Traduzir-se – (Ferreira Gular) Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
Uma parte de mim como é azul o oceano é todo mundo: e a lagoa, serena outra parte é ninguém: fundo sem fundo. como um tempo de alegria por trás do terror me acena Uma parte de mim e a noite carrega o dia é multidão: no seu colo de açucena outra parte estranheza e solidão. — sei que dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena Uma parte de mim mesmo que o pão seja caro pesa, pondera: e a liberdade, pequena outra parte delira. Uma parte de mim Vou-me Embora pra Pasárgada - (Manuel almoça e janta: Bandeira) outra parte Vou-me embora pra Pasárgada se espanta. Lá sou amigo do rei Uma parte de mim Lá tenho a mulher que eu quero é permanente: Na cama que escolherei outra parte Vou-me embora pra Pasárgada se sabe de repente. Vou-me embora pra Pasárgada Uma parte de mim Aqui eu não sou feliz é só vertigem: Lá a existência é uma aventura outra parte, De tal modo inconseqüente linguagem. Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Traduzir uma parte Vem a ser contraparente na outra parte Da nora que nunca tive — que é uma questão de vida ou morte — E como farei ginástica será arte? Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Dois e dois: quatro Deito na beira do rio (Ferreira Gular) Mando chamar a mãe-d’água Pra me contar as histórias Como dois e dois são quatro Que no tempo de eu menino sei que a vida vale a pena Rosa vinha me contar embora o pão seja caro Vou-me embora pra Pasárgada e a liberdade pequena Em Pasárgada tem tudo Ou isto ou aquilo (Cecília Meireles) É outra civilização Tem um processo seguro Ou se tem chuva e não se tem sol, De impedir a concepção ou se tem sol e não se tem chuva! Tem telefone automático Tem alcaloide à vontade Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar Quem sobe nos ares não fica no chão, E quando eu estiver mais triste quem fica no chão não sobe nos ares. Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares! Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, Terei a mulher que eu quero ou compro o doce e gasto o dinheiro. Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro!