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CORRIDA CONTRA
O TEMPO
Autor
KURT BRAND
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
Um hormônio vital H2O2... única
esperança do Império Unido!
Evyn Moll soltou um grande suspiro, sem preocupar-se com o fato de que não
estava sozinha no escritório. Sacudiu a cabeça, um tanto desesperada. Ela, que com 23
anos de idade era uma jornalista que trabalhava para o Correio Terrano, ainda não
trabalhava na profissão há mais de um ano e era de uma beleza extraordinária. Queriam
que escrevesse uma série popular sobre a famosa água oxigenada.
— Além disso — dissera seu chefe de serviço — a senhora naturalmente procurará
descobrir alguma coisa sobre o hormônio B. Senhorita Evyn, em princípio não é
necessário que tudo que a senhora escrever seja verdade, mas caso resolva entrar num
terreno escorregadio, o povo deve acreditar no que for escrito. Deve ser convincente,
arrebatar o leitor, entre outras coisas. Bem, a senhora sabe.
O chefe do serviço lhe dissera isto há uma semana. Nem quis ouvir seus protestos.
— Não entendo nada do assunto — argumentara Evyn.
O chefe soltara uma estrondosa gargalhada.
— Acredita que eu entendo?
— Por que não deixa isso por conta de um especialista? — perguntara a moça.
— Já ouviu falar em falta de pessoal habilitado, senhorita Moll? — respondera o
chefe num tom que quase chegara a ser ameaçador.
Evyn compreendeu. Aceitou a advertência.
— Está bem; cuidarei disso — respondeu.
Começara a cuidar do assunto — há dois dias...
Ficou enterrada no escritório, pediu que o arquivo lhe mandasse volumes com
informações e procurou informar-se sobre o H2O2.
Não havia livros sobre o hormônio B. E o que os volumes diziam sobre a
complicada água oxigenada era terrivelmente frio e enfadonho. O bloco em que Evyn
Moll pretendia fazer anotações ficou completamente vazio.
— É de enlouquecer — exclamou e girou com a poltrona, olhando para seu colega
McCormick. — O senhor não pode me dar uma dica de como posso encarar o assunto?
Se eu escrever uma linha do que dizem estes livros, os leitores do Correio sairão
correndo.
A risada de McCormick parecia paternal. Achava que Evyn Moll era uma boa
colega. Fitou-a com um sorriso por cima dos óculos antiquados.
— Por que não pergunta a seu amigo, senhorita Evyn? Ou será que ele já voltou ao
espaço?
— Bill? — perguntou Evyn em tom de espanto. Ela nem se lembrara de Bill
Ramsey. Rapidamente a expressão de desespero desapareceu de seu rosto, e duas
ruguinhas que tinham aparecido em sua testa lisa desfizeram-se.
— Naturalmente, senhorita Evyn. Deixe tudo como está por aqui. Se alguém
perguntar pela senhora, saberei o que dizer: está fazendo uma pesquisa. É claro, se pede
informações a um amigo, ninguém tem nada com isso. Até logo...!
Quase chegou a pô-la para fora. Evyn não perdeu tempo.
— Tchau, McCormick, por isso o senhor recebe um...
Inclinou-se e deu-lhe um beijo na testa.
Logo saiu à procura de Bill Ramsey.
Bill estava de férias. Sua nave pertencia ao grupo do Administrador Geral, que
bloqueara a concentração de Hiesse. Durante as manobras a nave sofrera uma avaria
grave, por isso encontrava-se num estaleiro lunar, enquanto grande parte da tripulação
ficou de férias.
Encontraram-se na Praça Crest.
— Olá, baby! — disse Bill, sorrindo alegremente para Evyn.
— Bom dia, Bill. Que bom que veio logo que eu telefonei. Não quer me convidar
para irmos a um lugar bem bonito?
Bill, um belo rapaz de 25 anos, de cabelos negros, não acreditou no que acabara de
ouvir. Há mais de um ano estava apaixonado por Evyn, mas ela não estava apaixonada
por ele. Por isso o comportamento da moça o deixou assustado. Mas não deixou que ela o
percebesse.
— Que tal o bar Dumb-Beetle, Evyn?
— Está doido, Bill? Alguém lhe disse que estou com vontade de dançar com um
urso desajeitado como você? — notou a perturbação do rapaz e lembrou-se de que queria
algumas informações dele. Resolveu então mudar de tom: — Bem, se isso o deixa feliz,
tudo bem. Este planador é seu? — colocou a mão embaixo de seu braço e fitou-o com
seus belos olhos azuis em formato de amêndoa.
Bill retribuiu carinhosamente o olhar e disse:
— Venha, tenho uma surpresa para você!
Puxou-a para dentro de seu planador. Evyn não gostou nem um pouco quando ele
sentou muito perto dela. A moça, porém, não deixou que o rapaz notasse seu desagrado.
O planador desprendeu-se do solo e subiu verticalmente à altura em que era
permitido trafegar para fora de Terrânia. Assim que alcançou a trilha invisível, o veículo
saiu em disparada.
Evyn Moll sabia por experiência própria que seria inútil perguntar a Bill qual era o
destino da viagem. O rapaz ligara o piloto automático e recostou-se na poltrona. Olhou
Evyn com uma expressão feliz.
— Você nunca soube conversar — observou Evyn, fazendo-se de zangada.
Bill Ramsey, que há dois anos era tenente da Frota do Império, não deixou que isso
o perturbasse.
— Daqui de cima o lago é muito bonito, não é mesmo?
O planador passou em alta velocidade sobre a água.
— Num dos bangalôs que ficam lá atrás deve morar Reginald Bell, e também esse
pequeno rato-castor, isto é, se estiverem em Terrânia. Já viu o rato-castor Gucky?
Evyn fez uma constatação objetiva. Bill nunca aprenderia a interessar uma jovem
em sua conversa. E perguntava-se: que interesse tinha ela no Marechal Reginald Bell ou
no tal do rato-castor, de cuja capacidade se contavam as coisas mais incríveis?
O planador prosseguiu em velocidade uniforme pela mesma rota. O lago
desapareceu, e Bill Ramsey contou todo entusiasmado como era bom trabalhar na Frota.
Evyn Moll, diante disso, mostrou sua veia diplomática. Aproveitando habilmente
uma pausa que Bill intercalou em sua conversa para respirar um pouco, perguntou em
tom de curiosidade:
— Você viu a panqueca de molkex que saiu voando, Bill? Deve ter sido um quadro
grandioso, por isso compreendo perfeitamente por que essas coisas o deixam
entusiasmado.
Bill nunca observara o fenômeno, pois ao tempo em que a camada de molkex se
desprendeu da nave dos blues e endureceu, formando uma bola gigantesca que também
endureceu e de repente lançou-se para o espaço, sua nave já se separara do grupo e estava
tentando atingir o estaleiro lunar com seus próprios recursos. Porém, como não quis fazer
feio diante de Evyn, respondeu:
— Foi formidável! O espetáculo foi tão grandioso que até hoje todo mundo fala
nele. Isso lhe interessa, não é mesmo? E se penso que dentro de pouco tempo faremos
com que a blindagem de molkex escorra da nave dos blues... vai ser uma festa, Evyn!
Evyn não compreendeu por que isso seria uma festa, mas procurou manter aceso o
entusiasmo de Bill.
— É incrível, Bill, que nossos especialistas tenham levado tanto tempo para atacar o
molkex com água oxigenada, se o H202 já é conhecido há mais de quatrocentos anos.
Bill nem se deu conta de que Evyn de repente se interessava pelos problemas da
Frota. Encontrava-se num estado de espírito que nunca tinha experimentado, e tudo por
causa da proximidade da moça.
— Não devemos culpar nossos cientistas. Pelo que ouvi dizer há dois ou três dias, o
H2O2 só age em combinação com outra substância, um certo hormônio B. Sei lá o que é
isso.
Esta observação produziu o efeito de uma ducha gelada em Evyn. A jovem
jornalista fez um esforço desesperado para não deixar perceber sua decepção.
— Acho que a gente só ouve boatos, Bill. O H 2O2 cem por cento puro nem pode
existir. Trata-se de uma substância instável que desprende gases explosivos e se
decompõe espontaneamente. Afinal, ainda me lembro de alguma coisa do que aprendi na
escola.
Bill sorriu satisfeito.
— Hoje em dia não se vai muito longe com isso, minha cara. Estamos pousando.
De repente, o zumbido leve do propulsor tornou-se quase imperceptível. O veículo
desceu, descrevendo espirais amplas. Uma floresta cercada por uma área coberta de
arbustos esparsos foi crescendo cada vez mais. Quase no centro do arvoredo denso havia
um pequeno edifício branco.
— Onde estamos? — perguntou Evyn Moll, que não conhecia a área.
Bill sorriu, mas não disse nada.
À frente da casinha havia uma pequena área de pouso. Não se via nenhum planador
no estacionamento. O veículo de Bill Ramsey pousou suavemente. Ele ajudou Evyn Moll
a descer.
— Está gostando daqui? — perguntou.
Estavam cercados de um silêncio maravilhoso. A casinha parecia ter vários séculos.
Evyn leu o nome por cima da porta maciça lustrada em tom escuro: Moonlight.
A porta foi aberta do lado de dentro. Uma mulher de meia-idade saiu pela mesma,
olhou os recém-chegados, estacou, fitou Bill Ramsey e arregalou os olhos de alegria.
— Bill, meu filho, de onde você veio? — gritou, correndo em sua direção com os
braços abertos.
Bill Ramsey trouxera Evyn Moll para a casa de seus pais.
“Adeus, água oxigenada”, pensou a moça, abandonando as esperanças de descobrir
por intermédio de Bill Ramsey alguma coisa que não se encontrava nos volumes do
arquivo.
***
Sistema solar Kesnar, situado 38 anos-luz no interior da concentração estelar
esférica M-13. Quarto planeta de um total de sete. Aralon, o mundo principal dos
médicos galácticos.
Certa vez Reginald Bell chegou a dizer que Aralon era a fábrica de venenos do
Universo. Era um nome drástico, mas justificado. Mas agora o mesmo pertencia ao
passado. Ninguém ficava mais contente com isso que o próprio Bell, e ele se zangava
quando alguém aludia em sua presença a coisas do passado.
Há meia hora gritara com um especialista em catalisadores.
— Todos já cometemos nossos erros, perdoáveis e imperdoáveis. E nós, mais que
ninguém, não estamos em condições de bancar os moralistas. Mais uma observação
depreciativa sobre os aras, e o senhor vai ver o que lhe acontece. Entendido?
O especialista em catalisadores entendeu tão bem que se afastou às pressas.
Bell já tinha esquecido do incidente. Estava viajando de Árcon III para a Terra e
resolvera fazer uma parada em Aralon. A rigor não poderia permitir-se essa demora, já
que pairava a ameaça de uma guerra galáctica entre o Império Unido e o reino estelar dos
blues. Mas depois de refletir bastante resolvera sacrificar um pouco do seu precioso
tempo numa visita a Aralon, pois os preparativos para a guerra espacial não eram mais
importantes que uma verificação in loco sobre o estado das pesquisas sobre o hormônio
B.
Pediu que o levassem diretamente do porto espacial para os centros de pesquisas
subterrâneos dos aras. Na oportunidade não pôde deixar de lembrar-se daquele dia já
distante em que os terranos pisaram pela primeira vez na superfície de Aralon.
Na época os terranos e os aras eram inimigos. Vários séculos se passaram antes que
os médicos galácticos se transformassem em amigos e aliados fiéis. Sua posição
dominante na área médica continuava intacta. Apesar dos conhecimentos adquiridos
pelos cientistas terranos, estes dependiam constantemente do auxílio dos aras, já que, há
milênios, os mesmos se dedicavam a todas as áreas da Medicina.
Por este motivo Perry Rhodan pediu permissão para transferir as pesquisas do
hormônio B para Aralon, com o fito de desvendar os segredos deste elemento ativo com o
auxílio dos aras.
Bell saiu do elevador antigravitacional no nível 880. Dois robôs aras estavam à sua
espera. Levaram-no num veículo rápido ao centro de pesquisas em que os grandes
especialistas em hormônios estavam estudando o elemento ativo B.
Bell cumprimentou os cientistas, alguns dos quais conhecia pessoalmente.
Pa-Done, cujo aspecto exterior fazia dele o protótipo de um ara, quis fazer uma
exposição médica para Bell, mas este interrompeu-o com um gesto.
— Diga o mais importante em poucas palavras. Quando não compreender alguma
coisa, pedirei que explique.
Pa-Done inclinou a cabeça e explicou:
— Senhor, estaríamos em condições de anunciar um grande êxito, se o hormônio B
correspondesse àquilo que conhecemos como elementos ativos. Identificamos a espiral
dupla molecular até a última ramificação. Talvez o senhor esteja interessado em saber que
o hormônio B encerra três intervalos biológicos diferentes...
— O senhor nem acredita como isso me deixa indiferente, Pa-Done — interrompeu
Bell. — Já pode apresentar algo de concreto? Isto aqui é o produto sintético?
— Sim, senhor. Não foi muito difícil obter o hormônio B por via sintética. Mas
acontece que não é o mesmo hormônio B. A substância artificial apresenta todas as
características químicas, biológicas e biofísicas do hormônio natural, mas ao contrário
deste não produz nenhuma ação estabilizadora sobre o H 2O2. Realizamos numerosas
experiências, inclusive com colegas terranos, alguns de outras especialidades, mas neste
ponto não conseguimos realizar nenhum progresso. Sempre que a água oxigenada atinge
uma concentração de noventa por cento, ocorre uma violenta reação de decomposição,
quer acrescentemos o hormônio sintético, quer não o façamos.
— Quer dizer que estamos diante de uma derrota em toda a linha, não é mesmo?
Onde posso encontrar os físicos, Pa-Done?
— Posso levá-lo ao lugar em que se encontram, senhor?
— Naturalmente. Vamos indo.
Saíram do gigantesco laboratório. Tomaram um pequeno elevador antigravitacional
e dirigiram-se ao nível intermediário 912.
— Pa-Done, como vai a colaboração com os colegas terranos? — perguntou Bell,
enquanto caminhavam pelo corredor comprido.
— Muito bem, senhor. É um trabalho excelente. Mas, se permitir, gostaria de fazer
um pedido... — o ara interrompeu-se.
— Fale! — pediu Bell.
— Senhor, quero pedir, inclusive em nome dos colegas terranos, que nosso colega
Tyll Leyden seja enviado de volta para a Terra.
Bell estacou.
— O quê?! Ele está aqui? — perguntou Bell e soltou uma estrondosa gargalhada.
Bateu no ombro do ara, fazendo com que o cientista alto e magro contorcesse o rosto
numa expressão indignada e dobrasse os joelhos. — Por aqui ele também não fala, Pa-
Done?
O médico galáctico não compreendeu o acesso de bom humor de Bell.
— Se me permite, senhor, o colega Leyden não possui as qualidades de que um
especialista precisa para realizar um bom trabalho de equipe.
Bell confirmou com um gesto.
— Nisto lhe dou toda razão, meu caro Pa-Done. Também já pensei assim a respeito
de Tyll Leyden e por pouco não passei uma vergonha terrível. Permita que lhe dê um
conselho. Não dê atenção a Leyden. Transmita esta recomendação aos seus colegas
terranos, mas esteja preparado para ver Leyden soltar de repente um resultado que todo
mundo procura desesperadamente. Esta, meu caro, é a verdadeira característica de Tyll
Leyden. Não está acreditando, Pa-Done?
— Não é nada fácil.
— Não sei por que teria de ser mais fácil para o senhor do que foi para mim —
observou Bell em tom bonachão. — Apesar de tudo, não estou interessado em encontrar-
me com Leyden. Por que está olhando para o relógio?
O ara sacudiu a cabeça.
— Não existe o menor perigo de nos encontrarmos com Leyden. A esta hora ele está
almoçando, e ele observa rigorosamente o horário das refeições.
Bell não fez nenhum comentário.
A notícia de que se encontrava em Aralon devia ter corrido depressa. Os físicos não
se surpreenderam com sua presença.
Horace Taylor, especialista em hipergravitação, estava embaraçado: não pôde
responder à pergunta de Bell.
— Ainda não estamos em condições de indicar um prazo certo. Estamos tateando no
escuro. O que sabemos é muito pouco, tão pouco que ainda não temos a menor idéia
sobre os efeitos parafísicos do hormônio B. Conforme demonstram as experiências, o
mesmo age como um catalisador sobre o H 2O2, mas a cadeia causai ainda é
completamente desconhecida. Quando colocamos o hormônio B, juntamente com o H 2O2
altamente concentrado, em contato com o molkex, constatamos a presença de impulsos
na quinta dimensão. Há um detalhe surpreendente: estes impulsos apresentam certa
semelhança com os impulsos hipergravitacionais. Não me atreveria a afirmar se a
semelhança realmente merece este nome. Apesar das pesquisas realizadas, a área dos
impulsos de quinta dimensão continua a ser um livro fechado para nós.
— Já sei o que o senhor não sabe, Taylor — interrompeu Bell em tom sarcástico. —
Gostaria que me dissesse o que o senhor e seus colegas já descobriram.
Olhou casualmente para o lado. Sobre uma mesa de experiências encostada à parede
havia uma aparelhagem que lhe parecia estranha.
— O que é isso? — perguntou.
— Um hipertron, senhor. Formato de bolso. Nós mesmos o construímos...
— Fizeram o quê? — berrou Bell. — Andam construindo coisas? Afinal, o que
estão pensando? Acham que têm tempo para isso? A algumas dezenas de milhares de
anos-luz daqui vive uma raça de pêlos azuis, que não pensam em outra coisa senão
destruir-nos. Que diabo! Não poderiam ter entrado em contato com o Chefe para dizer
que precisam disto e daquilo, e que, se não recebem, não poderão apresentar resultados?
Será que não têm nem um pouco de coragem?
— Senhor, não podemos falar dessa maneira com o Administrador Geral, porque...
A contrariedade de Bell desapareceu de repente.
— Nem lhes aconselharia a fazerem isso. Mas requisitem o que precisarem, meus
senhores. Convém pensar antes se isso realmente é necessário. Isso também vale para o
senhor, Pa-Done. O que esperava conseguir mesmo com o hipertron, Taylor?
— Queríamos... não é bem isto, senhor. Um dos nossos colegas, que no momento
está almoçando, pensou em alcançar uma modificação atômica do hormônio B por meio
do hipertron, a fim de provocar um fenômeno de superposição no interior do átomo.
Bell fitou Horace Taylor com uma expressão pensativa.
— Será que o nome desse colega é Tyll Leyden?
— Sim, senhor. Deixo que siga suas próprias idéias no trabalho, mas não acredito
que consiga muita coisa. Nem sabemos como conseguiu convencer-nos a ajudá-lo na
construção do modelo do hipertron. Mas, voltando à sua pergunta, senhor: por enquanto
só conseguimos descobrir que o hormônio B natural emite um impulso de tipo
desconhecido na quinta dimensão. Ao que parece, este impulso provoca uma modificação
no molkex. Mas nem mesmo isto conseguimos provar cabalmente, porque a falta de
molkex produz conseqüências catastróficas por aqui. As quantidades reduzidas de que
dispomos não serão suficientes, se quisermos prosseguir em nossas séries de
experiências. Poderia permitir-lhe o favor de providenciar para que recebêssemos o
quanto antes um suprimento adequado do material?
— Naturalmente — respondeu Bell.
“Onde poderemos obter molkex em estado puro?”, pensou Bell, embaraçado. Olhou
para o relógio. Já estava demorando em Aralon duas horas além do previsto. Estava na
hora de voltar à nave para prosseguir viagem em direção à Terra.
— Se eu lhe pergunto quando poderemos contar com os primeiros resultados
concretos, não pense que sou um leigo no assunto, Taylor — disse. — Não se esqueça de
que a qualquer momento pode irromper a guerra com os gatasenses. Enquanto não
dispusermos de uma arma capaz de destruir a blindagem de molkex. nossa superioridade
técnica em todas as áreas é igual a zero. Então?
— Sinto muito, senhor. Não posso indicar um prazo certo — respondeu Taylor com
voz firme.
Bell confirmou com um gesto. Não esperara outra coisa. Retirou-se em silêncio. Os
cientistas, seguindo-o com os olhos, pareciam consternados.
***
No momento em que Bell saiu de Aralon, em direção à Terra, Evyn Moll e Bill
Ramsey estavam sentados à frente da casinha velha, enquanto os últimos raios de sol
filtravam entre as árvores.
— Você está mudada — disse Bill e tentou colocar o braço sobre os ombros de
Evyn.
A moça afastou-se dele apressadamente.
— Pois você não mudou nem um pouco, Bill — respondeu em tom ríspido. — Não
estou gostando. Se você tentar colocar novamente o braço no meu ombro, sem mais nem
menos, reagirei igualmente a uma porção de água oxigenada.
Bill espantou-se. Fitou intensamente a moça.
— Espere aí, alguma coisa não está certa. Seu interesse repentino pelo H 2O2 e pelo
molkex é bastante estranho. Não venha me dizer que você realmente se interessa por
estas coisas. Será que a direção de seu jornal mandou você cuidar do assunto?
Evyn conseguiu dar uma gostosa gargalhada.
— Meu caro Bill, você deve saber que trabalho para a redação local.
Isso não deixava de ser verdade. Acontece que Bill Ramsey estava bastante
desconfiado, porém não deixou que ela o percebesse.
— É verdade. E o Correio Terrano se passaria um atestado de indigência se
confiasse uma tarefa destas a você. Mas continuo a achar que seu interesse é muito
estranho.
— Ora, Bill, não é tão estranho assim. Basta pensar nas notícias não publicadas
fornecidas pelas grandes agências. Talvez você ainda não saiba, mas há uma guerra
galáctica à vista. Uma guerra com os gatasenses.
Bill não se surpreendeu com os conhecimentos da moça. Sabia perfeitamente que a
situação era grave. Durante a viagem de volta sua nave parara na frente de interceptação.
Não se lembrava de já ter visto uma concentração de espaçonaves igual àquela. Mas
ainda estava muito desconfiado. E Evyn Moll alimentou esta desconfiança com perguntas
que eram curiosas além da medida.
Bill amava Evyn Moll. De repente aborreceu-se com a moça, por ela ver nele
apenas uma fonte de informações barata.
“Espere aí”, pensou, “eu lhe contarei coisas que a deixarão boquiaberta.”
A moça perguntava, e ele respondia. Foi chegando mais perto. Evyn parecia não
perceber. Bill notou que ela ligara um pequenino gravador guardado na bolsa. Sob o
manto da discrição, ele contou segredos que acabara de inventar naquele mesmo
momento. Evyn deixou que ele colocasse o braço em torno de seus ombros.
“Não está reagindo como água oxigenada em elevado grau de concentração”,
pensou Bill, mas no mesmo instante deu-se conta de que Evyn só permitia o contato de
seu corpo por motivos egoísticos.
Isso o deixou triste e zangado ao mesmo tempo.
O que não poderia imaginar era que Evyn nem ouvia mais o que ele estava dizendo,
pois pela primeira vez sentia-se protegida perto dele.
Enquanto ele contava falsas histórias, produto de sua imaginação, falando a respeito
de coisas das quais não sabia coisa alguma, o subconsciente de Evyn, começou a
alimentar o amor por Bill Ramsey.
— ...o contato da mistura H2O2 — hormônio B com o molkex produz, pelo que
dizem, um assim chamado efeito conjugado de natureza parafísica, que inverte a
polarização da estrutura energética do molkex. Não sei o que vem a ser isso. Mas dizem
que a polarização invertida é a causa do vôo das panquecas de molkex.
Bill estava surpreso consigo mesmo em saber inventar aquelas histórias mentirosas,
superando o próprio velho Munchausen, e a pobre Evyn não desconfiava nem um pouco
de que o rapaz era mais esperto do que ela pensava.
Ela o interrompeu sem nenhum motivo.
— Já chega, Bill.
Ele se calou, espantado e perplexo com a atitude da moça. Será que sua
desconfiança fora injusta?
Nesse momento o gravador que se encontrava na bolsa de Evyn Moll emitiu o ruído
típico do desligamento.
Bill Ramsey pôde aproveitar o que aprendeu na Academia Espacial. Não
demonstrou a menor reação. Mas Evyn sobressaltou-se.
— É horrível, não é mesmo? — perguntou Bill, estreitando-a mais fortemente nos
seus braços.
— Quando estou com você, Bill... — Bill quase se descontrolou. — Quase!...
Lançou um olhar ligeiro para a casa. Não viu ninguém atrás das janelas. Criou
coragem e beijou Evyn.
A moça retribuiu o beijo.
***
Evyn Moll trabalhara quase toda a noite num sentimento de euforia. Assim que Bill
a trouxe de volta para Terrânia, pôs-se a trabalhar e redigiu, com o auxílio do gravador e
de sua memória, um relatório que ficou muito mais comprido do que ela imaginara.
Ainda estava um pouco cansada quando na manhã do dia seguinte chegou, na hora
de costume, ao grande edifício em que ficava a redação do Correio Terrano. McCormick,
com a qual dividia a mesma sala, mal levantou os olhos do trabalho. Evyn Moll ditou seu
relatório para dentro da máquina. Nem percebeu que McCormick interrompeu o trabalho
e passou a prestar atenção exclusivamente ao seu ditado.
Quando comprimiu a tecla de finalização, McCormick estava de pé atrás dela.
— Parabéns, miss Evyn — disse. Estava sendo sincero.
— A senhora fez um trabalho de primeira. Posso garantir que com esta pequena
série a senhora abrirá caminho para o jornalismo profissional. Como soube tornar
interessante esta matéria árida! E a senhora andou se fazendo de vítima quando a
incumbiram de escrever um trabalho sobre a enfadonha água oxigenada. Minha dica de
procurar seu amigo Bill não valeu?
“Se valeu”, pensou Evyn toda feliz.
Dali a duas horas ficou sabendo que o Correio Terrano publicaria no dia seguinte o
primeiro de uma série de seis artigos escritos por ela. No momento, um grupo de
especialistas estava verificando a correção dos dados objetivos incluídos no relatório.
Mas até mesmo os especialistas do Correio Terrano deixaram-se enganar pela
história inventada por Bill Ramsey, porque não conheciam a área dos efeitos parafísicos
conjugados. Um único especialista assinou sob reserva. Os outros liberaram o trabalho
para a impressão.
No curso dos séculos o Correio Terrano se transformara no órgão oficioso do
Império Unido, no que dizia respeito aos mundos colonizados pelos terranos. Mas as
agências de notícias também recolhiam informações importantes no grupo estelar M-13.
Perry Rhodan tinha o hábito de ler o Correio Terrano todas as manhãs. As notícias
mais importantes da imprensa terrana lhe eram apresentadas todos os dias, depois de
classificadas por área e importância.
Sem desconfiar de nada, abriu o jornal na terceira página e começou a ler:
O comando de coleta embarcado no cruzador ligeiro Babota era formado por quatro
oficiais e trinta homens, que só tinham viajado na espaçonave para, no destino, recolher e
carregar na nave certa quantidade de molkex puro.
Os quatro oficiais ficaram espantados quando o Tenente Bill Ramsey se apresentou.
— Não houve algum engano? — perguntaram, pois não tinham sido avisados de sua
chegada.
A designação para embarcar na Babota representava uma punição, mas Bill Ramsey
transformou a mesma numa missão especial.
Nem pensou em esclarecer a verdadeira situação. Não era provável que o Major
Eyko Etele falasse sobre a punição. O terrano colonial ao qual se apresentara ligeiramente
estava ocupado com os preparativos da decolagem e mal tivera tempo para ouvir suas
palavras.
Bill Ramsey dirigiu-se ao camarote que lhe fora destinado e foi tirando seus objetos
de uso particular.
A Babota ergueu-se do solo no momento previsto, atravessou o Sistema Solar em
alta velocidade e seguiu a rota que a levaria para a perigosa concentração de Hiesse.
Tratava-se, como se sabe, de uma pequena aglomeração de estrelas, formada por 49
sóis, que não gozava de uma fama muito boa entre os cosmonautas terranos. Ficava no
centro da Galáxia, a 57.615 anos-luz da Terra. Todos os comandantes que já tinham
conduzido suas naves entre os sóis dessa concentração sabiam relatar situações
perigosíssimas. Na área do sistema eram encontrados incríveis campos gravitacionais e
hiperenergéticos. Além disso, uma radioestrela invisível, pertencente ao grupo dos sóis
proibidos, em torno dos quais as naves terranas deviam dar uma grande volta, tornava as
condições ainda mais difíceis.
Mas ao contrário do cruzador da classe “Cidade” Kostana, destruído em Labin-3,
situado nesta concentração de estrelas, quando acabara de descarregar o terceiro verme
do pavor, a Babota já dispunha de excelentes mapas estelares, nos quais estavam
registrados também os campos de perturbação com as respectivas intensidades. Apesar
disso, qualquer vôo no interior da concentração representava uma ação arriscada. Quanto
à Babota, ainda acontecia que há semanas nenhuma nave do Império tinha aparecido na
concentração. Por isso tinham de contar com a possibilidade de encontrar naves dos
blues, com o que a tarefa de arranjar molkex se tornaria impossível.
O Major Etele conhecia estas circunstâncias, mas isso não abalou o terrano colonial
de pele negra. Conhecia as reservas de potencial de sua nave e, o que era mais
importante, confiava em sua excelente tripulação. Por isso mesmo aceitara, com certa
satisfação e um pouco de orgulho, a tarefa de procurar o molkex em sua forma pura, de
que o Império tanto precisava.
Há três dias uma espaçonave vinda de Tombstone, o mundo dos vermes do pavor,
trouxera a notícia de que em Labin-1 os gafanhotos córneos acabavam de sair dos ovos.
Certamente a maturação prematura fora causada pelas radiações hiperenergéticas dos
aparelhos hipergravitacionais instalados neste mundo de oxigênio, desabitado.
As instruções recebidas por Eyko Etele mencionavam expressamente que os
gafanhotos, que se subdividiam rapidamente, emitiam fortes impulsos
hipergravitacionais, que provavelmente eram acusados pela aparelhagem especial dos
gatasenses. Além disso, as instruções diziam que apesar desse risco a missão tinha
possibilidades de êxito, já que no momento o exército de gafanhotos córneos existente em
Labin-1 ainda era relativamente pequeno, motivo por que os impulsos capazes de trair
sua presença deviam ser pouco intensos.
Ao ler esta passagem, Etele lembrou-se involuntariamente da loteria do Império, na
qual jogava há dez anos, sem nunca ter sido premiado.
A missão era e continuaria a ser uma corrida contra o tempo. Qualquer coisa que
atrasasse a nave não só poria em risco o êxito da missão, mas também poderia contribuir
para a destruição da Babota e de sua tripulação. No momento em que os hiperimpulsos
emitidos pelos gafanhotos se tornassem bastante intensos para serem detectados com os
instrumentos dos blues, as naves de molkex apareceriam com certeza.
Os impulsos vindos deste sistema não poderiam deixar de alarmar os blues, pois não
tinham conhecimento de terem colocado um verme do pavor em estado de maturação
nesta área. Este fator de risco não foi negligenciado. Rhodan consultara os especialistas a
este respeito. Depois de um cuidadoso estudo das condições reinantes na pequena
concentração estelar, os mesmos afirmaram que era bastante provável que em virtude das
condições físicas ali reinantes houvesse uma superposição e um falseamento parcial dos
hiperimpulsos emitidos pelos temíveis gafanhotos. Mas, como eram bastante cautelosos,
acrescentaram que havia a possibilidade de um engano.
O Major Etele também tinha conhecimento do plano já abandonado de trazer
molkex do sistema solar de Verth. Os cruzadores de reconhecimento fizeram perigosas
incursões entre os 14 planetas do sol gigantesco Verth e constataram a presença de
poderosos grupos de naves de molkex. Qualquer tentativa de apoderar-se pela força do
material de que tanto se precisava estava condenada ao fracasso, uma vez que não se
possuía qualquer arma capaz de destruir a blindagem de molkex das naves dos blues.
A notícia trazida por uma nave do Império, de que os gafanhotos córneos haviam
saído dos ovos em Labin-1, provocou uma verdadeira tempestade de entusiasmo no
planeta Terra. Diante dessa notícia foi ordenado o vôo da Babota para a concentração de
Hiesse.
O terrano colonial negro Etele estava plenamente convencido de que voltaria à Terra
com uma carga gigantesca de molkex. Era um pouco supersticioso. “Enquanto não
ganhar na loteria”, vivia dizendo de si para si, “nada poderá acontecer a mim ou à
Babota”. Mas Etele teve o cuidado de não comunicar estes pensamentos a ninguém.
Não tinha muita coisa para fazer. Sua equipe de oficiais bem treinados cuidava das
operações de rotina. Naquele momento estava parado ao lado do imediato da nave e
observava alguns instrumentos que revelavam que a aceleração superior à da luz
desenvolvida por sua nave esférica crescia segundo os valores habituais. De repente, o
sistema de intercomunicação anunciou:
— Temos um passageiro clandestino, major.
Etele sobressaltou-se por um instante, mas logo soltou uma estrondosa gargalhada.
Era impossível que um passageiro clandestino conseguisse subir a bordo de uma
nave do Império. Os controles nas eclusas eram absolutamente seguros.
Mas sua gargalhada silenciou dentro de alguns segundos. Sempre apreciava uma
boa piada, mas a mesma devia corresponder à situação.
— Aqui fala o comandante! — berrou furiosamente para dentro do interfone — O
que significa essa piada fora de hora? Quem transmitiu isso?
— Aqui fala o sargento Ullong, major. Ullong, do depósito número treze. Acabo de
descobrir o passageiro clandestino. É uma mulher...
Etele sabia perfeitamente que estava fazendo a cara mais boba de toda a sua vida.
Mas isso não importava. Não podia conformar-se com o fato de que a bordo de sua nave
havia um clandestino — e ainda por cima uma mulher.
“Tomara que não seja um mau presságio”, pensou. Fitou o imediato. Estava
completamente confuso.
Este também não fez uma cara muito inteligente.
— Uma m-mulher? — gaguejou. — Temos uma mulher a bordo?
O piloto também não ficou em silêncio.
— Uma mulher a bordo, e logo agora quando vamos para a concentração de Hiesse?
Boa noite, mamãe Terra, nunca mais vamos rever...
Neste momento Eyko Etele deu-se conta de que era o comandante. Reconheceu
instantaneamente o perigo que havia atrás desta fala.
— Cale a boca! — berrou com sua voz de tenor.
Depois voltou a dirigir-se ao imediato.
— Assuma! Vou dar uma olhada em nosso passageiro clandestino. Era só o que
faltava... — o resto de sua fala não foi compreendido.
Etele saiu apressadamente da sala de comando. Tomou o elevador antigravitacional
e dirigiu-se ao depósito número treze. O sargento Ullong já estava à sua espera.
— Onde está ela, sargento?
— Está trancada, major. Fiquei sem saber o que fazer. Quase sofri um ataque.
— Ainda estou sofrendo — respondeu Etele em tom mordaz. Ele e o sargento
pararam na porta de uma câmara de materiais.
— Está aqui.
Ullong abriu a porta.
— Saia, senhorita! — gritou em tom furioso.
“Ainda está rindo”, pensou Etele, zangado. “E dentro de pouco tempo toda a Frota
vai rir de mim. Que diabo! Por que isso teve de acontecer justamente comigo?”
— Quem é a senhora? — perguntou em tom áspero.
Sem dizer uma palavra, a moça entregou-lhe sua carteira de identidade.
Os olhos quase saltaram da cabeça de Etele.
— Era só o que faltava! — gritou, apavorado.
“Além de ser uma mulher, o passageiro clandestino é uma jornalista”, pensou Etele,
examinando-a dos pés à cabeça.
“Além de tudo é bonita”, finalizou, mas isso não impressionou a ele, que era um
solteirão inveterado.
A moça olhou tranqüilamente os dois homens. Seus rostos zangados não fizeram
com que se sentisse insegura.
— Como conseguiu entrar na nave, miss Moll? — perguntou Etele, dando início ao
interrogatório.
— Será que sou obrigada a dar essa informação? — perguntou a moça com a maior
tranqüilidade.
— Isso é com a senhora. O tratamento que receberá a bordo dependerá do seu
comportamento. E é bom que saiba logo que se encontra a bordo de uma nave de guerra
que realizará uma ação suicida...
— Já sei — respondeu a moça em tom tranqüilo. — Concentração de Hiesse,
Labin-1, coleta de molkex.
Etele ficou surpreso.
— A senhora está muito bem informada. Mas garanto-lhe uma coisa. Sua ação não
compensará. O camarote que lhe será designado será o seu lar até que a nave volte a
pousar no porto espacial de Terrânia. Sua carteira de jornalista ficará retida, e a senhora
não sairá do lugar enquanto não tiver sido rev...
“Enquanto não tiver sido revistada”, era o que queria dizer.
Parou, perplexo. Estava diante de um problema insolúvel. Quem poderia revistar
esta jovem, à procura de uma arma? Ele não poderia fazê-lo, ninguém a bordo poderia. A
Babota era uma nave de guerra, não uma nave exploradora, na qual a presença de
mulheres entre os tripulantes não tinha nada de extraordinário.
Evyn Moll compreendeu as intenções do major. Procurou libertá-lo da situação
embaraçosa em que se encontrava.
— Major, dou-lhe minha palavra de honra de que não tenho nenhuma arma.
Não sabia se o major estava acreditando nela.
— Onde está sua bagagem?
Evyn não tinha bagagem.
“O que farei com ela?”, pensou Etele, desesperado. Sua missão não lhe permitia
voltar à Terra. E, como o tempo era muito escasso, não poderia dar uma volta para dirigir-
se à frota de interceptação e transferir a jornalista para outra nave. Por outro lado, não
estava disposto a levar Evyn para a concentração de Hiesse.
— Venha comigo! — disse, aborrecido. A moça não disse uma palavra.
Acompanhou-o ao elevador antigravitacional.
— Desça! — ordenou Etele assim que chegaram ao segundo convés.
O terceiro camarote da Babota costumava ser reservado para visitas importantes e
inesperadas. O comandante abriu a porta.
— Por favor!
Evyn Moll entrou. Etele parou na porta.
— A senhora não sairá daqui enquanto não for tomada uma decisão a seu respeito.
Fechou a porta, ativou a barreira positrônica que ficava do lado de fora e dirigiu-se
à sala de rádio.
A notícia de que havia uma mulher a bordo já se espalhara entre a tripulação. E o
sargento Ullong já comunicara pelo intercomunicador que a mulher era jovem e bonita,
tinha olhos em forma de amêndoa e era uma jornalista do Correio Terrano.
Etele ignorou os olhares indagadores do pessoal da sala de rádio.
— Quero uma ligação com Terrânia. Preciso falar com o Administrador Geral —
disse. — Ele ficará tão contente como eu fiquei. Façam a ligação por sua faixa particular.
Esta faixa só podia ser usada em casos de emergência.
Os aparelhos de hipercomunicação receberam seu suprimento de energia. O seletor
de freqüência regulou-se para a faixa especial. Terrânia respondeu e disse que
completaria a ligação com o Chefe.
A tela mostrava as figuras bizarras das ondas de hipercomunicação.
Etele esperou. Nem desconfiava de que alguns conveses abaixo do seu um tenente
chamado Bill Ramsey corria de um lado para outro em seu camarote, torcendo as mãos.
— Você me envergonha até a medula dos ossos! — exclamou. — Por que fui idiota
a ponto de encher a boca desse jeito? Que missão especial que me foi confiada pelo
Chefe em pessoa. Evyn, minha querida... Céu, bombas e bólidos, será que esta onda de
azar nunca termina?
Ao contrário dele, Eyko Etele acreditava que a onda de azar que atingira a Babota
mal tinha começado. Ainda estava aguardando a oportunidade de falar com Perry
Rhodan.
Finalmente o rosto do mesmo apareceu na tela.
O Major Etele apresentou-se da forma que estava acostumado quando se dirigia a
um superior. Numa única frase indicou a finalidade da viagem.
Rhodan acenou com a cabeça, dando a entender que já estava informado.
— Senhor, há poucos minutos descobrimos um clandestino a bordo. Trata-se de
uma mulher!
O tom em que transmitiu a informação falava por si. Mas sua raiva logo
desapareceu, quando o Chefe perguntou:
— Há uma mulher a bordo de sua nave, major? Por acaso não é a senhorita Evyn
Moll, do Correio Terrano?
Neste momento Etele seria capaz de jurar que o Chefe era um vidente.
— Sim, Chefe! É ela!
Nem se deu conta de ter-se exprimido de forma pouco apropriada.
— Muito bem... — disse Rhodan e esperou que Etele lhe fornecesse outras
informações.
— Tranquei-a num camarote de oficial. O que farei com ela a bordo? Não quer
dizer como conseguiu entrar na nave. Para mim isto é um mistério. O motivo de minha
chamada é perguntar se posso chamar uma nave da frota de interceptação e transferir a
moça para a mesma.
O Chefe pôs-se a refletir.
— O que quer que se faça, tudo isso consome tempo. Bem... essa dama não quer
contar como conseguiu subir a bordo? Já falou com o Tenente Ramsey sobre isso, major?
— Com quem, senhor? Com quem deveria ter falado? O Tenente Ramsey?
A perplexidade de Etele não poderia ser maior. Já não compreendia mais nada.
— Pergunte a ele, Etele. Quanto ao clandestino, só lhe posso dar um conselho.
Deixe-o trancado. Quando regressar à Terra, entregue-o à polícia da Frota do Império.
Acho que já está na hora de essa dama aprender que as normas são baixadas para serem
cumpridas. Obrigado pelo chamado. Boa viagem, major, e muito êxito.
Etele não teve tempo para despedir-se. Perry Rhodan encerrou a palestra pelo
hipercomunicador.
Etele olhou em torno. Ninguém parecia muito entusiasmado.
— Que bela perspectiva! — disse alguém.
— É isso! — confirmou Etele. — Hum...! — lembrou-se da sugestão do Chefe, que
recomendara interrogar o Tenente Bill Ramsey sobre a presença da jornalista. — Vou ter
uma conversa com ele!
Assim que acabou de proferir estas palavras, saiu à procura de Ramsey.
***
Horace Taylor não imaginou nada de bom quando viu o engenheiro Labkaus entrar.
Tyll Leyden pertencia ao grupo do mesmo. Se não quisesse provocar uma desgraça,
Taylor não faria perguntas. Ficaria na expectativa.
O engenheiro Labkaus era um dos especialistas da geração antiga. Era um cientista
que criara fama numa área complexa e era um dos especialistas mais célebres.
Labkaus foi-se acomodando lentamente. Era um homem sempre complicado,
inclusive no trabalho. Mas essa mesma complicação possuía uma vantagem enorme: em
seu setor dificilmente ocorriam erros.
Taylor armou-se de paciência.
— Então... — disse Labkaus, e fez uma pausa.
Taylor ficou prevenido. Sempre que Labkaus principiava com “então”, uma coisa
grossa estava para vir. Horace Taylor voltou a lembrar-se de Tyll Leyden. E a fala
começou.
— Este Leyden, colega... Outra pausa.
Taylor não estava mais no jogo. A palavra-chave acabara de ser pronunciada:
Leyden.
— Dispense-o do trabalho, Labkaus. Entregue-me um relatório rigoroso. Prometo-
lhe que amanhã esse sujeito estará viajando de volta para a Terra. Prometo mesmo!
Então percebeu que o outro o fitava com uma expressão de perplexidade.
— Por quê? — perguntou Labkaus, surpreso.
Houve uma terceira pausa.
— O senhor mencionou o nome de Leyden, não mencionou, colega? — perguntou
Taylor um tanto contrariado, porque começava a sentir-se inseguro.
— Naturalmente. Mas...
Taylor não permitiu que houvesse mais uma pausa.
— Mas o senhor não lhe quer fazer dificuldades, não é mesmo, colega?
— Dificuldade? — o pensamento de Labkaus parecia ser bastante lento. — Sim,
naturalmente, dificuldades, colega. Mas não tanto para Leyden. Ou talvez até seja. Sei
que não simpatiza muito com ele. Nem eu. Em minha opinião seus métodos de trabalho
são inortodoxos, para não dizer amadorísticos. Tanto que em hipótese alguma voltaria a
trabalhar como seu assistente.
Taylor só entendeu uma palavra: assistente.
— Quem foi assistente de quem, colega? Não me venha dizer que o senhor
trabalhou como assistente dele. Não é o diretor do projeto?
O chefe da equipe acabara de falar.
— Naturalmente sou o diretor do projeto. Acontece que Leyden desenvolveu uma
idéia interessante. E eu lhe dei assistência. Mas isso trouxe dificuldades, colega. Foi por
isso que eu vim. Caro colega, suas teorias sobre os fenômenos parafísicos no hormônio B
são totalmente falsas. Isso é bastante desagradável para o senhor, mas os resultados das
pesquisas nunca querem saber se e para quem são desagradáveis. O colega Leyden não
fez muita publicidade disso. Mas achei que o senhor devia ser informado em primeiro
lugar.
— Fico-lhe muito grato por isso — respondeu Taylor em tom sarcástico.
Ficou fervilhando de raiva, raiva por causa do complicado Labkaus, que o levara a
emitir um juízo pouco lisonjeiro a respeito de Leyden; raiva principalmente por causa do
êxito alcançado por Leyden — e raiva de si mesmo.
— Poderia fazer o favor de explicar por que minhas teorias não são certas, colega
Labkaus? Também poderia dizer se, em sua opinião, todas as minhas teorias são erradas?
Quero que responda imediatamente à última pergunta.
Como chefe de equipe, tinha o direito de fazer essa exigência.
O engenheiro Labkaus não dissimulou sua contrariedade.
— O senhor quer uma resposta direta, e a terá. O colega Leyden reduziu todas as
suas teorias ao absurdo. Aqui estão as provas!
Entregou a Taylor uma pilha de chapas plásticas que tirou do bolso. Levantou-se.
— Mais uma informação, colega. Dei inteira liberdade de ação a Leyden, no âmbito
do meu projeto.
Ditas estas palavras, retirou-se.
4
Atlan confirmou o recebimento de oito foguetes espaciais que continham uma carga
de H2O2 estabilizada. Acrescentou irônico que o Império poderia ter certeza de que, dali
em diante, qualquer ataque das naves dos blues seria rechaçado.
Bell fez um comentário sarcástico diante da comunicação de Atlan.
— Ele pode mesmo zombar de nós. Aliás, o que é que a Eric Manoli está fazendo
por aqui, Perry?
— Dentro de uma hora voarei para o setor B do front. As últimas notícias vindas de
lá são alarmantes. Neste setor os gatasenses estão reunindo uma frota que nos faz recear o
pior.
O gordo deu vazão à sua contrariedade.
— Isso significa: Reginald Bell, você me representará em Terrânia enquanto eu
estiver ausente. Bonito, não é, Perry?
— Não é nada disso, gordo. Meu vôo para o front resultou do blefe por nós
engendrado. Segundo notícias ainda não confirmadas transmitidas por nossos agentes, os
gatasenses tiveram conhecimento da série de artigos “A Guerra que não É Nenhuma
Guerra”...
— Bom trabalho — disse Bell em tom seco.
— O que quer dizer com isso?
— Quero elogiar nossos agentes, que conseguiram passar esse relato absurdo às
mãos dos gatasenses.
Perry Rhodan ficou em silêncio e Bell fitou-o com uma expressão indagadora.
— Só falta você me dizer que ninguém sabe como estes artigos foram chegar às
mãos dos gatasenses — disse em tom de perplexidade.
— Há algumas horas a Segurança Galáctica está de prontidão. Devemos ter
traidores no Império, que mantêm contato pelo rádio com os blues, o que acho mais
provável, ou então os gatasenses conseguiram pôr os pés num planeta habitado, no que
não acredito. Acho que você sabe o que isso significaria.
Bell deu um assobio.
— “Posição da Terra Conhecida”. Conhecida também a posição de Aralon, dos
mundos centrais de Árcon... e com toda superioridade técnica e numérica, não dispomos
de nenhuma arma com a qual pudéssemos fazer com que os blues compreendessem que é
proibido atacar a Humanidade. Oh, essas mulheres... a tal dama chamada Evyn Moll. E
esse tenente apaixonado. Poderia...
— Não faça isso, gordo. O que está feito não pode ser modificado — interrompeu
Rhodan. — Quero pedir-lhe que mande intensificar ainda mais as pesquisas em torno do
H2O2. Em Árcon III e aqui continuam a pisar no mesmo lugar. Em todos os lugares as
pesquisas chegaram a um beco sem saída, porque não se dispõe mais de molkex puro.
Qualquer requisição de material será atendida imediatamente. Neste caso o dinheiro não
importa. Se o chefe das finanças se queixar, você poderá acalmá-lo da forma que achar
melhor.
Bell fez uma careta. Até parecia que acabara de morder uma fruta azeda.
— Se você me permite agir segundo meu critério, alguma coisa vai ficar ruim, meu
caro. Será que nosso querido Homer G. Adams se recusa a fornecer maiores recursos?
— Ontem aludiu seriamente ao perigo de uma crise monetária. Os números que
forneceu são deprimentes. Estamos gastando mais do que arrecadamos. Seu orçamento
não fecha mais. Por que está fazendo esse gesto?
— Não foi o que sempre fizemos, Perry? Sempre gastamos mais do que temos. Mas
não foi pelo prazer de gastar. Nosso gênio financeiro deverá dar mais uma prova de sua
genialidade. Só quero que ele tente chorar no meu ombro.
Rhodan reprimiu o riso. Com o gordo a enfadonha questão financeira estaria em
boas mãos. Mais uma vez Homer G. Adams não conseguiria enfrentar os sólidos
argumentos de Bell, muito embora ele mesmo, Rhodan, não pudesse deixar de reconhecer
que os receios de Adams eram justificados.
Dali a pouco Rhodan dirigiu-se ao porto espacial, onde a nave-capitânia Eric
Manoli já estava à sua espera, pronta para decolar.
A gigantesca nave ergueu-se do solo e foi subindo para o céu límpido. Bell, que se
encontrava junto à janela, seguiu a gigantesca esfera com os olhos.
Teve de fazer um grande esforço para vencer um sentimento de depressão.
— Bobagem! — disse em voz alta, para reprimir a agitação interior.
O uso do rádio ficou interditado à Babota a partir do momento em que a mesma se
aproximou 20.000 anos-luz do destino.
A bordo da nave tudo corria normalmente. Só uma pessoa acreditava que devia ficar
insatisfeita consigo e com o mundo.
Era Bill Ramsey!
***
Nem mesmo no seu tempo de recruta nenhum instrutor o repreendera tão
severamente como o Major Eyko Etele acabara de fazer há algumas horas. Era bem
verdade que conseguira provar ao comandante que nada tinha a ver com a presença de
Evyn Moll a bordo da nave. Mas quando o major aludira ao fato de que Bill Ramsey se
apresentara como um encarregado especial de Perry Rhodan, este não tivera outra
alternativa senão dizer a verdade.
Então a tempestade desabara sobre sua cabeça. Etele chegara a exigir que se
dirigisse imediatamente ao comando de coleta e esclarecesse que não fora incumbido de
qualquer missão especial, mas que tinha sido destacado para a Babota em caráter
punitivo.
Bem, isso estava liquidado. Bill estava sentado no seu camarote, matutando.
O sistema de intercomunicação deixou-o sobressaltado.
— Tenente Ramsey, dirija-se imediatamente ao depósito quatro. Controle o
equipamento a ser usado em sua missão. Verifique todos os mecanismos. A seguir quero
um relatório detalhado. Este relatório será apresentado ao comandante às 20:30 h, tempo
de bordo.
— Entendido. A ordem está sendo cumprida — respondeu Ramsey.
O estalido transmitido pelo sistema de comunicação era um sinal de que o Major
Etele acabara de desligar.
O Tenente Bill Ramsey saiu do camarote. Chegou ao depósito 4. O cabo que
controlava o depósito exibiu um sorriso malicioso quando viu o tenente. Em todas as
naves do Império, a tarefa que acabara de ser atribuída a Ramsey costumava ser
executada por tripulantes sem a menor qualificação. O controle do equipamento a ser
usado na missão não significava outra coisa senão limpar o material e, se possível, polir
as superfícies metálicas.
Bill Ramsey notou o sorriso do cabo. Foi-se aproximando do mesmo.
— Já nos conhecemos? — perguntou em tom inocente.
— Não senhor. Ao menos que eu saiba — respondeu o cabo.
— Pois neste caso já está na hora de o senhor saber quem eu sou. Enquanto eu
estiver neste depósito, caberá ao senhor prestar-me todo o auxílio possível, cabo.
Não havia como objetar a isso.
Nas três horas que se seguiram o cabo nem pensou em sorrir com malícia. O
controle de todos os equipamentos que seriam utilizados durante a missão foi concluído.
Ramsey e o cabo realmente fizeram tudo brilhar.
Às 20:30 h, tempo de bordo, Ramsey compareceu ao camarote de Etele.
— O relatório, senhor.
— Obrigado — respondeu o comandante sem levantar os olhos. — Deixe-o sobre
minha escrivaninha. Há mais um detalhe ligado à presença da senhorita Moll a bordo da
nave, tenente. Proíbo-lhe que fale com ela pelo sistema de intercomunicação. Previno-o
de que não deve deixar de cumprir esta ordem.
Bill Ramsey saiu praguejando em direção ao seu camarote. Parou na porta. Alguma
coisa mudara durante sua ausência. Mas por mais que olhasse, não encontrou nada.
Finalmente examinou o equipamento de comunicação.
Pela primeira vez em várias horas sorriu. O Major Etele mandara instalar um
controle. Se tentasse falar com Evyn, a palestra seria transmitida por um cabo secundário
à sala de comando.
Parou pensativo à frente do aparelho.
“Devo, não devo”, ficou pensando. O sentimento do dever acabou levando a melhor.
Absteve-se de qualquer manipulação. Teve a impressão de que ultimamente fora
perseguido pelo azar, e não queria aumentar sua veia azarenta.
Deitou, mas não conseguiu dormir. O rosto de Evyn aparecia constantemente diante
de seus olhos, fazendo com que lembrasse a hora feliz passada no banco, à frente da casa
dos pais.
Mas estes momentos felizes não tinham sido o primeiro elo de uma corrente de
acontecimentos infelizes?
Ramsey não pôde prosseguir em suas reflexões, pois acabou vencido pelo sono.
Foi despertado por um zumbido penetrante. Era o início de seu turno de serviço.
Bill compreendeu que a Babota alcançara a concentração de Hiesse e tomava a rota de
pouso em Labin-1.
Foi um dos primeiros a chegar ao posto de serviço. Sem dizer uma palavra, entrou
numa pequena cabine e mudou de roupa. Em vez do uniforme vestiu um conjunto
climatizado equipado com um potente aparelho refrigerador, que não possuía outras
características especiais.
O planeta em que a Babota pousaria era aquecido por dois sóis. Um deles era uma
roda gigantesca, enquanto o outro era pequeno, mas formava um verdadeiro monstro
luminoso. Temperaturas médias superiores a 35 graus aguardavam-nos no planeta, além
de um vento quente ininterrupto.
E também os gafanhotos córneos!
Ramsey verificou o indicador de potência das duas armas desintegradoras que trazia
consigo. Os raios destas armas, por si só, eram capazes de destruir apenas um gafanhoto
córneo — isto se acertassem o alvo. Se houvesse um ataque de vários desses animais, que
se subdividiam nos seus saltos, a fuga seria a única salvação.
Em torno de Ramsey havia um clima de atividade tranqüila. Todos os homens que
formavam o comando de coleta tinham provado seu valor em diversas ações, e apesar dos
seus 25 anos Ramsey não formava nenhuma exceção.
A grande porta abriu-se. Robôs carregavam para fora do depósito 4 o equipamento
que depois do pouso os ajudaria a recolher o molkex fresco, ainda em estado viscoso.
— Pousaremos dentro de trinta minutos — transmitiu o intercomunicador.
Os homens pertencentes ao comando de coleta estavam prontos para entrar em ação.
O equipamento de refrigeração de seus trajes funcionava perfeitamente e as armas
portáteis tinham sido verificadas.
De vez em quando a sala de comando transmitia as informações que costumavam
ser fornecidas durante o pouso.
— Colunas telescópicas abaixadas! — transmitiu o sistema de intercomunicação.
O comando de coleta dividiu-se em cinco grupos pequenos. Só uns poucos homens
acompanharam na tela o pouso da Babota numa estranha superfície lisa. A nave estava
pousando no molkex endurecido.
— Eclusa principal sendo aberta. Rampa descendo.
Para o comando de coleta estas palavras representavam a ordem de entrar em ação.
— Frente de gafanhotos córneos a aproximadamente dois quilômetros.
Foi o último anúncio transmitido pela sala de comando, e todos o entenderam
perfeitamente. Os grupos foram saindo pela porta e dirigiram-se ao corredor que levava à
eclusa. De repente o alarme retumbante encheu a nave.
Os motores de jato-propulsão que funcionavam em ponto morto passaram a
desenvolver toda a potência. A Babota estava decolando com a rampa meio escamoteada
e uma eclusa quase totalmente aberta.
Um golpe seco e metálico sacudiu a nave, que tentava escapar para o espaço em
meio ao rugido de seus motores. Num instante a rampa foi recolhida, a eclusa fechou-se e
as colunas telescópicas voltaram a penetrar no corpo esférico da nave.
— A imagem desapareceu! — gritou um homem, apontando para a tela cinzenta.
O estrondo de um impacto ressoou pela Babota. A nave balançou. O rugido dos
motores forçados em excesso saiu da sala de máquinas.
A Babota estava atirando!
Neste momento os homens pertencentes ao comando de coleta compreenderam que
a nave estava sendo atacada. E conheciam os atacantes. Eram os gatasenses. Os terranos
acabavam de perder a corrida contra o tempo...
Mas os homens ainda não puderam avaliar a verdadeira situação.
O sistema de rastreamento estrutural da Babota falhou. Não havia necessidade dele.
As naves de molkex dos blues apareceram aos milhares na concentração de Hiesse,
igualmente a fantasmas saídos do nada.
Mais de uma centena destas naves muito feias precipitava-se sobre o planeta e sobre
a Babota que estava decolando, disparando todos os canhões.
— Mensagem de emergência para a Frota e o Chefe! — disse o Major Etele para
dentro do microfone, com uma calma inabalável na voz.
— Mensagem de emergência está sendo irradiada com a potência máxima —
respondeu a sala de rádio.
A Babota encontrava-se a quatro mil metros de altura. Contrariando todas as regras,
Etele tirou a nave ligeira, capaz de acelerar à razão de 720 km/seg 2, do vôo vertical e
passou para o horizontal. O comandante só esperava que o equipamento de neutralização
de pressão conseguisse absorver as forças titânicas liberadas pela manobra, pois do
contrário ninguém sobreviveria à abrupta mudança de rumo.
— Atenção, todos! Em...
Já era tarde. A superioridade do inimigo era muito grande. O cruzador ligeiro não
tinha possibilidade de fugir. Os campos defensivos da Babota entraram em colapso.
Os primeiros tiros atingiram a nave. Pedaços enormes do envoltório esférico saíram
voando. Depois disso os raios disparados pelo inimigo penetraram no interior da nave.
Eyko Etele ouviu os estrondos e no seu subconsciente ficou admirado por que a nave
ainda obedecia aos comandos.
— Preparem-se para abandonar a nave em fuga imediatamente após o pouso! —
gritou um oficial pelo sistema de intercomunicação.
Neste momento o major lembrou-se da jornalista que ficara trancada num camarote
de oficial.
— Multon — gritou para um oficial que por acaso se encontrava perto dele. — Tire
a mulher do camarote. Cuide dela.
Nove naves de molkex aproximaram-se em alta velocidade, vindas do leste, e
começaram a disparar.
A Babota ainda estava a 2.000 metros de altura. Etele ainda não podia pousar.
Embaixo dele a onda violeta de gafanhotos gigantes, que devorava tudo, espalhava-se
para todos os lados.
O Tenente Multon saiu correndo para tirar Evyn Moll do camarote. A Babota sofreu
nesse meio tempo três impactos pesados, que praticamente a deixaram sem condições de
ser manobrada. Na sala de comando os instrumentos mais importantes foram falhando
um após o outro. A comunicação com a sala de máquinas estava interrompida em três
fases. Mas os motores instalados na protuberância equatorial da nave continuavam
intactos e recebiam a energia de que precisavam.
— Os gafanhotos córneos ainda estão lá embaixo? — perguntou Etele, que não
podia dar-se o luxo de olhar para lá, pois estava pilotando manualmente sua orgulhosa
nave.
— A cerca de oitenta quilômetros na direção norte-noroeste há uma área livre! —
gritou alguém.
Oitenta quilômetros! Em cima deles, à sua frente e atrás deles havia naves dos blues
disparando de todas as torres.
As naves dos pêlos-azuis tinham vindo aos milhares. Não havia dúvida de que os
blues haviam localizado as intensas emanações hipergravitacionais dos gafanhotos
gigantes. Deviam ter desconfiado, porque não tinham conhecimento de que jamais
tivessem colocado um verme do pavor na concentração de Hiesse.
Faltavam oitenta quilômetros para chegarem ao lugar de Labin-1 que ainda não fora
atingido pela invasão dos gafanhotos. Apesar de gravemente danificada, a Babota já tinha
percorrido mais de cinqüenta quilômetros desse trecho. As esperanças de vencer o último
trecho desfizeram-se de um instante para outro.
Um grupo de naves de molkex formado por cerca de cem unidades aproximou-se,
vindo do sudoeste; porém pousar no meio dos gafanhotos seria a morte certa para toda a
tripulação.
A potência dos motores a jato foi diminuindo. As comunicações verbais com a sala
de máquinas e a protuberância circular da nave estavam interrompidas. Etele enxugou
apressadamente a testa coberta de suor.
— Para o comandante! — disse uma voz saída do alto-falante, que superou o
barulho infernal da sala de comando. — Energia total para as torres de canhões por
quinze segundos. Desligo.
O oficial de controle de tiro aumentara ainda mais o risco para a nave.
— É o fim... — disse Eyko Etele, desanimado. Era inútil atirar nas blindagens de
molkex.
Mais cedo do que se esperava os motores voltaram a receber a energia de que
precisavam.
— Frente de envolvimento vem do norte-noroeste — gritou alguém para Etele.
Um sorriso forçado deu um aspecto estranho ao rosto de Etele.
— Precisamos... — arquejou, enquanto com um movimento muito rápido ativava a
barreira de segurança central. Os motores de jato-propulsão receberam uma sobrecarga de
mais de trezentos por cento dos valores máximos permitidos.
De repente a nave saiu em disparada. O chiado dos motores maltratados saiu da
protuberância equatorial.
Uma coisa que Etele não esperava mais acabara de transformar-se em realidade.
Tinham deixado para trás a frente mortífera dos gafanhotos córneos.
Embaixo deles estendia-se um solo intocado.
— Atenção, vamos pousar! — Etele não sabia se o anúncio estava sendo ouvido em
todos os pontos da nave. — Multon, o que está fazendo a jornalista?
O Tenente Multon não pôde responder, porque nesse momento a Babota sofreu três
impactos diretos ao mesmo tempo. A cor vermelha passou a predominar no painel de
instrumentos de Etele.
Lançando mão dos últimos recursos de que dispunha, fez pousar a nave. Não
conseguiu fazer sair uma única das colunas telescópicas. Mas ainda seria possível abrir
três eclusas, a não ser que os controles de seu painel de instrumentos lhe estivessem
pregando uma peça.
Um forte solavanco abalou a nave.
A Babota acabara de pousar.
Etele não tinha a menor idéia de como era o terreno nas imediações da nave. Levara
a nave ao solo às cegas, confiando exclusivamente nas indicações do altímetro.
Será que ainda teriam uma chance de sair dos destroços?
Dentro de alguns segundos teriam a resposta.
Os blues estavam fazendo pontaria contra a Babota. Depois de algum tempo até
mesmo o elevador antigravitacional principal entrou em pane.
Para os ocupantes da sala de comando quase não havia nenhuma chance de sair da
nave. Mas algumas linhas do sistema de intercomunicação ainda continuavam em
funcionamento. Multon chamou:
— O camarote da senhorita Moll está vazio, senhor. Não sei onde procurá-la.
— Saia! — gritou Etele. — Abandone a nave o mais depressa possível. E o fim da
Babota.
5
Os grupos de naves enviados por Atlan em auxílio de seu amigo terrano chegaram,
mas só conseguiram avançar até a periferia da pequena concentração estelar. Um número
imenso de naves de molkex que os blues haviam concentrado na área durante as últimas
horas impediu-os de chegarem mais longe.
As 18.000 espaçonaves foram recebidas pelo fogo concentrado das naves dos blues
que avançavam sobre elas. Em todos os pontos da imensa frente de combate as naves do
Império estouravam como se fossem pequenos sóis ofuscantes. E a nave-capitânia do
Chefe encontrava-se neste inferno de naves inimigas que se combatiam implacavelmente.
Teria uma possibilidade de romper esta frente, ou será que dentro de pouco sua nave
também seria destruída por um impacto terrível e cairia num mundo qualquer?
Na sala de comando reinava uma tensão enervante. Ninguém ouvia o rugido dos
jatos-propulsores que tangiam a nave para o espaço livre. De vez em quando eram
transmitidos os resultados das operações de rastreamento.
A situação piorava a cada momento que passava. Naves de molkex vinham de todas
as direções. E de todas as direções os blues caçavam a gigantesca nave.
E no interior dela o perigo se multiplicava.
Os oito gafanhotos córneos já se tinham transformado em 32 lagartas, e o próximo
processo de subdivisão era iminente. Os monstrinhos já tinham devorado uma parede de
terconite de 50 centímetros de espessura, e naquele momento o ácido por eles
desprendido estava dissolvendo o cabo que transmitia os impulsos da câmara de televisão
ali instalada para a sala de comando.
Dois conveses abaixo da sala de comando mais de vinte cosmonautas e astrônomos
suavam. Viram-se colocados diante de uma tarefa quase insolúvel. Tinham que descobrir
o mais depressa possível um mundo de oxigênio desabitado e relativamente quente, no
qual a Eric Manoli pudesse descer com os perigosos gafanhotos córneos. Perry Rhodan
advertira os homens:
— Não se esqueçam de que todos queremos sair vivos disto. Se os gafanhotos
conseguirem chegar aos hangares onde estão guardados os girinos, nossas chances de
sobrevivência baixarão para menos de um por cento. Tenham isso sempre em mente.
Não se esqueceram. E mais: ouviram os pesados impactos que atingiram o casco de
aço terconite da nave-capitânia.
O campo defensivo da Eric Manoli já não existia mais. Fora destruído pelo fogo
concentrado de mais de uma centena de naves de molkex.
O comandante conseguiu livrar-se várias vezes dos blues que disparavam todos os
canhões, mas quando acreditava que poderia respirar aliviado, outros grupos de naves se
aproximavam e procuravam destruir o veículo espacial esférico.
O controle sobre os gafanhotos córneos foi perdido. Só se podia fazer uma
avaliação aproximada do número de lagartas. Rhodan arriscou as últimas reservas de
robôs, para impedir, na medida do possível, a expansão dos terríveis gafanhotos.
Estava executando o plano mais arrojado que já concebera.
Os homens tinham de lançar mão de todos os recursos para conseguir o molkex.
A obtenção da substância no sistema de Hiesse tornara-se impossível. Por isso
Rhodan mandara colocar gafanhotos córneos a bordo de sua nave. Pretendia colocá-los
num mundo de oxigênio desabitado. Isso deveria ser feito o mais depressa possível, pois
do contrário ele e os demais ocupantes de sua nave estariam perdidos. Pretendia usar os
girinos que se encontravam a bordo para levar os homens a um lugar seguro, de onde
observaria o desenvolvimento dos gafanhotos córneos e, quando chegasse o momento
adequado, levaria o molkex produzido pelos mesmos pra trás do front.
Nestas horas decisivas sentiu o quanto estava ligado à sua nave-capitânia. O que o
comovia não era a perda de vários bilhões, mas o fato de que teria de separar-se de uma
coisa à qual se afeiçoara.
Controlou a velocidade da nave. A mesma se deslocava a trinta por cento da
velocidade da luz.
Os tiros energéticos retumbavam quase ininterruptamente no casco da Eric Manoli.
Só por milagre o aço terconite até então resistira aos impactos. Mas logo apareceram as
primeiras avarias graves. Duas torres de canhões e um centro de conversores foram
destruídos. Os homens que se encontravam na sala de comando receberam a notícia
alarmante em silêncio. Perry Rhodan teve a impressão de ter ouvido o grito de uma
mulher. Virou a cabeça e viu a jornalista Evyn Moll, que olhava toda desesperada para a
profusão de radiações que se desenhava na grande tela panorâmica. Bill Ramsey, que
estava a seu lado, procurou acalmá-la.
Rhodan aproximou-se deles.
— Então? — perguntou.
— Nunca esperaria isso. Não imaginava que isso pudesse acontecer — balbuciou a
jornalista.
— Bilhões de homens não conseguem imaginar isso, senhorita Moll.
Nesse instante um estrondo terrível sacudiu a nave. Até mesmo o comandante ficou
nervoso.
— Sofremos um impacto na protuberância esférica, Chefe. Já basta. Entrarei no
espaço linear.
Era outra ação desesperada. Normalmente a velocidade da nave deveria ser muito
maior para que a manobra pudesse ser realizada. Conforme as circunstâncias, a passagem
para o espaço linear poderia trazer conseqüências graves.
— Senhor, os gafanhotos córneos estão avançando em direção aos geradores —
anunciou um dos tripulantes.
Neste momento os Kalups entraram em funcionamento e a Eric Manoli, que estava
gravemente avariada, penetrou no espaço linear.
A nave estava perdida, mas seus tripulantes ainda esperavam que pudessem ser
salvos...
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