempo de serviço, gratificação de atividade judicial e
vantagem pecuniária individual, além de auxílio-alimentação, durante

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o período em que esteve afastada para concorrer a cargo eletivo, assim


deferida pela Administração e com vencimentos integrais. No mérito,
a Autora requer a reforma total da Respeitável Sentença impugnada,
nos moldes especificados nas razões do Recurso. (…) Outrossim,
ressalto que devem ser analisados os descontos referentes à última
licença obtida, no ano de 2006, especificamente quanto à remuneração
dos dias 26/06/2006 a 04/07/2006 e em relação ao pagamento do
auxílio-alimentação em todo o período de afastamento. Quanto a isso,
constato que a autora pediu sua desincompatibilização do cargo
efetivo, tendo em vista sua escolha em convenção do Partido Socialista
dos Trabalhadores Unificado - PSTU, realizada no dia 29/06/2006,
para concorrer ao cargo de Deputada Estadual nas eleições fixadas
pelo Tribunal Superior Eleitoral para o dia 01/10/2006. Trouxe,
também, comprovação do protocolo em 05/07/2006 do pedido de
registro de sua candidatura. Ao analisar o pleito da autora, nos autos
do P.A. nº 09878/06-SEHU (que protesta pela posterior juntada),
verificou-se a existência de disposições paralelas e conflitantes, de um
lado, na Lei Complementar nº 64, de 18/05/1990 (Código Eleitoral), e,
de outro, na Lei nº 8.112/90, que instituiu o Regime Jurídico dos
Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações
públicas federais. A primeira, ao tratar sobre os casos de
inelegibilidade a que se refere o artigo 14, § 9º, da Constituição
Federal, dispôs em seu artigo 1º, incisos II, alínea ‘l’, V, alínea ‘a’, e VI
que são inelegíveis para a Assembleia Legislativa os servidores
públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da
Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações
mantidas pelo Poder Público, que deixem de se afastar de seus cargos
até três meses antes do pleito, quando se trate de empresa ou
repartição pública que opere no território em que disputado o cargo
político. Garantiu, ainda, a percepção dos vencimentos integrais em
todo esse período. Já a outra previu em seu artigo 86 e parágrafos, com
a redação dada pela Lei nº 9.527/97, a licença para atividade política,
reafirmando ao servidor que concorre a cargo eletivo federal, estadual,
distrital ou municipal o direito de se afastar de suas funções. Porém,
no que concerne à percepção de vencimentos, assim dispôs: - o período

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entre a escolha do servidor em convenção partidária e a véspera do


registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral, o afastamento
se dá sem remuneração; - a partir do registro da candidatura até o
décimo dia seguinte ao da eleição, são assegurados os vencimentos do
cargo efetivo, pelo período máximo de três meses. Ressalte-se que, na
oportunidade, o Tribunal de Contas da União, tratando da antinomia
entre essas normas, por reiteradas vezes decidiu pela primazia do
disciplinamento constante no artigo 86 da Lei nº 8.112/90, em vista de
sua especificidade. (…) Deve-se ressaltar, a par disso, que, ainda que
vencedora a tese propugnada pela autora, restaria injustificada
eventual remuneração dos dias 29 e 30/06/2006, pois anteriores ao
período de desincompatibilização exigido pela citada Lei
Complementar nº 64, de 18/05/1990, segundo o calendário eleitoral
estabelecido pela Resolução nº 22.249, de 29/06/2006, do Tribunal
Superior Eleitoral. No que tange ao inconformismo quanto ao
ressarcimento dos valores recebidos a título de auxílio-alimentação,
incabível a tese defendida. O ressarcimento é medida legal de direito,
uma vez que atos ilegais não podem originar direitos. Entendimento
diverso propiciaria o enriquecimento sem causa da autora em prejuízo
do erário público. Com efeito, ao disciplinar essa vantagem, a Lei nº
8.460, de 17/09/1992, determinou em seu artigo 22, caput, sua
concessão na proporção dos dias trabalhados. E sequer por ficção legal
os dias de fruição de licença para atividade política podem ser tidos
como trabalhados. O artigo 102 da Lei nº 8.112/90 traz rol taxativo
dos afastamentos que podem ser considerados de ‘efetivo exercício’, em
que não está contemplada a licença em estudo, que, ao contrário,
insere-se na previsão do artigo 103 do mesmo Estatuto(inciso III),
aqueles cuja contagem é admitida somente para fins de aposentadoria
e disponibilidade. (…) Ante o exposto, nego provimento ao recurso
interposto pela Parte Autora, mantendo a sentença recorrida por seus
próprios fundamentos de fato e de direito, nos termos do art. 46 da Lei
n. 9.099/1995 c/c art. 1º da Lei n. 10.259/2001” (doc. 28).

2. No recurso extraordinário, a Agravante afirma ter a Turma


Recursal contrariado os arts. 5º, caput e incs. XXXV e XXXVI, e 37 da
Constituição da República.

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Sustenta ser “evidente que a literatura jurídica fez questão de deixar clara
a diferença entre licença e afastamento para o exercício de mandato político, como
no caso em questão, em que a Recorrente estava tão somente
desincompatibilizada para concorrer ao pleito, e não investida no cargo político,
fazendo assim jus ao pagamento de sua remuneração” (fl. 4, doc. 32).

Assevera que “a legislação que rege a matéria objeto dos presentes autos
garante expressamente aos servidores públicos que afastem para concorrer a
cargos eletivos o direito à percepção dos seus vencimentos integrais” (fl. 6, doc.
32).
3. O recurso extraordinário foi inadmitido ao fundamento de
ausência de ofensa constitucional direta (doc. 36).

No agravo, pontua-se que “a Constituição da República de 1988, em seu


art. 5, XXXVI, conferiu especial atenção ao ato jurídico perfeito, e é justamente
esta a situação que se tem aqui presente. Eis que, conforme a interpretação
autêntica da LINDB, assim chamada por ter sido conferida pelo próprio
legislador e não pelo interprete, tão-somente, diz, textualmente, que se reputa
‘ato jurídico perfeito aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que
se efetuou’ (art. 6, § I), definição que se amolda à situação da Recorrente” (fl. 2,
doc. 39).

Salienta-se estar “claro que excluir parte da remuneração da Recorrente


fere gravemente o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos”
(fl. 3, doc. 39).

Examinados os elementos havidos no processo, DECIDO.

4. Razão jurídica não assiste à Agravante.

5. Os arts. 5º, caput e incs. XXXV e XXXVI, e 37 da Constituição da


República, suscitados no recurso extraordinário, não foram objeto de
debate e decisão prévios na Turma Recursal, tampouco foram opostos

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embargos de declaração com a finalidade de comprovar ter havido, no


momento processual próprio, o prequestionamento. Incidem as Súmulas
ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.

Este Supremo Tribunal assentou exigir-se o prequestionamento,


mesmo em matéria de ordem pública:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE


INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL.
PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E
356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO
REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. A matéria
constitucional contida no recurso extraordinário não foi objeto de
debate e exame prévios no Tribunal a quo. Tampouco foram opostos
embargos de declaração, o que não viabiliza o extraordinário, por
ausência do necessário prequestionamento” (AI n. 631.961-ED, de
minha relatoria, Primeira Turma, DJe 15.5.2009).

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM


AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. SÚMULA 282. I - A questão constitucional impugnada
no recurso extraordinário não foi objeto de apreciação do acórdão
recorrido, o que atrai a incidência da Súmula 282 do STF. II – Matéria
de ordem pública não afasta a necessidade do prequestionamento da
questão. III - Agravo regimental improvido” (AI n. 633.188-AgR,
Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ
31.10.2007).

6. Ressalte-se ter a Turma Recursal apreciado a controvérsia com


base na interpretação e aplicação da Lei Complementar n. 64/1990 e da
Lei n. 8.112/1990. Este Supremo Tribunal assentou que as alegações de
contrariedade ao princípio do ato jurídico perfeito, quando dependente
de exame de legislação infraconstitucional, pode configurar apenas

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ofensa reflexa à Constituição da República:

“A necessidade de constatação, em cada caso ocorrente, da


configuração, ou não, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da
coisa julgada faz instaurar contencioso de mera legalidade, desvestido,
por isso mesmo, de qualificação constitucional, eis que reside, na lei
(LICC, art. 6º) - e nesta, tão-somente - a ‘sedes materiae’ pertinente
ao delineamento conceitual dos requisitos caracterizadores de tais
institutos. Precedentes. - A decisão judicial que reconhece
caracterizada, ou não, no caso concreto, a ocorrência do direito
adquirido, do ato jurídico perfeito e/ou da coisa julgada,
independentemente da controvérsia de direito intertemporal, regida
por norma de sobredireito (CF, art. 5º, XXXVI), projeta-se em domínio
revestido de caráter eminentemente infraconstitucional, não
viabilizando, desse modo, por incabível, o acesso à via recursal
extraordinária. Precedentes” (RE n. 441.771-AgR, Relator o
Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 5.8.2005).

“O direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada,


quando objeto de verificação de cada caso concreto acerca da ocorrência
ou não de violação, não desafiam a instância extraordinária, posto
implicar análise de matéria infraconstitucional. 4. O recurso
extraordinário não é servil ao exame de questões que demandam o
revolvimento do contexto fático-probatório encartado nos autos, em
face do óbice erigido pela Súmula 279 do STF, de seguinte teor: Para
reexame de prova não cabe recurso extraordinário. 5. Agravo
regimental desprovido” (AI n. 807.665-AgR, Relator o Ministro
Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 13.9.2011).

“Este Supremo Tribunal Federal assentou que a alegação de


contrariedade e a verificação, no caso concreto, da ocorrência, ou não,
de ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada
ou, ainda, aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do
contraditório e da prestação jurisdicional, se dependentes de análise
prévia da legislação infraconstitucional, configurariam apenas ofensa
constitucional indireta” (AI n. 573.345-AgR, de minha relatoria,

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Primeira Turma, DJe 12.5.2011).

Nada a prover quanto às alegações da Agravante.

7. Pelo exposto, nego provimento ao agravo (art. 932, inc. IV, al. a, do
Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 19 de maio de 2016.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

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