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CORRIDA CONTRA
O TEMPO

Autor
KURT BRAND

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
SKIRO
Um hormônio vital H2O2... única
esperança do Império Unido!

A Humanidade do ano 2.327 do calendário terrano vê-se diante


de um perigo tremendo vindo do setor Leste da Via Láctea.
Ali, no setor leste da Galáxia, quase inexplorado, os blues ou
gatasenses fundaram, com suas indestrutíveis naves de molkex, um
império estelar que se revela em extensão cada vez maior como um
inimigo implacável do Império Unido, governado por Perry Rhodan.
Nas lutas já travadas entre as estrelas, os terranos e seus
aliados conseguiram evitar derrotas mais graves, geralmente por
meio da coragem, do blefe ou de atos de bravura. Mas os
responsáveis já se deram conta de que somente uma nova arma,
capaz de destruir as blindagens de molkex do inimigo, poderá trazer
a mudança definitiva a favor do Império Unido.
No curso da Missão Náutilus, comandada pelo pequeno
especialista da USO, Lemy Danger, os terranos conseguiram
desvendar o mistério da blindagem de molkex que protege as naves
dos blues, e os quebra-blindagens provaram que o molkex pode ser
destruído.
Já se sabe como enfrentar os blues. Resta saber como fabricar e
colocar em ação, no menor espaço de tempo possível, as armas que
sejam eficientes contra este perigoso inimigo.
Os cientistas do Império Unido devem responder — e rápido —
esta pergunta e ganhar A Corrida Contra o Tempo...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Evyn Moll — Uma repórter-jornalista do Correio Terrano.
Bill Ramsey — Um tenente apaixonado da Frota Solar.
Major Eyko Etele — Comandante do cruzador ligeiro Babota.
Tyll Leyden — Um astrônomo e físico que deixa muita gente
nervosa.
Pa-Done, Horace Taylor e o Engenheiro Labkaus — Cientistas
que fazem experiências com o molkex.
Perry Rhodan — O Administrador Geral, que ouve falar num
passageiro clandestino.
Reginald Bell — Um homem preocupado com a situação
financeira do Império.
1

Evyn Moll soltou um grande suspiro, sem preocupar-se com o fato de que não
estava sozinha no escritório. Sacudiu a cabeça, um tanto desesperada. Ela, que com 23
anos de idade era uma jornalista que trabalhava para o Correio Terrano, ainda não
trabalhava na profissão há mais de um ano e era de uma beleza extraordinária. Queriam
que escrevesse uma série popular sobre a famosa água oxigenada.
— Além disso — dissera seu chefe de serviço — a senhora naturalmente procurará
descobrir alguma coisa sobre o hormônio B. Senhorita Evyn, em princípio não é
necessário que tudo que a senhora escrever seja verdade, mas caso resolva entrar num
terreno escorregadio, o povo deve acreditar no que for escrito. Deve ser convincente,
arrebatar o leitor, entre outras coisas. Bem, a senhora sabe.
O chefe do serviço lhe dissera isto há uma semana. Nem quis ouvir seus protestos.
— Não entendo nada do assunto — argumentara Evyn.
O chefe soltara uma estrondosa gargalhada.
— Acredita que eu entendo?
— Por que não deixa isso por conta de um especialista? — perguntara a moça.
— Já ouviu falar em falta de pessoal habilitado, senhorita Moll? — respondera o
chefe num tom que quase chegara a ser ameaçador.
Evyn compreendeu. Aceitou a advertência.
— Está bem; cuidarei disso — respondeu.
Começara a cuidar do assunto — há dois dias...
Ficou enterrada no escritório, pediu que o arquivo lhe mandasse volumes com
informações e procurou informar-se sobre o H2O2.
Não havia livros sobre o hormônio B. E o que os volumes diziam sobre a
complicada água oxigenada era terrivelmente frio e enfadonho. O bloco em que Evyn
Moll pretendia fazer anotações ficou completamente vazio.
— É de enlouquecer — exclamou e girou com a poltrona, olhando para seu colega
McCormick. — O senhor não pode me dar uma dica de como posso encarar o assunto?
Se eu escrever uma linha do que dizem estes livros, os leitores do Correio sairão
correndo.
A risada de McCormick parecia paternal. Achava que Evyn Moll era uma boa
colega. Fitou-a com um sorriso por cima dos óculos antiquados.
— Por que não pergunta a seu amigo, senhorita Evyn? Ou será que ele já voltou ao
espaço?
— Bill? — perguntou Evyn em tom de espanto. Ela nem se lembrara de Bill
Ramsey. Rapidamente a expressão de desespero desapareceu de seu rosto, e duas
ruguinhas que tinham aparecido em sua testa lisa desfizeram-se.
— Naturalmente, senhorita Evyn. Deixe tudo como está por aqui. Se alguém
perguntar pela senhora, saberei o que dizer: está fazendo uma pesquisa. É claro, se pede
informações a um amigo, ninguém tem nada com isso. Até logo...!
Quase chegou a pô-la para fora. Evyn não perdeu tempo.
— Tchau, McCormick, por isso o senhor recebe um...
Inclinou-se e deu-lhe um beijo na testa.
Logo saiu à procura de Bill Ramsey.
Bill estava de férias. Sua nave pertencia ao grupo do Administrador Geral, que
bloqueara a concentração de Hiesse. Durante as manobras a nave sofrera uma avaria
grave, por isso encontrava-se num estaleiro lunar, enquanto grande parte da tripulação
ficou de férias.
Encontraram-se na Praça Crest.
— Olá, baby! — disse Bill, sorrindo alegremente para Evyn.
— Bom dia, Bill. Que bom que veio logo que eu telefonei. Não quer me convidar
para irmos a um lugar bem bonito?
Bill, um belo rapaz de 25 anos, de cabelos negros, não acreditou no que acabara de
ouvir. Há mais de um ano estava apaixonado por Evyn, mas ela não estava apaixonada
por ele. Por isso o comportamento da moça o deixou assustado. Mas não deixou que ela o
percebesse.
— Que tal o bar Dumb-Beetle, Evyn?
— Está doido, Bill? Alguém lhe disse que estou com vontade de dançar com um
urso desajeitado como você? — notou a perturbação do rapaz e lembrou-se de que queria
algumas informações dele. Resolveu então mudar de tom: — Bem, se isso o deixa feliz,
tudo bem. Este planador é seu? — colocou a mão embaixo de seu braço e fitou-o com
seus belos olhos azuis em formato de amêndoa.
Bill retribuiu carinhosamente o olhar e disse:
— Venha, tenho uma surpresa para você!
Puxou-a para dentro de seu planador. Evyn não gostou nem um pouco quando ele
sentou muito perto dela. A moça, porém, não deixou que o rapaz notasse seu desagrado.
O planador desprendeu-se do solo e subiu verticalmente à altura em que era
permitido trafegar para fora de Terrânia. Assim que alcançou a trilha invisível, o veículo
saiu em disparada.
Evyn Moll sabia por experiência própria que seria inútil perguntar a Bill qual era o
destino da viagem. O rapaz ligara o piloto automático e recostou-se na poltrona. Olhou
Evyn com uma expressão feliz.
— Você nunca soube conversar — observou Evyn, fazendo-se de zangada.
Bill Ramsey, que há dois anos era tenente da Frota do Império, não deixou que isso
o perturbasse.
— Daqui de cima o lago é muito bonito, não é mesmo?
O planador passou em alta velocidade sobre a água.
— Num dos bangalôs que ficam lá atrás deve morar Reginald Bell, e também esse
pequeno rato-castor, isto é, se estiverem em Terrânia. Já viu o rato-castor Gucky?
Evyn fez uma constatação objetiva. Bill nunca aprenderia a interessar uma jovem
em sua conversa. E perguntava-se: que interesse tinha ela no Marechal Reginald Bell ou
no tal do rato-castor, de cuja capacidade se contavam as coisas mais incríveis?
O planador prosseguiu em velocidade uniforme pela mesma rota. O lago
desapareceu, e Bill Ramsey contou todo entusiasmado como era bom trabalhar na Frota.
Evyn Moll, diante disso, mostrou sua veia diplomática. Aproveitando habilmente
uma pausa que Bill intercalou em sua conversa para respirar um pouco, perguntou em
tom de curiosidade:
— Você viu a panqueca de molkex que saiu voando, Bill? Deve ter sido um quadro
grandioso, por isso compreendo perfeitamente por que essas coisas o deixam
entusiasmado.
Bill nunca observara o fenômeno, pois ao tempo em que a camada de molkex se
desprendeu da nave dos blues e endureceu, formando uma bola gigantesca que também
endureceu e de repente lançou-se para o espaço, sua nave já se separara do grupo e estava
tentando atingir o estaleiro lunar com seus próprios recursos. Porém, como não quis fazer
feio diante de Evyn, respondeu:
— Foi formidável! O espetáculo foi tão grandioso que até hoje todo mundo fala
nele. Isso lhe interessa, não é mesmo? E se penso que dentro de pouco tempo faremos
com que a blindagem de molkex escorra da nave dos blues... vai ser uma festa, Evyn!
Evyn não compreendeu por que isso seria uma festa, mas procurou manter aceso o
entusiasmo de Bill.
— É incrível, Bill, que nossos especialistas tenham levado tanto tempo para atacar o
molkex com água oxigenada, se o H202 já é conhecido há mais de quatrocentos anos.
Bill nem se deu conta de que Evyn de repente se interessava pelos problemas da
Frota. Encontrava-se num estado de espírito que nunca tinha experimentado, e tudo por
causa da proximidade da moça.
— Não devemos culpar nossos cientistas. Pelo que ouvi dizer há dois ou três dias, o
H2O2 só age em combinação com outra substância, um certo hormônio B. Sei lá o que é
isso.
Esta observação produziu o efeito de uma ducha gelada em Evyn. A jovem
jornalista fez um esforço desesperado para não deixar perceber sua decepção.
— Acho que a gente só ouve boatos, Bill. O H 2O2 cem por cento puro nem pode
existir. Trata-se de uma substância instável que desprende gases explosivos e se
decompõe espontaneamente. Afinal, ainda me lembro de alguma coisa do que aprendi na
escola.
Bill sorriu satisfeito.
— Hoje em dia não se vai muito longe com isso, minha cara. Estamos pousando.
De repente, o zumbido leve do propulsor tornou-se quase imperceptível. O veículo
desceu, descrevendo espirais amplas. Uma floresta cercada por uma área coberta de
arbustos esparsos foi crescendo cada vez mais. Quase no centro do arvoredo denso havia
um pequeno edifício branco.
— Onde estamos? — perguntou Evyn Moll, que não conhecia a área.
Bill sorriu, mas não disse nada.
À frente da casinha havia uma pequena área de pouso. Não se via nenhum planador
no estacionamento. O veículo de Bill Ramsey pousou suavemente. Ele ajudou Evyn Moll
a descer.
— Está gostando daqui? — perguntou.
Estavam cercados de um silêncio maravilhoso. A casinha parecia ter vários séculos.
Evyn leu o nome por cima da porta maciça lustrada em tom escuro: Moonlight.
A porta foi aberta do lado de dentro. Uma mulher de meia-idade saiu pela mesma,
olhou os recém-chegados, estacou, fitou Bill Ramsey e arregalou os olhos de alegria.
— Bill, meu filho, de onde você veio? — gritou, correndo em sua direção com os
braços abertos.
Bill Ramsey trouxera Evyn Moll para a casa de seus pais.
“Adeus, água oxigenada”, pensou a moça, abandonando as esperanças de descobrir
por intermédio de Bill Ramsey alguma coisa que não se encontrava nos volumes do
arquivo.
***
Sistema solar Kesnar, situado 38 anos-luz no interior da concentração estelar
esférica M-13. Quarto planeta de um total de sete. Aralon, o mundo principal dos
médicos galácticos.
Certa vez Reginald Bell chegou a dizer que Aralon era a fábrica de venenos do
Universo. Era um nome drástico, mas justificado. Mas agora o mesmo pertencia ao
passado. Ninguém ficava mais contente com isso que o próprio Bell, e ele se zangava
quando alguém aludia em sua presença a coisas do passado.
Há meia hora gritara com um especialista em catalisadores.
— Todos já cometemos nossos erros, perdoáveis e imperdoáveis. E nós, mais que
ninguém, não estamos em condições de bancar os moralistas. Mais uma observação
depreciativa sobre os aras, e o senhor vai ver o que lhe acontece. Entendido?
O especialista em catalisadores entendeu tão bem que se afastou às pressas.
Bell já tinha esquecido do incidente. Estava viajando de Árcon III para a Terra e
resolvera fazer uma parada em Aralon. A rigor não poderia permitir-se essa demora, já
que pairava a ameaça de uma guerra galáctica entre o Império Unido e o reino estelar dos
blues. Mas depois de refletir bastante resolvera sacrificar um pouco do seu precioso
tempo numa visita a Aralon, pois os preparativos para a guerra espacial não eram mais
importantes que uma verificação in loco sobre o estado das pesquisas sobre o hormônio
B.
Pediu que o levassem diretamente do porto espacial para os centros de pesquisas
subterrâneos dos aras. Na oportunidade não pôde deixar de lembrar-se daquele dia já
distante em que os terranos pisaram pela primeira vez na superfície de Aralon.
Na época os terranos e os aras eram inimigos. Vários séculos se passaram antes que
os médicos galácticos se transformassem em amigos e aliados fiéis. Sua posição
dominante na área médica continuava intacta. Apesar dos conhecimentos adquiridos
pelos cientistas terranos, estes dependiam constantemente do auxílio dos aras, já que, há
milênios, os mesmos se dedicavam a todas as áreas da Medicina.
Por este motivo Perry Rhodan pediu permissão para transferir as pesquisas do
hormônio B para Aralon, com o fito de desvendar os segredos deste elemento ativo com o
auxílio dos aras.
Bell saiu do elevador antigravitacional no nível 880. Dois robôs aras estavam à sua
espera. Levaram-no num veículo rápido ao centro de pesquisas em que os grandes
especialistas em hormônios estavam estudando o elemento ativo B.
Bell cumprimentou os cientistas, alguns dos quais conhecia pessoalmente.
Pa-Done, cujo aspecto exterior fazia dele o protótipo de um ara, quis fazer uma
exposição médica para Bell, mas este interrompeu-o com um gesto.
— Diga o mais importante em poucas palavras. Quando não compreender alguma
coisa, pedirei que explique.
Pa-Done inclinou a cabeça e explicou:
— Senhor, estaríamos em condições de anunciar um grande êxito, se o hormônio B
correspondesse àquilo que conhecemos como elementos ativos. Identificamos a espiral
dupla molecular até a última ramificação. Talvez o senhor esteja interessado em saber que
o hormônio B encerra três intervalos biológicos diferentes...
— O senhor nem acredita como isso me deixa indiferente, Pa-Done — interrompeu
Bell. — Já pode apresentar algo de concreto? Isto aqui é o produto sintético?
— Sim, senhor. Não foi muito difícil obter o hormônio B por via sintética. Mas
acontece que não é o mesmo hormônio B. A substância artificial apresenta todas as
características químicas, biológicas e biofísicas do hormônio natural, mas ao contrário
deste não produz nenhuma ação estabilizadora sobre o H 2O2. Realizamos numerosas
experiências, inclusive com colegas terranos, alguns de outras especialidades, mas neste
ponto não conseguimos realizar nenhum progresso. Sempre que a água oxigenada atinge
uma concentração de noventa por cento, ocorre uma violenta reação de decomposição,
quer acrescentemos o hormônio sintético, quer não o façamos.
— Quer dizer que estamos diante de uma derrota em toda a linha, não é mesmo?
Onde posso encontrar os físicos, Pa-Done?
— Posso levá-lo ao lugar em que se encontram, senhor?
— Naturalmente. Vamos indo.
Saíram do gigantesco laboratório. Tomaram um pequeno elevador antigravitacional
e dirigiram-se ao nível intermediário 912.
— Pa-Done, como vai a colaboração com os colegas terranos? — perguntou Bell,
enquanto caminhavam pelo corredor comprido.
— Muito bem, senhor. É um trabalho excelente. Mas, se permitir, gostaria de fazer
um pedido... — o ara interrompeu-se.
— Fale! — pediu Bell.
— Senhor, quero pedir, inclusive em nome dos colegas terranos, que nosso colega
Tyll Leyden seja enviado de volta para a Terra.
Bell estacou.
— O quê?! Ele está aqui? — perguntou Bell e soltou uma estrondosa gargalhada.
Bateu no ombro do ara, fazendo com que o cientista alto e magro contorcesse o rosto
numa expressão indignada e dobrasse os joelhos. — Por aqui ele também não fala, Pa-
Done?
O médico galáctico não compreendeu o acesso de bom humor de Bell.
— Se me permite, senhor, o colega Leyden não possui as qualidades de que um
especialista precisa para realizar um bom trabalho de equipe.
Bell confirmou com um gesto.
— Nisto lhe dou toda razão, meu caro Pa-Done. Também já pensei assim a respeito
de Tyll Leyden e por pouco não passei uma vergonha terrível. Permita que lhe dê um
conselho. Não dê atenção a Leyden. Transmita esta recomendação aos seus colegas
terranos, mas esteja preparado para ver Leyden soltar de repente um resultado que todo
mundo procura desesperadamente. Esta, meu caro, é a verdadeira característica de Tyll
Leyden. Não está acreditando, Pa-Done?
— Não é nada fácil.
— Não sei por que teria de ser mais fácil para o senhor do que foi para mim —
observou Bell em tom bonachão. — Apesar de tudo, não estou interessado em encontrar-
me com Leyden. Por que está olhando para o relógio?
O ara sacudiu a cabeça.
— Não existe o menor perigo de nos encontrarmos com Leyden. A esta hora ele está
almoçando, e ele observa rigorosamente o horário das refeições.
Bell não fez nenhum comentário.
A notícia de que se encontrava em Aralon devia ter corrido depressa. Os físicos não
se surpreenderam com sua presença.
Horace Taylor, especialista em hipergravitação, estava embaraçado: não pôde
responder à pergunta de Bell.
— Ainda não estamos em condições de indicar um prazo certo. Estamos tateando no
escuro. O que sabemos é muito pouco, tão pouco que ainda não temos a menor idéia
sobre os efeitos parafísicos do hormônio B. Conforme demonstram as experiências, o
mesmo age como um catalisador sobre o H 2O2, mas a cadeia causai ainda é
completamente desconhecida. Quando colocamos o hormônio B, juntamente com o H 2O2
altamente concentrado, em contato com o molkex, constatamos a presença de impulsos
na quinta dimensão. Há um detalhe surpreendente: estes impulsos apresentam certa
semelhança com os impulsos hipergravitacionais. Não me atreveria a afirmar se a
semelhança realmente merece este nome. Apesar das pesquisas realizadas, a área dos
impulsos de quinta dimensão continua a ser um livro fechado para nós.
— Já sei o que o senhor não sabe, Taylor — interrompeu Bell em tom sarcástico. —
Gostaria que me dissesse o que o senhor e seus colegas já descobriram.
Olhou casualmente para o lado. Sobre uma mesa de experiências encostada à parede
havia uma aparelhagem que lhe parecia estranha.
— O que é isso? — perguntou.
— Um hipertron, senhor. Formato de bolso. Nós mesmos o construímos...
— Fizeram o quê? — berrou Bell. — Andam construindo coisas? Afinal, o que
estão pensando? Acham que têm tempo para isso? A algumas dezenas de milhares de
anos-luz daqui vive uma raça de pêlos azuis, que não pensam em outra coisa senão
destruir-nos. Que diabo! Não poderiam ter entrado em contato com o Chefe para dizer
que precisam disto e daquilo, e que, se não recebem, não poderão apresentar resultados?
Será que não têm nem um pouco de coragem?
— Senhor, não podemos falar dessa maneira com o Administrador Geral, porque...
A contrariedade de Bell desapareceu de repente.
— Nem lhes aconselharia a fazerem isso. Mas requisitem o que precisarem, meus
senhores. Convém pensar antes se isso realmente é necessário. Isso também vale para o
senhor, Pa-Done. O que esperava conseguir mesmo com o hipertron, Taylor?
— Queríamos... não é bem isto, senhor. Um dos nossos colegas, que no momento
está almoçando, pensou em alcançar uma modificação atômica do hormônio B por meio
do hipertron, a fim de provocar um fenômeno de superposição no interior do átomo.
Bell fitou Horace Taylor com uma expressão pensativa.
— Será que o nome desse colega é Tyll Leyden?
— Sim, senhor. Deixo que siga suas próprias idéias no trabalho, mas não acredito
que consiga muita coisa. Nem sabemos como conseguiu convencer-nos a ajudá-lo na
construção do modelo do hipertron. Mas, voltando à sua pergunta, senhor: por enquanto
só conseguimos descobrir que o hormônio B natural emite um impulso de tipo
desconhecido na quinta dimensão. Ao que parece, este impulso provoca uma modificação
no molkex. Mas nem mesmo isto conseguimos provar cabalmente, porque a falta de
molkex produz conseqüências catastróficas por aqui. As quantidades reduzidas de que
dispomos não serão suficientes, se quisermos prosseguir em nossas séries de
experiências. Poderia permitir-lhe o favor de providenciar para que recebêssemos o
quanto antes um suprimento adequado do material?
— Naturalmente — respondeu Bell.
“Onde poderemos obter molkex em estado puro?”, pensou Bell, embaraçado. Olhou
para o relógio. Já estava demorando em Aralon duas horas além do previsto. Estava na
hora de voltar à nave para prosseguir viagem em direção à Terra.
— Se eu lhe pergunto quando poderemos contar com os primeiros resultados
concretos, não pense que sou um leigo no assunto, Taylor — disse. — Não se esqueça de
que a qualquer momento pode irromper a guerra com os gatasenses. Enquanto não
dispusermos de uma arma capaz de destruir a blindagem de molkex. nossa superioridade
técnica em todas as áreas é igual a zero. Então?
— Sinto muito, senhor. Não posso indicar um prazo certo — respondeu Taylor com
voz firme.
Bell confirmou com um gesto. Não esperara outra coisa. Retirou-se em silêncio. Os
cientistas, seguindo-o com os olhos, pareciam consternados.
***
No momento em que Bell saiu de Aralon, em direção à Terra, Evyn Moll e Bill
Ramsey estavam sentados à frente da casinha velha, enquanto os últimos raios de sol
filtravam entre as árvores.
— Você está mudada — disse Bill e tentou colocar o braço sobre os ombros de
Evyn.
A moça afastou-se dele apressadamente.
— Pois você não mudou nem um pouco, Bill — respondeu em tom ríspido. — Não
estou gostando. Se você tentar colocar novamente o braço no meu ombro, sem mais nem
menos, reagirei igualmente a uma porção de água oxigenada.
Bill espantou-se. Fitou intensamente a moça.
— Espere aí, alguma coisa não está certa. Seu interesse repentino pelo H 2O2 e pelo
molkex é bastante estranho. Não venha me dizer que você realmente se interessa por
estas coisas. Será que a direção de seu jornal mandou você cuidar do assunto?
Evyn conseguiu dar uma gostosa gargalhada.
— Meu caro Bill, você deve saber que trabalho para a redação local.
Isso não deixava de ser verdade. Acontece que Bill Ramsey estava bastante
desconfiado, porém não deixou que ela o percebesse.
— É verdade. E o Correio Terrano se passaria um atestado de indigência se
confiasse uma tarefa destas a você. Mas continuo a achar que seu interesse é muito
estranho.
— Ora, Bill, não é tão estranho assim. Basta pensar nas notícias não publicadas
fornecidas pelas grandes agências. Talvez você ainda não saiba, mas há uma guerra
galáctica à vista. Uma guerra com os gatasenses.
Bill não se surpreendeu com os conhecimentos da moça. Sabia perfeitamente que a
situação era grave. Durante a viagem de volta sua nave parara na frente de interceptação.
Não se lembrava de já ter visto uma concentração de espaçonaves igual àquela. Mas
ainda estava muito desconfiado. E Evyn Moll alimentou esta desconfiança com perguntas
que eram curiosas além da medida.
Bill amava Evyn Moll. De repente aborreceu-se com a moça, por ela ver nele
apenas uma fonte de informações barata.
“Espere aí”, pensou, “eu lhe contarei coisas que a deixarão boquiaberta.”
A moça perguntava, e ele respondia. Foi chegando mais perto. Evyn parecia não
perceber. Bill notou que ela ligara um pequenino gravador guardado na bolsa. Sob o
manto da discrição, ele contou segredos que acabara de inventar naquele mesmo
momento. Evyn deixou que ele colocasse o braço em torno de seus ombros.
“Não está reagindo como água oxigenada em elevado grau de concentração”,
pensou Bill, mas no mesmo instante deu-se conta de que Evyn só permitia o contato de
seu corpo por motivos egoísticos.
Isso o deixou triste e zangado ao mesmo tempo.
O que não poderia imaginar era que Evyn nem ouvia mais o que ele estava dizendo,
pois pela primeira vez sentia-se protegida perto dele.
Enquanto ele contava falsas histórias, produto de sua imaginação, falando a respeito
de coisas das quais não sabia coisa alguma, o subconsciente de Evyn, começou a
alimentar o amor por Bill Ramsey.
— ...o contato da mistura H2O2 — hormônio B com o molkex produz, pelo que
dizem, um assim chamado efeito conjugado de natureza parafísica, que inverte a
polarização da estrutura energética do molkex. Não sei o que vem a ser isso. Mas dizem
que a polarização invertida é a causa do vôo das panquecas de molkex.
Bill estava surpreso consigo mesmo em saber inventar aquelas histórias mentirosas,
superando o próprio velho Munchausen, e a pobre Evyn não desconfiava nem um pouco
de que o rapaz era mais esperto do que ela pensava.
Ela o interrompeu sem nenhum motivo.
— Já chega, Bill.
Ele se calou, espantado e perplexo com a atitude da moça. Será que sua
desconfiança fora injusta?
Nesse momento o gravador que se encontrava na bolsa de Evyn Moll emitiu o ruído
típico do desligamento.
Bill Ramsey pôde aproveitar o que aprendeu na Academia Espacial. Não
demonstrou a menor reação. Mas Evyn sobressaltou-se.
— É horrível, não é mesmo? — perguntou Bill, estreitando-a mais fortemente nos
seus braços.
— Quando estou com você, Bill... — Bill quase se descontrolou. — Quase!...
Lançou um olhar ligeiro para a casa. Não viu ninguém atrás das janelas. Criou
coragem e beijou Evyn.
A moça retribuiu o beijo.
***
Evyn Moll trabalhara quase toda a noite num sentimento de euforia. Assim que Bill
a trouxe de volta para Terrânia, pôs-se a trabalhar e redigiu, com o auxílio do gravador e
de sua memória, um relatório que ficou muito mais comprido do que ela imaginara.
Ainda estava um pouco cansada quando na manhã do dia seguinte chegou, na hora
de costume, ao grande edifício em que ficava a redação do Correio Terrano. McCormick,
com a qual dividia a mesma sala, mal levantou os olhos do trabalho. Evyn Moll ditou seu
relatório para dentro da máquina. Nem percebeu que McCormick interrompeu o trabalho
e passou a prestar atenção exclusivamente ao seu ditado.
Quando comprimiu a tecla de finalização, McCormick estava de pé atrás dela.
— Parabéns, miss Evyn — disse. Estava sendo sincero.
— A senhora fez um trabalho de primeira. Posso garantir que com esta pequena
série a senhora abrirá caminho para o jornalismo profissional. Como soube tornar
interessante esta matéria árida! E a senhora andou se fazendo de vítima quando a
incumbiram de escrever um trabalho sobre a enfadonha água oxigenada. Minha dica de
procurar seu amigo Bill não valeu?
“Se valeu”, pensou Evyn toda feliz.
Dali a duas horas ficou sabendo que o Correio Terrano publicaria no dia seguinte o
primeiro de uma série de seis artigos escritos por ela. No momento, um grupo de
especialistas estava verificando a correção dos dados objetivos incluídos no relatório.
Mas até mesmo os especialistas do Correio Terrano deixaram-se enganar pela
história inventada por Bill Ramsey, porque não conheciam a área dos efeitos parafísicos
conjugados. Um único especialista assinou sob reserva. Os outros liberaram o trabalho
para a impressão.
No curso dos séculos o Correio Terrano se transformara no órgão oficioso do
Império Unido, no que dizia respeito aos mundos colonizados pelos terranos. Mas as
agências de notícias também recolhiam informações importantes no grupo estelar M-13.
Perry Rhodan tinha o hábito de ler o Correio Terrano todas as manhãs. As notícias
mais importantes da imprensa terrana lhe eram apresentadas todos os dias, depois de
classificadas por área e importância.
Sem desconfiar de nada, abriu o jornal na terceira página e começou a ler:

A GUERRA QUE NÃO É NENHUMA GUERRA


Contrariando as notícias que há muito tempo deixam
sobressaltados os habitantes do Império, o Correio Terrano
está em condições de, num relato exclusivo, informar seus
leitores de que na verdade a realidade é bastante
tranqüilizadora.
A Administração Geral, que se mantém envolta em
silêncio, certamente preferirá, por motivos táticos, não
revelar a existência de certa arma de que o Império dispõe.
Antes de abordar este assunto, o Correio Terrano quer
dizer alguma coisa sobre os motivos que levam a
Administração Geral a negar oficialmente a existência
dessa arma, como negou ainda ontem, quando indagada por
nós.
Não precisamos dizer uma palavra sobre as naves de
molkex dos blues...

A porta abriu-se de repente. Bell entrou correndo.


— Você leu esta bobagem, Perry? — gritou muito nervoso, sacudindo a edição
matutina do Correio Terrano.
— Estou lendo, gorducho. Quer café? Pãezinhos? Sirva-se — respondeu Rhodan
com a maior tranqüilidade.
— Perdi o apetite — resmungou Bell. — Uma certa Evyn Moll fez esta brincadeira
de mau gosto. Não compreendo como os assessores científicos do Correio Terrano...
Perry levantou os olhos.
— Será que você faz questão de me roubar o prazer de ler o artigo até o fim?
Bell estava nervoso demais para ficar quieto.
— Dizem que haverá mais cinco artigos. Ainda devemos esperar muita asneira. Já
falei com John Marshal. Quero que ele descubra quem é a fonte digna de confiança da
qual o Correio Terrano tirou tanta idiotice.
Bell viu que não valia a pena continuar a esbravejar. Perry Rhodan acabara de sair
sem dizer uma palavra e fechara a porta atrás de si.
Bell guardou o jornal e lançou um olhar guloso para a mesa de café.
Num instante consumiu três pãezinhos. E também não demorou a esvaziar o bule de
café. Nesse instante Rhodan voltou — sem o jornal.
— Ligue-me com o redator-chefe do jornal, Bell.
— Com muito prazer — respondeu o gordo.
A ligação foi completada num instante. Bell cedeu o lugar para Rhodan.
— Correio Terrano, redator-chefe — respondeu o jornal.
— Bom dia — disse Rhodan. — Gostaria de fazer um pedido. Será que o senhor
poderia transmitir imediatamente, o texto integral da série “A Guerra que não É
Nenhuma Guerra?”
Talvez o redator-chefe esperasse outra coisa quando soube que o Administrador
Geral queria falar com ele. Talvez se deixasse enganar pelo tom amável em que Rhodan
formulou o pedido. A imagem projetada na tela mostrou que o redator-chefe se sentiu
lisonjeado.
— Senhor, permita que lhe pergunte a quem devo transmitir a série.
— Diretamente a mim. E se possível, logo. Esperarei.
— Só demorará meio minuto, senhor.
A imagem projetada na tela tremeu quando o redator-chefe transferiu a ligação.
Rhodan fitou Bell, que não tirava os olhos da tela.
O texto do segundo artigo da série foi transmitido.
Deslizou pela tela, linha após linha.
No lugar mais interessante teve início o terceiro artigo.
Bell tamborilou na escrivaninha. Perry Rhodan mantinha-se imóvel e lia.
Quarto, quinto e sexto artigos. Efeito conjugado de natureza parafísica. Inversão da
polarização da estrutura energética do molkex. Nova alusão a uma fonte digna de
confiança. Uma insinuação cautelosa de que o Império possui uma arma capaz de romper
as blindagens de molkex das naves dos blues.
Depois da última linha, o rosto do redator-chefe voltou a aparecer. Então Rhodan
falou:
— Senhor redator-chefe, a série “A guerra que não É Nenhuma Guerra” de forma
alguma corresponde, nem mesmo aproximadamente, aos fatos. Posso pedir-lhe que me
forneça o endereço do informante digno de confiança?
O redator-chefe do Correio Terrano, que já ocupava esta posição há mais de dez
anos, não esperara coisa diferente. Os homens de governo costumavam reagir desta forma
sempre que não queriam que alguma coisa chegasse ao conhecimento do público. Mas no
caso, o redator-chefe estava cometendo um erro. Perry Rhodan não era um homem de
governo igual aos outros.
— Senhor, infelizmente vejo-me obrigado a invocar o dever de sigilo — disse.
— Muito obrigado — respondeu Rhodan e desligou.
— Eu teria dito outra coisa a esse sujeito — gritou Bell em tom violento. — Esta
molecagem representa uma ameaça à segurança do Império. Ou será que você acredita
que os gatasenses não terão conhecimento desta série?
— Para isso eu teria de confiar demais na sorte, gorducho. Mas o que quer que eu
faça? Que tome uma atitude ditatorial? Nem penso nisso. A série foi redigida de forma
tão hábil, misturando um pouco de verdade com uma salada pseudocientífica, que nem
sequer temos base para aplicar o artigo 465 da Constituição.
O gordo ficou ainda mais nervoso.
— Quer dizer que você não vai fazer nada para acabar com o abuso? Pelo amor de
Deus! Vamos provocar os gatasenses para que nos ataquem? Deixe-me falar pelo video-
fone.
Rhodan continuou sentado.
— O que pretende fazer? — perguntou.
— Quero falar com a tal de Evyn Moll, ou sei lá como é o nome dessa jornalista.
— Espere a volta de John Marshall, Bell. Talvez ele nos possa dizer quem é a tal
fonte digna de confiança...
— Para este vamos aprontar uma boa! — disse Bell. — Está bem. Ainda podemos
esperar algumas horas.
— Preciso ir ao escritório — disse Rhodan. — Dentro de alguns minutos devo
receber o relatório de Atlan sobre a situação na frente de interceptação.
Saíram juntos das peças residenciais. Mais um dia de trabalho acabara de ter início.
2

O ara Pa-Done e o especialista em hipergravitação Taylor juntaram as cabeças.


Estavam trancados no escritório há algumas horas e durante as mesmas quase haviam
supersaturado o pequeno computador com tarefas. O pequeno aparelho impotrônico era
sua última esperança de dar um passo adiante na tarefa em que estavam empenhados.
Estavam esperando os resultados. Acreditavam que poderiam conversar um pouco.
— Pa-Done, quais serão os resultados de nosso trabalho? Acredita que
conseguiremos alguma coisa sem dispor do molkex puro?
Alguém bateu à porta. Os dois entreolharam-se um tanto contrariados. Haviam
avisado todos os setores de que em hipótese alguma deveriam ser perturbados.
Será que acontecera alguma coisa que justificava a perturbação?
Taylor levantou-se e abriu a porta.
— Ah, é o senhor — disse, esticando as palavras, assim que reconheceu Tyll
Leyden.
— Sim, sou eu. Taylor, vim para lhe dizer que o hipertron por nós construído não
existe mais. Explodiu há poucos minutos. Começou no acelerador de campo magnético.
Houve uma linda reação em cadeia, porém mal tivemos tempo de sair da sala. Lá dentro é
uma confusão tremenda. Sua tese da hipergravitação do hormônio B é falsa. Fale logo
com Terrânia, para que nos enviem um dos grandes hipertrons e alguns milhares de
toneladas de molkex puro. Estou interessado no efeito drive.
Horace Taylor perdeu a calma que até então o distinguira nas funções de chefe de
equipe.
— Eu o preveni em tempo, colega. Disse várias vezes que essa maldita mania de
construir máquinas acabaria em desastre. O senhor não quis me ouvir. Ainda hoje
solicitarei sua exclusão de nossa equipe.
As palavras nervosas de Taylor não impressionaram Tyll Leyden.
— Fique à vontade, colega. O chefe é o senhor, não eu. Queira desculpar...
Retirou-se. Taylor fechou ruidosamente a porta.
— Que toupeira! Por que será que a Administração me enviou este homem? Pa-
Done, o senhor já o viu trabalhar alguma vez?
O ara não parecia nem um pouco abalado.
— Pense na resposta que recebi de mister Bell, quando falei em Tyll Leyden —
disse.
— Parece que em Terrânia gostam muito dele.
— Acontece que eu não gosto. Na equipe ninguém gosta. Pela grande Via Láctea...
a impotrônica está falhando!
Tyll Leyden estava esquecido. Os dois homens interessaram-se unicamente por seu
trabalho, mas tiveram de confessar que seus cálculos estavam errados.
O hormônio B continuava a não permitir que tivessem uma visão de sua vida
atômica interna.
— E agora? — perguntou o ara em tom de desespero.
Antes que Taylor pudesse responder, alguém bateu à porta.
— Se for Leyden de novo... — disse Taylor em tom ameaçador e abriu a porta.
Não era Leyden, mas o assistente de Taylor, que ficou parado na porta, com um
jornal na mão.
— O que houve? Não dei ordens expressas para que não fôssemos perturbados?
— Infelizmente não pude deixar de incomodá-lo, mister Taylor — objetou o
assistente.
— Acabamos de receber a edição em fac-símile do Correio Terrano. Acho que o
artigo da página três interessa ao senhor. Por favor, o senhor não pode deixar de tomar
conhecimento disto.
— Passe para cá! — disse Taylor, bastante contrariado, e passou a ler juntamente
com Pa-Done p artigo que trazia o título “A Guerra que não É Nenhuma Guerra”.
Ao terminar, Taylor bateu furiosamente em cima do jornal.
— Aqui se fala em Aralon. Esta jornalista ávida de sensacionalismo está convidando
os blues a caírem em cima de Aralon com seus gigantes de molkex. Isso é alta traição! E
uma traição que transforma os cientistas em alvo dos ataques.
De repente, uma explosão surda sacudiu o nível 912. Depois do estouro veio uma
forte onda de pressão. Taylor e Pa-Done viram a porta que dava para o corredor ser aberta
violentamente. Depois o vento entrou na sala, arrastando chapas de plástico e folhas de
papel.
No mesmo instante soou o alarme.
Robôs passaram correndo. Os dois cientistas seguiram-nos. Não chegaram longe.
Portas arrancadas, chapas de plástico e folhas de papel estavam espalhadas pelo corredor
e bloqueavam a passagem. Densas nuvens de fumaça cinzenta foram envolvendo todo o
ambiente. Homens saíram delas, tossindo fortemente, e procuraram colocar-se em
segurança.
— O que aconteceu? — gritou Taylor para eles.
— Leyden andou fazendo experiências com o H2O2... o hormônio B...
— Leyden deixou acontecer um choque hipergravitacional — exclamou outro.
Taylor e Pa-Done também tiveram de recuar diante das densas nuvens de fumaça.
Ficaram bem encostados à parede, para dar passagem a um grupo de robôs que se dirigia
ao local do acidente.
Mais um homem fugiu da fumaça. Era Tyll Leyden, astrônomo e físico, objeto
principal das preocupações de Horace Taylor.
— Leyden! — gritou Taylor.
Leyden estava enfrentando um acesso de tosse. Enxugou as lágrimas. Suas roupas
estavam rasgadas.
— Venha comigo, Leyden! — gritou Taylor.
Um grupo de trinta homens, formado por aras e terranos, procurou detê-los.
Gesticulando com os braços, Taylor recusou-se a responder às perguntas que foram
formuladas. Não sabia de nada. A contragosto os colaboradores abriram caminho para os
três homens.
No fim do nível intermediário 912, os escritórios e laboratórios continuavam
intactos. Os três homens entraram na primeira sala.
Taylor colocou-se à frente de Tyll Leyden como se fosse um juiz.
— Queira apresentar seu relatório!
Leyden estava enxugando as últimas lágrimas.
— Não tenho muita coisa para dizer, colega. Sua tese é falsa. Minha antítese
também não é verdadeira. Os fragmentos voaram em torno da minha cabeça. Ainda bem
que isso aconteceu. Vou escrever meu relatório. Entregá-lo-ei dentro de duas horas, mas
antes preciso ir ao posto médico.
Retirou-se.
Tyll Leyden não andou muito depressa.
Pa-Done sacudiu a cabeça. Taylor fitou-o com uma expressão indagadora.
— Não posso deixar de me lembrar o que o senhor Bell me disse sobre seu colega
Tyll Leyden — disse o ara. — Mas um ponto despertou minha curiosidade. O que será
que Leyden quis dizer quando afirmou que a tese do senhor é falsa, e a antítese dele
também?
— Por que pergunta a mim, Pa-Done? Acha que tenho a menor idéia? Pela grande
Via Láctea! Este homem me custará os últimos nervos e alguns milhões de solares ao
governo, se continuar a explodir os laboratórios com suas experiências.
***
Quando a ligação foi completada e o redator-chefe disse que queria falar com Evyn
Moll, para comunicar-lhe que Rhodan, o Administrador Geral, aguardava sua visita
imediata, a moça não estava presente.
Dali a alguns minutos entrou no escritório, que dividia com McCormick. Este
recebera o recado.
— Quer que vá falar com ele? — perguntou um tanto sobressaltada. — Por que
será?
Evyn Moll não sabia que na manhã daquele dia Perry Rhodan tinha falado com o
redator-chefe.
McCormick disse que sentia muito.
— Preferi não perguntar, senhorita Evyn, mas se não estou muito enganado, isso
tem alguma relação com seu artigo.
Evyn ficou cada vez mais confusa e perplexa.
— Como deverei comportar-me diante dele, McCormick? Meu Deus, se tivesse
previsto isso não teria escrito uma linha sobre a água oxigenada. Nem uma linha!
McCormick chegou perto dela.
— Calma, senhorita Evyn — disse em tom paternal. — As coisas não devem estar
tão ruins como parecem. Mas gostaria de dar-lhe um conselho. Em hipótese alguma
revele sua fonte de informações, pois isso seria o fim de sua carreira jornalística. Nem
mesmo Perry Rhodan tem poder para obrigá-la a fazer essa revelação — nem ele, nem
qualquer juiz. Então?
Piscou o olho para ela e prosseguiu:
— E agora faça-se bem bonita, sente num planador e vá à Administração Geral.
Dentro de uma hora tudo terá passado. É possível que nos estejamos preocupando à toa.
Mas Evyn Moll não se acalmou tão depressa. Seus olhos exprimiam medo.
— E se as informações de Bill não foram corretas, McCormick?
— Ora essa — disse o velho McCormick, que passou a assumir integralmente o
papel de pai. — Que motivo teria seu amigo para fornecer-lhe informações falsas? O
simples pensamento é um absurdo, não é mesmo, Evyn?
Evyn fez um gesto forçado com a cabeça, mas não conseguiu livrar-se do medo.
A viagem para a Administração Geral foi um martírio.
Uma vez lá, um robô aproximou-se dela e perguntou em tom amável:
— Miss Evyn Moll?
Evyn fez um gesto afirmativo, e o robô pediu:
— Acompanhe-me. Perry Rhodan, o Administrador Geral, está à sua espera.
Evyn sentiu o coração bater furiosamente. Acompanhou automaticamente o
homem-máquina através de várias salas. Mais uma porta abriu-se, e de repente viu-se
diante do homem que atendia pelo nome de Perry Rhodan.
Os olhos cor de aço fitaram-na ligeiramente. Perry cumprimentou-a com um ligeiro
aceno de cabeça.
— Senhorita Moll? Faça o favor de sentar. Fico-lhe muito grato por ter atendido tão
depressa ao meu pedido.
Evyn poderia ter esperado tudo, menos uma recepção tão amável. Dirigiu-se na
direção para o qual Rhodan apontara com um gesto ligeiro e deixou-se cair numa
poltrona, enquanto o Administrador Geral sentava à sua frente.
— Senhorita Moll — principiou Rhodan tranqüilamente. — Já conheço o texto
integral de sua série de artigos, e também sua fonte de informações. Não é necessário que
a senhora a indique. Depois que soube quem lhe forneceu o material, compreendi por que
um jornal como o Correio Terrano, que costuma verificar cuidadosamente a veracidade
das notícias sensacionais que publica, acabou sendo vítima de suas informações
incorretas.
— Informações incorretas, senhor? — balbuciou Evyn Moll.
Rhodan fitou-a com uma expressão séria.
— Um momento, por favor.
Lançou um olhar para uma porta lateral, que logo se abriu.
Bill Ramsey, tenente da Frota Espacial, entrou pela mesma.
— Já se conhecem, não é mesmo? — disse Perry Rhodan. — Podemos dispensar as
apresentações.
Outro homem entrou atrás de Bill. Os olhos de Evyn ficaram ainda mais
arregalados.
Era o cavalheiro que na manhã daquele mesmo dia lhe dirigira a palavra no
corredor, perto de seu escritório. Identificara-se como representante de uma agência de
notícias e lhe fizera uma proposta indecorosa. Queria que ela colhesse outras informações
da mesma fonte para sua agência.
E agora Perry Rhodan tratava este mesmo homem pelo nome de John. O mesmo
movimentava-se com uma naturalidade que levava à conclusão de que já estivera muitas
vezes nesta sala.
— Muito bem — prosseguiu Rhodan, enquanto o homem que atendia pelo nome de
John providenciava mais duas cadeiras sobre as quais os dois se acomodaram. —
Estamos reunidos para extrair o melhor resultado possível para todos de uma situação
perigosa. Senhorita Moll, chegou a informar o Tenente Ramsey de que suas informações
estavam sendo gravadas em fita?
A jornalista teve a impressão de que o chão estava cedendo sob seus pés. Bill
Ramsey empertigou subitamente o corpo e fitou Evyn com uma expressão de pavor.
O homem que atendia pelo nome de John era um observador muito atento.
Fez uma transmissão telepática para Perry Rhodan.
— Era o que eu imaginava, chefe. Trata-se de um caso de amor.
— O que foi que você fez, Evyn? — perguntou Bill Ramsey em tom penetrante.
— Por que usa esse tom, tenente? — reclamou Rhodan. — Ontem de noite ouviu
quando o gravador que a senhorita Moll trazia na bolsa se desligou.
— Senhor, eu... eu...
Rhodan interrompeu a fala balbuciante do tenente, voltando a dirigir-se à jornalista
— que continuava desesperada.
— A senhora entrou em contato com o Tenente Ramsey, que é seu amigo íntimo,
para obter certas informações. De início mostrou-se mais amável que de costume. E o
senhor, tenente — voltou a fitar Bill Ramsey, que só tinha um desejo: sair dali o quanto
antes. Desconfiou, no desenrolar da conversa, de que estava sendo usado como fonte de
informações e resolveu inventar uma história para a jornalista.
“Foi assim que surgiu a série ‘A Guerra que não É Nenhuma Guerra’. Hoje de
manhã o Correio Terrano publicou o primeiro artigo da série. A tiragem do Correio é de
quarenta e oito milhões de exemplares, sem contar as edições em fac-símile publicadas
em oitenta e sete planetas.
“A série, se o senhor não sabe, representa um ato de alta traição.
“Tenente Ramsey, o senhor transmitiu a informação de que em Aralon estão sendo
realizadas pesquisas com o hormônio B. Isso...”
Desesperado, Ramsey atreveu-se a interromper Perry Rhodan.
— Senhor — disse — juro que... que só disse isso por acaso.
— É verdade, Chefe. — transmitiu John Marshall, que lia nos pensamentos de
Ramsey e da senhorita Moll como num livro aberto.
— Tenente, pouco importa que o senhor tenha dito isso ao acaso, conforme procura
dizer agora para desculpar-se. O fato é que violou as normas segundo as quais é proibido
revelar qualquer coisa sobre os acontecimentos no sistema de Vagrat.
— Senhor — procurou defender-se o tenente, que neste ponto se sentiu
injustamente atacado — nunca tive conhecimento desta norma.
— Ele está dizendo a verdade, John? — perguntou Rhodan, fazendo uso de sua
capacidade telepática relativa.
— Está convencido de que é verdade. É possível que ainda consiga descobrir... Está
pensando nisso. Sua nave saiu do sistema de Vagrat antes do tempo, em virtude de um
defeito mecânico. Por isso Ramsey alega não ter tido conhecimento dessas normas. É
fácil verificar. Sua nave encontra-se num estaleiro lunar.
A transmissão de pensamentos só demorou uma fração de segundo. A conversa
praticamente não sofreu nenhuma interrupção.
— Admitindo que sua alegação seja verdadeira, tenente, o senhor ainda assim é
culpado, porque como membro da Frota Solar não poderia transmitir informações falsas.
Bill Ramsey já estava um pouco mais calmo. Já não se sentia muito culpado, mas
não estava satisfeito com a situação em que Evyn e ele se encontravam.
— Reagi da mesma forma que qualquer outro homem teria reagido na mesma
situação — disse. — Apesar do gravador que a senhorita Moll tinha na bolsa, apesar de
seu estranho interesse por certas coisas pelas quais não costumava interessar-se nem um
pouco...
— Não quero contestar isso, tenente — interrompeu Rhodan. — Mas nem o senhor
nem a senhorita Evyn pode negar que ambos são culpados de uma situação perigosa que
temos de enfrentar. As chamadas informações que o senhor transmitiu não passam de
criações de sua fantasia, tenente. A Frota Solar não possui qualquer arma capaz de
destruir as blindagens de molkex. Sabe o que significa sua série diante desse fato,
senhorita Moll?
— Significa uma coisa excelente — exclamou Bill Ramsey em tom impulsivo,
antes que Evyn Moll tivesse tempo de responder. — A série representa um blefe que não
poderia ser mais eficiente, senhor. Depois da série de artigos publicados no Correio
Terrano, os pêlos-azuis só podem acreditar que o Império realmente dispõe de uma arma
capaz de destruir o molkex. A prova disso não foi feita no sistema de Vagrat, com a
destruição de uma nave gigantesca dos blues?
O tenente acreditava que com estes argumentos poderia livrar-se das complicações,
juntamente com Evyn.
Perry Rhodan deixou que concluísse. Ele mesmo já tivera idéias semelhantes, antes
que Ramsey e a jornalista aparecessem à sua frente.
— O blefe será reconhecido como tal no momento exato em que nosso estoque
insignificante de H2O2 estiver no fim. Poderia dizer como sustentar o blefe com os oito
foguetes de H2O2 de que ainda dispomos?
— Destruindo com um certo intervalo as blindagens de oito naves dos blues, e
deixando-as escaparem. Neste meio tempo nossos cientistas devem encontrar um meio de
descobrir uma forma de estabilizar a água oxigenada.
— É isso... — os pensamentos de Rhodan já pareciam vagar ao longe. — Muitas
vezes o leigo imagina que as coisas se passam assim. Confia-se uma tarefa aos cientistas,
estes dormem três noites sobre a mesma e oferecem a solução. Para os cientistas não se
pode fixar nenhum prazo, tenente. E se esperamos que eles nos apresentem resultados,
também temos de providenciar as condições necessárias para um trabalho bem-sucedido.
Com suas fantasias o senhor agravou a situação a tal ponto que não poderá furtar-se a
prestar sua contribuição para remover o perigo iminente.
— Daqui a três horas decolará o cruzador ligeiro da classe “Cidade” Babota. A
tarefa da nave consiste na coleta de certa quantidade de molkex puro. Avisarei
imediatamente o comandante, Major Etele, de que o senhor foi destacado para o comando
de coleta.
E Rhodan finalizou dizendo:
— O senhor sabe o que espero do senhor, tenente. Faça o que estiver ao seu alcance,
e esquecerei seu procedimento, mesmo que este traga certas conseqüências.
E voltando-se para a bela jornalista:
— Muito obrigado pela visita, senhorita Moll.
Evyn estremeceu. Sua raiva por Bill, que a enganara com as chamadas
“informações”, já tinha desaparecido. Evyn reconheceu que o comportamento que
assumira para com Bill tinha dado causa à evolução catastrófica dos acontecimentos. E
agora Bill era destacado para um comando-suicida, para pagar parte dos erros que ela
cometera.
Seu senso de justiça bastante desenvolvido manifestou-se.
— Dê-me uma chance, senhor — disse, dirigindo-se a Rhodan, que já se levantara.
O Administrador Geral fitou a jovem com uma expressão de espanto. Depois olhou
para John Marshall, que transmitiu uma mensagem telepática: “Ela quer uma permissão
para acompanhar a viagem da Babota”.
— Qual seria a chance, senhorita Moll? — perguntou Rhodan como quem não sabe
de nada.
— Peço permissão para acompanhar a missão da Babota! — disse Evyn, com uma
expressão de súplica nos olhos escuros.
Por mais contrariado que estivesse, Rhodan não pôde deixar de sorrir.
— Infelizmente o Regulamento da Frota me impede de dar essa permissão.
— Que pena — disse Evyn Moll e abaixou a cabeça.
John Marshall preferiu não penetrar em seus pensamentos.
Evyn foi saindo atrás de Bill Ramsey. Na porta, virou-se.
— E a série, senhor? — perguntou.
— Pode continuar a ser publicada, senhorita. Talvez tenha seu lado bom, acalmando
os homens que habitam o Império.
Rhodan voltou a cumprimentá-la com um movimento da cabeça e viu-a sair. Assim
que a porta se fechou, olhou para John Marshall, que apresentou seu relato.
— É um encadeamento de circunstâncias adversas, chefe. Não me atreveria a dizer
qual dos dois carrega a maior parcela de culpa, mas acho que temos motivo para
perguntar se a cada minuto não acontecem conversas semelhantes entre namorados.
— Será? Se for assim, certamente não haverá nenhum gravador escondido. Mas o
que conseguiríamos se chamássemos a jornalista a juízo? John, verifique se a tripulação
da nave de Ramsey realmente não teve conhecimento da proibição de revelar qualquer
coisa sobre os acontecimentos que se desenrolaram no sistema de Vagrat.
Dentro de alguns minutos a afirmação do Tenente Ramsey foi confirmada: o
comandante da nave comunicou que nunca recebera as citadas instruções.
— Vamos encerrar o assunto — disse Rhodan. — O tenente pagará o preço justo
por sua fanfarronice. Arranjar molkex puro não será nenhum prazer.
***
A equipe à qual pertencia Tyll Leyden mudou-se para o nível intermediário 920. As
salas do nível 912 que até então vinham sendo utilizadas precisavam, em sua maioria, de
instalações inteiramente novas.
Graças à medicina altamente desenvolvida dos aras, os ferimentos de Leyden foram
curados dentro de vinte e quatro horas. Apesar dos aspectos desagradáveis do processo de
cura, escreveu o relatório solicitado por Horace Taylor e voltou a dedicar-se ao trabalho.
Taylor ignorava a presença do jovem astrônomo e físico, obrigando Leyden a
procurar sua própria tarefa. Os colegas evitavam-no. Ainda sentiam o choque das duas
explosões.
Mais uma vez Taylor estava sentado à frente de Pa-Done. Ambos acabavam de
estudar o relatório resumido. Nele lia-se, entre outras coisas, o seguinte:

“A afirmação de Taylor, de que a transmissão de impulsos da


quinta dimensão realizada pelo hormônio B natural está ligada a um
choque hipergravitacional não pode corresponder à verdade, já que o
fenômeno de superposição dos grupos atômicos do hormônio B não
reage aos choques dessa espécie. Os núcleos continuam a emitir
hiperpartículas que, segundo se afirma, formam, com toda
probabilidade, uma hiperconstante.
“Minha opinião, de que esta hiperconstante poderia identificar-se
com algum fenômeno observado no suprahet, também se revelou
errônea.
“Durante as experiências, que tinham por fim aumentar a
atividade da mistura de H2O2 em relação ao seu grau de estabilização
estrutural, foi desencadeado de forma surpreendente um processo de
decomposição atômica. Como a maior parte da energia liberada foi
absorvida pelo hiperespaço, a explosão não trouxe conseqüências mais
graves. Devemos lamentar a destruição de todos os documentos,
inclusive do cérebro impotrônico.”
O terrano e o ara entreolharam-se com uma expressão indagadora.
— Sabe o que Leyden tentou conseguir, Taylor? — perguntou o ara com certa
perplexidade, uma vez concluída a leitura do relatório.
— O senhor não poderia contar, Pa-Done? — indagou o especialista em
hipergravitação em tom mordaz. — É um relatório inacreditável. A simples maneira pela
qual Leyden afirma que minha tese é falsa constitui uma insolência. Ele me força a
provar que sabe muito pouco. Seria bom que este físico se limitasse aos seus
conhecimentos de física e não nos explodisse um pavimento após o outro. Então, Pa-
Done, o que acha desse relatório? Gostaria de conhecer sua opinião.
O ara balançou a cabeça. Voltou a lembrar-se do que Reginald Bell lhe dissera a
respeito de Tyll Leyden.
— De acordo com meu sentimento, Leyden sabe muito mais do que revela em seu
relatório. Entendo muito pouco de sua área, Taylor, para ser considerado competente na
mesma, mas tenho a impressão de que das palavras do relatório de Leyden posso dizer
que o mesmo aprendeu muito com as explosões...
— Aprendeu bastante para não meter mais o nariz naquilo? É o que o senhor quer
dizer?
— Não, Taylor. Suponho que com estas explosões Leyden tenha adquirido
conhecimentos muito importantes.
— É o que o senhor deduz desse relatório insolente, Pa-Done?
— Não acho que sua redação seja tão insolente, Taylor — objetou o médico
galáctico; as observações de Taylor deixaram-no um tanto aborrecido. — Leyden não
poupa a si mesmo, da mesma forma que não poupa o senhor. Não podemos deixar de
reconhecer isso. Neste ponto lembro-me de que logo depois da segunda explosão Leyden
disse: “Sua tese é falsa, minha antítese também”. Gosto desse tipo de franqueza num
colega.
— Mesmo em relatórios desse tipo? — Taylor não conseguia acalmar-se.
Neste ponto a conversa foi interrompida por dois aras. Havia um brilho de triunfo
nos olhos dos médicos galácticos. Puderam anunciar que a produção do hormônio B
sintético já fora iniciada na primeira linha de produção.
Os médicos galácticos se haviam desincumbido da tarefa quatro dias antes do prazo
marcado. O hormônio artificial passara por todos os testes. Não se distinguia da
substância natural na área dos efeitos fisiológicos especiais, na das reações químicas e
nas características biofísicas. Mas não podia comparar-se com o hormônio B natural,
porque não produzia qualquer efeito parafísico.
Os aras esperavam que nos três dias seguintes entrasse em funcionamento mais uma
dúzia de linhas de produção de hormônio B. No fim da semana a produção da substância
chegaria a cinco toneladas por hora standard.
— Ainda morreremos afogados nesse hormônio — gemeu Horace Taylor, que sabia
perfeitamente que sua equipe ainda se encontrava muito longe da solução do problema de
conferir uma supercarga de quinta dimensão ao hormônio B artificial, que, através da
mesma, ele se tornaria igual ao hormônio natural.
Saiu bastante contrariado do nível 880, no qual só trabalhavam aras. Mergulhado
em suas preocupações, atingiu o nível intermediário 920, foi caminhando muito distraído
pelo corredor, não ouvia nenhum cumprimento nem ouvia ninguém. De repente recuou
apavorado. Perto dele a parede arrebentou com um estrondo, e alguma coisa passou rente
à sua cabeça.
A porta do laboratório mais próximo abriu-se abruptamente. Um homem saiu
correndo pela mesma. Não viu Horace Taylor. Só viu o buraco do outro lado do corredor.
Colocou-se à frente do mesmo e disse em tom pensativo:
— Um elemento de apoio! Foi um elemento de apoio que deteve esta coisa do
inferno.
— Quase bateu em minha cabeça! — berrou Taylor para Tyll Leyden, pois não era
outro senão o próprio que se encontrava à sua frente.
Leyden virou-se calmamente.
— É mesmo? — perguntou com a maior ingenuidade. — Pelo menos há um
consolo. Os robôs estão chegando. O sistema de alarme dos aras é excelente.
Taylor aproximou-se em atitude ameaçadora.
— Poderia informar em que está trabalhando sem ordem de ninguém, colega?
Os olhos de Tyll Leyden chamejaram num brilho instantâneo, que logo desapareceu.
— Posso — respondeu em tom seco. — Mas antes disso quero fazer uma pergunta.
Por que não me atribuiu nenhum serviço? Será que temos tanto tempo para perder,
colega?
O rosto de Taylor assumiu a cor da púrpura.
— A partir deste momento proíbo-lhe qualquer experiência, qualquer atividade com
o neo-molkex. Apresente-se imediatamente em meu escritório.
— Como queira, colega — respondeu Leyden com a maior tranqüilidade.
A seguir transmitiu as necessárias instruções a quatro robôs que aguardavam ordens.
Os dedos de aço das máquinas agarraram o neo-molkex, que não ficou sossegado nem
mesmo no interior do orifício, e logo os prendedores de aço fecharam-se em torno dos
ângulos do bloco de substância. Leyden não via mais outra coisa senão a atividade dos
robôs. Sua respiração tornou-se um pouco mais leve quando viu que começavam a
controlar o material.
— O efeito drive — disse de si para si, quando voltou a entrar em seu laboratório
atrás dos robôs. Havia um enorme buraco na parede, e foi dali que o neo-molkex tentou
escapar-lhe.
Deu novas instruções aos homens-máquina. Mandou guardar a substância no
mesmo lugar em que estivera guardada antes. Feito isso, deu ordem para consertar a
parede. Depois foi ao escritório de Horace Taylor, chefe de sua equipe.
Estava curioso para saber que espécie de trabalho seu colega lhe daria.
3

O comando de coleta embarcado no cruzador ligeiro Babota era formado por quatro
oficiais e trinta homens, que só tinham viajado na espaçonave para, no destino, recolher e
carregar na nave certa quantidade de molkex puro.
Os quatro oficiais ficaram espantados quando o Tenente Bill Ramsey se apresentou.
— Não houve algum engano? — perguntaram, pois não tinham sido avisados de sua
chegada.
A designação para embarcar na Babota representava uma punição, mas Bill Ramsey
transformou a mesma numa missão especial.
Nem pensou em esclarecer a verdadeira situação. Não era provável que o Major
Eyko Etele falasse sobre a punição. O terrano colonial ao qual se apresentara ligeiramente
estava ocupado com os preparativos da decolagem e mal tivera tempo para ouvir suas
palavras.
Bill Ramsey dirigiu-se ao camarote que lhe fora destinado e foi tirando seus objetos
de uso particular.
A Babota ergueu-se do solo no momento previsto, atravessou o Sistema Solar em
alta velocidade e seguiu a rota que a levaria para a perigosa concentração de Hiesse.
Tratava-se, como se sabe, de uma pequena aglomeração de estrelas, formada por 49
sóis, que não gozava de uma fama muito boa entre os cosmonautas terranos. Ficava no
centro da Galáxia, a 57.615 anos-luz da Terra. Todos os comandantes que já tinham
conduzido suas naves entre os sóis dessa concentração sabiam relatar situações
perigosíssimas. Na área do sistema eram encontrados incríveis campos gravitacionais e
hiperenergéticos. Além disso, uma radioestrela invisível, pertencente ao grupo dos sóis
proibidos, em torno dos quais as naves terranas deviam dar uma grande volta, tornava as
condições ainda mais difíceis.
Mas ao contrário do cruzador da classe “Cidade” Kostana, destruído em Labin-3,
situado nesta concentração de estrelas, quando acabara de descarregar o terceiro verme
do pavor, a Babota já dispunha de excelentes mapas estelares, nos quais estavam
registrados também os campos de perturbação com as respectivas intensidades. Apesar
disso, qualquer vôo no interior da concentração representava uma ação arriscada. Quanto
à Babota, ainda acontecia que há semanas nenhuma nave do Império tinha aparecido na
concentração. Por isso tinham de contar com a possibilidade de encontrar naves dos
blues, com o que a tarefa de arranjar molkex se tornaria impossível.
O Major Etele conhecia estas circunstâncias, mas isso não abalou o terrano colonial
de pele negra. Conhecia as reservas de potencial de sua nave e, o que era mais
importante, confiava em sua excelente tripulação. Por isso mesmo aceitara, com certa
satisfação e um pouco de orgulho, a tarefa de procurar o molkex em sua forma pura, de
que o Império tanto precisava.
Há três dias uma espaçonave vinda de Tombstone, o mundo dos vermes do pavor,
trouxera a notícia de que em Labin-1 os gafanhotos córneos acabavam de sair dos ovos.
Certamente a maturação prematura fora causada pelas radiações hiperenergéticas dos
aparelhos hipergravitacionais instalados neste mundo de oxigênio, desabitado.
As instruções recebidas por Eyko Etele mencionavam expressamente que os
gafanhotos, que se subdividiam rapidamente, emitiam fortes impulsos
hipergravitacionais, que provavelmente eram acusados pela aparelhagem especial dos
gatasenses. Além disso, as instruções diziam que apesar desse risco a missão tinha
possibilidades de êxito, já que no momento o exército de gafanhotos córneos existente em
Labin-1 ainda era relativamente pequeno, motivo por que os impulsos capazes de trair
sua presença deviam ser pouco intensos.
Ao ler esta passagem, Etele lembrou-se involuntariamente da loteria do Império, na
qual jogava há dez anos, sem nunca ter sido premiado.
A missão era e continuaria a ser uma corrida contra o tempo. Qualquer coisa que
atrasasse a nave não só poria em risco o êxito da missão, mas também poderia contribuir
para a destruição da Babota e de sua tripulação. No momento em que os hiperimpulsos
emitidos pelos gafanhotos se tornassem bastante intensos para serem detectados com os
instrumentos dos blues, as naves de molkex apareceriam com certeza.
Os impulsos vindos deste sistema não poderiam deixar de alarmar os blues, pois não
tinham conhecimento de terem colocado um verme do pavor em estado de maturação
nesta área. Este fator de risco não foi negligenciado. Rhodan consultara os especialistas a
este respeito. Depois de um cuidadoso estudo das condições reinantes na pequena
concentração estelar, os mesmos afirmaram que era bastante provável que em virtude das
condições físicas ali reinantes houvesse uma superposição e um falseamento parcial dos
hiperimpulsos emitidos pelos temíveis gafanhotos. Mas, como eram bastante cautelosos,
acrescentaram que havia a possibilidade de um engano.
O Major Etele também tinha conhecimento do plano já abandonado de trazer
molkex do sistema solar de Verth. Os cruzadores de reconhecimento fizeram perigosas
incursões entre os 14 planetas do sol gigantesco Verth e constataram a presença de
poderosos grupos de naves de molkex. Qualquer tentativa de apoderar-se pela força do
material de que tanto se precisava estava condenada ao fracasso, uma vez que não se
possuía qualquer arma capaz de destruir a blindagem de molkex das naves dos blues.
A notícia trazida por uma nave do Império, de que os gafanhotos córneos haviam
saído dos ovos em Labin-1, provocou uma verdadeira tempestade de entusiasmo no
planeta Terra. Diante dessa notícia foi ordenado o vôo da Babota para a concentração de
Hiesse.
O terrano colonial negro Etele estava plenamente convencido de que voltaria à Terra
com uma carga gigantesca de molkex. Era um pouco supersticioso. “Enquanto não
ganhar na loteria”, vivia dizendo de si para si, “nada poderá acontecer a mim ou à
Babota”. Mas Etele teve o cuidado de não comunicar estes pensamentos a ninguém.
Não tinha muita coisa para fazer. Sua equipe de oficiais bem treinados cuidava das
operações de rotina. Naquele momento estava parado ao lado do imediato da nave e
observava alguns instrumentos que revelavam que a aceleração superior à da luz
desenvolvida por sua nave esférica crescia segundo os valores habituais. De repente, o
sistema de intercomunicação anunciou:
— Temos um passageiro clandestino, major.
Etele sobressaltou-se por um instante, mas logo soltou uma estrondosa gargalhada.
Era impossível que um passageiro clandestino conseguisse subir a bordo de uma
nave do Império. Os controles nas eclusas eram absolutamente seguros.
Mas sua gargalhada silenciou dentro de alguns segundos. Sempre apreciava uma
boa piada, mas a mesma devia corresponder à situação.
— Aqui fala o comandante! — berrou furiosamente para dentro do interfone — O
que significa essa piada fora de hora? Quem transmitiu isso?
— Aqui fala o sargento Ullong, major. Ullong, do depósito número treze. Acabo de
descobrir o passageiro clandestino. É uma mulher...
Etele sabia perfeitamente que estava fazendo a cara mais boba de toda a sua vida.
Mas isso não importava. Não podia conformar-se com o fato de que a bordo de sua nave
havia um clandestino — e ainda por cima uma mulher.
“Tomara que não seja um mau presságio”, pensou. Fitou o imediato. Estava
completamente confuso.
Este também não fez uma cara muito inteligente.
— Uma m-mulher? — gaguejou. — Temos uma mulher a bordo?
O piloto também não ficou em silêncio.
— Uma mulher a bordo, e logo agora quando vamos para a concentração de Hiesse?
Boa noite, mamãe Terra, nunca mais vamos rever...
Neste momento Eyko Etele deu-se conta de que era o comandante. Reconheceu
instantaneamente o perigo que havia atrás desta fala.
— Cale a boca! — berrou com sua voz de tenor.
Depois voltou a dirigir-se ao imediato.
— Assuma! Vou dar uma olhada em nosso passageiro clandestino. Era só o que
faltava... — o resto de sua fala não foi compreendido.
Etele saiu apressadamente da sala de comando. Tomou o elevador antigravitacional
e dirigiu-se ao depósito número treze. O sargento Ullong já estava à sua espera.
— Onde está ela, sargento?
— Está trancada, major. Fiquei sem saber o que fazer. Quase sofri um ataque.
— Ainda estou sofrendo — respondeu Etele em tom mordaz. Ele e o sargento
pararam na porta de uma câmara de materiais.
— Está aqui.
Ullong abriu a porta.
— Saia, senhorita! — gritou em tom furioso.
“Ainda está rindo”, pensou Etele, zangado. “E dentro de pouco tempo toda a Frota
vai rir de mim. Que diabo! Por que isso teve de acontecer justamente comigo?”
— Quem é a senhora? — perguntou em tom áspero.
Sem dizer uma palavra, a moça entregou-lhe sua carteira de identidade.
Os olhos quase saltaram da cabeça de Etele.
— Era só o que faltava! — gritou, apavorado.
“Além de ser uma mulher, o passageiro clandestino é uma jornalista”, pensou Etele,
examinando-a dos pés à cabeça.
“Além de tudo é bonita”, finalizou, mas isso não impressionou a ele, que era um
solteirão inveterado.
A moça olhou tranqüilamente os dois homens. Seus rostos zangados não fizeram
com que se sentisse insegura.
— Como conseguiu entrar na nave, miss Moll? — perguntou Etele, dando início ao
interrogatório.
— Será que sou obrigada a dar essa informação? — perguntou a moça com a maior
tranqüilidade.
— Isso é com a senhora. O tratamento que receberá a bordo dependerá do seu
comportamento. E é bom que saiba logo que se encontra a bordo de uma nave de guerra
que realizará uma ação suicida...
— Já sei — respondeu a moça em tom tranqüilo. — Concentração de Hiesse,
Labin-1, coleta de molkex.
Etele ficou surpreso.
— A senhora está muito bem informada. Mas garanto-lhe uma coisa. Sua ação não
compensará. O camarote que lhe será designado será o seu lar até que a nave volte a
pousar no porto espacial de Terrânia. Sua carteira de jornalista ficará retida, e a senhora
não sairá do lugar enquanto não tiver sido rev...
“Enquanto não tiver sido revistada”, era o que queria dizer.
Parou, perplexo. Estava diante de um problema insolúvel. Quem poderia revistar
esta jovem, à procura de uma arma? Ele não poderia fazê-lo, ninguém a bordo poderia. A
Babota era uma nave de guerra, não uma nave exploradora, na qual a presença de
mulheres entre os tripulantes não tinha nada de extraordinário.
Evyn Moll compreendeu as intenções do major. Procurou libertá-lo da situação
embaraçosa em que se encontrava.
— Major, dou-lhe minha palavra de honra de que não tenho nenhuma arma.
Não sabia se o major estava acreditando nela.
— Onde está sua bagagem?
Evyn não tinha bagagem.
“O que farei com ela?”, pensou Etele, desesperado. Sua missão não lhe permitia
voltar à Terra. E, como o tempo era muito escasso, não poderia dar uma volta para dirigir-
se à frota de interceptação e transferir a jornalista para outra nave. Por outro lado, não
estava disposto a levar Evyn para a concentração de Hiesse.
— Venha comigo! — disse, aborrecido. A moça não disse uma palavra.
Acompanhou-o ao elevador antigravitacional.
— Desça! — ordenou Etele assim que chegaram ao segundo convés.
O terceiro camarote da Babota costumava ser reservado para visitas importantes e
inesperadas. O comandante abriu a porta.
— Por favor!
Evyn Moll entrou. Etele parou na porta.
— A senhora não sairá daqui enquanto não for tomada uma decisão a seu respeito.
Fechou a porta, ativou a barreira positrônica que ficava do lado de fora e dirigiu-se
à sala de rádio.
A notícia de que havia uma mulher a bordo já se espalhara entre a tripulação. E o
sargento Ullong já comunicara pelo intercomunicador que a mulher era jovem e bonita,
tinha olhos em forma de amêndoa e era uma jornalista do Correio Terrano.
Etele ignorou os olhares indagadores do pessoal da sala de rádio.
— Quero uma ligação com Terrânia. Preciso falar com o Administrador Geral —
disse. — Ele ficará tão contente como eu fiquei. Façam a ligação por sua faixa particular.
Esta faixa só podia ser usada em casos de emergência.
Os aparelhos de hipercomunicação receberam seu suprimento de energia. O seletor
de freqüência regulou-se para a faixa especial. Terrânia respondeu e disse que
completaria a ligação com o Chefe.
A tela mostrava as figuras bizarras das ondas de hipercomunicação.
Etele esperou. Nem desconfiava de que alguns conveses abaixo do seu um tenente
chamado Bill Ramsey corria de um lado para outro em seu camarote, torcendo as mãos.
— Você me envergonha até a medula dos ossos! — exclamou. — Por que fui idiota
a ponto de encher a boca desse jeito? Que missão especial que me foi confiada pelo
Chefe em pessoa. Evyn, minha querida... Céu, bombas e bólidos, será que esta onda de
azar nunca termina?
Ao contrário dele, Eyko Etele acreditava que a onda de azar que atingira a Babota
mal tinha começado. Ainda estava aguardando a oportunidade de falar com Perry
Rhodan.
Finalmente o rosto do mesmo apareceu na tela.
O Major Etele apresentou-se da forma que estava acostumado quando se dirigia a
um superior. Numa única frase indicou a finalidade da viagem.
Rhodan acenou com a cabeça, dando a entender que já estava informado.
— Senhor, há poucos minutos descobrimos um clandestino a bordo. Trata-se de
uma mulher!
O tom em que transmitiu a informação falava por si. Mas sua raiva logo
desapareceu, quando o Chefe perguntou:
— Há uma mulher a bordo de sua nave, major? Por acaso não é a senhorita Evyn
Moll, do Correio Terrano?
Neste momento Etele seria capaz de jurar que o Chefe era um vidente.
— Sim, Chefe! É ela!
Nem se deu conta de ter-se exprimido de forma pouco apropriada.
— Muito bem... — disse Rhodan e esperou que Etele lhe fornecesse outras
informações.
— Tranquei-a num camarote de oficial. O que farei com ela a bordo? Não quer
dizer como conseguiu entrar na nave. Para mim isto é um mistério. O motivo de minha
chamada é perguntar se posso chamar uma nave da frota de interceptação e transferir a
moça para a mesma.
O Chefe pôs-se a refletir.
— O que quer que se faça, tudo isso consome tempo. Bem... essa dama não quer
contar como conseguiu subir a bordo? Já falou com o Tenente Ramsey sobre isso, major?
— Com quem, senhor? Com quem deveria ter falado? O Tenente Ramsey?
A perplexidade de Etele não poderia ser maior. Já não compreendia mais nada.
— Pergunte a ele, Etele. Quanto ao clandestino, só lhe posso dar um conselho.
Deixe-o trancado. Quando regressar à Terra, entregue-o à polícia da Frota do Império.
Acho que já está na hora de essa dama aprender que as normas são baixadas para serem
cumpridas. Obrigado pelo chamado. Boa viagem, major, e muito êxito.
Etele não teve tempo para despedir-se. Perry Rhodan encerrou a palestra pelo
hipercomunicador.
Etele olhou em torno. Ninguém parecia muito entusiasmado.
— Que bela perspectiva! — disse alguém.
— É isso! — confirmou Etele. — Hum...! — lembrou-se da sugestão do Chefe, que
recomendara interrogar o Tenente Bill Ramsey sobre a presença da jornalista. — Vou ter
uma conversa com ele!
Assim que acabou de proferir estas palavras, saiu à procura de Ramsey.
***
Horace Taylor não imaginou nada de bom quando viu o engenheiro Labkaus entrar.
Tyll Leyden pertencia ao grupo do mesmo. Se não quisesse provocar uma desgraça,
Taylor não faria perguntas. Ficaria na expectativa.
O engenheiro Labkaus era um dos especialistas da geração antiga. Era um cientista
que criara fama numa área complexa e era um dos especialistas mais célebres.
Labkaus foi-se acomodando lentamente. Era um homem sempre complicado,
inclusive no trabalho. Mas essa mesma complicação possuía uma vantagem enorme: em
seu setor dificilmente ocorriam erros.
Taylor armou-se de paciência.
— Então... — disse Labkaus, e fez uma pausa.
Taylor ficou prevenido. Sempre que Labkaus principiava com “então”, uma coisa
grossa estava para vir. Horace Taylor voltou a lembrar-se de Tyll Leyden. E a fala
começou.
— Este Leyden, colega... Outra pausa.
Taylor não estava mais no jogo. A palavra-chave acabara de ser pronunciada:
Leyden.
— Dispense-o do trabalho, Labkaus. Entregue-me um relatório rigoroso. Prometo-
lhe que amanhã esse sujeito estará viajando de volta para a Terra. Prometo mesmo!
Então percebeu que o outro o fitava com uma expressão de perplexidade.
— Por quê? — perguntou Labkaus, surpreso.
Houve uma terceira pausa.
— O senhor mencionou o nome de Leyden, não mencionou, colega? — perguntou
Taylor um tanto contrariado, porque começava a sentir-se inseguro.
— Naturalmente. Mas...
Taylor não permitiu que houvesse mais uma pausa.
— Mas o senhor não lhe quer fazer dificuldades, não é mesmo, colega?
— Dificuldade? — o pensamento de Labkaus parecia ser bastante lento. — Sim,
naturalmente, dificuldades, colega. Mas não tanto para Leyden. Ou talvez até seja. Sei
que não simpatiza muito com ele. Nem eu. Em minha opinião seus métodos de trabalho
são inortodoxos, para não dizer amadorísticos. Tanto que em hipótese alguma voltaria a
trabalhar como seu assistente.
Taylor só entendeu uma palavra: assistente.
— Quem foi assistente de quem, colega? Não me venha dizer que o senhor
trabalhou como assistente dele. Não é o diretor do projeto?
O chefe da equipe acabara de falar.
— Naturalmente sou o diretor do projeto. Acontece que Leyden desenvolveu uma
idéia interessante. E eu lhe dei assistência. Mas isso trouxe dificuldades, colega. Foi por
isso que eu vim. Caro colega, suas teorias sobre os fenômenos parafísicos no hormônio B
são totalmente falsas. Isso é bastante desagradável para o senhor, mas os resultados das
pesquisas nunca querem saber se e para quem são desagradáveis. O colega Leyden não
fez muita publicidade disso. Mas achei que o senhor devia ser informado em primeiro
lugar.
— Fico-lhe muito grato por isso — respondeu Taylor em tom sarcástico.
Ficou fervilhando de raiva, raiva por causa do complicado Labkaus, que o levara a
emitir um juízo pouco lisonjeiro a respeito de Leyden; raiva principalmente por causa do
êxito alcançado por Leyden — e raiva de si mesmo.
— Poderia fazer o favor de explicar por que minhas teorias não são certas, colega
Labkaus? Também poderia dizer se, em sua opinião, todas as minhas teorias são erradas?
Quero que responda imediatamente à última pergunta.
Como chefe de equipe, tinha o direito de fazer essa exigência.
O engenheiro Labkaus não dissimulou sua contrariedade.
— O senhor quer uma resposta direta, e a terá. O colega Leyden reduziu todas as
suas teorias ao absurdo. Aqui estão as provas!
Entregou a Taylor uma pilha de chapas plásticas que tirou do bolso. Levantou-se.
— Mais uma informação, colega. Dei inteira liberdade de ação a Leyden, no âmbito
do meu projeto.
Ditas estas palavras, retirou-se.
4

Atlan confirmou o recebimento de oito foguetes espaciais que continham uma carga
de H2O2 estabilizada. Acrescentou irônico que o Império poderia ter certeza de que, dali
em diante, qualquer ataque das naves dos blues seria rechaçado.
Bell fez um comentário sarcástico diante da comunicação de Atlan.
— Ele pode mesmo zombar de nós. Aliás, o que é que a Eric Manoli está fazendo
por aqui, Perry?
— Dentro de uma hora voarei para o setor B do front. As últimas notícias vindas de
lá são alarmantes. Neste setor os gatasenses estão reunindo uma frota que nos faz recear o
pior.
O gordo deu vazão à sua contrariedade.
— Isso significa: Reginald Bell, você me representará em Terrânia enquanto eu
estiver ausente. Bonito, não é, Perry?
— Não é nada disso, gordo. Meu vôo para o front resultou do blefe por nós
engendrado. Segundo notícias ainda não confirmadas transmitidas por nossos agentes, os
gatasenses tiveram conhecimento da série de artigos “A Guerra que não É Nenhuma
Guerra”...
— Bom trabalho — disse Bell em tom seco.
— O que quer dizer com isso?
— Quero elogiar nossos agentes, que conseguiram passar esse relato absurdo às
mãos dos gatasenses.
Perry Rhodan ficou em silêncio e Bell fitou-o com uma expressão indagadora.
— Só falta você me dizer que ninguém sabe como estes artigos foram chegar às
mãos dos gatasenses — disse em tom de perplexidade.
— Há algumas horas a Segurança Galáctica está de prontidão. Devemos ter
traidores no Império, que mantêm contato pelo rádio com os blues, o que acho mais
provável, ou então os gatasenses conseguiram pôr os pés num planeta habitado, no que
não acredito. Acho que você sabe o que isso significaria.
Bell deu um assobio.
— “Posição da Terra Conhecida”. Conhecida também a posição de Aralon, dos
mundos centrais de Árcon... e com toda superioridade técnica e numérica, não dispomos
de nenhuma arma com a qual pudéssemos fazer com que os blues compreendessem que é
proibido atacar a Humanidade. Oh, essas mulheres... a tal dama chamada Evyn Moll. E
esse tenente apaixonado. Poderia...
— Não faça isso, gordo. O que está feito não pode ser modificado — interrompeu
Rhodan. — Quero pedir-lhe que mande intensificar ainda mais as pesquisas em torno do
H2O2. Em Árcon III e aqui continuam a pisar no mesmo lugar. Em todos os lugares as
pesquisas chegaram a um beco sem saída, porque não se dispõe mais de molkex puro.
Qualquer requisição de material será atendida imediatamente. Neste caso o dinheiro não
importa. Se o chefe das finanças se queixar, você poderá acalmá-lo da forma que achar
melhor.
Bell fez uma careta. Até parecia que acabara de morder uma fruta azeda.
— Se você me permite agir segundo meu critério, alguma coisa vai ficar ruim, meu
caro. Será que nosso querido Homer G. Adams se recusa a fornecer maiores recursos?
— Ontem aludiu seriamente ao perigo de uma crise monetária. Os números que
forneceu são deprimentes. Estamos gastando mais do que arrecadamos. Seu orçamento
não fecha mais. Por que está fazendo esse gesto?
— Não foi o que sempre fizemos, Perry? Sempre gastamos mais do que temos. Mas
não foi pelo prazer de gastar. Nosso gênio financeiro deverá dar mais uma prova de sua
genialidade. Só quero que ele tente chorar no meu ombro.
Rhodan reprimiu o riso. Com o gordo a enfadonha questão financeira estaria em
boas mãos. Mais uma vez Homer G. Adams não conseguiria enfrentar os sólidos
argumentos de Bell, muito embora ele mesmo, Rhodan, não pudesse deixar de reconhecer
que os receios de Adams eram justificados.
Dali a pouco Rhodan dirigiu-se ao porto espacial, onde a nave-capitânia Eric
Manoli já estava à sua espera, pronta para decolar.
A gigantesca nave ergueu-se do solo e foi subindo para o céu límpido. Bell, que se
encontrava junto à janela, seguiu a gigantesca esfera com os olhos.
Teve de fazer um grande esforço para vencer um sentimento de depressão.
— Bobagem! — disse em voz alta, para reprimir a agitação interior.
O uso do rádio ficou interditado à Babota a partir do momento em que a mesma se
aproximou 20.000 anos-luz do destino.
A bordo da nave tudo corria normalmente. Só uma pessoa acreditava que devia ficar
insatisfeita consigo e com o mundo.
Era Bill Ramsey!
***
Nem mesmo no seu tempo de recruta nenhum instrutor o repreendera tão
severamente como o Major Eyko Etele acabara de fazer há algumas horas. Era bem
verdade que conseguira provar ao comandante que nada tinha a ver com a presença de
Evyn Moll a bordo da nave. Mas quando o major aludira ao fato de que Bill Ramsey se
apresentara como um encarregado especial de Perry Rhodan, este não tivera outra
alternativa senão dizer a verdade.
Então a tempestade desabara sobre sua cabeça. Etele chegara a exigir que se
dirigisse imediatamente ao comando de coleta e esclarecesse que não fora incumbido de
qualquer missão especial, mas que tinha sido destacado para a Babota em caráter
punitivo.
Bem, isso estava liquidado. Bill estava sentado no seu camarote, matutando.
O sistema de intercomunicação deixou-o sobressaltado.
— Tenente Ramsey, dirija-se imediatamente ao depósito quatro. Controle o
equipamento a ser usado em sua missão. Verifique todos os mecanismos. A seguir quero
um relatório detalhado. Este relatório será apresentado ao comandante às 20:30 h, tempo
de bordo.
— Entendido. A ordem está sendo cumprida — respondeu Ramsey.
O estalido transmitido pelo sistema de comunicação era um sinal de que o Major
Etele acabara de desligar.
O Tenente Bill Ramsey saiu do camarote. Chegou ao depósito 4. O cabo que
controlava o depósito exibiu um sorriso malicioso quando viu o tenente. Em todas as
naves do Império, a tarefa que acabara de ser atribuída a Ramsey costumava ser
executada por tripulantes sem a menor qualificação. O controle do equipamento a ser
usado na missão não significava outra coisa senão limpar o material e, se possível, polir
as superfícies metálicas.
Bill Ramsey notou o sorriso do cabo. Foi-se aproximando do mesmo.
— Já nos conhecemos? — perguntou em tom inocente.
— Não senhor. Ao menos que eu saiba — respondeu o cabo.
— Pois neste caso já está na hora de o senhor saber quem eu sou. Enquanto eu
estiver neste depósito, caberá ao senhor prestar-me todo o auxílio possível, cabo.
Não havia como objetar a isso.
Nas três horas que se seguiram o cabo nem pensou em sorrir com malícia. O
controle de todos os equipamentos que seriam utilizados durante a missão foi concluído.
Ramsey e o cabo realmente fizeram tudo brilhar.
Às 20:30 h, tempo de bordo, Ramsey compareceu ao camarote de Etele.
— O relatório, senhor.
— Obrigado — respondeu o comandante sem levantar os olhos. — Deixe-o sobre
minha escrivaninha. Há mais um detalhe ligado à presença da senhorita Moll a bordo da
nave, tenente. Proíbo-lhe que fale com ela pelo sistema de intercomunicação. Previno-o
de que não deve deixar de cumprir esta ordem.
Bill Ramsey saiu praguejando em direção ao seu camarote. Parou na porta. Alguma
coisa mudara durante sua ausência. Mas por mais que olhasse, não encontrou nada.
Finalmente examinou o equipamento de comunicação.
Pela primeira vez em várias horas sorriu. O Major Etele mandara instalar um
controle. Se tentasse falar com Evyn, a palestra seria transmitida por um cabo secundário
à sala de comando.
Parou pensativo à frente do aparelho.
“Devo, não devo”, ficou pensando. O sentimento do dever acabou levando a melhor.
Absteve-se de qualquer manipulação. Teve a impressão de que ultimamente fora
perseguido pelo azar, e não queria aumentar sua veia azarenta.
Deitou, mas não conseguiu dormir. O rosto de Evyn aparecia constantemente diante
de seus olhos, fazendo com que lembrasse a hora feliz passada no banco, à frente da casa
dos pais.
Mas estes momentos felizes não tinham sido o primeiro elo de uma corrente de
acontecimentos infelizes?
Ramsey não pôde prosseguir em suas reflexões, pois acabou vencido pelo sono.
Foi despertado por um zumbido penetrante. Era o início de seu turno de serviço.
Bill compreendeu que a Babota alcançara a concentração de Hiesse e tomava a rota de
pouso em Labin-1.
Foi um dos primeiros a chegar ao posto de serviço. Sem dizer uma palavra, entrou
numa pequena cabine e mudou de roupa. Em vez do uniforme vestiu um conjunto
climatizado equipado com um potente aparelho refrigerador, que não possuía outras
características especiais.
O planeta em que a Babota pousaria era aquecido por dois sóis. Um deles era uma
roda gigantesca, enquanto o outro era pequeno, mas formava um verdadeiro monstro
luminoso. Temperaturas médias superiores a 35 graus aguardavam-nos no planeta, além
de um vento quente ininterrupto.
E também os gafanhotos córneos!
Ramsey verificou o indicador de potência das duas armas desintegradoras que trazia
consigo. Os raios destas armas, por si só, eram capazes de destruir apenas um gafanhoto
córneo — isto se acertassem o alvo. Se houvesse um ataque de vários desses animais, que
se subdividiam nos seus saltos, a fuga seria a única salvação.
Em torno de Ramsey havia um clima de atividade tranqüila. Todos os homens que
formavam o comando de coleta tinham provado seu valor em diversas ações, e apesar dos
seus 25 anos Ramsey não formava nenhuma exceção.
A grande porta abriu-se. Robôs carregavam para fora do depósito 4 o equipamento
que depois do pouso os ajudaria a recolher o molkex fresco, ainda em estado viscoso.
— Pousaremos dentro de trinta minutos — transmitiu o intercomunicador.
Os homens pertencentes ao comando de coleta estavam prontos para entrar em ação.
O equipamento de refrigeração de seus trajes funcionava perfeitamente e as armas
portáteis tinham sido verificadas.
De vez em quando a sala de comando transmitia as informações que costumavam
ser fornecidas durante o pouso.
— Colunas telescópicas abaixadas! — transmitiu o sistema de intercomunicação.
O comando de coleta dividiu-se em cinco grupos pequenos. Só uns poucos homens
acompanharam na tela o pouso da Babota numa estranha superfície lisa. A nave estava
pousando no molkex endurecido.
— Eclusa principal sendo aberta. Rampa descendo.
Para o comando de coleta estas palavras representavam a ordem de entrar em ação.
— Frente de gafanhotos córneos a aproximadamente dois quilômetros.
Foi o último anúncio transmitido pela sala de comando, e todos o entenderam
perfeitamente. Os grupos foram saindo pela porta e dirigiram-se ao corredor que levava à
eclusa. De repente o alarme retumbante encheu a nave.
Os motores de jato-propulsão que funcionavam em ponto morto passaram a
desenvolver toda a potência. A Babota estava decolando com a rampa meio escamoteada
e uma eclusa quase totalmente aberta.
Um golpe seco e metálico sacudiu a nave, que tentava escapar para o espaço em
meio ao rugido de seus motores. Num instante a rampa foi recolhida, a eclusa fechou-se e
as colunas telescópicas voltaram a penetrar no corpo esférico da nave.
— A imagem desapareceu! — gritou um homem, apontando para a tela cinzenta.
O estrondo de um impacto ressoou pela Babota. A nave balançou. O rugido dos
motores forçados em excesso saiu da sala de máquinas.
A Babota estava atirando!
Neste momento os homens pertencentes ao comando de coleta compreenderam que
a nave estava sendo atacada. E conheciam os atacantes. Eram os gatasenses. Os terranos
acabavam de perder a corrida contra o tempo...
Mas os homens ainda não puderam avaliar a verdadeira situação.
O sistema de rastreamento estrutural da Babota falhou. Não havia necessidade dele.
As naves de molkex dos blues apareceram aos milhares na concentração de Hiesse,
igualmente a fantasmas saídos do nada.
Mais de uma centena destas naves muito feias precipitava-se sobre o planeta e sobre
a Babota que estava decolando, disparando todos os canhões.
— Mensagem de emergência para a Frota e o Chefe! — disse o Major Etele para
dentro do microfone, com uma calma inabalável na voz.
— Mensagem de emergência está sendo irradiada com a potência máxima —
respondeu a sala de rádio.
A Babota encontrava-se a quatro mil metros de altura. Contrariando todas as regras,
Etele tirou a nave ligeira, capaz de acelerar à razão de 720 km/seg 2, do vôo vertical e
passou para o horizontal. O comandante só esperava que o equipamento de neutralização
de pressão conseguisse absorver as forças titânicas liberadas pela manobra, pois do
contrário ninguém sobreviveria à abrupta mudança de rumo.
— Atenção, todos! Em...
Já era tarde. A superioridade do inimigo era muito grande. O cruzador ligeiro não
tinha possibilidade de fugir. Os campos defensivos da Babota entraram em colapso.
Os primeiros tiros atingiram a nave. Pedaços enormes do envoltório esférico saíram
voando. Depois disso os raios disparados pelo inimigo penetraram no interior da nave.
Eyko Etele ouviu os estrondos e no seu subconsciente ficou admirado por que a nave
ainda obedecia aos comandos.
— Preparem-se para abandonar a nave em fuga imediatamente após o pouso! —
gritou um oficial pelo sistema de intercomunicação.
Neste momento o major lembrou-se da jornalista que ficara trancada num camarote
de oficial.
— Multon — gritou para um oficial que por acaso se encontrava perto dele. — Tire
a mulher do camarote. Cuide dela.
Nove naves de molkex aproximaram-se em alta velocidade, vindas do leste, e
começaram a disparar.
A Babota ainda estava a 2.000 metros de altura. Etele ainda não podia pousar.
Embaixo dele a onda violeta de gafanhotos gigantes, que devorava tudo, espalhava-se
para todos os lados.
O Tenente Multon saiu correndo para tirar Evyn Moll do camarote. A Babota sofreu
nesse meio tempo três impactos pesados, que praticamente a deixaram sem condições de
ser manobrada. Na sala de comando os instrumentos mais importantes foram falhando
um após o outro. A comunicação com a sala de máquinas estava interrompida em três
fases. Mas os motores instalados na protuberância equatorial da nave continuavam
intactos e recebiam a energia de que precisavam.
— Os gafanhotos córneos ainda estão lá embaixo? — perguntou Etele, que não
podia dar-se o luxo de olhar para lá, pois estava pilotando manualmente sua orgulhosa
nave.
— A cerca de oitenta quilômetros na direção norte-noroeste há uma área livre! —
gritou alguém.
Oitenta quilômetros! Em cima deles, à sua frente e atrás deles havia naves dos blues
disparando de todas as torres.
As naves dos pêlos-azuis tinham vindo aos milhares. Não havia dúvida de que os
blues haviam localizado as intensas emanações hipergravitacionais dos gafanhotos
gigantes. Deviam ter desconfiado, porque não tinham conhecimento de que jamais
tivessem colocado um verme do pavor na concentração de Hiesse.
Faltavam oitenta quilômetros para chegarem ao lugar de Labin-1 que ainda não fora
atingido pela invasão dos gafanhotos. Apesar de gravemente danificada, a Babota já tinha
percorrido mais de cinqüenta quilômetros desse trecho. As esperanças de vencer o último
trecho desfizeram-se de um instante para outro.
Um grupo de naves de molkex formado por cerca de cem unidades aproximou-se,
vindo do sudoeste; porém pousar no meio dos gafanhotos seria a morte certa para toda a
tripulação.
A potência dos motores a jato foi diminuindo. As comunicações verbais com a sala
de máquinas e a protuberância circular da nave estavam interrompidas. Etele enxugou
apressadamente a testa coberta de suor.
— Para o comandante! — disse uma voz saída do alto-falante, que superou o
barulho infernal da sala de comando. — Energia total para as torres de canhões por
quinze segundos. Desligo.
O oficial de controle de tiro aumentara ainda mais o risco para a nave.
— É o fim... — disse Eyko Etele, desanimado. Era inútil atirar nas blindagens de
molkex.
Mais cedo do que se esperava os motores voltaram a receber a energia de que
precisavam.
— Frente de envolvimento vem do norte-noroeste — gritou alguém para Etele.
Um sorriso forçado deu um aspecto estranho ao rosto de Etele.
— Precisamos... — arquejou, enquanto com um movimento muito rápido ativava a
barreira de segurança central. Os motores de jato-propulsão receberam uma sobrecarga de
mais de trezentos por cento dos valores máximos permitidos.
De repente a nave saiu em disparada. O chiado dos motores maltratados saiu da
protuberância equatorial.
Uma coisa que Etele não esperava mais acabara de transformar-se em realidade.
Tinham deixado para trás a frente mortífera dos gafanhotos córneos.
Embaixo deles estendia-se um solo intocado.
— Atenção, vamos pousar! — Etele não sabia se o anúncio estava sendo ouvido em
todos os pontos da nave. — Multon, o que está fazendo a jornalista?
O Tenente Multon não pôde responder, porque nesse momento a Babota sofreu três
impactos diretos ao mesmo tempo. A cor vermelha passou a predominar no painel de
instrumentos de Etele.
Lançando mão dos últimos recursos de que dispunha, fez pousar a nave. Não
conseguiu fazer sair uma única das colunas telescópicas. Mas ainda seria possível abrir
três eclusas, a não ser que os controles de seu painel de instrumentos lhe estivessem
pregando uma peça.
Um forte solavanco abalou a nave.
A Babota acabara de pousar.
Etele não tinha a menor idéia de como era o terreno nas imediações da nave. Levara
a nave ao solo às cegas, confiando exclusivamente nas indicações do altímetro.
Será que ainda teriam uma chance de sair dos destroços?
Dentro de alguns segundos teriam a resposta.
Os blues estavam fazendo pontaria contra a Babota. Depois de algum tempo até
mesmo o elevador antigravitacional principal entrou em pane.
Para os ocupantes da sala de comando quase não havia nenhuma chance de sair da
nave. Mas algumas linhas do sistema de intercomunicação ainda continuavam em
funcionamento. Multon chamou:
— O camarote da senhorita Moll está vazio, senhor. Não sei onde procurá-la.
— Saia! — gritou Etele. — Abandone a nave o mais depressa possível. E o fim da
Babota.
5

O engenheiro Labkaus fechou cuidadosamente a porta atrás de suas costas. Olhou


para seus colaboradores.
— Podemos entrar em férias — disse com a voz cansada.
— Que diabo! — disse alguém com a voz alta.
Outros deram mostras de sua perplexidade.
— Não há um quilo de molkex em todo o Império? — perguntou alguém, que
parecia não acreditar nisso.
— Não há uma grama, senhores. Nem uma grama! — disse Labkaus, enfatizando as
palavras. — Dispomos de neo-molkex, essa substância maldita que constantemente
procura sair voando. Mas molkex puro? — calou-se em atitude de resignação.
Era o fim das pesquisas sobre o H2O2 e o hormônio B.
Realmente podiam entrar todos em férias, as equipes da Terra, as de Árcon III e as
que trabalhavam ali em Aralon.
— E o hipertron? — perguntou alguém que se mantinha discretamente nos fundos.
— Está a caminho, Leyden. Chegará dentro de algumas horas. Mas o que
poderemos fazer com isso? O senhor acredita que mesmo sem dispor de molkex puro
podemos produzir um hormônio B sintético que seja igual ao produto natural em todos os
pontos?
— Não custa tentar. Antes isso que tirar férias. É claro que também podemos deixar
de tentar.
Era uma atitude típica de Tyll Leyden.
Apesar de sua observação pouco convincente, as objeções fizeram-se ouvir. Os
colegas ainda não se haviam esquecido do que acontecera com o mini-hipotron fabricado
em Aralon. Para eles duas explosões causadas por Leyden bastavam. Se com o novo e
grande hipertron acontecesse a mesma coisa, o centro de pesquisas dos aras que
penetrava milhares de metros abaixo da superfície poderia voar pelos ares.
— O senhor também terá de entrar em férias! — disse Labkaus. — São ordens de
Taylor.
— Está bem... — disse Leyden e afastou-se.
Subiu à superfície. Uma vez lá, entrou no primeiro planador e dirigiu-se à estação
de hipercomunicação dos aras. Não tinha a menor dificuldade em arrogar-se certos
direitos.
— Queira fazer uma ligação urgente com Perry Rhodan em Terrânia! — disse, e
nenhum dos aras teve a idéia de perguntar se realmente tinha o direito de obter esta
ligação.
Terrânia respondeu. A grande estação de rádio informou que Perry Rhodan tinha
saído da Terra a bordo da Eric Manoli.
— Neste caso quero falar com mister Bell! — apressou-se Leyden a dizer.
— Estamos providenciando.
A ligação foi completada dentro de três minutos. O rosto de Reginald Bell apareceu
na tela.
— Ah, é o senhor...?
— Sim... — disse Leyden com a voz tranqüila. — Senhor, dentro de algumas horas
o novo hipertron chegará a Aralon. No Império não existe mais uma grama de molkex. E
precisamos desta substância para verificar se por meio do hipertron conseguimos
produzir um hormônio B sintético livre de defeitos. Como não possuímos nenhum
molkex, as experiências com o hipertron serão suspensas. Acho que deveríamos fazer
alguma coisa.
— O que espera conseguir com isso? — perguntou Bell. — Pelo que fui informado,
o hormônio B produz um efeito parafísico que, segundo se diz, assume a forma de uma
hiperconstante, que por sua vez age como um paraparalisador sobre o molkex. Minhas
informações são corretas, Leyden?
Leyden realmente não era um diplomata.
— Se não quisermos fazer muita questão da precisão de linguagem, direi que talvez
seja mais ou menos isso. Mas no momento isso não importa. Havemos de verificar o que
há de verdadeiro nos para-efeitos. Mas não gosto da idéia de entrar em férias. Afinal,
Aralon não é um lugar muito bonito.
Leyden podia dar-se por feliz porque Bell conhecia suas peculiaridades.
— Será que o senhor espera que eu lhe atribua a incumbência especial de fazer
pesquisas sobre o hormônio B com o hipertron?
— Seria uma alternativa — disse Leyden, esquivando-se a uma resposta direta.
Isto fez com que Bell se descontrolasse um pouco.
— Leyden, por que nunca toma uma atitude clara? Por que não bate com a mão na
mesa e exige o que acha certo, depois de ter refletido demoradamente?
— Muito obrigado, senhor. Horace Taylor não ficará nada contente porque o senhor
me atribuiu uma tarefa especial.
— O quê? — perguntou Bell, espantado. — Acha que eu lhe confiei uma tarefa
especial? Meu caro, não lhe confiei coisa alguma, e muito menos penso em intrometer-
me. Não tenho nenhum controle neste assunto. Mais alguma dúvida a ser esclarecida?
— Não — respondeu Leyden. — Neste caso não se pode fazer nada.
— Ligue-me com seu chefe de equipe, Leyden — pediu Reginald Bell.
— Imediatamente, senhor. Quer dizer que deverei mesmo tirar férias em Aralon?
— Leyden, mandei que o senhor me ligasse com seu chefe de equipe — disse Bell
em tom ameaçador.
Sem dizer uma palavra, Leyden fez a ligação.
***
A descoberta de que na concentração de Hiesse havia muitas naves de molkex, feita
pela Babota, provocou uma reação em cadeia.
Ao mesmo tempo as enormes frotas dos blues de Gatas I saíram do semi-espaço e
precipitaram-se sobre os grupos de naves do Império. Mais uma vez a blindagem de
molkex das naves relativamente rudimentares dos blues se revelou como um fator que
inutilizou a técnica de armamentos infinitamente superior das naves esféricas. As
unidades da Frota não conseguiram infligir muitas perdas significativas aos gatasenses e
seus aliados.
Nas primeiras horas dos ataques dos gatasenses tudo indicava que os pêlos-azuis
tinham vindo com todas as naves de que dispunham, mas quando Atlan passou a receber
constantemente novas informações nas quais o número das espaçonaves de molkex era
reduzido, notou-se que a terrível batalha nas profundezas da Via Láctea não passava de
uma escaramuça preliminar.
Nas semanas de tensa expectativa Atlan treinara os diversos grupos de naves da
Frota nas melhores maneiras de escaparem às técnicas de ataque dos gatasenses.
Quando a batalha já estava durando seis horas, o resultado deste treinamento se fez
sentir. A Frota do Império não teve perdas totais a lamentar. Sempre que as naves de
molkex conseguiam enfrentar uma nave esférica e abriam fogo concentrado sobre seu
campo defensivo, outra nave se interpunha entre eles e a nave ameaçada, dando a esta a
oportunidade de pôr-se a salvo no espaço linear.
Logo após o início da batalha Atlan emitiu uma mensagem circular pela qual
concedeu aos chefes das diversas frotas a maior liberdade de ação, desde que
dificultassem na medida do possível a penetração dos gatasenses.
O arcônida não colocou sua nave-capitânia atrás do front. Possuía oito ridículas
bombas de H2O2-B transportadas por foguete, e queria lançar mão das mesmas.
De repente sete gigantescas naves de molkex vindas do semi-espaço apareceram nas
proximidades de sua gigantesca nave esférica e abriram fogo concentrado contra os
campos defensivos da mesma.
O solitário do tempo, que depois de uma longa parada voltava a comandar uma
espaçonave, sorriu ao ver as naves inimigas na tela.
Atlan inclinou-se para a frente.
— Vamos fazer a primeira experiência com uma bomba H 2O2-B — anunciou pelo
sistema de intercomunicação. — Utilizem apenas um projétil. Esperem até que eu me
aproxime mais.
Parecia que a nave-capitânia queria abalroar a nave de molkex que ficava mais à
esquerda.
Atlan teve a impressão de que estava enxergando um peixinho de prata, quando o
foguete disparado pelo sistema de lançamento se aproximou da grande nave de molkex,
acelerando continuamente.
Será que os gatasenses não estavam notando a presença do objeto pequeno? Será
que seu sistema de rastreamento estava falhando? Ou acreditavam que o foguete não
representava nenhum perigo?
Com os nervos muito tensos, Atlan acompanhou a trajetória do foguete. Imaginou
que o mesmo passaria pela nave dos gatasenses, mas o objeto voador esguio bateu no
lado esquerdo da nave de molkex e se despedaçou.
— Não abram fogo! — gritou Atlan para o setor de comando de tiro.
Um estranho fenômeno verificou-se na nave de molkex que acabara de ser
bombardeada. A camada de molkex entrou em movimento, deslizando de um lado para o
outro sobre a superfície metálica. Borbulhou que nem a água próxima ao ponto de
ebulição, tornou-se líquida em quase todos os pontos ao mesmo tempo e pingou do casco
da nave.
— Disparar o segundo foguete. Pode ser qualquer alvo — ordenou Atlan.
Naquele momento lamentou não dispor de alguns milhares destes foguetes que no
fundo eram bastante primitivos.
Embaixo da nave gatasense que acabara de perder a camada protetora que a tornava
invulnerável apareceu uma formação semelhante a uma panqueca, uma espécie de bolo
que se espalhou para os lados e parecia endurecer durante o processo.
O segundo foguete que trazia a substância milagrosa no corpo em forma de charuto
também atingiu o alvo.
— Olhem! Que é isso? — os homens que se encontravam na enorme sala de
comando soltaram um grito estridente. Sabiam o que aconteceria depois do
endurecimento do bolo largo e fino.
A peça de molkex saiu em disparada com uma aceleração enorme. Enquanto se
deslocava para o espaço livre, bateu em duas naves gatasenses.
Não se sabe se as mesmas colidiram em virtude de uma falha da tripulação ou se a
colisão foi provocada pelo neo-molkex que se afastava.
O que aconteceu depois disso?
Na nave-capitânia de Atlan não havia nenhuma testemunha visual. Só se puderam
formular conjeturas.
As naves gatasenses explodiram. A camada indestrutível de molkex resistiu às
terríveis pressões desencadeadas pela explosão, mas não as eclusas.
Foram catapultadas e saíram voando em todas as direções. Línguas de fogo saíam
do interior das duas naves de molkex, dando a estas de repente o aspecto de um sol. Por
cima delas o bolo de neo-molkex voltou a abrir caminho em direção a um destino
desconhecido.
Dentro de alguns minutos o grupo das sete naves gatasenses que participavam do
ataque ficou reduzido a três naves em condições de combate. Conforme combinara com
Rhodan, Atlan deixou que os dois veículos espaciais que tinham perdido o envoltório de
molkex escapassem intactas. As mesmas levariam aos pêlos-azuis a notícia de que os
humanos possuíam uma arma eficiente contra suas naves de molkex. Mas por enquanto
não se sabia se o blefe daria resultado.
6

Quatorze gigantescos supercouraçados com 1.500 metros de diâmetro — do mesmo


tamanho da nave-capitânia de Atlan — saíram do espaço linear e apareceram perto da
área de combate.
Suas armas energéticas não dispararam um único tiro. As naves afastaram-se sob a
proteção do semi-espaço.
Atlan entregou a nave-capitânia ao comandante. Tinha que tomar uma decisão
diante de importantes mensagens recebidas naquele meio tempo. Quando entrou no
camarote, seu ajudante entregou-lhe uma chapa de plástico.
Atlan não imaginou nada de bom.
Leu os sinais em código e teve de fazer um esforço para não praguejar.
Os gatasenses tinham derrubado a Babota em Labin-1. Perry Rhodan já estava a
caminho da concentração de Hiesse, com a Eric Manoli e um grupo de cruzadores
pesados, a fim de salvar a tripulação e procurar conseguir o molkex puro de que tanto se
precisava.
Os blues tinham conseguido romper o setor 7 da frente de interceptação. Pelo que se
dizia, seguiam em direção ao distante Sistema Solar com mais de 3.000 naves.
— Eles já estão vendo fantasmas! — disse Atlan.
Pegou outra folha de plástico e leu mais uma notícia alarmante. Até parecia que seu
ajudante tinha culpa de alguma coisa.
— Será que no meio de tantas notícias o senhor não tem uma que seja agradável? —
perguntou o arcônida.
Não esperava uma resposta positiva, mas ouviu um sim.
— Sim senhor, a jornalista que viajou na Babota como clandestina também
conseguiu escapar. Segundo a última mensagem transmitida pelo comandante do
cruzador ligeiro, todos conseguiram sair de bordo.
— Acha que isso é uma notícia agradável? Bem, depende. Garanto que esta
jornalista bisbilhoteira ainda se lembrará da companhia encantadora dos gafanhotos
córneos quando for bisavó. Mais alguma coisa?
Por fim, leu a última mensagem.
A ala direita do front do Império estava recuando lenta mas ininterruptamente sob a
pressão dos ataques encarniçados dos gatasenses. A brecha no setor sete do front, por
onde tinham passado os gatasenses, já se ampliara para cinco anos-luz.
Atlan colocou-se à frente do intercomunicador.
— Comandante, siga em direção à área de penetração do inimigo.
Entrou em contato com a sala de rádio.
— Ordene em meu nome o deslocamento de cinco grupos de pos-bis para o setor
sete. Peça ao comodoro que lhe forneça as coordenadas.
O ajudante estava de pé atrás dele, segurando novas mensagens. Os olhos do mesmo
pareciam livros.
De repente Atlan teve de sorrir. Bateu no ombro do ajudante.
— Faça uma cara alegre, meu filho. Os gatasenses também só cozinham com água.
Nos dez mil anos de minha vida constatei várias vezes que raramente existe uma situação
desesperada. Só temos de lembrar-nos de alguma coisa que possa tirar-nos do aperto.
Deixe as mensagens na minha escrivaninha, senão ainda estaremos aqui amanhã de
manhã...
— Sim senhor, mas o Chefe... Atlan voltou a impacientar-se.
— Deixe isso na minha escrivaninha!
O ajudante obedeceu imediatamente, sem dizer uma palavra, retirando-se do
camarote de Atlan. Assim que fechou a porta do lado de fora, Atlan pegou a mensagem de
Perry Rhodan. O mesmo comunicava laconicamente que a Eric Manoli se separara do
grupo de cruzadores pesados, para chegar o mais depressa possível a Labin-1. Quase não
havia chances de sobrevivência para os tripulantes da Babota.
***
A Babota tinha o aspecto de um ovo esmagado na ponta.
Enquanto corria em direção a um lugar sombreado, Eyko Etele virou a cabeça e
lançou mais um olhar para a nave de que tanto se orgulhara.
Antes de sofrer o impacto duro no solo, a mesma escorregara pelo flanco de uma
montanha. Etele compreendeu que as indicações do altímetro não tinham sido cem por
cento corretas. Mas podia orgulhar-se por ter realizado um pouso relativamente tranqüilo.
O calor era terrível. E terrível era a tempestade quente que assobiava no desfiladeiro
de pedra nua. Não havia nenhuma nuvem no céu verde-azulado com seus dois sóis que se
estendia em cima de suas cabeças. Devia ser perto do meio-dia. A tempestade, que em
outros lugares costumava refrigerar o ar, tornava insuportável o calor. Depois de ter
corrido pouco menos de cem metros, Etele teve a impressão de que suas pernas estavam
fraquejando.
Onde estavam os outros?
Viu três homens mais atrás, outro pequeno grupo e mais outro. Todos estavam
correndo para o lado da sombra.
Etele estava ofegante. Acima dele, a menos de 2.000 metros de altura, as naves de
molkex passavam com um barulho infernal. Será que seus sistemas de rastreamento
tinham perdido o contato com a Babota?
Com um grande estrondo os raios energéticos atingiram o solo atrás dele e à sua
frente. Atirou-se ao chão. Nem sentiu que a pedra era quente como fogo. A rocha
começou a ferver em torno dele.
Os gatasenses estavam caçando cada um dos tripulantes da Babota.
O medo de morrer ameaçava dominar Etele.
“Vocês não me pegarão”, pensou numa raiva selvagem. Levantou-se de um salto
assim que o bombardeio nas imediações dele diminuiu um pouco, transpôs com um
grande pulo a rocha fumegante e correu em direção à sombra salvadora.
Viu duas pessoas vindas da direita. Eram Evyn Moll e o Tenente Multon. O tenente
arrastava a jornalista atrás de si. Os raios mortíferos disparados pelas naves inimigas
atingiam o chão perto deles.
O rosto de Evyn Moll estava marcado pelo pavor e pelo cansaço.
“Meu Deus, que mulher imprudente”, pensou Etele. Sem consideração pela própria
segurança voltou correndo, segurou o outro braço da senhorita Moll, gritou alguma coisa
ao seu ouvido e depois disso dois homens saíram correndo com ela.
Por três vezes tiveram de jogar-se ao chão. Por três vezes mal e mal escaparam à
morte. Finalmente chegaram totalmente exaustos à área de sombra, onde o vento quente
tornava a temperatura tão insuportável como era à luz dos dois sóis.
— Água... — suplicou Evyn Moll. Ninguém trouxera água. Não havia tempo para
isso. Só conseguiram salvar a vida.
Estavam afundados até os joelhos num musgo largo e macio como seda. Até onde
alcançava a vista, os homens estavam deitados no musgo, com o rosto voltado para o
chão.
De repente Etele lembrou-se do que lera sobre este tipo de vegetação.
— Água! — gritou. — Temos água à vontade.
Naquele momento ninguém se interessou em saber se havia ou não naves de molkex
em cima do desfiladeiro. Eyko Etele enfiou ambas as mãos no verde suculento e arrancou
dois tufos de musgo. No mesmo instante inúmeros fios de água correram pelo corpo do
comandante. Abriu a boca e procurou captar um dos fios de água.
Os outros o imitaram. Os homens ficaram de pé, ajoelhados e deitados no meio do
musgo e deleitavam-se com o líquido frio. Evyn Moll estava deitada ao lado do Tenente
Multon e bebia a água. Por acaso olhou para o lado.
O que era mesmo que estava vendo? O que saltava no meio do musgo e desaparecia
em seguida, brilhando num estranho violeta, num violeta muito feio?
De novo, lá e acolá, e atrás deles. Evyn sentiu-se dominada por um medo
inexplicável e gritou a plenos pulmões:
— O que é isso que está saltando por ali?
O que ela não sabia era que aquilo que estava saltando era uma coisa muito pior que
os blues.
Eram os terríveis gafanhotos córneos que se aproximavam, espalhando-se para
todos os lados e multiplicando-se!...
***
Tyll Leyden também poderia dizer que “geralmente as coisas acontecem de forma
diferente do que a gente esperava”.
O hipertron acabara de chegar e estava sendo montado com o auxílio de robôs.
Todos tinham examinado o moderno aparelho supergigante, o mais recente acelerador de
partículas, menos Horace Taylor.
Os aras tinham esvaziado um gigantesco pavilhão. De repente mostraram-se muito
interessados em que as pesquisas com o hormônio B prosseguissem mesmo sem o
molkex puro. Até mesmo Tyll Leyden assustou-se com um interesse tão vivo. Ao esvaziar
o pavilhão, os aras destruíram valores enormes. As ponderações dos terranos, de que
muita coisa poderia ser salva se a desmontagem fosse feita com calma, não tiveram
nenhum eco.
Não foi por acaso que Tyll Leyden se encontrou com Pa-Done. Provocara o
encontro, pois queria que Pa-Done lhe desse uma explicação sobre o alvoroço dos aras.
Leyden começou a falar sobre o hipertron.
— As experiências não darão muito resultado. Já posso prever isso. Sem molkex
puro...
Sempre soubera lançar suas iscas. E esta observação lançada ao acaso representou
uma isca para Pa-Done.
O velho ara lançou-lhe um olhar penetrante.
— Leyden, o senhor e seus colegas devem iniciar imediatamente experiências com
o hipertron. Sabia que os gatasenses já têm conhecimento de que as pesquisas com o
hormônio B estão sendo realizadas na Terra, em Árcon e em Aralon?
De repente Leyden compreendeu o comportamento dos aras. Acabara de descobrir o
mais importante. Já sabia por que os aras não tiveram o menor cuidado ao retirar seus
preciosos instrumentos do pavilhão em que seria montado o hipertron.
O medo dos blues e de suas naves de molkex fustigava os médicos galácticos.
Quando estava prestes a retirar-se, Pa-Done perguntou:
— Já ouviu as notícias oficiosas mais recentes?
Se havia alguém que não tinha o menor interesse pelas notícias oficiais ou oficiosas,
este alguém era Tyll Leyden. Por isto teve de dar resposta negativa à pergunta de Pa-
Done.
— Os gatasenses iniciaram a guerra. Leyden calculou rapidamente a distância entre
os pontos principais da frente de interceptação, M-13 e o Sistema Solar.
“É uma boa distância”, pensou, mas logo se sobressaltou. Há algum tempo tivera
conhecimento de outra notícia oficiosa: 4 terranos teriam caído nas mãos dos blues. Se os
48 prisioneiros foram obrigados a dar informações, acontecimentos graves desabariam o
Império, quer fosse a antiga parte arcônida, aconense ou terrana. Por isso Leyden de
repente já não considerou irrelevante a notícia sobre o início da guerra que Pa-Done
acabara de transmitir. Mas seria recomendável comunicar suas preocupações ao ara?
Este fitou-o com uma expressão indagadora.
Será que ele sabia mais sobre a situação galatopolítica do que dera a entender?
— Pa-Done, se as notícias que recebi são corretas, quarenta e oito terranos caíram
nas mãos dos gatasenses — disse Leyden numa súbita resolução. — E isso não aconteceu
hoje ou ontem, mas há algum tempo.
— Então é verdade! — respondeu o velho médico galáctico, consternado. — Neste
caso os blues descobriram através da publicação no Correio Terrano que Aralon é um dos
mundos principais do Império Unido. E isto significa que seremos atacados por eles.
— A possibilidade não pode ser excluída, Pa-Done. Mas para afastar a mesma farei
tudo que estiver ao meu alcance para forçar a hiperconstante sobre o hormônio B. É isto.
Tentarei, haja o que houver. Foi um prazer conversar com o senhor, Pa-Done.
Dito isto, retirou-se.
Deixou para trás o ara, que começou a rever sua opinião a respeito de Tyll Leyden.
***
O Marechal Solar Allan D. Mercant usou uma porta lateral para entrar no grande
escritório de Bell.
— Se o senhor passa por esta porta... — disse Bell como quem imagina alguma
coisa, e esperou que o chefe da Segurança Galáctica se acomodasse.
Mercant pôs em ordem seus relatórios registrados em chapas de plástico. Bell
controlou a impaciência. Mercant continuava a fazer sua arrumação.
“Que diabo!”, pensou Bell. “Mercant não costuma ser tão complicado.”
— Os antis... — principiou. Não prosseguiu.
— Mais alguém? — perguntou Bell, como se tivesse lido os pensamentos de
Mercant.
Este lançou um olhar de surpresa para o homem de cabelos ruivos e curtos.
— Os aconenses também. Posso apresentar meu relatório?
Bell fez que sim e recostou-se na poltrona.
— A Segurança descobriu com uma rapidez incrível os traidores que estavam
fornecendo informações aos blues. Trata-se de um grupo de antis. A cadeia de
informações foi desmantelada. Foi por intermédio desta cadeia que os gatasenses
receberam a conhecida série de artigos publicada no Correio Terrano. Graças aos
elementos que encontramos, entre os quais se inclui a memória de um potente
hipercomunicador, sabemos que os blues conhecem a posição galáctica de centenas de
importantes mundos, inclusive a Terra, Árcon I a III, Archetz, o mundo principal dos
saltadores, e finalmente Aralon.
Bell ficou calado.
Mercant prosseguiu no seu relatório.
— Quando as estações aconenses de hiper-rádio captaram as primeiras notícias do
front, nossos agentes constataram uma grande movimentação do Grande Conselho.
Nossos homens examinaram detidamente os participantes e descobriram muitos velhos
conhecidos. Entre nós os mesmos são conhecidos pelo nome de extremistas ou ultras. Os
representantes das tendências moderadas estão em fila há várias horas e não são
recebidos pelo Grande Conselho. Sabemos em parte o que se passa atrás das portas
fechadas. E o que descobrimos basta para que não nos entreguemos mais a ilusões.
— Pelo que se diz, os aconenses querem estabelecer um acordo com os blues.
Bell ainda não se manifestara.
Mercant acabara de transmitir sua notícia alarmante a quem de direito. Bell inclinou
o corpo, ofereceu um dos lados da escrivaninha e tirou uma garrafa de conhaque.
— Quer um, Mercant? — perguntou.
O marechal solar fez um gesto afirmativo. Antes que Bell sorvesse o primeiro gole,
perguntou:
— Estações de transmissor?
Era o ponto mais importante. No Sistema Azul o tráfego entre os diversos planetas
ainda continuava a ser feito por intermédio das estações de transmissor, e lá a rede era
muito mais densa que na parte arcônido-terrana do Império. Acontece que a rede do setor
terrano-arcônida também estava ligada à rede do Sistema Azul. Uma infiltração
conduzida a partir de Esfinge poderia ser levada a efeito em forma de assalto em algumas
centenas dos mais importantes mundos do Império, se...
— Bloqueadas! — disse Mercant em resposta à pergunta de Bell e tomou seu
conhaque.
— Totalmente?
— Totalmente — respondeu Mercant.
— Antis... Aconenses! É sempre a mesma coisa — disse Bell em tom deprimido. —
Mas não quero que pense que a situação me deixou louco, Mercant. Sabe o que mais
desejo? Que os aconenses rompam oficialmente com o Império. Pouco importa qual seja
a situação no momento em que for rompido o tratado. Os gatasenses também acabarão
reconhecendo que com a guerra não poderão ganhar nada. Mas estes aconenses cegos,
traiçoeiros e arrogantes precisam levar uma lição, para que deixem de funcionar como
ninho de discórdias no interior da Galáxia. Qual é sua opinião, Mercant?
— Isso são coisas do futuro, Bell. Vamos ficar no presente. Já não disponho de
material humano. A Segurança está desfalcada. A vigilância das estações de transmissor
consumiu minhas últimas reservas. Se surgir outro assunto a ser resolvido pela
Segurança, estarei condenado à inatividade.
A tela iluminou-se. Foi a estação de hipercomunicação de Terrânia que transmitiu
um relatório para Bell. Atlan, que se encontrava no setor 7 do front, comunicou que a
brecha aberta pelos blues já se ampliara para 28 anos-luz. Devia-se contar com um ataque
à Terra ou a M-13. Pelo que se calculava, cerca de oito mil naves de molkex tinham
passado pela brecha, para desaparecer no semi-espaço e seguir em direção ao Sol ou a M-
13.
— Saúde! — disse Bell assim que a tela voltou a escurecer.
Tomou um gole e fez uma careta.
— Hoje o Napoléon está com um gosto horrível.
— Teve alguma notícia do Chefe, Bell? — perguntou Mercant.
— Faz algumas horas que não tenho notícias dele. Ainda não pode ter chegado à
concentração de Hiesse. O que mais me preocupa é que a Eric Manoli se separou do
grupo de cruzadores. Quer dizer que o Chefe está viajando sem cobertura. E a penúltima
mensagem transmitida pelo Major Etele foi bastante clara.
— Ora, Bell! O senhor já ouviu dizer que alguma vez o Chefe deixou de ajudar a
alguém que se encontrasse em situação difícil?
— Logo a mim o senhor vem dizer isto, Mercant? Acontece que tenho de ficar
sentado neste lugar, em vez de participar da ação como chefe da antiga frota arcônida.
Há séculos era sempre a mesma coisa. Reginald Bell sentia-se extremamente infeliz
quando tinha de representar Perry Rhodan, por três dias que fosse. Era um homem
dinâmico que não fora feito para passar a vida atrás de uma escrivaninha, e nem mesmo a
idéia de enfeixar em suas mãos todos os poderes do Império o entusiasmava.
— E se os aconenses caírem nas nossas costas, Bell? — perguntou Mercant para
distraí-lo, pois conhecia as excelentes qualidades deste homem, que muitas vezes
escondia seus pensamentos atrás de frases atrevidas ou observações impulsivas.
Bell voltou a sorrir. Seus olhos brilhavam. Parecia ter esquecido o que dissera há
pouco a respeito do conhaque, pois voltou a encher o copo.
— Mercant — disse. — Prometo que se isso acontecer farei os aconenses do
Sistema Azul passarem por uma que eles não esperavam. Não se preocupe, pois não
pretendo destruir seus mundos. Quando represento o Chefe também comando os
mutantes, e com eles lhes ensinarei quanto custa a traição e que a mesma nunca
compensa.
Era impossível conversar sem ser interrompido.
Homer G. Adams disse que queria falar com Reginald Bell. Além de diretor da
General Cosmic Company, a maior potência comercial do Império, Adams exercia as
funções de ministro das finanças.
Bell não pôde deixar de receber Adams.
— Fique aqui, Mercant. Caso perceba que Adams me esmaga com seus argumentos,
o senhor me apoiará. Este homem era só o que me faltava hoje.
O homem pequeno de cabeça grande resmungou alguma coisa a título de
cumprimento assim que entrou. Os três conheciam-se desde o tempo em que Perry
Rhodan criou a Terceira Potência na Terra. Quando teve o primeiro contato com Rhodan
e Bell, Homer G. Adams acabara de sair da penitenciária.
Quem ainda pensava nisso? Quem falava a respeito? Ninguém, nem mesmo
Rhodan. Mas Homer G. Adams não conseguiu esquecer os anos passados na penitenciária
e os homens traiçoeiros que o fizeram cair numa armadilha.
Homer falou em parcelas de débito e crédito, e mencionou o fato de que mesmo no
Império duas vezes dois são quatro.
— Acontece que por aqui muita gente parece acreditar que duas vezes dois é igual a
mil. Mister Bell, como sei que o senhor costuma esquivar-se dizendo que não entende de
balanços, adaptei meus balanços às suas desculpas. Veja...
Entregou-lhe um bloco que acabara de tirar de uma pasta bastante velha.
— O que quer que eu faça com isto? — defendeu-se Bell. — Quer um Napoléon?
— perguntou.
— Quer envenenar-me? — perguntou Adams em tom penetrante. Ao que parecia,
não tinha o menor senso de humor. — Olhe estes números.
Bell olhou a contragosto. Havia um saldo negativo de 13,2 bilhões.
— É a bancarrota do governo, senhor Bell. Nem mesmo um império estelar suporta
um desperdício como este. Em três meses gastamos 13,2 bilhões mais do que temos. Não
estou mais nesta. Rhodan e o senhor receberão de volta o ativador celular, e eu me
demito. Fui contratado como ministro das finanças e organizador da GCC, mas não como
administrador de uma falência. Faço uma condição. Qualquer despesa superior a um
milhão de solares terá de contar com minha assinatura, do contrário a respectiva
autorização será inválida. Faça o favor de examinar a segunda página do bloco. Já fiz
uma minuta do contrato...
Mercant fez um gesto discreto para Bell. Sabia por experiência própria que o gênio
irascível do gordo logo levaria a melhor.
— Adams... — disse Bell com uma perigosa calma e segurou o bloco. — O senhor
é um idiota perfeito. Naturalmente farei o que o senhor deseja. Aceitarei todas as suas
exigências. Em compensação, as naves de molkex dos blues chegarão algumas semanas
antes à Terra e farão com o senhor o que fazem com bilhões de pessoas. Adams, se daqui
a cinco minutos o senhor ainda me estiver molestando em vez de quebrar a cabeça para
descobrir um meio de arranjar os recursos necessários, eu lhe mostrarei quem é o
representante de Rhodan. Entendido?
Homer G. Adams ficou bastante pálido. Não se lembrava de que alguém tivesse
falado desta forma com ele depois que passara a cuidar das finanças para Rhodan.
Mercant entregou-lhe o bloco.
— Adams, os aconenses pensam em amotinar-se. Um grupo de antis revelou a
posição da Terra, de Árcon e de outros planetas importantes aos blues. Estes lançaram o
primeiro ataque contra nossa frota e conseguiram abrir uma brecha de quarenta e oito
anos-luz no front. A Segurança dispõe de menos de meia centena de homens que possam
ser lançados numa operação, porque todos estão em ação. Ao que parece, grandes grupos
de naves de molkex aproximam-se da Terra ou de M-13. Mais alguma pergunta?
— Isso não é um blefe?
— Não, Homer, minhas palavras retratam a situação real do Império. E agora o
senhor já sabe o que foi feito com os bilhões. Foram investidos em armamentos.
— Se nos próximos dias eu não dispuser de mais alguns bilhões, o diabo cuidará do
senhor, Adams... — ameaçou Bell.
— Pode-se conversar civilizadamente com o senhor? — perguntou Adams, que
recuperou o autocontrole num tempo espantosamente curto.
— Se arranjar o dinheiro, sim — respondeu Bell em tom áspero.
— De quanto precisa neste mês, senhor Bell?
Bell virou lentamente a cabeça e olhou demoradamente para Mercant.
— Ele tem os recursos — gemeu. — Eu sabia que dispõe de reservas ocultas. E
vem nos acusar de que estamos desperdiçando o dinheiro. Quer mais um Napoléon,
Mercant?
— Bell — voltou a intervir Adams — o senhor não poderia deixar o veneno mais
um pouco na garrafa? Indique o total de que precisa. Afinal, preciso de algum tempo para
liberar o dinheiro. Isto não pode ser feito de uma hora para outra.
Bell lançou um olhar amável para o homem pequeno de cabeça grande.
— Adams, não procure enganar-nos. Os recursos existem. Não posso prever de
quanto precisarei. Afinal, nossa existência está em jogo, e para conservar a mesma até
estou disposto a arriscar a bancarrota do governo. Bem, acho que já sabe de quanto
dinheiro precisa o Império.
Homer G. Adams sempre fora uma sumidade em sua área. Ficou impressionado
com a exposição de Reginald Bell sobre a situação militar. Olhou com uma expressão
pensativa para um ponto distante. De vez em quando sacudia a cabeça.
— Preciso pensar numa coisa — disse baixinho de si para si. — Sim, é isto... — E
depois de algum tempo: — Bem, talvez seja um bom meio.
Voltou a olhar para os dois homens. Levantou-se, guardou o bloco na pasta surrada,
fechou-a cuidadosamente, hesitou um pouco e disse em tom deprimido, como se estivesse
confessando um crime:
— Bell, o senhor pode dispor imediatamente de cinco bilhões. No mês que vem
poderei liberar mais oito ou nove bilhões. Fiquei economizando mais de cem anos,
somente para que as reservas da Humanidade sejam devoradas pelo monstro chamado
guerra. É uma pena...
Bell preferiu não responder. Deixou que Homer G. Adams se retirasse e suspirou
profundamente quando o mesmo se encontrava do lado de fora. Pegou apressadamente a
garrafa, encheu seu copo e o de Mercant e disse:
— Por pouco não me deixei influenciar pelas falas de Adams. Mas quando me
lembrei de que dentro de pouco tempo os blues poderão pôr as mãos em nós, fiquei
furioso. O que foi mesmo que eu lhe disse?
— A verdade, Bell — respondeu Mercant. — Você foi bastante grosseiro, mas
franco. Acontece que eu poderia esperar tudo, menos um resultado favorável. Quando
Adams nos ameaçou de devolver o ativador celular, também cheguei a acreditar que
nossas finanças estavam falidas.
— Eu também. E continuo a acreditar que Adams estava dizendo a verdade. Santo
Deus, O senhor é capaz de imaginar que uma pessoa seja capaz de perder a chance de
viver eternamente, somente para guardar alguns bilhões?
— Posso imaginar, Bell. Basta pensar em Adams. Uma pessoa que dá mais valor ao
seu senso de responsabilidade que à própria vida merece uma estátua de ouro.
Bell acenou com a cabeça para o marechal solar.
— Saúde, Mercant — disse. — Vamos beber pela saúde de Homer G. Adams.
7

A Eric Manoli corria pelo semi-espaço, em direção à concentração de Hiesse. Na


grande sala de comando desenvolvia-se uma atividade muito intensa, mas esta não
degenerou em nervosismo. Quatro oficiais estavam parados junto à impotrônica, e dois
perto do sistema de transmissão de dados. As tarefas tinham sido fornecidas ao
computador de bordo. O mesmo deveria calcular uma posição na concentração estelar, a
partir da qual a Eric Manoli pudesse descer dentro de alguns minutos em Labin-1. Além
disso o computador deveria calcular quanto tempo demoraria, depois de alcançada esta
posição, até que o grupo de cruzadores pesados atingisse a concentração de Hiesse.
A solução do último problema foi a primeira a ser expelida da fenda. Perry Rhodan,
que se encontrava há algumas horas na sala de comando, não esperara outra coisa. Nem
sequer tinha certeza de que o grande computador seria capaz de solucionar o primeiro
problema, pois as condições astrofísicas no interior da concentração estelar eram tão
turbulentas que, mesmo que as coordenadas fossem fixadas com a maior precisão, a
descida no planeta seria uma operação perigosíssima, que poderia representar o fim da
supernave.
Na solução do segundo problema, a impotrônica admitiu o centro da concentração
como destino fictício. Face à dilatação insignificante da concentração circular, uma
diferença de dez ou vinte anos-luz seria irrelevante em relação à duração total do vôo.
Rhodan examinou a folha de plástico. Não gostou do resultado. Se as informações
de Etele a respeito da presença de um grande grupo de naves de molkex eram corretas —
e não havia por que duvidar da exatidão das mesmas — a Eric Manoli não poderia
arriscar-se a penetrar na concentração estelar sem dispor da proteção de outras naves.
No momento em que sua nave saísse do espaço linear e penetrasse no contínuo
espácio-temporal normal, três horas e quarenta minutos, tempo padrão, a separariam do
grupo de cruzadores. Em outras palavras, este seria o intervalo de tempo no momento em
que a Eric Manoli atingisse um ponto no interior da concentração situado nas imediações
de Labin-1.
Era um tempo muito longo.
Rhodan agiu imediatamente. A nave-capitânia deixou de acelerar no semi-espaço.
Dali a dez minutos a impotrônica forneceu a solução do segundo problema. As
coordenadas foram fixadas para um espaço de três horas. Fosse qual fosse o momento em
que a gigantesca nave penetrasse na concentração, dentro desse espaço de tempo haveria
a localização cosmográfica para qualquer minuto.
— Deixaremos que o grupo de cruzadores se aproxime a quarenta e cinco minutos
— decidiu Rhodan.
Sua presença na sala de comando já não era necessária. Retirou-se para seu
camarote.
***
O grito de Evyn Moll chamou a atenção dos homens para os gafanhotos córneos
que se aproximavam. Os cento e cinqüenta tripulantes da Babota, que esperavam estar em
segurança por algumas horas sem serem descobertos pelos gatasenses, tinham agora de
fugir do perigo violeta.
Mas a perigosa invasão não vinha somente pelo vale. Descia também pelo flanco
esquerdo da montanha, onde era mais grave o perigo que ameaçava Etele e seus homens.
— Não se dividam em pequenos grupos — ordenou Etele e passou a cuidar da
jornalista. — Ainda consegue andar?
Um sorriso forçado surgiu no rosto da moça. Seus olhos exprimiam um medo
terrível.
Enquanto lutava ao lado do major para atravessar o musgo que atingia seus joelhos,
seus olhos procuraram Bill Ramsey. Bem juntos, os homens atravessaram o vale em meio
ao musgo e ao calor. Onde quer que lançasse os olhos, Evyn não conseguia descobrir
Ramsey.
— Major... — disse ofegante — onde está o Tenente Ramsey?
— Deve estar em algum lugar. Talvez na ponta do grupo.
Etele não se sentiu muito bem ao dar esta resposta. Não conhecia muito bem o
Tenente Ramsey, mas também já se admirara por que o mesmo ainda não aparecera ao
lado da jornalista.
— E se não estiver conosco, major? Ouviu-se então um grito vindo da frente.
— Gafanhotos à esquerda! Depressa, senão eles nos localizam!
— Corra, senhorita, corra! — insistiu Etele, enquanto a segurava pela mão e a
arrastava consigo.
— Sabe lidar com uma arma energética? — perguntou.
Evyn fez que sim.
— Tome. Já está destravada. Se tiver sorte, pode ser a única salvação, desde que se
trate de uma única lagarta. Entendido?
Evyn voltou a fazer um gesto afirmativo. De repente, a vegetação em forma de
musgo ficou para trás. Um campo de pedras cem vezes pior que o musgo estendia-se à
sua frente.
Para todos os lados que olhava, Etele via homens caindo.
— Ali! Vêm aos milhares — gritou Evyn em pânico.
Os gafanhotos córneos desciam pela encosta em saltos largos. Para infelicidade da
tripulação, o vale foi-se estreitando em forma de mangueira. A chance de deslocar-se
mais depressa que os gafanhotos que tentavam cortar-lhes o caminho diminuía a cada
segundo.
De repente aconteceu aquilo que Etele receara. O resto dos homens fez meia-volta.
Recuavam dos traiçoeiros animais; porém atrás deles também avançava a onda de
monstrinhos.
Eyko Etele lançou um olhar desesperado para a encosta escarpada que se estendia
ao lado. Subia quase verticalmente e parecia ser totalmente lisa.
Se não acontecesse um milagre, estariam perdidos.
De repente o céu se escureceu. Na altura da montanha rochosa que ficava à sua
esquerda surgiu uma longa fileira de quatorze naves de molkex. Nenhuma delas
encontrava-se a mais de mil metros de altitude.
Os gatasenses não poderiam deixar de ver os terranos em fuga, cercados pelos
gafanhotos.
Todos esperavam o primeiro tiro energético.
Não veio. Em compensação as lagartas aproximavam-se ininterruptamente.
— Vamos, minha gente! Seja lá o que for... É preferível ser morto por um tiro
energético — gritou Etele o mais alto que pôde.
As naves de molkex foram passando lentamente sobre o vale estreito. Quando
metade tinha passado, o resto subitamente mudou de rumo, atravessou o vale e afastou-se
acelerando fortemente.
Etele deu vazão ao desespero.
— Será que realmente devemos servir de comida a estas lagartas?
A área livre em que se encontravam ficava cada vez menor. A direita o paredão de
rocha barrava-lhes o caminho, enquanto o exército de gafanhotos avançava
inexoravelmente da esquerda.
A alguns metros de distância três homens soltaram um grito e apontaram para cima.
O major levantou a cabeça — e ficou estupefato. Bem em cima deles, a mais de cem
metros de altura, alguém passava num traje voador.
— É nosso modelo! — exclamou alguém.
Etele não pôde reconhecê-lo, mas viu que o homem que usava o traje voador descia
em sua direção em alta velocidade. Pousou elegantemente ao lado do major e da
jornalista.
— Bill! — gritou Evyn, caindo nos seus braços, e viu através do visor do capacete
os graves ferimentos que ele apresentava no rosto.
— Ramsey, de onde veio o senhor? — perguntou Etele em tom áspero.
Ramsey abriu o capacete.
— Major, é uma questão de segundos. Dobrem por este canto. Por lá poderão subir.
Estão vendo as feras?
Via-se os gafanhotos saltarem em linha reta, vindos de duas direções diferentes.
Haviam localizado os homens.
— Onde? Onde é mesmo, Ramsey?
— Voarei na frente, major! — voltou a fechar o capacete, enlaçou Evyn pela cintura
e subiu com ela. — Segure-se! — gritou.
Ramsey saiu voando uns vinte metros acima dos homens, que voltaram a criar
coragem. Para eles era um mistério como o tenente conseguira arranjar um traje voador,
enquanto eles por pouco não perderam a vida.
Segurando o peso, parou no ar acima deles. Os primeiros homens já tinham visto a
fenda íngreme, que subia num ângulo de mais de trinta graus até o topo da montanha.
Dali a pouco Ramsey pediu que cada um desse tudo de si.
Os primeiros homens já estavam subindo de quatro. Os outros seguiram-nos.
Ramsey subiu com Evyn, largou-a no alto e desapareceu.
Etele e Multon foram os últimos da longa fileira.
O destino parecia estar reservando a morte violeta para os dois. A menos de trinta
metros as lagartas perseguiam-nos com saltos rápidos. Podia-se contar nos dedos de uma
mão quanto tempo levariam para atingir os dois homens e matá-los com seu terrível
ácido.
Ramsey, que notara o perigo, desceu em silêncio e pousou entre Etele e Multon.
Comunicou-se com eles através de alguns gestos. Queria que se agarrassem a ele,
mas sem tirar a liberdade de movimentos de seus braços.
Assim que colocaram os braços em torno de seu tórax, Ramsey ligou o campo
antigravitacional para a potência máxima. Levou menos de um minuto para largar o
major e Multon ao lado de Evyn.
Realizou mais três intervenções deste tipo. Finalmente o último homem encontrava-
se no topo da montanha. Bill voou mais para o alto e fez um sinal para que os outros o
seguissem.
Conduziu-os pelo ponto mais alto da montanha. Nem mesmo Evyn Moll ouviu o
gemido que soltou embaixo do capacete. O ferimento grave que sofrerá do lado direito do
rosto ardia como fogo. As dores eram tão fortes que teve a impressão de que a cabeça
deveria estourar a qualquer momento.
Pouco antes da queda da Babota, Bill chegara ao convés em que ficava o camarote
no qual Evyn Moll estava trancada. Foi quando um impacto nas imediações provocou
uma explosão que o atirou num canto. Não sabia por quanto tempo ficou inconsciente.
Quando recuperou os sentidos, teve a impressão de que enlouqueceria de dor. Levou
algum tempo para compreender que estava ferido na cabeça. Não sabia dizer o que o
levara a encontrar o lugar em que estava guardado o material de primeiros socorros. Mas
suas esperanças se desvaneceram. Não havia nada no recipiente, além de um
medicamento ara para estancar o sangue. O resto fora arrancado pelas explosões.
Ouviu o incêndio atômico que rugia no interior da Babota. Sabia que não
conseguiria chegar à eclusa. Sentiu-se dominado pelo pânico. Foi subindo pelas escadas
de emergência, até tropeçar num traje voador.
Nunca lhe ocorrera que um dia um traje voador pudesse salvar sua vida.
Esqueceu as dores. Enfiou-se no traje voador e continuou a subir pelas escadas de
emergência, até a torre de canhões polar.
Ficou parado. A roda manual estava emperrada. Não conseguiu abrir a saída de
emergência, que se destinava aos reparos nos projetores de raios energéticos. A
decomposição atômica espalhava-se vertiginosamente pela nave. Mais uma vez Bill
tentou acionar a roda manual da saída para um homem. O medo deu-lhe forças tremendas
— por fim a roda moveu-se.
Conseguiu passar pela abertura. Foi subindo, apenas para dentro de alguns segundos
cair que nem urna pedra. Uma nave de molkex o avistara e abriu fogo contra ele.
Deixou-se cair como se fosse um suicida. Graças à excelente técnica do seu traje
voador evitou que se espatifasse no solo. Freou menos de cinco metros antes de tocar o
solo e pousou suavemente.
Dentro de poucos minutos a rocha entrou em ebulição em torno dele. Seu traje
resistira ao calor infernal liberado pelo tiro energético disparado por uma nave de
molkex! Assim que teve certeza de que os gatasenses se tinham afastado, Ramsey voltou
a subir e saiu à procura de Evyn Moll e dos tripulantes da Babota.
Constantemente seus olhos radiantes fitavam Evyn. O que trouxera os dois para
Labin-1 estava esquecido. Estava tudo esquecido!
Foram avançando durante mais de uma hora pelo espigão da montanha. Por duas
vezes Ramsey teve de sair voando, para descobrir o melhor caminho. Quando retornou do
último vôo de reconhecimento, pousou ao lado do Major Etele e disse:
— O senhor tem de assumir novamente a direção do grupo, major. Os homens que
ainda se encontram no vale não podem avançar mais. Dentro de trinta minutos, no
máximo, serão alcançados pelos gafanhotos. Prossiga sempre na direção norte. Quando
atingir três rochas esféricas, desça para o vale pelo lado direito. Há meia hora ainda não
havia um único gafanhoto córneo por lá. Combinado, major?
— Combinado, Ramsey. Vai fazer com que os outros se unam a nós?
— Farei o possível. Mas... mas gostaria de fazer um pedido, major.
Etele imaginava o que Ramsey desejava. Antes que o tenente se martirizasse para
proferir as frases necessárias, disse:
— Fique tranqüilo. Cuidarei da senhorita Evyn.
Mas havia uma coisa mais importante que cuidar da jornalista.
— Deixe-me ver essa ferida, Ramsey. Não estou gostando nem um pouco...
— Depois, major, quando tivermos mais tempo — gritou Ramsey e saiu voando.
Eyko Etele seguiu-o com os olhos. Estava pensativo. Com o maior prazer faria uma
revisão do juízo que fizera do jovem tenente, com base em uns poucos dados. Já não
lamentava que o homem enviado numa missão punitiva se encontrasse entre os
tripulantes de sua nave.
***
Mais de trezentas unidades robotizadas de trabalho dos aras encerraram o trabalho.
O serviço estava feito. O novo hipertron trazido da Terra fora montado, o respectivo
suprimento tinha sido instalado e controlado. Só faltava o controle do próprio hipertron.
A programação dos robôs não incluía qualquer conhecimento a este respeito. E a
Terra não enviara nenhum homem-máquina terrano, porque na área do Sistema Solar
também não havia forças de trabalho programadas nesta área de conhecimentos.
O engenheiro Labkaus fez uma proposta a Tyll Leyden e mais três colegas.
— Eu? Não, obrigado — respondeu Leyden.
Os outros colegas imitaram seu exemplo.
— O colega Taylor é especialista nesta área — ponderou Leyden. — Cabe a ele
fazer o teste de funcionamento do hipertron.
Nunca encontrara uma concordância tão entusiástica entre os colegas. Ninguém se
atrevia a trabalhar com o acelerador de partículas desconhecido.
As instruções de funcionamento do hipertron compreendiam somente 118 folhas de
plástico.
Tyll Leyden recusou-se a ler as mesmas. Labkaus manifestou sua contrariedade:
— Não se faça de mais bobo do que é, Leyden. Afinal, o senhor montou um mini-
hipertron aqui em Aralon...
Leyden interrompeu-o com a maior tranqüilidade:
— E o resultado foi que as coisas voaram em torno da cabeça da gente. Será que
isso pode ser considerado uma prova de competência?
Fitou Labkaus com uma expressão estranha, o que deixou este bastante desconfiado.
Será que Leyden queria pregar uma peça ao seu colega e chefe Horace Taylor?
— Leyden, nesta altura cada minuto conta. Cada minuto que começamos mais cedo
pode afastar o perigo tremendo que ameaça todas as espécies humanóides da Galáxia.
Mas Leyden e seus três colegas declararam-se incompetentes. Furioso com a recusa,
Labkaus alarmou Taylor, o especialista em hipergravitação.
Labkaus olhou em torno, à procura dos outros, mas viu que os mesmos já tinham
saído do salão em que estava montado o hipertron.
Dali a pouco Taylor entrou correndo com sua equipe de confiança. Para ele o
aparelho também representava um terreno totalmente novo. Pôs-se a estudar
apressadamente as complicadas instruções de uso, que tinham sido estruturadas de tal
forma que qualquer técnico poderia familiarizar-se rapidamente com a matéria. Vinte e
três folhas de plástico tratavam do controle central.
Dali a quatro horas estava em condições de começar.
O sistema de energia emitia um leve zumbido, à espera do momento em que
transmitiria suas forças ao hipertron.
Taylor ligou o primeiro estágio. Seu painel de controle parecia o posto de comando
de uma nave. O hipertron começou a rugir baixinho, protegido por campos energéticos
superpotentes, que retinham qualquer tipo de radiação prejudicial.
Taylor preferiu não ligar o isolamento acústico.
Passou pelos estágios 2, 3 e 4, e finalmente chegou ao estágio 5.
O conversor 8 falhou. Os de números 11 e 14 mostravam grandes variações de
desempenho. O 7 entrou em pane. O controle principal do comando impotrônico de relê
entrou em ação.
De repente o silêncio passou a reinar no gigantesco pavilhão.
A primeira tentativa de pôr o aparelho em funcionamento fora um fracasso.
A segunda também não foi bem-sucedida. Quando o terceiro turno teve início,
Horace Taylor e sua equipe desistiram. Mal conseguiam agüentar-se sobre as pernas, e,
muito preocupados, perguntavam a si mesmos por que nas várias tentativas frustradas os
conversores tinham falhado. Justamente estes eram conhecidos de quase todo mundo
quanto às suas funções, e tinham sido construídos com tamanha segurança que a falha era
quase impossível.
O engenheiro Labkaus já tinha se retirado há horas. Procurara em vão por Tyll
Leyden. Ninguém sabia dizer onde se encontrava o jovem cientista, que se afastara sem
avisar ninguém.
Pa-Done era o único que sabia que Leyden se encontrava na central de
hipercomunicação e estava entretido numa palestra com os aras que já durava cinco
horas.
O médico galáctico estava sentado a seu lado e não parava de espantar-se. Seus
conhecimentos de Física eram bastante falhos, mas apesar disso estava em condições de
avaliar se alguém era um sabe-tudo na área imensa da Física, ou se não passava de um
especialista.
Leyden era um sabe-tudo. No entanto, falava há mais de quatro horas com os
maiores corifeus de Terrânia.
Em Terrânia era noite. O chamado de Leyden tirara os cientistas da cama. Disse-
lhes o que não sabia, e era muita coisa. Formulava perguntas sem parar. Não se
preocupava em revelar as lacunas de seu conhecimento. Mas aprendia com uma rapidez
extraordinária. Mas o que deixava Pa-Done cada vez mais espantado era que o poder de
combinação de Leyden permitiu ao mesmo reconhecer constante-mente novas ligações,
que os homens de Terrânia não tinham mencionado.
O custo da palestra extremamente longa já atingia mais de 20.000 solares. Por vinte
vezes Leyden assinara um vale de mil solares e o expedira pelo elevador luminoso.
Pa-Done perguntou-se, bastante preocupado, se só com isso Leyden não estaria
passando das suas atribuições.
— Permite que recapitule — disse o Professor Anagal, interrompendo a fala de
Leyden. — Teoricamente deve haver uma possibilidade de modificar o hormônio B com
o hipertron. Não se tem qualquer conhecimento experimental ou teórico de como pode
ser forçado o fenômeno de superposição?
— Em todo o Império não existe ninguém que possa ajudá-lo nisso, Leyden. Não
quero deixar de mencionar que me recusei a colaborar na solução do problema. Meus
conhecimentos concentram-se demais na área teórica.
A palestra entre Aralon e Terrânia durou sete horas e dezoito minutos. Preço total:
39.645 solares. Sem pestanejar, Leyden referendou este preço.
Levantou-se, mexeu as juntas endurecidas e disse, dirigindo-se a Pa-Done:
— Acho que já posso começar, se Taylor permitir que eu trabalhe no hipertron.
— Aprendeu tanta coisa durante a palestra, Leyden? — perguntou o ara, espantado.
— Acredito que sim. Vamos ver o que acontece.
Foi tudo que Leyden teve para dizer. Saiu da sala de rádio com o bloco cheio de
anotações embaixo do braço e pediu que o planador o levasse à entrada do centro de
pesquisa subterrâneo.
***
Atlan tomou uma decisão arriscada.
A brecha no setor 7 do front ainda tinha quatro anos-luz de largura, e os grupos de
naves de Atlan não conseguiram impedir a infiltração de outras naves de molkex. Apesar
disso, o lorde-almirante retirou 18.000 espaçonaves de todas as classes da ala esquerda e
mandou que as mesmas se dirigissem às pressas à concentração de Hiesse.
O último pedido de socorro do Major Etele levara-o a agir assim, já que as
experiências feitas com os gatasenses lhe haviam ensinado que os mesmos não deviam
ser subestimados.
Era a única coisa que o arcônida podia fazer. Do ponto de vista puramente tático a
operação quase chegava a ser uma irresponsabilidade. Acontece que o Império viveria ou
morreria com Perry Rhodan.
Era só graças ao dinamismo desse homem extraordinário que este império
interestelar ainda existia, e que seu núcleo era sadio.
Acontece que naquele momento Atlan ainda não desconfiava do comportamento
traiçoeiro dos aconenses, que queriam separar-se do Império e pretendiam romper o
tratado do ano 2.115.
Bell, que nessa época de crise desconfiava de qualquer transmissão pelo
hipercomunicador, enviara uma nave com um mensageiro à frente de combate, para que
Atlan fosse informado sobre os acontecimentos, mas esta nave ainda se encontrava no
semi-espaço, em pleno vôo de aproximação à nave-capitânia do arcônida.
8

A concentração de Hiesse com seus 49 sóis apareceu nitidamente na tela do


rastreador. A Eric Manoli continuava a correr pelo espaço linear, mas não estava distante
o momento em que ela se precipitaria na estrutura espácio-temporal comum para sair
perto de Labin-1.
Quarenta e cinco minutos depois disso chegaria o grupo de cruzadores, que cruzaria
na área para proteger a nave-capitânia do Chefe.
A sala de rádio transmitiu o sinal de alarme para Rhodan, que há uma hora se
encontrava novamente na sala de comando.
— Mensagem importante do lorde-almirante, senhor.
— Transfira para cá — ordenou Rhodan e aproximou-se da tela.
A mensagem foi recebida em texto claro. Atlan limitou-se a comunicar que 18.000
espaçonaves de todas as classes estavam a caminho da concentração de Hiesse.
A tela voltou a escurecer. Rhodan olhou para o cronômetro, que indicava o tempo
X. Dentro de oito minutos sua nave voltaria ao espaço normal.
A transição teve início. Passando pela face noturna de Labin-1, a Eric Manoli
desceu no calorento mundo de oxigênio. No mesmo instante os aparelhos de rádio e o
rastreamento detalhado entraram em atividade.
A busca dos tripulantes da Babota foi iniciada com todos os recursos disponíveis.
A mensagem foi repetida ininterruptamente:
— Aqui fala a Eric Manoli! Responda, Babota! Aqui fala a Eric Manoli! Responda,
Babota!
Dali a alguns minutos chegou a resposta transmitida por um aparelho de
minicomunicação.
— Aqui fala a Babota! Responda, Eric Manoli! Aqui fala a Babota! Responda, Eric
Manoli!
A radiogoniometria determinou a posição da qual o Major Etele estava chamando a
Eric Manoli. A queda rápida da gigantesca nave esférica terminou numa curva suave. A
nave-capitânia de Rhodan correu em torno do planeta Labin-1 e penetrou na luz da face
diurna.
Uma cadeia de montanhas nuas apareceu na tela. As sombras alongadas davam-lhe
um aspecto ainda mais grotesco. Quando alcançou a altitude de 10 000 metros, a nave
freou com todas as forças, reduzindo a velocidade para quinhentos quilômetros por hora.
A nave estava em rigorosa prontidão. Todas as torres de canhões estavam prontas para
entrar em combate. O oficial de armas concentrava-se em cima de sua impotrônica de
comando de tiro. As máquinas da nave uivavam. Todos os geradores estavam
funcionando muito além da capacidade tolerável.
As notícias do Major Etele chegavam ininterruptamente. A sala de rádio fez a
transferência diretamente para a sala de comando, para que o Chefe recebesse as
informações mais importantes sem qualquer demora.
Como sempre acontecia nas situações perigosas, Rhodan irradiava calma. Vez por
outra olhava para a tela, que exibia um mundo cuja superfície fora devorada pelos
gafanhotos córneos.
— Mais trezentos e dezoito quilômetros, senhor, e estaremos em cima dos homens.
— Aumentar a velocidade. Dentro de dez minutos quero ver todos a bordo — disse
Rhodan com a maior tranqüilidade.
De repente Labin-1 parecia girar vertiginosamente embaixo da nave, porém estava
acontecendo exatamente o contrário. Rompendo o forte isolamento acústico, o uivo dos
motores saía da protuberância equatorial. A Eric Manoli, que avançava em disparada a
menos de 4.000 metros de altura, estava provocando um furacão em Labin-1.
— Faltam cem quilômetros — informou alguém.
Assim que o planalto que lhes fora indicado surgiu embaixo da nave, esta foi
baixando rapidamente. A Eric Manoli balançou ligeiramente sobre as colunas
telescópicas, quando estas tocaram o solo.
A eclusa principal abriu-se instantaneamente. A rampa desceu em disparada. O
destacamento da comporta viu cento e cinqüenta homens correrem rampa acima. Um
único homem não estava correndo. Era Bill Ramsey, que voou para dentro da nave-
capitânia do Administrador Geral.
***
Reginald Bell estava falando com Aralon.
Horace Taylor foi arrancado da cama e levado para a frente do aparelho que o ligava
com a estação de hipercomunicação.
— Não senhor — disse, depois que Bell tinha derramado uma verdadeira torrente
de perguntas sobre ele. — Ainda não conseguimos testar o funcionamento do hipertron.
Os conversores falharam um após o outro. Ainda não descobrimos a causa do defeito.
— Por que não pediu a presença de especialistas? — perguntou Bell em tom áspero.
— Posso contar-lhe uma novidade, senhor Taylor? Aralon fica a apenas 38 anos-luz dos
limites do grupo estelar M-13. Nas condições atuais é apenas um pulo, inclusive para os
gatasenses, que resolveram dar uma pequena olhada em M-13. E acho que não preciso
explicar o que isso significa para os blues. E numa hora destas o senhor está na cama?
Ficou cansadinho, senhor Taylor?
— Senhor — objetou Taylor, que praguejou contra o destino que o transformara no
chefe do grupo terrano de pesquisa que trabalhava em Aralon. — Eu e meus
companheiros trabalhamos até cair de cansaço...
— Acontece que o senhor parece bem descansado, Taylor. Providenciou para que
outra equipe trabalhe no hipertron?
— Num aparelho precioso como este, senhor?
Taylor não deveria ter feito esta observação.
E Reginald Bell deu a resposta merecida. Esbravejou durante dois minutos e
finalmente gritou em tom de comando:
— Traga imediatamente o mais antigo dos seus especialistas. Quanto ao senhor, não
quero vê-lo nos próximos cem anos, seu...
O especialista mais antigo era o engenheiro Labkaus, que nunca tivera a honra de
falar com Reginald Bell.
Moralmente arrasado, Horace Taylor assumiu um comportamento histérico quando
apareceu no pequeno laboratório de Labkaus.
Espantado, Labkaus fitou o especialista em hipergravitação. Quando finalmente
conseguiu concluir da fala confusa do colega o que este queria, dirigiu-se imediatamente
ao setor de comunicação.
— Meu nome é Labkaus, senhor — anunciou.
Perguntas e respostas foram trocadas entre Aralon e a Terra.
— Não quer encarregar-se do hipertron, Labkaus? — perguntou Bell.
— Não entendo muito do assunto, senhor. Além disso, não acho recomendável, na
situação atual, incumbir outro colega desse trabalho. O hipertron está em boas mãos.
— Não venha me falar em Taylor! — gritou Bell, furioso.
— Não, senhor. As experiências do senhor Taylor fracassaram. Mas há pouco
menos de uma hora nosso colega Leyden iniciou a primeira série de experiências com o
hormônio B...
— Sem ordem de ninguém? — perguntou Bell em tom penetrante.
— Não é bem assim, senhor — respondeu Labkaus apressadamente. — Quando a
instalação do hipertron foi completada, convidei-o a realizar experiências com o mesmo,
mas ele recusou.
Depois disso as palavras foram brotando de sua boca. Labkaus também aludiu à
despesa de 39.645 solares com uma única palestra de hipercomunicador com a Terra.
Labkaus pediu em nome de Tyll Leyden que o segundo homem mais poderoso do
Império autorizasse essa despesa a posteriori.
— Mesmo que Leyden tivesse gasto um milhão, isso não importaria — gritou Bell.
— Quer dizer que neste momento ele está realizando a primeira série de experiências
com o hormônio B? Ouça, meu caro. O senhor é o mais antigo do grupo. A partir deste
momento o senhor assumirá a direção geral do mesmo. Por enquanto Taylor está de
férias. Deixe que Leyden trabalhe à vontade. Entendido? Se Leyden manifestar qualquer
desejo ligado às experiências, sua tarefa mais importante consistirá em fazer uma ligação
imediata para Terrânia e requisitar aquilo que Leyden desejar. As despesas não importam.
Repito o que disse há pouco a Taylor. Há uma hora as primeiras naves de molkex
apareceram nas áreas periféricas de M-13, e em virtude da traição praticada pelos antis os
pêlos-azuis conhecem a posição galáctica de Aralon. O senhor compreendeu que para
toda a raça humanóide é um segundo para as doze?
***
O Major Eyko Etele apresentou seu relatório ao Chefe.
O Tenente Bill Ramsey foi levado ao hospital da nave, onde os médicos o tratavam
com os melhores remédios existentes entre as estrelas.
— Dentro de noventa horas estará tudo bem. Só restarão algumas cicatrizes —
disseram para tranqüilizá-lo.
— E as cicatrizes? Ficarão para sempre? — perguntou Bill Ramsey.
— As cicatrizes podem ser removidas, tenente, mas só numa clínica especializada
da Frota.
O ruído ensurdecedor que sacudiu a gigantesca Eric Manoli durou três segundos.
Um dos costados da nave acabara de disparar uma salva energética. Isso significava que
os blues tinham chegado em suas naves de molkex.
Aquilo que no hospital não passava de uma suposição já era conhecido há tempo na
sala de comando. A nave-capitânia, seguida pelo grupo de cruzadores pesados, atingira a
concentração de Hiesse e a encontrara hermeticamente fechada. As mensagens de rádio
informavam que pelo menos dez mil naves dos pêlos-azuis cercavam o pequeno grupo
estelar. Os cruzadores do Império realizaram quatro tentativas de romper as linhas, mas
as mesmas fracassaram. Numa delas foi perdida uma nave.
Depois que a nave abriu fogo, Perry Rhodan interrompeu a palestra que vinha
mantendo com o Major Etele.
— Venha comigo — pediu. Os dois correram apressadamente à sala de comando.
A Eric Manoli já se encontrava novamente na face noturna de Labin-1. Os
resultados do rastreamento e as declarações de Etele confirmaram que por lá havia
molkex puro que poderia ser extraído com os recursos terranos. A utilização de aparelhos
de tração e radiação, que permitiria a coleta da cobiçada substância segundo os métodos
dos blues, era impossível.
Durante o vôo de aproximação à área em que o molkex — área próxima ao avanço
dos gafanhotos — ainda não endurecera, a nave-capitânia se defrontara com um grande
grupo de naves de molkex.
Rhodan não tinha possibilidade de pedir o auxílio de cruzadores pesados. As
mesmas não conseguiriam atravessar a barreira que os blues haviam instalado em torno
da concentração estelar. E as 18.000 naves que Atlan tinha enviado à concentração de
Hiesse ainda estavam a caminho e demorariam pelo menos quatro horas.
Contra todas as expectativas, a concentração de Hiesse transformara-se no ponto
central do conflito bélico entre os homens e os blues. Rhodan expediu uma mensagem
para todos os comandantes de cruzadores, para que não penetrassem na concentração
através do espaço linear, a não ser que a Eric Manoli transmitisse um pedido de socorro.
A gigantesca nave estava atirando com todos os canhões energéticos, mas tal qual as
outras naves do Império... não estava conseguindo nada.
— As naves de molkex estão em toda parte, senhor! — gritou alguém para Rhodan.
O Major Etele, que nunca vira Perry Rhodan numa situação perigosa, sentiu a calma
que o mesmo irradiava.
— Localizem a frente de avanço das lagartas. Depois façam o mapa. Temos de
arranjar molkex em algum lugar. Procurem lembrar-se de alguma coisa.
Os canhões energéticos trovejavam ininterruptamente. Etele mal se atrevia a olhar
para a tela panorâmica. Novas naves de molkex aproximavam-se, vindas de todos os
lados. Até parecia que os gatasenses sabiam que a Eric Manoli não dispunha de qualquer
arma capaz de romper suas blindagens, pois abriam seu fogo concentrado a grande
distância.
O gigantesco campo protetor energético da nave esférica estava sendo ameaçado de
rompimento em dezessete pontos ao mesmo tempo. Fazendo os jatopropulsores
funcionarem a plena potência, a Eric Manoli subiu em disparada, parecendo dirigir-se ao
espaço livre, mas logo se desviou da rota, desceu ainda mais depressa do que tinha subido
e procurou atingir a face diurna de Labin-1.
As naves dos blues não conseguiram acompanhar a mudança abrupta do curso. Só
umas poucas saíram em perseguição da nave terrana.
De repente outra frota de naves dos blues, vinda do sul veio ao encontro da nave
terrana.
Os campos defensivos da Eric Manoli voltaram a ser ativados. Encontrava-se a 25
quilômetros de altura, e procurou escapar do inimigo através da fuga.
— A norte-noroeste localizamos forte grupo de naves em aproximação.
Isto significava que estavam cercados de três lados.
Etele tinha certeza de que o Administrador Geral ordenaria alguma medida. Mas
este nem pensava em dar uma ordem ao comodoro. Observava tranqüilamente a tela de
visão global. Não traiu com um único gesto o que se passava em sua cabeça.
Os canhões já tinham silenciado. Mensagens estavam chegando à sala de rádio.
Estas mensagens vinham da área periférica da concentração estelar, onde estava em curso
uma batalha que já tinha causado grandes perdas à Frota do Império.
Os gatasenses conseguiam constantemente romper o campo defensivo da nave
esférica com seu fogo concentrado. Após isso usavam suas rudimentares armas de
radiações para derreter as soldas do casco de terconite.
Pela primeira vez o comodoro demonstrou certo nervosismo, quando acionou a
tecla de emergência, que conduzia energias tremendas para os jatopropulsores, cuja
potência fez a nave subir verticalmente.
A cada momento os indicadores de escala variável do altímetro indicavam novos
valores. Quando se atingiu a marca dos cem quilômetros, a faixa mudou automaticamente
para a escala dos milhares de quilômetros.
Parecia ser um vôo para a destruição. Os rastreadores indicaram a presença de naves
de molkex que vinham exatamente ao seu encontro.
O comodoro manteve o curso.
A distância das naves que se aproximavam diminuía assustadoramente. A 300
quilômetros de altura a imagem projetada na tela de visão global mudou repentinamente.
Agora que se encontravam a 500 quilômetros de altura, a nave estava cercada de todos os
lados por uma verdadeira muralha de estrelas. Os sóis que davam à concentração o
aspecto de um grupo estelar esférico encontravam-se a uma perigosa proximidade.
Os cosmonautas começaram a suar. As condições extraordinárias reinantes nas
imediações teriam de ser consideradas até mesmo por uma nave do porte da Eric Manoli.
A impotrônica de bordo estava funcionando a plena potência. Numerosos setores de
memória tinham sido ativados. Folhas compridas saíam ininterruptamente da fenda de
recebimento.
O comodoro ainda estava pilotando a nave manualmente.
Meia dezena de oficiais que se encontrava na sala de comando prendeu a respiração.
A Eric Manoli continuava na mesma rota, mas começou a girar em torno do eixo polar
enquanto os blues atiravam.
O fogo energético tornou-se cada vez mais furioso e o movimento de rotação da
nave foi ficando mais rápido. Os campos defensivos acompanharam o movimento com
mais lentidão, mas assim mesmo este bastou para, por enquanto, eliminar os efeitos do
fogo concentrado do inimigo.
A Eric Manoli arriscou-se a atravessar as formações inimigas.
A distância ainda era de 300 quilômetros. A Eric Manoli continuava a subir
verticalmente que nem um projétil sobre Labin-1. Um denso grupo de naves dos blues foi
descendo sobre Labin-1. A colisão ocorreria a 1.250 quilômetros de altura.
Os ponteiros do altímetro saltavam sobre as escalas. Mais alguns segundos, e a
nave-capitânia colidiria com inúmeras naves de molkex.
Isso não poderia acabar bem. Os gatasenses estavam voando em formação muito
densa.
A Eric Manoli não se desviou um milímetro do seu curso.
— Meu Deus! — gritou o oficial que controlava o rastreamento de matéria.
De repente o grupo de naves de molkex espalhou-se para todos os lados.
Certamente agiram assim em obediência a um comando transmitido pelo rádio.
Até parecia que a Eric Manoli passara por um buraco para precipitar-se no espaço.
O Major Etele sentiu o olhar de Rhodan pousado nele e surpreendeu-se enxugando
o suor da testa.
— Esquentou, não foi? — perguntou o Administrador Geral com um sorriso.
O major confirmou com um gesto. Para ele o tempo esquentara muito. Jamais teria
arriscado uma manobra como esta.
Quando se encontravam 10.000 quilômetros acima de Labin-1, o comandante virou
a cabeça para o Chefe.
— Vamos descer de novo, senhor?
— Já temos molkex a bordo? — perguntou o Administrador Geral.
— Quer dizer que vamos descer de novo?! — perguntou o comandante, que não
esperara outra coisa.
Só agora Eyko Etele compreendeu a importância tremenda da ação que
desenvolvera com a Babota. O Chefe do Império arriscava todos os trunfos numa carta,
para apoderar-se do molkex de que tanto se precisava.
A própria existência das raças humanóides dependia da criação de uma arma capaz
de romper as blindagens de molkex dos blues. E para a produção desta arma precisava-se
do molkex puro, tal qual era encontrado na secreção dos gafanhotos córneos.
A tecla de emergência foi tirada da posição. O rugido dos jatopropulsores diminuiu
sensivelmente. Os neutralizadores de pressão entraram em funcionamento. A Eric Manoli
virou para bombordo, descreveu uma curva fechada e voltou a descer em direção a
Labin-1.
***
O acelerador de partículas de velocidade hiperelevada — o novo hipertron — rugia
furiosamente na sala subterrânea em que fora instalado pelos robôs aras. Mas no quadro
de comando não se ouvia o menor ruído. Campos isoladores superpotentes e barreiras
energéticas retinham tanto o barulho como as radiações que poderiam representar uma
ameaça à vida. Em certas partes do revestimento lia-se a advertência: “Atenção, observar
os valores r”.
Tyll Leyden trabalhava com seis colegas no hipertron. A primeira série de
experiências fora iniciada há algumas horas. Nas áreas mais importantes tateavam
completamente no escuro e tinham de avançar às apalpadelas, com base nos resultados
intermediários das experiências.
Era uma experiência com centenas de incógnitas.
O hormônio B natural rebelava-se contra a pretensão de exibir suas paraqualidades
em forma de algarismos e fórmulas.
Tyll Leyden e seus colegas esperavam que o hipertron lhes permitisse introduzir
uma sobrecarga tão intensa nos núcleos atômicos do hormônio B sintético que os
obrigasse a desprender hiperpartículas. Só o resultado da experiência poderia ensinar se
este fenômeno tinha alguma semelhança com um choque hipergravitacional.
Todos os valores transmitidos ao painel de comando, todas as observações
realizadas pelas diversas câmaras controladas por comandos automáticos que andavam à
procura de qualquer partícula desgarrada, eram fornecidos ao grande computador
impotrônico embutido e transmitidos para os respectivos setores de memória.
Mas nem por isso se poderia dizer que o elemento humano era dispensável. O
número espantosamente grande de chaves que tinham de ser controladas manualmente
bastava para mostrar que o aparelho supermoderno se afastava muito mais do
automatismo total que qualquer conjunto até então construído no Império.
Tyll Leyden parecia fazer a leitura simultânea de dezenas de instrumentos. De vez
em quando transmitia instruções aos dois colegas que trabalhavam com ele. Não se
notava mais nada da insegurança que revelara no momento em que foi iniciada a primeira
série de experiências. Levou apenas algumas horas para familiarizar-se com o hipertron.
Naquele momento estava tirando proveito dos conhecimentos teóricos que adquirira
durante a demorada palestra pelo hipercomunicador realizada com os especialistas
terranos.
Além de ter sido nomeado pelo engenheiro Labkaus para o cargo de chefe das
pesquisas com o hipertron, era o único entre seus colegas que realmente tinha capacidade
para ocupar essa posição.
Ninguém viu chegar o homem cujo rosto não anunciava coisa boa. As atenções dos
três homens que se encontravam no quadro de comando estavam presas aos instrumentos
que revelavam alguma coisa do que acontecia no interior do hipertron com o hormônio B
sintético.
— Leyden!
A reação de Tyll Leyden foi instantânea. Viu Horace Taylor à sua frente.
— Pois não — disse o astrônomo num tom que era um pouco indiferente demais.
— Eu me vingarei, Leyden. Quando tiver oportunidade, pregarei no senhor a
mesma peça infame que me pregou. Quanto a isso não tenha a menor dúvida. E então
nem mesmo o senhor Bell poderá ajudá-lo, seu intrigante.
Leyden deixou que o homem amargurado, que se sentia injustamente posto de lado,
falasse à vontade.
— Jean, atenção com a contracorrente plasmática. Tenho a impressão de que está se
estabilizando.
A falta de atenção para com sua pessoa fez com que Horace Taylor perdesse o auto-
controle.
— Foi o senhor que me proporcionou esta saída desonrosa, Leyden. O senhor não
perde por esperar o momento em que voltar para a Divisão Científica de Terrânia. Todo
mundo conhecerá os meios sujos que usou para subir.
Leyden mediu o homem agitado com os olhos.
— Tome um chuveiro frio, Taylor. E aceite meu conselho: dê o fora. Aqui eu sou o
chefe.
Taylor não desistiu.
— Convocarei um tribunal de honra — gritou, furioso. — Farei com que todo
mundo saiba que o senhor é um mau-caráter...
— Faça o que quiser — interrompeu Leyden e comprimiu um botão.
Horace Taylor não notou a entrada de um robô. Só quando o homem-máquina se
colocou a seu lado imaginou o que o esperava.
— 453-Z, leve o senhor Taylor à superfície e comunique à barreira automática que
até segunda ordem o senhor Horace Taylor não tem permissão para entrar no setor de
pesquisa.
— Como se atreve a fazer uma coisa dessas comigo? — berrou Taylor.
O robô não se interessou pelos gritos indignados. Seus braços mecânicos enlaçaram
Taylor e levantaram o homem que se debatia violentamente. O resto foi simples.
— Jean, o que está acontecendo com a contracorrente plasmática? — perguntou
Leyden, fazendo de conta que absolutamente nada tinha acontecido.
— A contracorrente plasmática, Tyll? Ainda não tive tempo...
— Pois já está na hora de encontrar tempo, Jean.
Dirigiu-se ao outro colega.
— Como estão as coisas na câmara de imagem número três, Allain?
— Nenhuma mudança. Não há sinal de hiperpartículas.
— Ainda virão e não nos deixarão nada alegres.
Parecia uma observação largada ao acaso, mas quando o senhor Allain se deitou
depois de doze horas de trabalho ininterrupto para dormir uma hora, esta frase não lhe
saiu da cabeça.
Nenhuma das pessoas que se encontravam no pavilhão levara a sério as acusações
que Horace Taylor lançara contra Tyll Leyden, e o próprio Leyden já parecia ter
esquecido o pequeno incidente.
***
Parecia que a décima oitava tentativa de pousar pouco atrás da frente dos
gafanhotos córneos, para apoderar-se do molkex puro de que tanto se precisava, seria
bem-sucedida.
Pelo que revelava o rastreamento, só na face oposta do planeta havia naves dos
blues. Diante da rapidez com que as naves dos gatasenses aceleravam, os terranos
dispunham na melhor hipótese de duas a três horas para recolher o molkex.
Normalmente a operação demoraria vários dias ou até semanas. Não valeria a pena
voltar à Terra com algumas toneladas de molkex. Havia necessidade de pelo menos
alguns milhares de toneladas.
Havia dois sóis no céu. A Eric Manoli acabara de pousar numa área de molkex
endurecido. Pelo que se sabia, três quilômetros ao sul o material ainda não endurecera.
— Vamos chegar mais perto! — ordenou Rhodan. — Temos de aproximar-nos a um
quilômetro. É um risco que temos de assumir.
Ninguém formulou qualquer objeção, nem mesmo o comandante. A nave-capitânia
ergueu-se levemente, deu um salto de dois quilômetros e voltou a pousar.
— Eco de rastreamento na direção do espaço — gritou um oficial cuja voz quase se
atropelou de raiva. — Não há dúvida de que o objeto se aproxima da nave. Tempo de dez
a quinze minutos, aproximadamente.
Rhodan não perdeu a calma. Só havia um brilho suave em seus olhos. De repente
movimentou-se. Com três passos colocou-se em frente ao sistema de intercomunicação.
— Aqui fala Rhodan. Ordem dirigida ao oficial do setor de tesouraria. Retirar todo
o material da área por meio de robôs. Após isso os setores e conveses contíguos serão
evacuados. O setor de tesouraria ficará reservado para os gafanhotos córneos.
A única resposta foi um som ofegante. O homem que deveria transmitir a ordem de
Rhodan não estava compreendendo.
Recolher gafanhotos córneos a bordo de uma nave era entregá-la a estes
monstrinhos para que eles a destruíssem. Os gafanhotos devoravam tudo, até mesmo o
aço terconite.
Rhodan não aguardou a confirmação da ordem. Transferiu a ligação e passou a falar
com o chefe do comando de robôs:
— Chegaremos bem perto da frente dos gafanhotos córneos. Permaneceremos a uns
vinte metros de altura. Saia com cerca de vinte robôs e leve gafanhotos córneos bem
jovens ao setor de tesouraria. Por favor, procure compreender: devem ser animais bem
jovens, mal saídos do processo de subdivisão. Daqui a pouco estarei na eclusa pela qual
voarão os robôs para comandar a ação. Execute imediatamente minhas ordens. A nave
acaba de atingir a frente de avanço dos gafanhotos. Ande depressa, pois um novo grupo
de naves de molkex aproxima-se da Eric Manoli. Desligo.
Além do fim da mensagem, seria o fim da orgulhosa nave-capitânia.
Dez gafanhotos córneos se transformariam em vinte, e em menos de meia hora os
vinte seriam quarenta, e dali se formariam oitenta, e seu número continuaria a aumentar
sempre. Com seu ácido traiçoeiro e apavorante atravessariam qualquer parede,
penetrariam em todos os recintos da nave. Não se deferiam diante de nada, nem mesmo
diante de um conversor ou de um Kalup. Não haveria nada que pudesse impedi-los de
prosseguir em sua faina destruidora.
E Perry Rhodan queria que este perigo mortal fosse trazido a bordo.
Não seria um ato de desespero?...
***
Era um cálculo frio. E uma corrida contra o tempo.
Os robôs conseguiram levar para bordo oito gafanhotos córneos. Dos 25 homens-
máquina que participaram da missão, nove regressaram. É o nono teve de ser destruído
com um tiro energético no interior da eclusa, pois já se tornara vítima do terrível ácido. A
lagarta que o robô trouxera consigo já era um animal voraz, plenamente desenvolvido.
Com um movimento rapidíssimo do pé, Rhodan atirou o gafanhoto para baixo.
Seguiram-se alguns minutos de tensão angustiante, até que as oito lagartas foram
trancadas no setor de tesouraria.
Num raio de cem metros as salas e três conveses situados acima e abaixo dos
gafanhotos córneos foram evacuados pelos robôs. Enquanto a Eric Manoli tentava
escapar ao grupo de naves inimigas que se aproximava, o potente transmissor da nave
transmitiu uma mensagem de texto idêntico para Bell e Atlan. Nesta mensagem Rhodan
comunicou com que espécie de carga a nave-capitânia estava saindo de Labin-1. A
mensagem terminava com uma frase bastante significativa:

“A partir deste momento o rádio da Eric Manoli


permanecerá em silêncio. As hipermensagens que forem
recebidas não serão respondidas.
As. Rhodan”.

Os grupos de naves enviados por Atlan em auxílio de seu amigo terrano chegaram,
mas só conseguiram avançar até a periferia da pequena concentração estelar. Um número
imenso de naves de molkex que os blues haviam concentrado na área durante as últimas
horas impediu-os de chegarem mais longe.
As 18.000 espaçonaves foram recebidas pelo fogo concentrado das naves dos blues
que avançavam sobre elas. Em todos os pontos da imensa frente de combate as naves do
Império estouravam como se fossem pequenos sóis ofuscantes. E a nave-capitânia do
Chefe encontrava-se neste inferno de naves inimigas que se combatiam implacavelmente.
Teria uma possibilidade de romper esta frente, ou será que dentro de pouco sua nave
também seria destruída por um impacto terrível e cairia num mundo qualquer?
Na sala de comando reinava uma tensão enervante. Ninguém ouvia o rugido dos
jatos-propulsores que tangiam a nave para o espaço livre. De vez em quando eram
transmitidos os resultados das operações de rastreamento.
A situação piorava a cada momento que passava. Naves de molkex vinham de todas
as direções. E de todas as direções os blues caçavam a gigantesca nave.
E no interior dela o perigo se multiplicava.
Os oito gafanhotos córneos já se tinham transformado em 32 lagartas, e o próximo
processo de subdivisão era iminente. Os monstrinhos já tinham devorado uma parede de
terconite de 50 centímetros de espessura, e naquele momento o ácido por eles
desprendido estava dissolvendo o cabo que transmitia os impulsos da câmara de televisão
ali instalada para a sala de comando.
Dois conveses abaixo da sala de comando mais de vinte cosmonautas e astrônomos
suavam. Viram-se colocados diante de uma tarefa quase insolúvel. Tinham que descobrir
o mais depressa possível um mundo de oxigênio desabitado e relativamente quente, no
qual a Eric Manoli pudesse descer com os perigosos gafanhotos córneos. Perry Rhodan
advertira os homens:
— Não se esqueçam de que todos queremos sair vivos disto. Se os gafanhotos
conseguirem chegar aos hangares onde estão guardados os girinos, nossas chances de
sobrevivência baixarão para menos de um por cento. Tenham isso sempre em mente.
Não se esqueceram. E mais: ouviram os pesados impactos que atingiram o casco de
aço terconite da nave-capitânia.
O campo defensivo da Eric Manoli já não existia mais. Fora destruído pelo fogo
concentrado de mais de uma centena de naves de molkex.
O comandante conseguiu livrar-se várias vezes dos blues que disparavam todos os
canhões, mas quando acreditava que poderia respirar aliviado, outros grupos de naves se
aproximavam e procuravam destruir o veículo espacial esférico.
O controle sobre os gafanhotos córneos foi perdido. Só se podia fazer uma
avaliação aproximada do número de lagartas. Rhodan arriscou as últimas reservas de
robôs, para impedir, na medida do possível, a expansão dos terríveis gafanhotos.
Estava executando o plano mais arrojado que já concebera.
Os homens tinham de lançar mão de todos os recursos para conseguir o molkex.
A obtenção da substância no sistema de Hiesse tornara-se impossível. Por isso
Rhodan mandara colocar gafanhotos córneos a bordo de sua nave. Pretendia colocá-los
num mundo de oxigênio desabitado. Isso deveria ser feito o mais depressa possível, pois
do contrário ele e os demais ocupantes de sua nave estariam perdidos. Pretendia usar os
girinos que se encontravam a bordo para levar os homens a um lugar seguro, de onde
observaria o desenvolvimento dos gafanhotos córneos e, quando chegasse o momento
adequado, levaria o molkex produzido pelos mesmos pra trás do front.
Nestas horas decisivas sentiu o quanto estava ligado à sua nave-capitânia. O que o
comovia não era a perda de vários bilhões, mas o fato de que teria de separar-se de uma
coisa à qual se afeiçoara.
Controlou a velocidade da nave. A mesma se deslocava a trinta por cento da
velocidade da luz.
Os tiros energéticos retumbavam quase ininterruptamente no casco da Eric Manoli.
Só por milagre o aço terconite até então resistira aos impactos. Mas logo apareceram as
primeiras avarias graves. Duas torres de canhões e um centro de conversores foram
destruídos. Os homens que se encontravam na sala de comando receberam a notícia
alarmante em silêncio. Perry Rhodan teve a impressão de ter ouvido o grito de uma
mulher. Virou a cabeça e viu a jornalista Evyn Moll, que olhava toda desesperada para a
profusão de radiações que se desenhava na grande tela panorâmica. Bill Ramsey, que
estava a seu lado, procurou acalmá-la.
Rhodan aproximou-se deles.
— Então? — perguntou.
— Nunca esperaria isso. Não imaginava que isso pudesse acontecer — balbuciou a
jornalista.
— Bilhões de homens não conseguem imaginar isso, senhorita Moll.
Nesse instante um estrondo terrível sacudiu a nave. Até mesmo o comandante ficou
nervoso.
— Sofremos um impacto na protuberância esférica, Chefe. Já basta. Entrarei no
espaço linear.
Era outra ação desesperada. Normalmente a velocidade da nave deveria ser muito
maior para que a manobra pudesse ser realizada. Conforme as circunstâncias, a passagem
para o espaço linear poderia trazer conseqüências graves.
— Senhor, os gafanhotos córneos estão avançando em direção aos geradores —
anunciou um dos tripulantes.
Neste momento os Kalups entraram em funcionamento e a Eric Manoli, que estava
gravemente avariada, penetrou no espaço linear.
A nave estava perdida, mas seus tripulantes ainda esperavam que pudessem ser
salvos...

***
**
*

Para os cientistas que trabalham na


produção de uma arma capaz de enfrentar a
invasão dos blues, o problema do tempo é
angustiante. Panes inesperadas verificam-se — e
novas panes podem ser previstas...
No último instante uma auréola de
esperança aparece no horizonte, enquanto os
mundos centrais do velho Império Arcônida já
estremecem sob o bombardeio das frotas
invasoras... No último Instante, título do
próximo livro da série Perry Rhodan.

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