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Tr ansfor mações Sócioespaciais e Estr atégias Metodológicas par a Desenvolvimento de

Plano Par ticipativo de Reabilitação do Hiper centr o de Belo Hor izonte

Rogério Palhares Zschaber de Araújo


Arquiteto Urbanista da Práxis Projetos e Consultoria Ltda., professor do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da PUC-Minas e doutorando pelo Programa de Pós Graduação
do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais.
rogerio@praxisbh.com.br

Resumo

O presente trabalho propõe contribuir para as reflexões sobre a experiência brasileira com
projetos de reabilitação de áreas urbanas centrais através da análise das transformações
sócioespaciais observadas no centro tradicional de Belo Horizonte e dos recentes esforços
desenvolvidos no sentido de sua reabilitação. Além de uma breve análise de sua evolução
urbana, que resultou a perda de sua vitalidade econômica e de sua importância simbólica,
levando ao esvaziamento de muitas de suas edificações e ao estado de deterioração física e
ambiental de muitas de suas áreas, este estudo discute os métodos e estratégias de
planejamento e gestão urbanos utilizados para a elaboração do Plano de Reabilitação do
Hipercentro de Belo Horizonte em fase de elaboração, e busca elementos de comparação com
outras experiências análogas em outras capitais brasileiras já contempladas pela literatura
afeta ao tema.

Intr odução

A experiência brasileira com a implantação de projetos de requalificação de áreas urbanas


centrais, visando a reestruturação econômica bem como a reconfiguração funcional e
simbólica desses espaços é relativamente recente assim como são ainda reduzidos os trabalhos
de sistematização e crítica das estratégias de planejamento e gestão adotadas e dos resultados
alcançados por estas intervenções.

VARGAS & CASTILHO (2006) avançam nesta linha ao publicar um estudo que analisa e
compara intervenções dessa natureza em sete capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo,
Porto Alegre, São Luiz, Belém, Aracaju e Fortaleza. Outros autores já haviam se ocupado de
analisar, além destas, as experiências de Curitiba e Salvador com implantação de projetos de
renovação de centros históricos como estratégias de marketing urbano e com o objetivo de
torná-los atraentes para o consumo turístico e comercial (ARANTES, 1996; SANCHEZ,
1999). Críticas a estas experiências vão dos impactos negativos causados pelo enobrecimento
de caráter excludente e pelo esvaziamento da função simbólica desses espaços, à destituição
da diversidade de vida urbana e destituição de uma das funções mais importantes da cidade,
qual seja, como espaço da politica. Já o trabalho de LEITE (2002), analisa o caso do antigo
Bairro do Recife, em Pernambuco e argumenta que os usos e contra-usos dos espaços
“gentrificados” também qualificam os espaços urbanos como espaços públicos, na medida em
que os tornam centros de disputas práticas e simbólicas pelo reconhecimento político e pela
visibilidade pública das diferenças.

O presente trabalho pretende contribuir com essa discussão através da análise do caso de Belo
Horizonte que, apesar de há cerca de 30 anos assistir a progressiva deterioração física e
econômica de sua área central, só recentemente começa a experimentar projetos dessa
natureza. Procura apontar as especificidades das tranformações e permanências da dinâmica

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urbana da área central da Capital Mineira com base nos dados da Pesquisa de Uso e Ocupação
dos Imóveis do Hipercentro de Belo Horizonte (PRÁXIS, 2002 – 2006)1 comparando-a com a
realidade das outras capitais brasileiras estudadas.

Conclui esse trabalho uma análise dos objetivos do Plano de Reabilitação do Hipercentro de
Belo Horizonte bem como da metodologia adotada para a sua elaboração, procurando-se
identificar os pressupostos conceituais e os modelos de planejamento que orientam tal
iniciativa. Concebido como um processo participativo de diagnose, definição de diretrizes e
pactuação de propostas de ações integradas de reabilitação física e sócioeconômica pelo poder
público, iniciativa privada e sociedade civil, o atual processo de elaboração deste Plano
permitiu também especulações sobre os motivos da atual sinergia de interesses pela renovação
da área.

O presente trabalho foi estruturado em três partes:

A primeira apresenta um breve histórico da evolução urbana da área de estudo e das principais
intervenções que a área sofreu com destaque para aquelas planejadas e ou implementadas nos
últimos trinta anos, que apesar de setoriais e isoladas, foram motivadas pelo aparente processo
de deterioração de sua estrutura física e pela redução de seu dinamismo econômico.

A segunda descreve as tranformações recentes observadas na área de estudo a partir da análise


dos resultados da Pesquisa de Uso e Ocupação dos Imóveis do Hipercentro de Belo Horizonte
concluída em 2002 e atualizada em 2006, buscando avaliar, inclusive, os impactos das
intervenções de requalificação de espaços públicos já implementadas até o momento.

A terceira analisa os objetivos do Plano de Reabilitação do Hipercentro iniciado em dezembro


de 2005 pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, e a metodologia de planejamento
participativo que tem sido utilizada na sua elaboração com vistas à discussão dos conceitos e
pressupostos de planejamento que o orientaram, dos públicos alvos objeto das intervenções
previstas e dos respectivos interesses em jogo.

Conclui o trabalho proposto uma tentativa de se estabelecer comparações entre a experiência


em curso em Belo Horizonte e as demais intervenções em centros urbanos de outras capitais
brasileiras registradas na literatura referente ao tema em questão

Br eve Histór ico da Evolução Ur bana do Hiper centr o

O Hipercentro de Belo Horizonte, reconhecido como o “coração do centro tradicional” da


Capital, é caracterizado pela maior e mais complexa concentração de atividades urbanas da
Região Metropolitana e pelo forte caráter histórico e simbólico de seu espaço. Corresponde à
primeira região ocupada após a inauguração da cidade em 1897, tendo sido seu
desenvolvimento inicial polarizado pelos eixos das avenidas Afonso Pena, Amazonas e
Santos Dumont, antiga rua do Comércio, a partir da Estação Ferroviária e do antigo Mercado
Municipal, localizado onde hoje fica a atual estação Rodoviária, e da rua da Bahia, ligando a
Praça da Estação, entrada da cidade, à Praça da Liberdade, centro cívico e sede do Governo
Estadual. Integralmente contida no perímetro do plano original delimitado pela Avenida do
Contorno, a área em foco estende-se até a região da Praça Raul Soares e Mercado Central na
direção oeste, Parque Municipal e região Hospitalar a leste, e parte dos bairros de Lourdes e
Funcionários em sua porção sul, como mostrado na figura a seguir.

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Figur a 1. Localização da ár ea de estudo, Fonte: Pr áxis Pr ojetos e Consultor ia, 2006.

As primeiras ocupações da região já abrigavam atividades comerciais e de serviços


diversificados, além de residências e equipamentos institucionais e culturais. Essa vocação
para a diversidade não só se consolidou ao longo dos anos como também alcançou dimensão e
complexidade nunca previstas ou planejadas. O processo de verticalização, iniciado nos anos
30, foi impulsionado nas décadas de 60 e 70, correspondendo a novas tendências de
especialização de alguns setores econômicos, como o financeiro e de diversões, e, também, ao
adensamento do uso residencial e sofisticação do comércio e dos serviços. Esse período
coincide com uma maior inserção de Belo Horizonte no cenário nacional e com a expansão de
sua região metropolitana por intenso processo de urbanização de áreas periféricas e
conurbação com municípios vizinhos, principalmente nas direções oeste e norte. A maior
diversificação e o crescente adensamento do uso e da ocupação do solo tornaram-se os
principais fatores atrativos de pessoas para o Hipercentro, reforçando a estrutura radio-
concêntrica do sistema viário e de transportes que têm esta área como principal nó articulador
e local onde ocorre o maior número de trocas entre deslocamentos originados nas diversas
regiões da cidade e nos municípios da Grande BH.

Desde então, a intensa concentração de atividades e a crescente perda de qualidade ambiental,


provocada pelos elevados índices de poluição sonora e atmosférica, reduziram a atratividade
da área para o uso residencial e levaram o deslocamento de atividades terciárias para outras
zonas fora do Hipercentro. Esse movimento foi reforçado pela abertura de novas frentes de
expansão para o mercado imobiliário, induzidas também pela legislação urbanística que,
seguindo diretrizes de descentralização e flexibilização de usos, estimulou a criação de novas
centralidades no município. Como resultado, a área assiste a um processo de estagnação no
que se refere a novos lançamentos imobiliários, ainda que continue gozando dos mais altos
índices de aproveitamento dos lotes conferidos pelo zoneamento.

A desconcentração de atividades no centro passou também pelo sistema de transportes, com o


projeto BHBus, que inaugurou linhas de ligação direta bairro a bairro e implantou estações de
transbordo em outras regiões da cidade como Venda Nova e Barreiro. Esses esforços,
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entretanto, não têm sido eficazes para reduzir o intenso fluxo de veículos no centro,
principalmente de automóveis particulares. Ao contrário, importantes obras viárias do
passado, como o Complexo da Lagoinha e a Via expressa Leste Oeste, deixaram irreparáveis
cicatrizes urbanas e reforçaram a solicitação do centro pelo trânsito de passagem,
contribuindo também para a crescente perda de sua qualidade ambiental. Recentemente, a
implantação da Linha Verde, ligando o Hipercentro ao Aeroporto Internacional de Confins
através de uma via rápida, vem reforçar o papel da área como principal polo articulador do
sistema viário metropolitano.

O processo de deterioração física e econômica do centro de Belo Horizonte tem sido


reconhecido por sucessivas administrações como um problema a ser atacado. Desde os anos
90 foram diversas as iniciativas do poder público local - concursos públicos de projetos,
planos e programas - visando a requalificação econômica e ambiental da área. Grande parte
dessa proposta , mais de natureza urbanística do que econômica, nunca chegaram a ser
desenvolvidas e as poucas que foram implementadas rstrigiram-se a intervenções físicas de
requalificação de praças e outros espaços públicos, sendo que, somente mais recentemente, já
na atual administração, ações mais abrangentes, ainda que setoriais, têm sido também
implementadas, como a despoluição das fachadas e a transferência dos ambulantes para
Shoppings Populares, de acordo com o disposto no novo Código de Posturas, aprovado em
2003.

Apesar de bem sucedidas como obras de recuperação física que possibilitam o resgate
simbólico e a reapropriação dos espaços pela população em geral, os resultados dessas
intervenções são considerados tímidos no sentido de reverter processos mais amplos de
deterioração ambiental da área como um todo e também incapazes de restaurar a vitalidade
econômica e a dinâmica imobiliária que a área já experimentou em épocas passadas.

Tr ansfor mações Sócio-espaciais Recentes

Resultados da Pesquisa de Uso e Ocupação dos Imóveis do Hipercentro de Belo Horizonte,


realizada em 2002 e atualizada em 2006, confirmam algumas tendências já identificadas no
passado associadas à evazão do uso residencial e à perda da diversidade e vitalidade
econômica da área mas contrariam outras já tidas como mitos, relacionadas, por exemplo, à
existência de grande número de imóveis vazios e sub-utilizados e à diminuição da
atratividade da área para a população em geral. Algumas das principais conclusões desse
trabalho contribuem pra uma melhor compreensão de sua dinâmica urbana atual.

• Moram no Hipercentro mais pessoas sozinhas e de faixa etária mais elevada do que, em
média, na região Centro-Sul2 e no Município. A renda familiar é também maior que a
média municipal, variando de sete salários mínimos na região dos mercados a 16 salários
mínimos nas proximidades dos bairros Lourdes e Funcionários (Quadro 1);
• Enquanto as populações do Município e a da região Centro-Sul cresceram
respectivamente 1,17% e 0,75 % ao ano nos últimos 10 anos, a população do Hipercentro
decresceu a uma taxa de -0,52. Este fato não resultou, entretanto, um problema de
esvaziamento dos imóveis residenciais já que apenas nove edificações residenciais, num
universo de 222, encontram-se totalmente vazias, e somente uma, tem mais de quatro
pavimentos. Além da mudança de uso de imóveis residenciais de menor porte (casas,
sobrados e prédios de uso misto, antigos de até quatro pavimentos) para abrigar outros
usos, contribuíram para essa perda populacional, a redução do número de pessoas por
domicílio e a crescente mudança do perfil das famílias que habitam a região (Quadro 2);

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• As taxas de vacância identificadas são também compatíveis com o padrão do mercado
imobiliário, 7,7% em média, sendo os maiores percentuais de unidades vagas encontrados
em edifícios novos, construídos nos últimos cinco anos (ainda em processo de
comercialização de suas unidades) localizados na porção sul da área de estudo;

Quadr o 1 - Indicador es selecionados com infor mações do Censo Demogr áfico 2000
Indicadores selecionados Hipercentro Centro-Sul Belo Horizonte
Absoluto % Absoluto % Absoluto %
Relação com o responsável pelo domicílio
Responsável pelo domicílio 12.766 42,5 84.407 31,9 630.711 28,2
Cônjuge 3.837 12,8 45.060 17,0 391.420 17,5
Filhos 7.307 24,3 101.734 38,4 961.759 43,1
Outros parentes 3.679 12,2 21.915 8,3 214.119 9,6
Outros moradores (a) 2.456 8,2 11.553 4,4 34.691 1,6
Total 30.045 100,0 264.669 100,0 2.232.700 100,0
Grupo de idade dos moradores
0 a 9 anos 1.749 5,8 30.395 11,4 353.464 15,8
10 a 19 anos 3.502 11,7 44.006 16,6 411.916 18,4
20 a 29 anos 6.281 20,9 50.715 19,1 429.839 19,2
30 a 59 anos 12.139 40,4 104.340 39,3 838.225 37,5
60 anos e mais 6.374 21,2 36.092 13,6 204.256 9,1
Total 30.045 100,0 265.548 100,0 2.237.700 100,0
Outros indicadores
Indicadores Hipercentro Centro-Sul Belo Horizonte
Idade média da população (anos) 40 34 30
Moradores por domicílio (média por domicílio) 2,3 3,1 3,5
Rendimento médio dos responsáveis (salário mínimo) 13,9 20,7 8,1
Anos de estudo dos responsáveis (número de anos) 11,9 11,7 8,0
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (a) Inclusive 368 pessoas residentes em domicílios coletivos
Quadr o 2 - Númer o de domicílios, de mor ador es e taxa anual de cr escimento (% ao ano)
Hiper centr o (compar ável nos dois anos), Região Centr o-Sul e Belo Hor izonte - 1991 e 2000

Local Número de domicílios População residente Taxa anual de crescimento


1991 2000 1991 2000 Domicílios População
Hipercentro 15.232 15.747 37.929 36.192 0,37 -0,52
(comparável)
Região Centro-Sul 72.327 84.178 247.032 264.102 1,70 0,75
Belo Horizonte 510.086 628.447 2.004.323 2.226.135 2,35 1,17
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 1991 e 2000

• O Hipercentro mantém como característica principal a diversificação de atividades, sendo


que o comércio e os serviços ocupam a grande maioria dos imóveis. Ainda que
concentrado em algumas áreas, o uso residencial continua importante, com 17% do total
de edificações pesquisadas, seguido dos serviços de uso coletivo, com participação de
6,5%; A figura 2 apresentada a seguir ilustra a distribuição dos usos no território estudado.
• A ausência de renovação imobiliária é atestada pela altimetria predominantemente
horizontal que caracteriza, principalmente, as porções norte, leste e oeste do Hipercentro,
que se apresentam também como as mais degradadas, com a maior quantidade de imóveis
vazios, sub-utilizados e em mau estado de conservação;

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Figur a 2: Uso do solo nos imóveis do Hiper centr o, Fonte: Pr áxis Pr ojetos e Consultor ia, 2006.

• No que se refere às lojas individuais, aquelas que funcionam fora de shoppings, galerias
ou edifícios comerciais, o fenômeno da rotatividade, tanto de proprietários como de ramo
dos estabelecimentos, foi identificado como mais importante do que o suposto
esvaziamento. Das quase 3.500 lojas identificadas, apenas 8,2% encontravam-se vazias,
índice também considerado usual em outras áreas da cidade. Contudo, mais de 60% dos
estabelecimentos têm menos de 10 anos de funcionamento;
• Algumas mudanças atestam a crescente “popularização” do Hipercentro, como é o caso de
restaurantes substituídos por estabelecimentos que funcionam simultaneamente como
restaurantes, bares e lanchonetes, hotéis por motéis, e pelo aumento do número de lojas de
jogos (caça-níqueis e fliperamas), estabelecimentos de crédito pessoal e lojas de R$ 1,99;
• A distribuição espacial das atividades indica alguma especialização, como é o caso das
ferragens, peças e ferramentas na área próxima ao Barro Preto, vestuário e calçados
próximo à Praça Sete, comércio e diversões populares nas regiões da Rodoviária e da
Praça da Estação e instituições de crédito, seguros e capitalização desde a Avenida
Augusto de Lima até as proximidades dos bairros de Lourdes e Funcionários;
• Índices significativos de vacância foram identificados apenas nos conjuntos comerciais
(centros comerciais, edifícios de salas e galerias) correspondentes a 58 dos 69 imóveis
totalmente vagos identificados no Hipercentro. Nesta categoria de imóveis, entre os
conjuntos ocupados, 16,9% do total de salas, 19,8% do total de lojas condominiais e
22,4% do total de andares corridos também se encontravam desocupados;
• Os serviços de uso coletivo destacam-se por sua permanência no Hipercentro: mais da
metade está instalado no local há mais de 50 anos. Os mais freqüentes são as escolas
(21%) e os serviços públicos (18%);
• No que se refere aos aspectos relacionados à segurança pública, os resultados da pesquisa
reforçam também a forte correlação existente entre a incidência de ocorrências policiais, o
fluxo de pedestres e o horário de funcionamento do comércio: 67% dos delitos ocorrem
em apenas 10 ruas do Hipercentro, principalmente no entorno da Praça Sete e da
Rodoviária, com maiores concentrações no período de 12:00 às 18:00 horas, nos dias de
semana. Nos domingos, as maiores freqüências ocorrem na Feira de Artesanato, entre 10 e
13 horas;

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Considerando a dinâmica imobiliária, a pesquisa mostrou ainda que novos investimentos na
área dependem principalmente de processos de reciclagem e/ou substituição de estruturas
existentes, dado o pequeno número de lotes vagos existentes sem qualquer uso e da alta
rentabilidade daqueles utilizados como estacionamentos. Estas iniciativas encontram,
entretanto, obstáculos na legislação urbanística para adaptações dos imóveis para novos usos,
como é o caso das exigências de iluminação e ventilação naturais, vagas de garagem e taxa de
permeabilidade, exigindo, portanto alterações de algumas exigências legais em vigor.

Esse estudo (PRÁXIS, 2002) conclui afirmando que, tanto no que se refere à necessidade de
flexibililização da legislação urbanística, quanto na implementação de ações que possam
reverter os processos observados no Hipercentro, visando sua dinamização econômica e
requalificação espacial, é grande o desafio colocado para o Poder Público Municipal. Exige
dos agentes públicos postura empreendedora, através do desenvolvimento de projetos
estratégicos para os espaços públicos e privados com o objetivo de atrair parcerias e provocar
efeitos multiplicadores em toda a área. Tal afirmação pauta-se na busca de um novo papel
para o centro que tire partido de potencialidades ainda presentes na área (grande diversidade
na oferta de bens e serviços, alto grau de polarização de fluxos de veículos e pessoas,
existência de espaços e estruturas ociosas e/ou sub utilizadas), criando novas oportunidades
para o desenvolvimento econômico, para a moradia e fruição do espaço público e dos
equipamentos de usos coletivo para a cultura e para o lazer.

A atualização dessa pesquisa realizada no primeiro semestre de 2006, indicou algumas


alterações claramente associadas a intervenções recentes do poder público no Hipercentro,
mais precisamente à retirada dos camelôs das ruas, à instalação de uma rede de câmeras de
monitoramento da segurança na área e à requalificação física de quatro espaços públicos
considerados estratégicos: a Praça da Estação, a Praça Sete, a Rua dos Caetés e a rua dos
Carijós, todas de forte caráter popular, grande fluxo de pedestres e importante valor
simbólico. Além do alto índice de aprovação pelos diversos estratos da população
entrevistada, a pesquisa indicou impactos das intervenções na melhoria das condições de
segurança, aumento do número de imóveis particulares em processo de renovação, o
surgimento de novos investimentos imobiliários voltados para o uso habitacional, com
permanência do padrão dos estabelecimento de comércio e serviços de caráter popular que
caracterizam a região. Com relação às tendências atuais registradas nos usos e na ocupação
dos imóveis, observou-se que o maior número tanto de pequenas alterações quanto de
mudanças expressivas ocorreu na porção norte do território, próximo às áreas que receberam
obras de requalificação implantadas pela Prefeitura. Consideraram-se pequenas alterações
principalmente aquelas ligadas a ocorrências à frente do imóvel, e alterações expressivas
aquelas que envolveram mudanças de uso e ocupação do próprio imóvel.

A atualização da pesquisa de uso e ocupação dos imóveis indicou também uma incipiente
recuperação do mercado imobiliário atestada pelo decréscimo do número de imóveis
totalmente vazios nos quarteirões pesquisados (de 93 para 86), pelo decréscimo na taxa de
vacância de imóveis residenciais (de 7,7% para 6,2%), decréscimo na taxa de vacância de
galerias e conjuntos comerciais em geral (de 19,9% para 13,4%) e aumento de 5% do número
de lojas autônomas (de 279 para 293).

Sob a ótica dos que atuam no mercado imobiliário, como de fato atestam as pesquisas, o
maior problema reside na questão das salas comerciais e andares corridos vazios, uma vez que
o mercado de imóveis residenciais está aquecido. Entretanto, identificou-se que as áreas
isótimas de cobrança de IPTU e ITBI na área central são as mais elevadas da cidade, o que

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pode inflacionar o preço dos alugueis e prejudicar a dinamização do mercado de compra e
venda de imóveis na área.

Do ponto de vista das condições de circulação observam-se a permanência de altos volumes


de tráfego de passagem pela área de estudo. Para tanto contribui, além do sempre lembrado
sistema viário radial de Belo Horizonte, a ausência de anéis que liguem as principais artérias
da cidade, o fato do complexo da Lagoinha permanecer incompleto, promovendo
descontinuidade de sentidos de circulação, e lançando obrigatoriamente grande parte dos
fluxos nas avenidas do Hipercentro.

A grande utilização da área de estudo pelo transporte coletivo não é acompanhada pela devida
priorização de investimentos em infra-estrutura no local (pouquíssimos trechos têm pistas
exclusivas para ônibus / praticamente todas as vias são utilizadas e toda a área funciona como
um grande terminal aberto para o transporte coletivo). Além disso, o trem metropolitano é
subutilizado em função de não atender os locais de maior demanda, impondo aos usuários
longas caminhadas.

É grande a concentração de pedestres na área hipercentral e, de maneira geral, as condições


são inadequadas: as calçadas encontram-se em mau estado de conservação, faltam rebaixos e
a situação dos mobiliários é caótica, muitos deles obstruindo a passagem de pedestres. O
Código de Posturas aprovado em 2003 trata em profundidade a normatização do mobiliário
urbano e da acessibilidade universal, mas devido ao pouco tempo de aprovação seus reflexos
ainda não foram efetivamente observados. Deve-se considerar, entretanto, que todos os
logradouros que receberam intervenções de requalificação recentes tiveram esses elementos
regularizados e padronizados segundo as normas em vigor.

Com relação aos impactos da legislação urbanística, o principal aspecto a ser observado é que,
em função da ausência de dinamismo imobiliário que caracteriza a maior parte do
Hipercentro, tanto os incentivos a novas construções com parâmetros mais permissivos
quanto as restrições como é o caso dos limites altimétricos nos conjuntos urbanos tombados
tornam-se inócuos diante da quase total ausência de renovação, à exceção da porção sul da
área de estudo.

O mesmo não se aplica às iniciativas de adaptação dos imóveis para novos usos. Além de
entraves do Código de Obras e da própria Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo para
a implantação do uso residencial, qualquer mudança de uso em imóveis vazios de grande
porte são enquadradas como empreendimentos de impacto, implicando, muitas vezes, em
exigências, custos e tempo de implementação adicionais, imputados como entraves pelos
empreendedores que deveriam estar sendo incentivados.

Planejando a Reabilitação do Hiper centr o

No segundo semestre de 2005, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte abriu licitação


pública para contratação de um Plano de Reabilitação do Hipercentro, com o objetivo
principal de promover soluções de planejamento, desenho urbano e paisagismo que permitam
dinamizar a ocupação dos imóveis existentes e o lançamento de novas incorporações
imobiliárias que juntamente com a atração de novas atividades contribuam para a melhoria
do ambiente urbano e a valorização dos espaços públicos do Hipercentro(PBH, 2005).
Concebido como instrumento para definição de diretrizes e compatibilização de programas e
projetos em andamento e de novas ações integradas no sentido da reabilitação física e socio

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econômica da área, este Plano, cujo processo de elaboração foi iniciado em maio de 2006,
prevê também a transformação da área numa zona com parâmetros urbanísticos especiais que
incentivem sua renovação e a busca por modelos de gestão e arranjos institucionais que
facilitem a ação integrada dos órgãos públicos nas diversas esferas de governo e as parcerias
público-privadas em operações urbanas estratégicas para a pretendida reabilitação da área.

Observa-se, entretanto, que o modelo de reabilitação urbanística largamente experimentado


pela cidade moderna desde a Paris de Hausmann tem sido criticado como motivador do
“enobrecimento” de espaços considerados degradados, implicando a expulsão de classes
populares de suas áreas centrais. HARVEY (1996) mostra como a lógica neo-liberal presente
nos projetos de renovação de áreas centrais visa torná-las atraentes do ponto de vista turístico
e comercial para o consumo, esvaziando-as de simbologia, destituindo-as de diversidade e de
vida urbana em sua amplitude de funções. ARANTES (1998) afirma que os centros
restaurados acabaram se convertendo em cenários para uma vida urbana impossível de
ressuscitar. Para os novos excluídos, conclui essa autora, reserva-se, no máximo um lugar de
lazer, em geral de natureza duvidosa, pura encenação. Imagens de uma cidade dita
“ comunicante” , onde a pluralidade não passa de décor cultural (p.135). FRÚGOLI (2000)
junta-se a ela ao identificar a crise do urbanismo modernista que, através de intervenções
pontuais, norteadas pelo mercado e marcadas por práticas excludentes, afasta o Estado de seu
papel promotor de justiça social. O autor chama atenção para o alto grau de complexidade que
passou a caracterizar as relações centro-periferia com o advento de novas centralidades e
questiona a aliança do Estado com o setor privado com objetivos exclusivos de expansão do
capital imobiliário. VAINER (1999) aponta a transformação negativa da polis em city ao
denunciar que o planejamento estratégico, o marketing urbano e o patriotismo de cidade
desembocam num projeto de eliminação da esfera política local, conduzindo à destruição da
cidade como espaço da política (p.99).

Neste sentido, ressalta-se a necessidade do Plano em questão ir além de propostas apenas


estetizantes ou de cunho higienista que não incorporem a dinâmica urbana local, excluindo as
classes populares do direito à cidade. Para tanto, deve ser construído de forma coletiva,
envolvendo os diversos agentes e interesses que atuam ou que possam vir a atuar sobre o seu
espaço e sobre as relações socioeconômicas que ali se estabelecem. Deve visar à melhoria de
sua qualidade ambiental e a criação de novas oportunidades de desenvolvimento econômico,
mantendo-se, entretanto, como o espaço mais democrático da cidade. O local privilegiado dos
negócios e dos conflitos, mas também de moradia, da história e da festa.

A permanência do uso residencial no Hipercentro de Belo Horizonte e o crescente interesse


por esse estoque de moradias por parte de segmentos específicos da população (pessoas
sozinhas, de faixa etária e renda mais elevadas que a média municipal) deve ser objeto de
investigação mais aprofundada ao se planejar políticas públicas e projetos habitacionais para o
Hipercentro. Para muitos grupos sociais, elementos programáticos imprescindíveis em
tipologias habitacionais produzidas pelo mercado imobiliário (como, por exemplo, vagas de
garagem, áreas de lazer comuns, suítes e dependências de empregadas) não são considerados
como fundamentais diante da elevada importância dada às vantagens de acessibilidade e
localização do Hipercentro. Uma primeira experiência de adaptação de um edifício comercial
vazio, antiga sede da Companhia Vale do Rio Doce, para uso residencial apostou nesta
demanda. Foram criados apartamentos de 35, 45 e 55 m2 , destinados a este público específico
de classe média que deseja morar no centro e o sucesso na comercialização das unidades
aponta para novas iniciativas do setor privado desta natureza.

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Os exercícios propostos por modelos de “trade off” pautados pelas preferências dos
consumidores na escolha de produtos a serem consumidos, no caso em foco, a habitação,
introduzem, em suas versões mais recentes, aspectos relevantes no que se refere aos valores
diferenciados dados às relações de tempo e espaço, trabalho, lazer e qualidade ambiental por
diferentes classes econômicas e, faixas etárias (BASSET & SHORT, 1980), podendo-se
acrescentar, grupos sociais e culturais. A incorporação dessas variáveis é fundamental para a
compreensão da mobilidade e permanência de tais atividades na área de estudo, bem como
para a contraposição de tendências consideradas indesejáveis, resultantes da ação ilimitada
das “forças do mercado” quando se trata da introdução de políticas públicas de
desenvolvimento urbano de caráter mais inclusivo.

Neste sentido é fundamental avaliar as potencialidades e limitações, por exemplo, das


intenções de produção de moradia de interesse social no Hipercentro que, mesmo contando
com significativos subsídios na fase de implementação, deverão encontrar obstáculos
importantes a serem vencidos para sua viabilização. Além dos altos custos dos terrenos e
imóveis existentes, a logística das obras civis é mais onerosa, assim como são elevados os
custos das adaptações necessárias, do valor do IPTU e dos condomínios em estruturas
verticalizadas.

No que se refere à compreensão do papel do mercado bem como do estado na organização do


espaço urbano, sabe-se que a depreciação periódica do capital fixo (ambiente construído)
proporciona um dos meios inerentes à produção capitalista para facilitar e impulsionar a
expansão do capital. A procura por novas formas de capital fixo ditada pela busca por mais-
valia acelera a desvalorização do velho. Segundo essa lógica, o Hipercentro de Belo
Horizonte, a exemplo de outros centros históricos metropolitanos, perde seu papel como área
de interesse para investimentos imobiliários, na medida em que outras frentes de expansão
como foram os bairros Funcionários/Savassi e Lourdes, e o é atualmente o vetor Sul
(Belvedere, Alphaville, Vale dos Cristais), se apresentam como mais lucrativas para o capital.

Ainda que, segundo essa lógica do capital, a decadência do centro da cidade seja um
fenômeno previsível, é necessário refletir sobre o seu papel no contexto atual do
desenvolvimento capitalista pós-moderno, no qual, como mostra TOPALOV (1979) os efeitos
da automação, do desenvolvimento dos meios de transportes e dos avanços da informática,
deslocaram a produção do espaço, fazendo com que as determinações de localização dos
negócios se tornem cada vez mais independentes de proximidades físicas.

Grande parte das estruturas vazias do Hipercentro se explicam por processos de obsolescência
em função de alterações dessa natureza nos meios de produção e nas formas de
comercialização e prestação de serviços: sedes bancárias, galpões industriais, edifícios de
salas, cinemas, galerias e centros comerciais. Quais seriam, por outro lado, os usos
estratégicos para preenchimento desses espaços? Qual o papel do estado, estando ausente o
grande capital, na possível reocupação desses imóveis e na requalificação de espaços públicos
ambientalmente degradados? Quais os limites e possibilidades das parcerias público privadas
como estratégias para trazer novos investimentos para a região?

Imagina-se que, no estágio atual, somente o poder público através de iniciativas precursoras,
poderia tirar algum proveito dos custos depreciados dos imóveis e estruturas do Hipercentro,
para implementação de projetos estratégicos de cunho social, tais como através da definição
de zonas de especial interesse social, implantação de equipamentos de uso coletivo e infra-
estrutura para programas sociais voltados para geração de emprego e renda. Nesse sentido,

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pode-se questionar a eficácia das chamadas Operações Urbanas Consorciadas que pretendem
associar investimentos públicos e privados nessas áreas, quando, diante de um interesse maior
do capital, o estado demonstra-se tímido ou incapaz de garantir contrapartidas equivalentes à
margem de lucro pretendida pelos empreendedores privados.

Contudo observa-se um súbito interesse de alguns setores imobiliários específicos por


investimentos em projetos de adaptação de imóveis vazios não residenciais para usos
residenciais. Este fenômeno, ainda que insipiente, aponta, primeiramente, para a identificação
de uma demanda solvável potencialmente atendida pelas linhas de crédito habitacional, a
exemplo do PAR da Caixa Econômica Federal3, e diversa daquela classificada como de
interesse social pela política municipal de produção de habitação subsidiada restrita à
população com renda familiar até três salários mínimos. Além disso, indica a existência de um
momento propício para a flexibilização da legislação urbanística para facilitar a adaptação dos
imóveis, dado que interesses corporativos passam também a defender a necessidade dessas
mudanças.

Daí a necessidade de se politizar a questão da estruturação do espaço como sugere FARRET


(1985), introduzindo a dimensão do conflito de interesses. No que se refere à área em foco,
explicitar as motivações dos diversos agentes da produção e apropriação dos espaços parece-
me fundamental para a compreensão dos conflitos existentes e os possíveis interesses comuns,
onde pode ser mais fácil a implementação de ações estratégicas, e dos interesses conflitantes,
onde o poder público deverá fazer opções importantes no que se refere aos beneficiários das
políticas a serem implementadas. Onde estariam as zonas de consenso que possibilitariam
alianças e barganhas? Como minimizar os impactos negativos de intervenções
requalificadoras dos espaços para os usuários atuais do Hipercentro? Como incorporar os
processos e a dinâmica sócio-espacial em curso no processo de planejamento das ações?
Como utilizar-se do potencial da área (infra-estrutura instalada, área mais irrigada por
transporte coletivo, maior concentração de equipamentos de interesse coletivo) para a
otimização das políticas de inclusão social em curso voltadas para a população de rua, para a
geração de emprego e renda e habitação de interesse social, dentre outras?

As abordagens pós-estruturalistas, em contraposição aos enfoques da economia política


introduzem uma nova dimensão à explicação do espaço urbano quando enfatizam as
peculiaridades dos lugares a partir da análise das identidades e das diferenças sociais. A
diversidade sócio-espacial que caracteriza o Hipercentro sugere a aplicação de métodos
analíticos inspirados nessas abordagens também para a compreensão dos diversos territórios,
muitas vezes superpostos no tempo e no espaço, que convivem ou se chocam,
simultaneamente, na área de estudo. Técnicas de percepção ambiental e abordagens empíricas
da antropologia urbana têm sido utilizadas como instrumentos que apresentam alguma
eficácia na identificação e análise de como diferentes grupos sociais se relacionam como o
espaço.

Já como parte dos levantamentos realizados na etapa de diagnóstico do Plano de Reabilitação


do Hipercentro, um pesquisa detalhada das formas de apropriação dos espaços públicos em
diferentes horários do dia e da noite, em diferentes dias da semana, revelam a grande
diversidade de públicos e os respectivos territórios delimitados por diferentes grupos sociais
que moram, trabalham, utilizam e transitam pelo centro. As figuras 5 e 6 apresentadas a seguir
sintetizam essas dinâmicas de dia e de noite, indicando a importância dessa compreensão para
a definição de projetos de requalificação e definição de políticas sociais que devem ser
associadas às melhorias urbanísticas e ambientais desses espaços.

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A metodologia adotada na elaboração do Plano de Reabilitação do Hipercentro de Belo
Horizonte traduz-se numa aplicação da metodologia de elaboração de planos diretores
participativos preconizada pelo Ministério das Cidades, acompanhada de pesquisas que
pretendem mapear as percepções dos diversos agentes presentes na área, as diversas formas
de apropriação dos espaços, as práticas sociais, os processos econômicos e as políticas
públicas em curso que interferem na dinâmica urbana da área. Além dessas informações
levantadas através da combinação de métodos qualitativos e quantitativos, prevê-se a
realização de oficinas de leitura comunitária, formulação de diretrizes e propostas, visando à
construção coletiva do plano em questão. Investimentos específicos estão previstos também
em levantamentos de experiências análogas no que se refere aos diferentes desenhos
institucionais e processos de parcerias possíveis, visando à implementação e gestão integrada
das ações propostas.

A identificação dos agentes que atuam no Hipercentro iniciou-se pelo conhecimento prévio
sobre a área em estudo. Construiu-se, no primeiro momento, uma listagem com nomes
relacionados a três grupos de interesse: moradores e suas representações; comerciantes e
prestadores de serviços formais e suas representações; representantes de instituições
localizadas ou com interesse na área. Esses agentes constituiriam o público da pesquisa de
percepção ambiental, baseada em entrevistas semi-estruturadas a partir de um roteiro
abordando os problemas e potencialidades da área segundo a visão do entrevistado. A partir
de então esta listagem foi sendo complementada por indicações dos próprios entrevistados,
que ao final da entrevista eram chamados a indicar novos nomes.

Além desse público diretamente relacionado com a área, buscou-se selecionar pessoas e
representantes de organizações e instituições públicas e privadas que notoriamente detenham
conhecimento nessa área e pessoas de fora que tenham participado de experiências análogas
de reabilitação de áreas centrais no Brasil e que possam servir como referências para as
propostas a serem incorporadas no Plano de Reabilitação do Hipercentro de Belo Horizonte.
Desta forma foram selecionados pessoas dos setores públicos Estadual e Federal, entidades de
classe, universidades, além de agentes públicos e privados ligados a experiências de
reabilitação de áreas centrais em outras capitais brasileiras.

Outro grupo selecionado com fins de discussão de questões mais específicas refere-se aos
envolvidos com o mercado imobiliário, mais especificamente corretores de imobiliárias que
atuam no Hipercentro.

Finalmente, buscou-se conhecer as políticas e ações dos diversos órgãos e instituições


públicas que atuam de forma setorial, através da realização de entrevistas com representantes
de secretarias e autarquias municipais bem como membros de conselhos municipais ligados às
políticas urbanas, de meio ambiente, ação social e patrimônio.

Paralelamente a estes esforços de consolidação de uma leitura comunitária da área de estudo,


foram realizadas várias pesquisas e estudos técnicos setoriais nas áreas de possível atuação do
plano (usos e ocupação do solo, trânsito, mobilidade e circulação, drenagem e limpeza urbana,
atividades econômicas, política urbana e fiscal, dentre outras). Estas informações coletadas
foram, sempre que possível, mapeadas e cruzadas com dados georeferenciados da Pesquisa de
Uso e Ocupação dos Imóveis visando, entre outras análises, a identificação de territórios
diferenciados que possam vir a indicar a adoção de políticas e /ou projetos específicos.

12
Como atividade conclusiva da etapa de diagnóstico da área de estudo foram realizadas
oficinas com participação dos diversos agentes entrevistados nas quais, a partir da
apresentação dos principais tópicos das leituras técnica e comunitária realizadas, foram
discutidos os principais problemas e potencialidades da área segundo diversas motivações e
visões da área de estudo. Os resultados dessas oficinas, apoiados pelos estudos técnicos
realizados constituíram um diagnóstico integrado que, no momento, vem orientando a etapa
seguinte de formulação coletiva das diretrizes de intervenção.

Esta metodologia, detalhada de maneira didática na publicação do Ministério das Cidades:


Plano Diretor Participativo (2004) representa significativos avanços com relação aos métodos
tradicionais de planejamento urbano traduzidos no processo de elaboração e nos conteúdos da
maioria dos Planos Diretores feitos até recentemente. Dentre as inovações metodológicas
introduzidas destacam-se aquelas voltadas para o maior envolvimento dos diversos setores da
sociedade, em especial do setor popular, em todas as etapas de elaboração do Plano. Maior
ênfase é dada à etapa de preparação em lançamento do Plano (sensibilização e mobilização
para a participação), momento esse tido como fundamental para se garantir a adesão dos
diversos setores no processo. Pressupõem, entretanto, não só pré disposição governamental
para o desencadeamento de um processo aberto de participação como também a criação de
mecanismos de deliberação articulados com as instituições tradicionais da democracia
representativa.

Em Belo Horizonte, a prática de mais de dez anos de Orçamento Participativo e a realização


de Conferências de Política Urbana, com ampla participação da sociedade civil, para revisões
periódicas do Plano Diretor e da Lei de Parcelamento Uso e Ocupação do Solo realizadas em
1996, 2000 e 2004 (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005) representam experiências que
contribuem positivamente para a consolidação de uma cultura política local no sentido da
maior participação. No caso específico do Hipercentro, a permanência de sua função como
principal centralidade metropolitana, garante a multiplicidade de atenções voltadas para sua
reabilitação, restando, entretanto, definir porque, e principalmente, para quem.

COSTA (2005) argumenta que a abordagem lefebvriana oferece um entendimento mais


unificado e abrangente do espaço urbano como ambiente construído para a produção e o
consumo, incorporando, ao mesmo tempo, as práticas sociais. Como uma abordagem aberta e
compreensiva, a teoria do espaço de Lefebvre apresenta dificuldades de aplicação na prática,
como seria o caso da análise do Hipercentro de Belo Horizonte, com o objetivo de orientar
políticas públicas. Entretanto, o desafio de se extrapolar o objeto para se abordar os processos
de produção e transformação do espaço através das práticas sócio-espaciais parece-me
fundamental. Além disso, considerando-se os riscos de intervenções de renovação urbana de
caráter prioritariamente estetizantes e excludentes, é essencial tentar resgatar o valor de usos
do Hipercentro em lugar de transformá-lo em simples objeto de “atualização” de seu valor de
troca.

A conjunção das diversas abordagens estudadas pode auxiliar a redescobrir ou desvendar o


valor (ou os valores) do Hipercentro como “espaço social”, algo que está além do que
representa seu estado físico atual de aparente decadência e falso esvaziamento. Sua aparente
“degradação” revela-se como resultado da dominação do “espaço abstrato” de Lefebvre,
depreciado e abandonado pelo capital, mas vital e pulsante como espaço apropriado por
grande parte da população.

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Finalmente, deve-se ressaltar que toda intervenção na dinêmica urbana tem conseqüências
diferenciadas para grupos específicos. Se o Hipercentro tem sido, em alguma medida ou em
alguns aspecto, abandonado pelo capital, isto não pode ser generalizado nem visto descolado
das formas de apropriação pelos excluídos e populares que tais fenômenos de degradação
possibilitam. Assim, torna-se fundamental definir-se com clareza a quem se destinam os
esforços de reabilitação (p.e. o Hipercentro é um local preferencial para a habitação de
interesse social e para políticas de economia solidária e popular?) e como evitar impactos
negativos para certos grupos, especialmente para aqueles com menor capacidade de inclusão
social. Da mesma forma é igualmente importante refletir sobre as questões de incentivos
fiscais, tendo como premissa a maior ampliação possível dos benefícios gerados pelos
investimentos públicos. Se estes proporcionarão maior atratividade da área para o setor
privado, como assegurar contrapartidas de interesse público compatíveis com os
investimentos realizados?

Consider ações Finais

A experiência de Belo Horizonte apresenta algumas distinções importantes com relação a


outras experiências brasileiras de reabilitação de áreas central até pelas próprias características
diferenciadas das estruturas ali existentes, da sua dinâmica urbana e do contexto sócio político
no qual vem se dando tais intervenções.

Em primeiro lugar deve-se considerar que, diferentemente de outras capitais como o Rio de
Janeiro , São Paulo, Salvador e Recife, para citar alguns exemplos, Belo Horizonte é uma
cidade muito mais nova, não possuindo, portanto, um centro antigo de herança colonial4.
Além disso, por já ter nascido planejada e moderna, nunca teve em sua área central grandes
estruturas de produção como usinas, setores atacadistas ou distritos industriais que, ai logo do
tempo, tornaram-se obsoletos pela modernização dos processos de produção. Em Belo
Horizonte, apenas alguns poucos galpões remanescentes dessas antigas ocupações
permanecem ao longo de um pequeno trecho do vale do Ribeirão Arrudas que tangencia a
área de estudo, a maioria abrigando novos usos integrados à própria dinâmica atual da área
central.

Sendo assim, o processo de obsolescência do centro histórico de Belo Horizonte não chegou a
acontecer com a gravidade e extensão ocorrida em outras capitais mais antigas. Os problemas
de esvaziamento de edifícios e estruturas do Hipercentro estão muito mais relacionados com
transformações específicas de alguns setores da economia (comércio atacadista, cinemas,
agencias bancárias) com impactos mais brandos e pontuais do que em outras cidades onde
áreas inteiras destinadas a grandes usos como portos, ferrovias e parques industriais tornaram-
se ociosas e passaram a demandar projetos de reabilitação.

Neste sentido, deve-se destacar que o centro de Belo Horizonte nunca morreu. A criação de
novas centralidades e a progressiva perda de sua qualidade ambiental são fatores que também
conduziram à evasão de muitas atividades de maior valor agregado da área. Contudo os
maiores impactos negativos dessas transformações correspondem, como já comentado, ao
esvaziamento de prédios de salas e andares corridos, além na progressiva popularização das
atividades de comércio e serviços. Entretanto, o uso residencial, diferentemente do que se
observa em outras capitais, sempre esteve presente no Hipercentro, apresentando-se mais
freqüente em algumas regiões e alterando-se ao longo dos anos quanto ao padrão dos edifícios
e tipologias dos apartamentos a novos perfis demográficos que passaram a demandar a área
para moradia. A permanência dessa população no centro tem sido fator primordial para a

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atração de outras atividades complementares e manutenção da animação na área, inclusive no
período noturno e aos domingos, quando grandes partes dos estabelecimentos comerciais e de
serviço estão fechados. Neste sentido é importante reconhecer o papel importante da
legislação urbanística que em todas suas versões incentivou esse uso com a adoção
coeficientes mais vantajosos de aproveitamento dos lotes para empreendimentos residenciais.
Atualmente, numa perspectiva de atualização dessa diretriz que também faz parte do Plano
Diretor do Município, alguns instrumentos legais precisam ser revistos para eliminar
obstáculos que dificultam as iniciativas de conversão de edifícios comerciais em residenciais.
Finalmente, com relação aos métodos de planejamento adotados nas intervenções de
requalificação, observa-se no caso de Belo Horizonte, a preocupação dos atuais gestores
públicos em adotarem metodologias e estratégias de participação, buscando maior
envolvimento dos diversos setores interessados na discussão dos problemas e construção
coletiva das soluções. O grande desafio que se coloca no momento é no sentido do
estabelecimento de canais e fóruns permanentes que garantam o mesmo nível de participação
também durante a implementação dos projetos e avaliação dos resultados.

Por outro lado, ainda que se deva reconhecer a importância do envolvimento do legislativo
municipal, da sociedade civil organizada, da imprensa e outros formadores de opinião para a
mobilização de esforços conjuntos e implementação das ações de reabilitação previstas, é
fundamental destacar a liderança do executivo municipal como principal agente catalisador de
políticas integradas e parcerias, demonstrando a capacidade do próprio prefeito se articular
com os demais grupos da cidade para que se essas ações se constituam resultado de intenções
claras, legítimas e abrangentes do poder local.

Refer ências Bibliogr áficas

ARANTES, Otília: Cultura da cidade: animação sem frase. Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, nº. 24, 1996.
______________: Urbanismo em fim de linha e outros estudos sobre o colapso da
modernização arquitetônica, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998;
BASSET, K e SHORT, J. Housing and residencial structure: alternative approaches. Londres:
Routledge & Kegan Paul, 1980;
COSTA, H. S.; Costa, G. M. Repensando a análise e a práxis urbana. In: DINIZ, C.; LEMOS,
M.B. Economia e Território. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005. p.365 – 382.
FARRET, R. L. Paradígmas da estruturação do espaço residencial intra-urbano. São Paulo:
Projeto Editores Associados, 1985.
FRÚGOLI Jr., Heitor: Centralidade em São Paulo, São Paulo: Cortez: Editora da
Universidade de São Paulo, 2000;
HARVEY, David: Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação urbana no
capitalismo tardio. Espaço e Debates,nº 39, ano XVI, São Paulo, NERU, 1996.
LEITE, Rogério P. Contra-usos da cidade, Campinas, Unicamp, 2004.
SANCHEZ, Fernanda: Políticas urbanas em renovação: uma leitura crítica dos modelos
emergentes. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Nº 1, Campinas, ANPUR,
1999.
PRÁXIS Projetos e Consultoria, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte: Pesquisa de Uso e
Ocupação dos Imóveis do Hipercentro de Belo Horizonte, 2002.
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte - PBH, Termo de Referência para Elaboração do
Plano de Reabilitação do Hipercentro, SMURBE, 2005.
MINISTÉRIO DAS CIDADES, Plano Diretor Participativo: Guia para elaboração pelos
municípios e cidadãos, CONFEA, 2004.

15
MINISTÉRIO DAS CIDADES, Banco de Experiências de Elaboração de Planos Diretores
Participativos, 2005: http://www.cidades.gov.br/planodiretorparticipativo/2005.
TOPALOV, C. La urbanizacion capitalista: algunos elementos para su analisis. Mexico:
Editorial Edicol. 1979;
VARGAS, Heliana C. & CASTILHO, Ana Luisa H. Intervenções em centros urbanos:
objetivos, estratégias e resultados, Barueri, SP: Manole, 2006.

Notas
1
A Pesquisa de Uso e Ocupação do Imóveis do Hipercentro de Belo Horizonte foi realizada em 2002 e
atualizada em 2006, visando gerar subsídios para a definição de diretrizes de reabilitação e projetos de
requalificação na área de estudo pela Prefeitura Muncipal de Belo Horizonte.
2
Uma das nove regiões administrativas nas quais o município de Belo Horizonte é dividido. Abrange, além do
Hipercentro e o restante da Área Central, bairros pericentrais de classe média alta e alta, além de algumas
favelas. Compõe parte do eixo sul de expansão imobiliária da Região Metropolitana de Belo Horizonte voltada
para população de alta renda
3
PAR, Programa de Arrendamento Residencial da Caixa Econômica Federal que financia habitação popular para
faixas de renda familiar até seis salários mínimos, através de contrato de arrendamento com opção de compra ao
final do período de vigência do contrato, estimado para um prazo máximo de15 anos.
4
Belo Horizonte construída a partir de um plano urbanistico de inspiração positivista concebido pelo engenheiro
Aarão Reis foi inaugurada em 1987 para abrigar a nova capital mineira transferida de Ouro Preto. Seu traçado
avançado para a época, com ruas e avenidas com 25., 35 e 50 metros de largura, surge num contexto planejado
para o desenvolvimento da cidade moderna republicana, de cunho higienista e base econômica mercantil e
industrial.

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