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Alberto Oliva
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Kuhn: o normal e
o revolucionário na reprodução
da racionalidade científica
Alberto Oliva
T homas Kuhn ficou bastante conhecido entre nós por sua obra The Structure of
Scientific Revolutions (1970). Aliás, esse seu livro de 1962 é o grande best-seller da
história da epistemologia. Sua lenta gestação, envolvendo quase quinze anos de in-
tenso trabalho, representou a gradual metamorfose do físico no historiador da ciên-
cia. Malgrado toda a importância de sua reflexão para a filosofia da ciência, Kuhn
prefere se apresentar como um historiador da ciência: "Sou membro da American
Historical Association e não da American Philosophical Association" (Kuhn,
1
1977b:11). Em franca discordância com a tradição epistemológica , ele não se limi-
ta a ver na história da ciência uma fonte de exemplos respaldadores ou refutadores
de posições metodológicas previamente tomadas. Para Kuhn, o estudo da história
nos faria ver a ciência de um modo diferente daquele que é ensinada e daquele vei-
culado pelas reconstruções lógicas oferecidas nos tratados sobre método científico.
Em suma, a história da ciência se mostraria geradora de problemas especiais para
efeito de reconstrução da racionalidade científica.
A etapa decisiva de elaboração de seu The Structure of Scientific Revolutions
transcorreu quando da estada de Kuhn no Center for Study in the Behavioral
Sciences (1958-9). De sólida formação em física, Kuhn ficou particularmente
impressionado com os combates epistemológicos aí travados por cientistas so-
ciais, em torno de questões e procedimentos basilares. Chamaram-lhe a atenção
1 À diferença da esmagadora maioria dos filósofos anglo-americanos da ciência, Kuhn sofreu forte
influência da epistemologia francesa. Chegou a considerar Alexandre Koyré seu verdadeiro maître
(Kuhn, 1977b: 21).
o número e a extensão dos desacordos entre os cientistas sociais. Debatiam-se desde
os critérios que devem ser adotados para a escolha dos problemas reputados legíti-
mos até a eleição do método capaz de gerar sistemas explicativos plenamente justifi-
cáveis. Por mais que constatasse a existência de controvérsias em astronomia, física, quí-
mica, biologia etc., nada se comparava à Methodenstreit - à querela do método - , en-
dêmica nas ciências sociais. E como era fácil constatar que as disputas sobre o básico
não decorriam do fato de os cientistas sociais, à diferença dos naturais, não saberem
caracterizar convenientemente método científico, Kuhn passa a investigar donde
promanariam diferenças tão gritantes quanto aos modos de caracterizar e conduzir
cursos específicos de pesquisa.
Se os cientistas naturais não dispõem, como pensa Kuhn, de uma concepção
de método consensualmente endossada - ou até explícita e sistematicamente articu-
lada - mas desenvolvem procedimentos de pesquisa convergentes, a que atribuir a
flagrante diferença com a prática teórica das ciências sociais? Não constitui exagero
dizer que Kuhn desenvolve sua obra epistemológica como uma engenhosa tentativa
de fazer frente a esse problema. Por se assumir como um historiador da ciência e
por ter afastado a possibilidade de as diferenças entre ciências naturais e sociais po-
derem ser creditadas a razões metodológicas stricto sensu, Kuhn buscará localizar
causas que, em sua maioria, não pertencem ao campo tradicionalmente demarcado
como o da epistemologia. À diferença do que vinha historicamente fazendo a filoso-
fia da ciência, não se deve esperar encontrar em Kuhn um conjunto de cânones me-
todológicos capazes de conferir, desde que cuidadosamente seguidos, cientificidade
a um saber. Não se trata, assim, de pretender oferecer procedimentos de justificação
supostamente superiores aos que vinham sendo recomendados pela tradição episte-
mológica. Isto torna difícil fazer um enquadramento rigoroso das formulações kuh-
nianas. Afinal, são simultaneamente apresentadas como extraídas da história da
ciência, como capazes de aprender reconstrutivamente o papel cumprido por fato-
res psicossociais na (re)produção da racionalidade científica e como prenhes de con-
seqüências epistemológicas:
2 Poderia um defensor da epistemologia tradicional sustentar que, em virtude da patente assimetria en-
tre os procedimentos propostos respectivamente pelo verificacionismo e o falsificacionismo, só nos
restaria fazer a opção por um dos dois aparatos lógicos de avaliação de teorias (científicas). O dilema
epistemológico se reduziria basicamente a recolher ou bem evidência favorável ou bem desfavorável
a nossas construções teóricas. Nada mais poderia ser sugerido como contribuição à problemática da
estrita avaliação lógico-empírica de nossos sistemas interpretativos. Kuhn rejeita esse dilema tradicio-
nal quando declara que: "Ele (Popper) e seus seguidores compartem, com os mais tradicionais filóso-
fos da ciência, da suposições de que se pode equacionar o problema da escolha de teorias através do
uso de técnicas semanticamente neutrais" (Kuhn, 1976b:234).
que é submetido o neófito - como condição de possibilidade para que venha a
integrar uma comunidade científica - a grande responsável por sua adesão a certos
procedimentos de justificação que a tradição tende a conceber como porta-
dores de uma cogência puramente imanente? É claro que, se Kuhn não faz
mais epistemologia pura, isso se deve ao fato de que, à diferença da tradi-
ção, deixou de acreditar que os dispositivos de justificação possam se legiti-
mar apenas por sua eficácia lógica, atentando-se apenas para sua força in-
trínseca de avaliação das teorias substantivas. Quando se pergunta pela es-
pecificidade da "racionalidade científica", Kuhn não encaminha sua respos-
ta na direção da estipulação de um critério. Lança questões que envolvem,
também, nítida preocupação com aspectos psicossociais.
Pode-se dizer que o interesse maior da reflexão kuhniana é explicar as
grandes transformações por que tem passado o conhecimento científico. Mas
como são esporádicas as revoluções, Kuhn se dá conta de que precisa também
elucidar o que ocorre nos períodos em que não despontam grandes invenções
e descobertas. Seu empenho é no sentido de prover explicações para o rotinei-
ro e o extraordinário em ciência. Trata-se de saber como a pesquisa convergen-
te ou consensual pode desembocar, em última análise, em grandes reviravoltas
nos modelos de explicação da realidade - em revoluções. Com base em que
"critérios" - fatores (externos) e razões (internas) - técnicas de investigação e
teorias substantivas são abandonadas e substituídas por outras? O projeto meta¬
científico kuhniano é uma tentativa de mostrar, misturando elucidações episte¬
mológicas e análise de fatores psicossociais, que o cientista bem sucedido deve
simultaneamente ostentar as características do tradicionalista e do iconoclasta:
(Kuhn, 1977b:227, 236-7).
3 É clara a proeminência conferida por Kuhn à categoria de comunidade (ausente dos textos tradicionais
de epistemologia), quando afirma : "Um paradigma rege, antes de mais nada, não um objeto de estu-
do, mas um grupo de praticantes. Qualquer estudo sobre a pesquisa dirigida por paradigma ou destro¬
nadora de paradigma deve começar localizando o grupo ou grupos responsáveis" (Kuhn, 1970: 242 ).
A "Nova Filosofia da Ciência", da qual Kuhn é um dos mais importantes
representantes, pode ser vista como uma espécie de radicalização da crítica can¬
dente iniciada por Popper (1986) ao ideal empirista (lógico) de ciência. Parece
óbvio que Kuhn tome como ponto de partida o ataque desferido por Popper (1989)
4
contra o observacionalismo . Com o racionalismo crítico, ficara evidenciado que: 1. as
teorias científicas não têm uma inevitável gênese observacional, que podem-se originar
de intuições nascidas do ventre da metafísica, do mito etc.; 2. observações só podem
ser feitas à luz de teorias; que o que tencionamos registrar, em um campo observacio-
nal delimitado, é função de nossas expectativas, de nosso conhecimento anterior etc.
Com Popper, deixara de fazer sentido atribuir a superioridade explicativa da ciência -
frente à metafísica e às pseudociências - ao fato de se dedicar a rigorosas e meticulosas
observações por oposição ao vazio especulativismo. Abandonado o observacionalismo,
o motor de desenvolvimento da ciência passa a ser visto como a delimitação de con-
textos problemáticos acompanhada das tentativas engenhosas de gerar soluções. Em
clara sintonia com Popper, Kuhn ressaltará que, na constituição de um campo científi-
co, o fundamental é definir o que em seu interior será considerado um autêntico pro-
blema ou uma adequada solução. Mas, apesar de, junto com Popper, destacar a for-
mação de contextos problemáticos, dele diverge por não concordar que a ciência seja
praticada em consonância com o esquema P1—>TT —> EE —> P2..., segundo o qual
os problemas são formulados, teorias tentativas são propostas, a eliminação de erros
ocorre e novos problemas despontam.
No entanto, essa concordância quanto à profunda imbricação existente
entre teoria e observação se faz acompanhar de divergências quanto à força do
5
papel cumprido pela observação no processo de testagem das teorias . Como é
sabido, para Popper, um saber só é ciência quando submete suas laborações in¬
terpretativas a autênticos testes, que são sempre tentativas de refutação. Entrar
em conflito com observações é, em um bom número de casos, o bastante para
falsificar uma teoria e justificar seu abandono. Para Kuhn, testes decisivos com
pretensões de falsificar uma teoria não são a mola propulsora de desenvolvimen-
to da ciência; mesmo porque só são feitos esporadicamente em ciência e sua
força não é absoluta, na medida em que fica a depender do impacto de outros
4 O observacionalismo também sofreu ataques, neste século, desferidos por insignes cientistas. Confira-
se a respeito Einstein & Infeld (1966:31).
5 Eis, em linhas gerais, alguns dos principais pontos de concordância entre Kuhn e Popper : "Mas nem
eu nem Sir Karl somos indutivistas. Não acreditamos que existam regras capazes de nos levarem a in-
duzir teorias a partir de fatos, nem que teorias, corretas ou incorretas, sejam induzidas. Ao invés disso,
nós as encaramos como postulações imaginativas, inventadas de uma só vez para serem aplicadas à
natureza" (Kuhn, 1976a: 12). E ainda : "Ambos enfatizamos, por exemplo, a íntima e inevitável imbri-
cação entre observação e teoria científica; somos, por isso, céticos quanto à possibilidade de produzir-
se uma linguagem observacional neutra." (Kuhn, 1976a:2).
fatores que extrapolam a preocupação obcecada em constatar que determinada
teoria está em manifesta "dissonância cognitiva" com os fatos observados perti-
nentes. Na maior parte do tempo, o cientista mantém um envolvimento tão pro-
fundo com a teoria com a qual trabalha que não tem como testar crucialmente
sua proficuidade explicativa.
Todas essas considerações deixam claro que Kuhn não tem como ser apre-
sentado como um epistemólogo "ortodoxo" filiado a uma tradição que via na formu-
lação de critérios de avaliação de teorias o alfa e o ômega de toda investigação me¬
tacientífica. Por essa razão, procuraremos, agora, identificar a forma pela qual Kuhn se
posiciona frente ao problema central da epistemologia e da cientificidade.
Com isso, fica claro que o método é função dos problemas acolhidos por
cada ciência, que não há um método universal - como o de conjecturas e refu¬
tações proposto por Popper - a ser empregado na escolha e equacionamento
dos contextos problemáticos. Não é o método, pela força de seus procedimentos
de avaliação, que cria o paradigma; o paradigma é que especifica as técnicas de
investigação a serem empregadas:
6 Kuhn faz a seguinte avaliação crítica de suas posições anteriores: "Seja lá o que for o paradigma, é
possuído por qualquer comunidade científica, inclusive pelas escolas do assim chamado "período pré-
paradigmático". Minha incapacidade de ver esse aspecto contribuiu claramente para tornar um para-
digma uma entidade ou propriedade quase mística que, à semelhança do carisma, transforma os que
são por ela contagiados. Há uma transformação, mas não é induzida pela aquisição de paradigma"
(Kuhn, 1977a:460).
alternativos não estão normalmente em competição. Exceto
sob condições bastante especiais, o praticante de uma ciên-
cia não pára para examinar modos divergentes de explica-
ção ou experimentação (Kuhn, 1977b:232).
7 Para Kuhn, o progresso seria conseqüência do consenso propiciador de formas convergentes de pes-
quisar, de problematizar um domínio específico de investigação, e não da aplicação de uma metodolo-
gia meliorista que nos ensinaria a construir teorias cada vez melhores (mais verossimilhantes) através
da permanente e implacável eliminação de erros: "Se duvidamos, como fazem muitos, que áreas não
científicas realizem progresso, isso se deve não ao fato de que escolas individuais não progridem.
Deve-se, isto sim, à existência de escolas em competição, cada uma delas questionando os fundamen-
tos das outras. Quem argumenta que a filosofia, por exemplo, não progrediu consegue com isso ape-
nas enfatizar que ainda existem aristotélicos e não que o aristotelismo não tenha conseguido progre-
dir" (Kuhn, 1970:224-5).
tiplicidade de escolas em competição, torna-se muito difícil encontrar provas de
progresso. Se há progresso, é relativo ao território demarcado por cada escola.
Como a cientificidade resulta da emergência de um paradigma, não faz sentido
discutir in abstracto que método especial e que tipo de depuração ideológica fa-
riam com que a sociologia progredisse como a física. Para Kuhn, o que assegura
o progresso não é o acordo sobre definições, sobre técnicas de investigação a
empregar, e sim o consenso em torno de como deve ser conduzida a prática de
pesquisa. Não se trata de concordância em torno de uma teoria da ciência, esti¬
puladora dos cânones de investigação, mas em torno de como deve ser pratica-
da uma disciplina que entra na fase paradigmática.
8 Toulmin (1972:100) faz descrição altamente elucidativa da fase batizada por Kuhn de ciência normal: "Du-
rante os longos períodos de ciência "normal", as idéias correntes em (digamos) física são dominadas e molda-
das por uma teoria-mestra geral ou "paradigma". Ao aceitarem um paradigma, os cientistas estabelecem, du-
rante algum tempo, as preocupações intelectuais e os padrões racionais a vigorarem em seu campo específico
de investigação: que questões formular, que formas de explicação reputar aceitáveis, que interpretações reco-
nhecer como legítimas. Nesse aspecto, um paradigma tem a mesma função lógica de uma constelação de
pressuposições absolutas. Os cientistas que trabalham sob a autoridade de um paradigma formam uma es-
cola, praticamente do mesmo tipo que uma escola de artistas".
gressa em sua fase científica. Uma vez alcançado o consenso, só razões imperio-
sas (não confináveis à realização de testes cruciais) levam os pesquisadores a
questionar as bases sobre as quais apóiam seu trabalho. Mas se a pesquisa sub-
metida a um paradigma não se caracteriza apenas por sua maneira peculiar de li-
dar com a empeiria, o que a torna singular? Para Kuhn, estar uma disciplina sob a
égide de um paradigma significa que seus pesquisadores praticam o que chama
de ciência normal. A famosa imagem de Newton, retomada por B. Russel, segun-
do a qual os cientistas de hoje precisam, para que seu trabalho se torne possível,
subir nos ombros de seus predecessores, guarda muita semelhança com a ciência
normal kuhniana. Esse avançar linear e cumulativo seria a marca registrada de uma
forma de saber em que todos dirigem seus esforços para o aprimoramento dos as¬
pectos funcionais (seus modos de solucionar problemas) das explicações providas
pelo modelo adotado por uma tradição, que se cristalizou em uma disciplina
como única aparentemente possível.
Em Second Thoughts on Paradigms (1977a), Kuhn reconhece que seu
antigo uso do termo paradigma confunde duas noções bastante distintas:
exemplares, que são tipologias de solução de problemas concretos aceitas
pela comunidade científica, e matrizes disciplinares, que são os elementos
compartilhados que explicam o caráter relativamente não-problemático da
comunicação profissional e a relativa unanimidade de julgamento profissional
subsistente em uma comunidade científica:
9 Kuhn (1977b:228) assinala que: "A característica singular mais marcante dessa educação (nas ciên-
cias naturais) tem que ver com o fato de que é, numa extensão totalmente desconhecida em outros
campos, conduzida inteiramente através de manuais."
cie de Great Chain unitária. Não por acaso, os manuais científicos, elemen-
tares ou avançados, dão demasiada ênfase à dependência que a pesquisa
atual tem da passada. É claro que, de um ponto de vista histórico, as reali-
zações científicas proporcionam modelos, centrados em determinados
princípios e pressupostos, orientadores da prática posterior. A crença nes-
se "fio condutor" serve para dar unidade, no tempo, ao que vem sendo
desenvolvido ao longo das diversas etapas evolutivas e para propiciar a
busca de identidades:
A confiança no paradigma é tanta que as anomalias não são vistas como ca-
sos refutadores da teoria, mas como quebra-cabeças a serem resolvidos por nossa
imaginatividade heurística. Isto mostra que, quando fazemos pesquisa sob um para-
digma não temos "liberdade" para testá-lo, da forma crucial apregoada pela tradição
epistemológica, em razão de nossa submissão aos seus padrões ser responsável pela
identificação dos problemas que devem ser considerados dignos de equacionamen-
to. É claro que, vivendo em um paradigma, o cientista pouco se empenha para in-
ventar novas teorias ou descobrir novos fatos, chegando até a mostrar-se intolerante
para com eventuais propostas alternativas ao seu framework.
Por ser setorial e esotérica, a pesquisa normal equivale a uma espécie de
mergulho em uma "pequena realidade", impedindo praticamente que outros do-
mínios de objetos sejam tematizados. A assunção consensual de determinados
compromissos ontológicos (o que há a investigar é isto e não aquilo) e o endosso
tácito a determinados princípios metodológicos (especificadores dos problemas
legítimos e das soluções modelares) diminuem drasticamente a importância da
atitude crítica entronizada por Popper em valor epistêmico supremo:
12 As críticas ao empirismo crítico popperiano ficam ainda mais claras quando Kuhn relativiza o impacto da
experiência sobre nossas construções teóricas: "A observação e a experiência podem e devem restringir
drasticamente o escopo das crenças científicas admissíveis, pois do contrário não haveria ciência. Mas não
podem, por si só, determinar um corpo específico de semelhantes crenças" (Kuhn, 1970:66).
referentes à teoria) acabam sendo feitas . A metaciência kuhniana, apesar de toda
ênfase que faz recair sobre a pesquisa normal, é uma reflexão que caracteriza a ativida-
de científica como oscilando entre a rotina repetitiva do trabalho aprimorador do que
se sabe (em maior ou menor grau) e as dramáticas invenções/descobertas que desem-
bocam nas revoluções. Nesse sentido, a explicação que Kuhn dá sobre a racionalidade
científica se estriba na distinção fundamental entre ciência normal e revolução científi-
ca. Sua alegação de que, na maior parte do tempo, a ciência se dedica à pesquisa nor-
mal, levada a cabo pelos membros das comunidades científicas que se integram atra-
vés da posse comum de uma matriz disciplinar, em nada diminui a importância dos ra-
ros episódios revolucionários. A ciência normal cumpre a decisiva função "sincrôni¬
ca" responsável pelos longos períodos de pesquisa convergente, ao passo que as
revoluções configuram o desenvolvimento do conhecimento no eixo diacrônico
das grandes transformações dissonantes com tudo que até então vinha sendo fei-
to. Mas, se a ciência deve ser entendida como se produzindo entre a pachorrenta
reprodução do normal (simples atividade de resolução de puzzles) e a introdução
revolucionária de novos modos de ver a "realidade" (de problematizá-la), então
cabe identificar o que determina a subversão de uma longa tradição de investiga-
ção, isto é, o que determina a falência explicativa do time-honoured paradigma.
Para Kuhn, a descoberta começa a ser feita quando se passa a ter cons-
ciência de uma anomalia, isto é, quando se reconhece que a natureza, de algu-
ma maneira, deixou de se enquadrar no campo interpretativo delimitado pelo
paradigma que rege a ciência normal. Contudo, as primeiras identificações de
anomalias costumam ser tentativas de acomodá-las ao framework do paradigma.
As anomalias, fenômeno(s) para o(s) qual(is) o paradigma não preparou o
pesquisador, são, em princípio, desconsideradas em seu importe teórico-fatual e
creditadas a falhas dos cientistas individuais. Quebra-cabeças que resistem à so-
lução são vistos como anomalias mais do que como taxativas falsificações, mais
como um fracasso do cientista individual do que como uma inadequação do pa-
radigma. Até porque, todos os paradigmas contêm anomalias que, como se pode
retrospectivamente constatar, se faziam desde o início presentes. Exemplos disso
são a teoria copernicana e o tamanho aparente de Vênus, a física newtoniana e a
órbita de Mercúrio. Mas como o cientista mostra-se totalmente acrítico com rela-
ção ao paradigma no interior do qual trabalha, há uma tendência a subestimar a
13 Acompanhemos como Kuhn pensa a relação entre anomalia e inovação através da seguinte passa-
gem: "Qualquer que seja o grau de genialidade empregada para observá-las, a verdade é que as ano-
malias só emergem do curso normal da atividade científica quando instrumentos e conceitos se desen-
volveram o bastante para tornar provável sua emergência e para tornar a anomalia resultante reconhe-
cível como uma violação de expectativas. Dizer que uma descoberta inesperada só começa quando
algo dá errado é dizer que só começa quando os cientistas sabem bem como seus instrumentos e a na-
tureza deveriam se comportar" (Kuhn, 1977b: 173-4).
importância das anomalias. Ausente a impostação crítica na ciência normal, o
pesquisador pode-se dedicar à articulação funcional e detalhada das peças do pa-
radigma através do trabalho esotérico.
A mera existência de puzzles não-solucionados no interior de um paradig-
ma não é suficiente para desencadear uma crise de confiança no paradigma.
Mesmo porque, todo e qualquer sistema explicativo já nasce com maiores ou
menores conflitos efetivos com a experiência. Para Kuhn, aderir ao postulado
popperiano - segundo o qual devemos abrir mão de teorias que se deparam
com evidência negativa - seria inviabilizar a atividade científica, uma vez que
equivaleria a não ficar com teoria alguma o tempo todo.
Só em determinadas situações as anomalias podem assumir uma impor-
tância capaz de abalar a confiança depositada num paradigma. Só quando atinge
a estrutura básica do paradigma e resiste às mais engenhosas tentativas de remo-
vê-las - feitas pelos mais insignes membros da comunidade científica - é que sua
existência passa a ameaçar a tradição da ciência normal. A identificação de uma
anomalia pode marcar apenas o começo de uma descoberta. O que necessaria-
mente se segue, se é que algo acaba descoberto, é um período mais ou menos
longo durante o qual o indivíduo, e freqüentemente muitos membros de seu
grupo, luta por enquadrar a anomalia numa lei.
Se fica constatado que a anomalia coloca a integridade explicativa do para-
digma em sérias dificuldades, é comum ter início um período de "revisionismo intelec-
tual" e de grande insegurança profissional decorrentes do sentimento de que se está
diante do início do processo de derrocada do paradigma e de grandes alterações nos
tipos de problemas e técnicas de resolução impostos pela ciência normal. Mas, para
Kuhn, não é a economia interna da ciência a única responsável por não vermos uma
anomalia como uma ocorrência questionadora do valor explicativo do paradigma. A
anomalia é vista como séria sobretudo se relacionada a alguma necessidade pre-
mente do contexto social (Cf. Kuhn, 1970:131).
Uma nova teoria não surge porque a que existia entrou em conflito com a
experiência, e, sim, porque se configurou um fracasso, não mais do cientista,
mas da atividade normal de resolução de problemas. Metodologicamente falan-
do, só a constatação do fracasso das regras vinculadas ao paradigma desencadeia
a busca de novos caminhos epistemológicos. A prolífica atividade de invenção
de diferentes teorias só é abraçada como necessária na fase pré-paradigmática
(ou multiparadigmática) da pré-ciência e pode também ser desenvolvida quando
se está nos primeiros estágios da confecção de um novo paradigma.
Se a anomalia continua resistindo à análise (o que geralmente não acontece),
muitos cientistas podem passar a considerar sua resolução como o objeto de estudo
específico de sua disciplina. Os primeiros ataques desferidos contra o problema não
resolvido seguem bem de perto as regras estatuídas pelo paradigma. Mas se ainda
assim continua a haver resistência, podem-se, então, buscar vias cada vez menos
"ortodoxas" de lidar com a dificuldade, chegando-se ao ponto de, apesar de existir
um paradigma, não haver acordo entre os cientistas em torno de sua natureza e
identidade. Quando se chega a essa situação, mesmo os antes intocáveis padrões de
solução de problema passam a ser questionados.
Como as crises representam o relaxamento da rígida instauração interpre-
tativa promovida pelo paradigma, com o conseqüente afrouxamento das regras
que regem a ciência normal, tem origem um período similar à fase pré-paradig-
mática com a diferença de que, nas crises, o campo de divergência é menor e
menos claramente definido. Segundo Kuhn, há três desfechos possíveis para a
crise: 1. a ciência normal acaba se revelando capaz de lidar com o problema
que gerou a crise; 2. o problema resiste até mesmo a novas abordagens. Tal
constatação pode levar a duas conclusões. Os cientistas supõem que nenhuma
solução será encontrada no estado atual da área de estudo. Os cientistas propõem
que seja colocado de lado e legado a gerações futuras que talvez venham a con-
tar com instrumentos mais acurados; 3. fim da crise com o advento de um novo
candidato a paradigma e subseqüente batalha por sua aceitação.
14 Como é sabido, o Wittgenstein II, das Philosophische Untersuchungen (§ 202 e § 241), deu grande
destaque à noção de forma de vida. Kuhn, mesmo não fazendo uso explícito de tal noção, a pressupõe:
"A visão kuhniana de ciência é descritiva. Seu conceito central, paradigma, tem muitos significados,
mas certamente o significado correspondente ao conceito wittgensteiniano de jogo de linguagem
como forma de vida é central. O conceito complementar à ciência normal, o conceito de revolução
científica, corresponde ao do uso wittgensteiniano de reversão gestáltica" (Radnitzky, 1979:109).
É interessante, a esta altura da exposição, sublinhar que, ao passo
que a tradição epistemológica se empenhava no sentido de mostrar que as
ciências sociais só conquistariam sua cientificidade se imitassem o preten-
so método utilizado pelas naturais, Kuhn se vale de inúmeras categorias
das ciências sociais com vistas a tentar elucidar a racionalidade científica
em geral. Fica-se, em certas circunstâncias, com a impressão de que pro-
cura corrigir as distorções do velho naturalismo/fisicalismo recaindo invo-
15
luntariamente num sociologismo generalista tão ou mais problemático .
Afinal, qual o estatuto epistemológico da teoria política/sociológica através
da qual pretende oferecer uma reconstrução da racionalidade das revolu-
16
ções científicas? A tentativa de elucidar o que se passa numa ciência atra-
vés de categorias pertencentes a uma outra é sempre bastante problemática.
Mais ainda quando um domínio não tem sua cientificidade consensualmente
estabelecida. Afinal, é incontroversamente científica a teoria das revoluções po-
líticas a ponto de poder ser ampla e incondicionalmente empregada no esclare-
cimento do que se passa quando da mudança de paradigma?
15 As declarações dadas por Kuhn sobre as ciências sociais se chocam frontalmente com o amplo uso que
faz de categorias pertencentes, ao menos por razões de jurisdição acadêmica, à sociologia, à política etc:
"Se ele (Popper) quer dizer que as generalizações que constituem as teorias aceitas em sociologia e psico-
logia (e em História?) são linhas muito fracas com as quais se possa tecer uma filosofia da ciência, eu não
poderia deixar de estar em total acordo com ele. Tanto meu trabalho quanto o dele não se estribam nelas.
Se, por outro lado, está pondo em dúvida a relevância que os tipos de observações coletadas por historia-
dores e sociólogos tem para a filosofia da ciência, aí já não sei como seu próprio trabalho poderá ser com-
preendido" (Kuhn, 1976a:235). Esta passagem encerra grande dose de ambigüidade. Tenciona, por um
lado, se desvincular dos conceitos e generalizações tradicionais das ciências sociais e, por outro, defender
genericamente o tipo de atividade interpretativa e sua importância para a filosofia da ciência, desenvolvi-
da por sociólogos, historiadores etc. Ademais, Toulmin conseguiu mostrar como a teoria da revolução
kuhniana se vincula a pressupostos que se revelaram controversos na teoria política no interior da qual ti-
nham sido inicialmente endossados: "Inicialmente, os pensadores liberais democratas se viram tentados a
tratar o termo (revolução) como algo mais. A seus olhos, a constante mudança constitucional representava
uma continuidade política 'racionalmente inteligível'; por contraste, as revoluções políticas configuravam
quebras da 'normalidade', que introduziam descontinuidades históricas insuscetíveis de análise em termos
normais racionais. Atualmente, no entanto, os cientistas políticos tentam evitar o contraste exagerado en-
tre "mudança normal" e "revolução". Mesmo a mudança mais inconstitucional não envolve rupturas abso-
lutas e compreensivas da continuidade política. As mais dramáticas revoluções jamais levam a um absolu-
to rompimento com o passado. Continuidades jurídicas, administrativas e de costumes sempre sobrevi-
vem..."(Toulmin, 1972:117).
16 Não podemos evitar este tipo de questão em virtude da ambivalência exibida por Kuhn em relação à natureza
do conhecimento sociológico: categorias sociológicas precisam ser usadas para se entender a constituição e a
reprodução da racionalidade científica, mas o que se tem feito em sociologia não é ciência. Não por acaso,
Kuhn descarta certas tradições de pesquisa social sem, no entanto, definir por qual opta (ou por qual se deveria
optar) no trabalho metacientífico reconstrutivo: "Examinando casos controversos como, por exemplo, a psica-
nálise e a historiografia marxista para as quais, conta-nos Popper, teria inicialmente forjado seu critério, con-
cordo que não podem propriamente ser chamadas de ciência" (Kuhn, 1976a:7).
Kuhn não só inverte o velho naturalismo como também colide frontalmente
com a tradição epistemológica quando retira dos requisitos lógico-empíricos o papel
determinante de avaliadores da veracidade das teorizações. O naturalismo e o "epis¬
temologismo" são ambos atacados com as mesmas armas: o recurso a categorias po¬
lítico-sociológicas como meio de esclarecer a sincronia e a diacronia dos processos
históricos de produção de conhecimento científico. A lógica cede muito de seu po-
der à erística, a força inapelável dos contra-exemplos é subordinada à argumentação
persuasiva, a universalidade intersubjetiva torna-se caudatária dos modos funcionais
de (re)produção de consenso nas comunidades científicas etc:
Formulações desse tipo têm sido tachadas pelos críticos de Kuhn de irra¬
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cionalistas - "a matter for mob psychology" . Kuhn rechaça com veemência esse
17 Lakatos também faz a seguinte interessante comparação : "Para Popper, a mudança científica é racional
ou pelo menos suscetível de reconstrução facional e cai no domínio da lógica da descoberta. Para Kuhn, a
mudança científica - de um paradigma para outro - é uma conversão mística que não é e nem pode ser re-
gida por regras da razão e que cai totalmente no domínio da psicologia (social) da descoberta. A mudança
científica é uma espécie de mudança religiosa" (Lakatos, 1976:93). (...) "Mas o programa de pesquisa
kuhniano contém um novo traço: temos de estudar não a mente do cientista individual, mas a mente da
Comunidade Científica. A psicologia individual é assim substituída pela psicologia social; imitação dos
grandes cientistas pela submissão à sabedoria coletiva da comunidade" (Lakatos, 1976:178-9).
tipo de rotulação. No entanto, se a tradição epistemológica estiver certa -
não tanto pelas respostas que oferece, mas pela delimitação dos problemas
que considera legítimos - a metaciência kuhniana despontará, na melhor das
hipóteses, como fidedigna descrição da ciência até aqui produzida, mas não
como reconstrução da racionalidade científica que culmina na enunciação de
algum critério de decisão epistêmica.
Há claros indícios de que, para a metaciência pós-popperiana, um dos
problemas centrais a equacionar é o relativo à natureza da mudança científi-
ca. Pretendendo-se respaldado pela história da ciência, Kuhn caracteriza a
mudança científica como essencialmente revolucionária. Mas, à diferença da
tradição epistemológica, não acredita na existência de um conjunto de princí-
pios (lógico-empíricos) capaz de ensejar a comparação entre teorias rivais à
luz de um background evidenciai minimamente compartilhado. Nem o requi-
sito lógico da consistência e nem o da fidedignidade empírica teriam força su-
ficiente para demonstrar a superioridade de uma teoria sobre outra. Kuhn
chega a sustentar que cada grupo utiliza seu próprio paradigma para argu-
mentar a favor de sua legitimação. Se há essa circularidade, decorrente de
inexistirem princípios de comparação aplicáveis a diferentes teorizações, é
claro que vivemos na "prisão interpretativa" do paradigma. Por serem os crité-
rios sempre paradigm-bound, isto é, por terem uma validade circunscrita ao
domínio do paradigma ao qual se aplicam (e do qual retiram sua legitimida-
de) não há como utilizá-los na avaliação das escolhas feitas.
Mas se as regras lógicas e a "força da experiência" não conseguem elucidar a
transição, como poderiam fazê-lo as técnicas de argumentação persuasiva? Afinal,
com elas, ficaria quando muito demonstrado que ingressamos num outro paradig-
ma, mas não por que razões. Se os requisitos sintáticos (de coerência) e semânticos
(de correspondência) não conseguem explicar a transição, terão as categorias prag-
máticas (por exemplo, a persuasão) poder para tanto? Não se pode esquecer que es-
tas últimas pressupõem os dois outros: afinal, quem se persuade - sobretudo no
campo da pesquisa empírica - se persuade de alguma coisa (relação entre o que se
diz e o que é) veiculada através de certa roupagem argumentativa (a natureza
das inferências feitas). Ao invés de apenas conferir proeminência à esfera
pragmática - consenso, persuasão, conversão etc. - , Kuhn deveria tentar mos-
trar como se associa à sintaxe e à semântica nos processos históricos específi-
cos de produção de conhecimento científico.
Kuhn recorre a importantes exemplos extraídos da psicologia da per-
cepção, sobretudo gestaltista, em apoio à sua tese de que um cientista com
um novo paradigma vê "as coisas" de maneira diferente da que via quando
dissecava a natureza à luz de outra matriz disciplinar. Nesse sentido, a des¬
continuidade entre paradigmas se relaciona diretamente com uma gestalt
switch (reversão gestáltica) através da qual se produz uma profunda alteração
nos modos de percepção antes prevalecentes (Cf. Morick, 1980:17). Ver dei-
xa de ser mero registro do que se passa à nossa volta para se transformar
numa questão de visão de mundo. Não por acaso, Lavoisier viu oxigênio
onde Friestley vira ar desflogistizado e outros nada viram...
18 Toulmin afirma que o "endosso tácito a uma teoria idealista do conhecimento encoraja Kuhn a aceitar
uma teoria idealista da percepção" (Toulmin, 1972:101).
19 Toulmin faz o seguinte comentário: "Que exemplos poderíamos invocar como possíveis ilustrações des-
sas totais mudanças na visão de mundo científica? Dois candidatos promissores são a reviravolta da astro-
nomia pré-copernicana para a nova ciência de Galileu e Newton (...) e mais recente da física clássica de
Newton e Maxwell para a física relativista de Einstein e a quântica de Heisenberg e seus sucessores (...).
Em nenhum dos dois casos o esquema de completa revolução se ajusta aos fatos. Trata-se de uma carica-
tura descrever, por exemplo, a reviravolta da física newtoniana para a einsteiniana como uma completa
descontinuidade racional... Numa ciência altamente organizada como a física, toda modificação proposta
- por mais que ameace desencadear profundas mudanças na estrutura conceituai da área - é discutida
através de argumentos e razões, criticada à exaustão antes de ser endossada e incorporada ao corpo esta-
belecido da disciplina. Na verdade, quanto mais radicais e abrangentes as mudanças teóricas propostas,
mais elaborada e prolongada tenderá a ser a discussão" (Toulmin, 1972:103).
da mudança conceitual colide frontalmente com o ponto de vista de que o novo
paradigma introduz apenas uma simples reinterpretação dos mesmos dados:
20 Kuhn (1957, capítulos 5 e 6) caracteriza do seguinte modo a estrutura lógica de uma revolução cientí-
fica: um esquema conceituai acaba por levar a resultados incompatíveis com a observação. Como se
pode ver, nessa fase, anterior a The Structure, Kuhn está bem próximo da metaciência popperiana.
Chega, inclusive, a afirmar que a incompatibilidade entre teoria e observação é a fonte última de qual-
quer revolução nas ciências. Já na fase de The Structure, Kuhn concebe o paradigma como estipulan-
do os princípios inquestionados em torno dos quais se organizam os modos partilhados de uma comu-
nidade realizar seu trabalho de pesquisa.
21 Kuhn declara que: "Proponentes de teorias diferentes são como falantes de diferentes línguas mater-
nas. A comunicação entre eles se dá através de tradução, e isso gera todas as conhecidas dificuldades
de tradução. A analogia é, naturalmente, incompleta, pois o vocabulário das duas teorias pode ser
idêntico e a maioria das palavras funcionar da mesma maneira em ambas. Mas as mesmas palavras
dos vocabulários básico e teórico das duas teorias - palavras como 'estrela' e 'planeta', 'mistura' e
'composto', ou 'força' e 'matéria' - funcionam de modo diferente" (Kuhn, 1977b:338).
1977b:338). A relativização do valor das provas empíricas, das regras lógicas de
inferência junto com a adoção de uma teoria idealista da percepção desembo-
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cam na controvertida tese da incomensurabilidade :