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CURSO DE PSICOLOGIA
Patrícia Moreira
Rio de Janeiro
2017
Os debates contemporâneos envolvendo conceitos como “mente” e “cérebro” e, ainda,
relações subjetivas que se estabelecem em um contexto social e intra-pessoal, muito se devem
a chamada “revolução cognitiva” ocorrida no final da década de 1950. Os estudos daquela
época pré-revolução, em psicologia, estavam, em sua maioria, pautados no behaviorismo, ou
seja, em uma análise do comportamento. O behaviorismo consistia na análise empírica dos
acontecimentos e na influência deles no comportamento do ser, negando as conjunturas
internas e uma análise da mente, ou seja, do ambiente interno do indivíduo e a interação
primeira deste com os fatores externos. Havia um interesse em aproximar a psicologia às
ciências naturais, com métodos mais objetivos de observação, nos quais os comportamentos
se dariam por fatores externos ao indivíduo, através de causas físicas e ambientais
(BANDINI; ROSE, 2010).
A “revolução cognitiva” teve seu marco com o linguista americano Noam Chomsky, no final
da década de 1950. Em 1959, Chomsky publica uma resenha crítica à obra “Verbal Behavior”
(Comportamento Verbal) de B. F. Skinner, psicólogo e behaviorista radical, na qual
discordava de Skinner sobre o processamento humano da linguagem, que para o behaviorista
poderia ser explicado por uma análise do comportamento. A resenha fez com que o debate
entre behavioristas e cognitivistas se reascendesse, e as ideias sobre mente, cognição e
subjetividade viessem com mais força no meio acadêmico, alterando também a concepção
desses conceitos.
Além do forte impacto da resenha, é importante destacar o contexto histórico em que essas
discussões se ascendiam: na década de 1950, as consequências do conflito bélico da Segunda
Guerra Mundial (que teve seu fim no ano de 1945) invadiram o campo do saber científico,
promovendo inúmeros avanços que se deram pelas necessidades em meio aos conflitos. Entre
eles, o advento da tecnologia da informação com os computadores e as inteligências artificiais
foi um dos expoentes para a discussão sobre a capacidade mental, inteligência e mente
humanas. A “metáfora computacional” na qual a ideia de que a inteligência do computador
pode ser comparada à inteligência humana (nesse âmbito também pode-se falar em um
paralelo entre linguagem computacional e linguagem humana, ambas, respectivamente, bases
para o funcionamento do computador e da vida social humana), nutriu o interesse científico de
estudar os fenômenos mentais, surgindo, por exemplo, pesquisas sobre percepção e memória
(VASCONCELLOS; VASCONCELLOS, 2007).
O enfraquecimento das ideias behavioristas fez com que crescesse o interesse sobre as
interações que ocorriam no interior do indivíduo, seus processos mentais e suas redes de
significados, estabelecendo, portanto um renascimento e uma consolidação da ciência
cognitiva, ou cognitivismo. Esse modo de pensar cognitivista estava vinculado a outras
escolas do pensamento, podendo ser citadas a antropologia, a psicologia, a filosofia e a
linguística. Pode-se dizer que estas disciplinas auxiliaram a “revolução cognitiva” a tomar
corpo, e, posteriormente, a solidificar os estudos cognitivos.
O debate que se estabeleceu entre Chomsky e Skinner foi notavelmente relevante para a
existência de um novo caminho em diversas áreas, principalmente na Psicologia e na
Linguística. A argumentação de Chomsky obteve uma força e repercussão que fez nascer o
que se conhece hoje como Psicolinguística, inclusive, ele considera a disciplina como uma
ramificação da Psicologia Cognitiva (OLIVEIRA, 1990). Além da crítica ao “Verbal
Behavior”, dois anos antes (1957) Chomsky publica sua obra “Syntactic Structures”, na qual
versa sobre sua teoria de que a linguagem é uma faculdade mental inata do ser humano, ou
seja, de que o indivíduo ao nascer já possui um certo tipo de linguagem, mais uma vez indo
contra às ideias behavioristas, possuindo um caráter cognitivo do pensamento e da expressão
dele através da linguagem (FREITAS, 2015).
A gramática gerativa possui caráter universal, sendo uma propriedade de todas as línguas, pois
seria uma função cognitiva da espécie humana. Esse conceito internalista da linguagem
aponta para o inconsciente do indivíduo, como uma propriedade do inconsciente humano; ou
seja, não se aprende a linguagem, ela é desenvolvida (FREITAS, 2015). Isso explicaria como
as crianças em uma idade muito jovem desenvolvem a linguagem ligeiramente em um período
muito breve. Em Bandini e Rose (2010), “(…) [a capacidade linguística] não poderia nunca
ser aprendida pelo simples contato com o ambiente. Isso porque o número de sentenças
produzidas por uma criança, por exemplo, parecia ser muito maior que o número de sentenças
a ela ensinadas.”.
Com a perspectiva chomskyana de linguagem, pode-se pensar também em uma nova forma de
educação: considerando que a criança já possui o órgão da linguagem e que ela apenas
necessita desenvolvê-lo, o ensino prescritivo da gramática poderia ser flexibilizado,
possibilitando uma maior liberdade cognitiva infantil. Se a ideia de aprendizagem for
substituída pela de desenvolvimento, possivelmente o método de ensino mudaria, tornando-se
mais fluido e melhor auxiliando os alunos, deixando-os confortáveis para desenvolver suas
capacidades.
Percebe-se que a chamada “revolução cognitiva” produziu e ainda produz muitas discussões,
adentrando muitas escolas do pensamento. E essa inclinação ao interior do indivíduo foi
possível, principalmente, pela Psicolinguística e pelo debate estabelecido com Chomsky, no
qual a concepção de que uma das principais características do ser humano, a linguagem, é
inata ao ser. A linguagem permite a comunicação, interna (do sujeito para ele mesmo, ou seja,
uma comunicação reflexiva) e externa (do sujeito para outros sujeitos), pautando toda a vida
em sociedade. A comunicação é a função primeira da língua, sem ela seria difícil pensar os
caminhos que percorreram e percorrem a sociedade, seu desenvolvimento e a própria vida
humana. A visão cognitivista adentrou o pensamento humano, pondo-nos mais reflexivos e
dotando-nos de um poder da consciência de si mesmo.
REFERÊNCIAS
BANDINI, Carmem Silvia Motta; ROSE, Júlio César C. de. Chomsky e Skinner e a polêmica
sobre a geratividade da linguagem. Revista Brasileira de Teoria Comportamental e
Cognitiva, São Paulo, v. 12, n. 1-2, p. 20-42, jun. 2010. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452010000100002>.
Acesso em: 07 set. 2017.
FREITAS, Nathália Luiz de. Mente e linguagem: a perspectiva chomskyana e sua repercussão
nas discussões de Putnan, Fordor e Searle. Revista Percursos Linguísticos, Vitória, v. 5, n.
11, p. 30-48, dez. 2015. Disponível em:
<http://periodicos.ufes.br/percursos/article/view/8505/8158>. Acesso em: 06 set. 2017.
O HOMEM que é alto é feliz?. Direção: Michel Gondry. IFC Films, 2013. 89 minutos. Título
original: Is the man who is tall happy?.