Você está na página 1de 3

Vendidos como cação, tubarão e raia ameaçados

de extinção vão parar no prato dos brasileiros


1 de dezembro de 2016 Suzana Camargo

Você sabe exatamente qual é a espécie de peixe que está no seu prato? Em diversos lugares
do Brasil, o cação é um muito popular, principalmente por ter um preço mais em conta. O
que comumente chamamos de cação são os peixes cartilaginosos, de porte pequeno e
médio, como raias e tubarões. Encontrados no mundo todo, habitam, preferencialmente,
águas tropicais.
Só no sul do país, há mais de 100 espécies destes tipos de peixe, chamados de condrictes
pela Biologia. Todavia, devido à sobrepesca, muitas delas estão ameaçadas de extinção ou
em situação muito vulnerável e, por esta razão, sua caça está proibida.
Mas o que pesquisadores gaúchos descobriram é que apesar da proibição, raias e tubarões
em risco de extinção, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza
(IUCN), continuam sendo vendidos livremente nos mercados de Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.

A equipe de biólogos e estudantes do Grupo de Pesquisa em Evolução, Ecologia e Genética


da Conservação, do Programa de Pós-Graduação em Biologia, da Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (UNISINOS) fez um levantamento ao longo dos últimos anos, coletando
amostras de filés vendidos como cação, nas localidades de Torres, Itapeva, Rondinha,
Tramandaí, Porto Alegre e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e de Itajaí, Florianópolis,
Imbituba, Laguna, Araranguá, Passo de Torres, em Santa Catarina.
Depois disso, por meio de testes de DNA, uma técnica denominada “código de barras de
DNA”, as amostras eram identificadas para determinar quais espécies de raias e tubarões
eram as mais pescadas nestes estados e comercializadas como cação. “Com essa tecnologia
em mãos é possível, com apenas uma pequena amostra do animal, ou mesmo um fragmento
do filé de pescado comercializado, identificar rapidamente de qual espécie se trata”, explica
Victor Hugo Valiati, biólogo geneticista e coordenador da equipe.
O resultado, como os pesquisadores suspeitavam, apontou que muitas espécies proibidas
ainda estão indo parar na rede de pescadores. Entre elas, os biólogos destacam a raia-
viola (Squatina occulta), considerada criticamente ameaçada, o tubarão-martelo-
entalhado (Sphyrna lewini), classificado como vulnerável e o tubarão-azul (Prionace
glauca).
Entre as amostras de filé de cação coletadas, o tubarão-martelo-entalhado foi o mais
encontrado: 23% do total. Os filhotes dele ficam facilmente presos em redes e linhas de
pesca. Por lei, desde 2014, a captura, transporte e comercialização dele é proibida no Brasil.

Nem supermercados e nem peixarias sabem exatamente o que vendem. O que acontece é
que, para fugir da fiscalização, pescadores jogam fora, ainda no mar, as partes que
identificam as espécies, como cabeça e barbatanas, deixando os peixes já em filés ou postas.
Valiati denuncia, inclusive, que muitas barbatanas são comercializadas com o mercado
asiático porque lá ela é considerada uma iguaria e corpos inteiros de tubarões são
descartados.
A única maneira de dar um basta neste crime seria através da implementação de um selo ou
certificação no setor pesqueiro. “Ainda acredito que podemos fazer pressão no governo para
que isso seja viabilizado”, diz Valiati.
Atualmente no Brasil é realizada apenas a contagem da quantidade de animais retirados das
águas, mas não há um controle sobre quais espécies são pescadas. “Enfrentamos um grande
problema de sobrepesca em nosso litoral. Somente tendo mais informações sobre quais
espécies são capturadas, será possível termos um manejo sustentável”, alerta.
Enquanto isso, o que o consumidor deve fazer? O pesquisador gaúcho aconselha evitar a
compra do cação e sugere outras espécies como peixe-rei, sardinha e peixes de rio, como
truta e linguado.

O impacto da sobrepesca na vida marinha


A grande maioria das espécies de tubarão não representa risco ao ser
humano. Predadores de outros peixes, mamíferos e moluscos, eles estão no topo da cadeia
alimentar dos oceanos e desta forma, contribuem para o equilíbrio das populações
marinhas. “Retirá-los deste ecossistema causará grande desequilíbrio nos oceanos, gerando,
por exemplo, a superpopulação de outras espécies e provocando impacto ainda na vida das
comunidades ribeirinhas e do comércio pesqueiro”, afirma Victor Valiati. “Não há como ter
certeza do que acontece com a retirada de um predador de topo de cadeia, mas, com certeza,
as consequências são catastróficas tanto em termos de biodiversidade como econômicas.”
A pesca indiscriminada também tem grave impacto sobre as raias. “Como são capturadas
ainda jovens, cada vez mais percebemos que elas têm um número menor de filhotes porque
são mães pequenas”, revela o pesquisador. Estes animais são facilmente pegos pela pesca
artesanal com arrastão de praia e industrial. O declínio populacional está associado à
elevada mortalidade das fêmeas prenhes, facilmente capturadas nestes locais.

O trabalho de pesquisa da equipe da Universidade do Vale do Rio dos Sinos teve o apoio da
Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Foto: NOAA Photo Library/Creative Commons/Flickr

Você também pode gostar