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FACULDADE DE BELAS-ARTES
HELENA ALMEIDA
Maio de 2006
Filipa Gomes
Cristiana Rodrigues
Ricardo Mendonça
Publicado em http://www.arte.com.pt
Helena Almeida
Era uma vez uma mulher sem sombra que encontrou uma1
Lisboa
Maio de 2006
Filipa Gomes
E-mail filipa.gomes1@clix.pt
Cristiana Rodrigues
E-mail cristy_rod@hotmail.com
Ricardo Mendonça
E-mail rjr.mendonca@gmail.com
1
Adília Lopes, Adília Lopes, Obra, Lisboa, edição Mariposa Azual, 2000, p. 434
“Agora vamos duas a duas, ordeiramente marchamos em procissão, debaixo desta
leve penumbra que nos envolve, vestidas com os nossos fatos mutáveis.
Deslizamos suavemente, só por um momento, antes que a cadeia se rompa e a
desordem regresse, contemplemos esta imobilidade, esta ordem de quem está
preso.
Suspiramos de alívio por sabermos que chegou o tempo em que os nossos
monólogos serão partilhados. Não ficaremos para sempre de nucas encostadas a
emitir sons incompreensíveis, sequências infindáveis de palavras.
Falaremos uma linguagem infantil, sem a preocupação de terminar as frases.
Recuperaremos a nossa continuidade.
Vamos dum lado para o outro como as aves migratórias.
Sentimos, ao longe, incontáveis hordas que passam e retomam os antigos lugares
numa sequência majestosa.
Queremos captar este momento, este ciclo como uma imagem de eternidade.
Desapareceu a noção de fim e de princípio.
Tomamos as nossas imagens como testemunhas da nossa perfeita integração nesta
nova ordem de coisas.
Recuperamos a nossa permanência.
Ouvimos passos apressados de inumeráveis matilhas, errando dum lado para o
outro entre a madrugada e a noite.
O círculo fecha-se.
Os caminhos afastam-se num movimento insensível.
Iremos duas a duas imóveis e cheias de vida, até perdermos a memória do nosso
próprio encontro.
Num supremo esforço de vontade queremos saber interpretar os nossos papéis.”
Janeiro de 1987
I Introdução ............................................................................................................. 5
V Conclusão ............................................................................................................. 53
VI Bibliografia ............................................................................................................ 55
Este trabalho consiste numa reflexão sobre a vida e obra de Helena Almeida.
Mais objectivamente, sobre o porquê da escolha da fotografia enquanto
suporte artístico e sobre a forma como justapõe elementos que, à partida, lhe
são estranhos. Dentro deste campo faz-se referência a obras como Desenho
Habitado (1975), Pintura Habitada (1975-76), Desenho Habitado (1977),
Estudo para um Enriquecimento Interior (1977-78), Sente-me (1979).
Numa primeira fase é feita uma breve referência à sua biografia e uma
apresentação dos conceitos gerais que marcam o seu percurso artístico. Em
seguida analisa-se o seu processo de trabalho – a descoberta da fotografia
como meio de expressão e modo de arte performativa.
5
6
Helena Almeida – Traços Interiores
A revolta de Abril encetou uma ruptura com toda a gramática que pudesse
relacionar-se com o conceito Fascista, nomeadamente com o património
artístico académico. Fruto dessa desavença, a Academia nunca mais voltou a
ser a mesma, e do mesmo modo, a própria arte contemporânea se elevou
como afronta ao figurativismo, num tempo em que outros países
consideravam, se não uma reconciliação, pelo menos um lugar próprio para
que tal se pudesse desenvolver. É-nos dada a imaginar a ruptura abrupta que
terá representado esta transição de pensamentos, amplamente
representativa do panorama político que Portugal viveu, e que se revê
claramente nas opções plásticas de Helena Almeida.
Helena Almeida soube desde cedo que queria trabalhar no campo da arte. A
sua primeira grande influência, a par de Walt Disney, foi o seu pai, de quem
foi modelo a partir dos dez anos de idade. Sempre viveu rodeada de arte,
pelos livros que tinha em casa e pelas viagens em família aos museus de
Paris, Roma e Milão.
1
Jorge Gomes Miranda, Portadas Abertas, Lisboa, editorial Presença, 1999, p. 10
2
Helena Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 30
7
Helena Almeida – Traços Interiores
Nos quatro anos que se seguiram à sua formatura foi pouco o tempo
dispensado à arte; não obstante, esta nova condição de mulher não sonegou
o seu desassossego artístico. A artista viaja para Paris, sozinha,
amadurecendo a natureza do seu labor artístico, não na manualidade, mas
no enriquecimento do saber que lhe era ocultado pela ditadura que se fazia
sentir em Portugal. Assim se explica que tenha passado grande parte do seu
tempo a ler e visionar filmes, na assistência das aulas de Francastel. Nada
pintou durante a estadia de um ano em Paris.
Helena Almeida sentia-se isolada num país cujo governo não apoiava as
artes. Para suprimir todas as faltas que se faziam sentir por cá, viajava
bastante. No entanto, mesmo nesse isolamento, a artista tinha a “consciência
de ser uma pessoa (...) do seu tempo”.3 Numa época marcada pelo fecho de
muitas galerias e o desaparecimento de algumas revistas, a pintura
continuava a ocupar lugar de destaque mas havia pouca aceitação pela
multidisciplinariedade. A artista descreveu este período como “uma travessia
no deserto”.4 Manteve-se fiel às suas convicções, aproveitando o momento
em que ainda vivia sem pressões, sem exposições e com maior liberdade,
para desenvolver o seu trabalho.
3
Helena Almeida em conversa com Maria Corral, AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de
Galicia, 2000, p. 25
4
Helena Almeida em conversa com Maria Corral, AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de
Galicia, 2000, p. 27
8
Helena Almeida – Traços Interiores
De acordo com Paulo Cunha e Silva, o trabalho de Helena Almeida pode ser
descrito do seguinte modo:
A-experiência-do-corpo-enquanto-experiência-do-mundo-enquanto-
experiência-da-arte.6
5
Alexandre Melo, Artes Plásticas em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, Difel, 1998, p. 100
6
AAVV, Intus – Helena Almeida, Civilização Editora, 2005, p. 8
7
AAVV, Intus – Helena Almeida, Civilização Editora, 2005, p. 9
8
Alexandre Melo, Artes Plásticas em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, Difel, 1998, p. 100
9
Helena Almeida – Traços Interiores
10
Helena Almeida – Traços Interiores
Exposições Individuais
11
Helena Almeida – Traços Interiores
12
Helena Almeida – Traços Interiores
Exposições Colectivas
13
Helena Almeida – Traços Interiores
14
Helena Almeida – Traços Interiores
15
Helena Almeida – Traços Interiores
16
Helena Almeida – Traços Interiores
17
Helena Almeida – Traços Interiores
2002 Art Basel Miami Beach, Stand Galería Helga de Alvear, Madrid,
Espanha
2002 Paisages Contemporáneos, colección Helga de Alvear, Fundación
Foto Colectania, Barcelona, Espanha
2002 Art Forum Berlin, Stand Galería Helga de Alvear, Madrid, Espanha
2002 Art 33 Basel, Basel, Stand Galería Helga de Alvear, Madrid, Espanha
2002 Galeria Nara Roesler, São Paulo, Brasil
2002 La Caución del Pirata, Centro Cultural de Andratx, Mallorca, Espanha
2002 Critérios Visíveis – 150 Anos de Fotografia, Centro Português de
Fotografia, Porto
2002 Arte Público, Museu de Serralves, Porto
18
Helena Almeida – Traços Interiores
19
Helena Almeida – Traços Interiores
20
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
– Caminhos Paralelos
Foi com este estado de espírito que Helena Almeida começou a fazer uso de
todos os elementos que constituíam qualquer obra pictórica: tela, moldura,
pigmento, pincelada... Uma leitura da pintura no seu grau zero. Uma fuga que
se faz no estado presente. Um inventário sobre a forma grave e sentenciosa
dos aforismos conceptuais que a artista desenvolve ao mesmo tempo que
desenha a sua caricatura.9
Helena Almeida realiza nestas obras do começo algo que será depois uma
constante: a corporização da pintura. A tela, o suporte tradicional da pintura,
é tratada como se fosse uma luva. Uma luva que no acto de a despirmos
deixa ver o outro lado, mostrando as costuras e os cortes, o que corresponde
à visão da estrutura e o trabalho do carpinteiro que é anterior e base da
pintura.11
9
Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 26
10
Sem Título, 1967, p. 59
11
AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 39
21
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
quebra uma certa tirania da pintura. Esta nova marca introduz laivos de
personalidade na formulação de ideias e o campo de acção da expressão
artística passa a ser o espaço dimensionado pelo sujeito criador.
Assim apresento estes trabalhos como uma janela que se abre, como uma
persiana que se enrola, como um pano que se estende.13
Uma pintura que se abre no centro e se estende para fora como uma língua;
(...) uma pintura (...) igualmente monocromática que se abre como uma
janela, deixando ver a respectiva grade no seu interior; outra ainda que se
recolhe como uma persiana, pondo a descoberto novamente a grade.14
Sem Título, de 1968,15 uma pintura monocromática, liberta-se da moldura e
cola-se à parede como um batente de porta que roda em volta de uma
12
Sem Título, 1970, p. 59
13
AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no C. G. de Arte Contemporânea, Xunta de Galicia, 2000, p. 19
14
AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 7 e 8
15
Sem Título, 1968, p. 60
22
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
dobradiça. A questão é que esta porta se abre para uma parede, revelando
um impasse. Ao utilizar um monocromático, o que era considerado a audácia
suprema da arte do século XX, abrindo para lado algum, Helena Almeida faz
uma crítica bem clara ao conceptualismo.
Segundo Helena Almeida, as suas obras deste período eram pinturas. Mas já
começava a querer que a pintura saísse, que a pintura caísse. Já tinha a
grande tentação de pôr os trabalhos por cima de mim.21
Foi em 1969 que a artista se fez fotografar pela primeira vez pelo seu marido,
Artur Rosa.22 Surge representada de corpo inteiro, a agarrar uma tela cor de
rosa sobre o peito. Tela Rosa para Vestir pode constituir o fim de um período
16
Sem Título, 1969, p. 60
17
AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 8
18
Catálogo da exposição Helena Almeida, Pés no Chão Cabeça no Céu, Lisboa, edição CCB, 2003, p. 19
19
Catálogo da exposição Helena Almeida, Pés no Chão Cabeça no Céu, Lisboa, edição CCB, 2003, p. 19
20
Ángela Molina, Helena Almeida, Aprender a Ver, Porto, Mimesis, 2005, p. 11
21
Isabel Carlos, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 39
22
Tela Rosa para Vestir, 1969, p. 61
23
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
24
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Desde os anos 70 a obra desta artista tem vindo a afirmar-se como portadora
de uma eficaz confluência de disciplinas e atitudes. No seu percurso, esta
década correspondeu ao “momento de estimulante consonância vanguardista
internacional”.27
26
Ángela Molina, Helena Almeida, Aprender a Ver, Porto, Mimesis, 2005, pp. 9 e 10
27
Alexandre Melo, Artes Plásticas em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, Difel, 1998, p. 100
28
Highbeam Web Research Center
25
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Como não cria personagens mas também não produz auto-retratos, Helena
Almeida nunca chega a dizer nada sobre o seu corpo físico, material. O seu
corpo altera-se constantemente, desfigura-se, esconde-se por trás da pintura.
Não são auto-retratos, pois não encontro neles a minha ‘subjectividade’ mas
sim o meu ‘plural’ que faço comparecer numa espécie de cena.31
29
AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 23
30
Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 8
31
AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 8
32
Ouve-me, 1979, p. 62
26
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Para uma mulher, falar sobre outra mulher não é uma descrição essencialista
de como a mulher é, mas a descrição de como a mulher aparece, da sua
imagem e do que ela simboliza. É nesta situação que Helena Almeida se
coloca, para através da fotografia, falar dela mesma, da sua interioridade,
uma interioridade que não revela, mas inquieta.35
A artista usa o seu próprio corpo como tema de trabalho, afirmando que se
ela própria se encontra no atelier, não faz sentido contratar um modelo.
33
AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 9
34
O Atelier, 1983, p. 63
35
Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 24
27
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Trata-se de acções que evoluem não por uma lógica romanesca mas por
uma lógica de continuidade, (…) restando-nos então ficarmos suspensos nas
imagens e sem uma história para poder contar.38
36
H. Almeida, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 41
37
Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 18
38
Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 18
39
Estudo para um Enriquecimento Interior, 1977-78, p. 64
28
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Não era uma novidade o facto dos artistas usarem o seu próprio corpo nas
suas obras no entanto, a transformação particular que Helena Almeida opera
no seu corpo, fazendo com que passe de tema a objecto puro, bem como as
implicações dessa transição, constituem conceitos que já reportam para uma
história bem mais recente.
(...) como também o que faço é dominantemente corporal, tive que acautelar
muitas coisas e aprender comigo toda a linguagem do corpo, do meu corpo,
porque era através dele que eu queria, e quero, exprimir-me. O inclinar da
cabeça, o levantar de um pé, o esticar de um braço, também tem um
significado que não pode ser deixado ao acaso. O meu corpo é como um
baú, um recipiente de emoções, de lembranças, que as pessoas (e eu
também) podem encher, esvaziar, transferir para aquele corpo.41
40
Catálogo da exposição Helena Almeida, Pés no Chão Cabeça no Céu, Lisboa, edição CCB, 2003, p. 23
41
AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 5
29
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Pinceladas azuis que parecem ter sido executadas pelo seu “eu fotográfico”
cobrem parte da superfície preta e branca da fotografia, chegando por vezes
a obliterar o rosto ou outras regiões do corpo da artista.
42
Highbeam Web Research Center
43
Pintura Habitada, 1975, p. 65
44
Helena Almeida em conversa com M. Corral, AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de
Galicia, 2000, p. 21
30
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
A artista frequentou o atelier desde os seus dez anos, nos finais da década
de 40, inicialmente para posar para as esculturas de seu pai, em seguida
para realizar a sua tese e começar a trabalhar, por cedência do mesmo.
Helena Almeida conservou o atelier e considera-o sua casa.46
Mais do que criar obras para um espaço, este vê-se domesticado para o
trabalho a que dá vida, pelo que o atelier se transforma numa integração
ética do círculo de intimidade. Este círculo é fechado pelo seu marido, que
também tem formação artística, apesar de Helena Almeida já ter deixado
45
Intus, Vídeo RTP2
46
Helena Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 32
47
Helena Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 27
31
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
É certo que hoje em dia é fotografada por Artur Rosa. É ele quem capta a sua
imagem no momento, circunstância, e lugar determinado. Talvez o “fotógrafo”
possa surgir associado ao espectador, talvez seja ele a alteridade do
espectador.
Nos anos 70 a artista começou a inserir nas suas obras elementos exteriores
à fotografia, alheios à sua bidimensionalidade. Com a introdução de fio de
crina, Helena Almeida inicia as suas séries de “desenhos habitados”.
Tentar abrir um espaço, sair custe o que custar, é um sentimento muito forte
nos meus trabalhos. Passou a ser uma questão de condenação e de
sobrevivência. (...). De toda a maneira, já consegui sair pela ponta dos meus
dedos.50
48
Delfim Sardo, Catálogo da exposição Helena Almeida, Pés no Chão Cabeça no Céu, edição CCB, 2003, p. 15
49
AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 23
50
AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 27
32
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Nunca fiz as pazes com a tela, o papel ou qualquer outro suporte. Creio que
o que me fez sair do suporte, através de volumes, fios e de muitas outras
formas, foi sempre uma grande insatisfação em relação aos problemas do
espaço. Quer enfrentando-os quer negando-os, eles têm sido a verdadeira
constante de todos os meus trabalhos.52
33
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
55
Sente-me, 1979, p. 67
56
Estudo para Dois Espaços, 1977, p. 68 e 69
34
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
57
Pintura Habitada, 1975-76, p. 70
58
Desenho Habitado, 1975, p. 71
59
Tela Habitada, 1976, p. 72
60
Corte Secreto, 1981, p. 73
35
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Na década de 80, o azul das suas obras é substituído por um negro profundo
de luto, um negro incontrolável que invade e engole o desenho dos corpos
que se diluem como num frasco de tinta.
61
Fernando Pessoa, Fernando Pessoa, Obra Poética, edição Círculo de Leitores, 1986, p. 219
62
Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 28
63
Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 28
64
Frisos, 1986, p. 74
36
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Enquanto que a linha se marca de fora e surge com uma relação nitidamente
mais espacial, a mancha parece nascer da tela, de dentro para fora e parece
ter uma significação mais temporal. (...). O preto é escolhido por ser o
absorvente de todas as cores da radiação luminosa. Daí a mancha preta que
Helena Almeida distribui na composição dos Frisos espectraliza a natureza
fotoquímica da imagem fotográfica. Os frisos poderiam ser considerados
como um pequeno cinematógrafo. Os elementos que entram na feitura de
cada fotograma compõem um cenário concebido e intencionalmente dirigido
a um vidente que tem que andar pelo seu próprio pé.66
65
Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 16 e 17
66
Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 18
37
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
A artista assume-se como uma enorme mancha negra, tal como pode ser
observado em Negro Exterior, de 1982,68 Espaço Espesso, de 198269 e
Negro Agudo, de 1983.70 No entanto, por vezes o seu corpo permite ser
“contaminado” por pinceladas coloridas que “sujam” a sua figura, tal como em
Perdão, de 1993.71
A partir dos anos 90 a obra desta artista tem vindo a direccionar-se mais
objectivamente para a relação entre o corpo e o espaço, entre o seu próprio
corpo e o espaço do atelier em que trabalha.
67
Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 18, 19 e 20
68
Negro Exterior, 1982, p. 75
69
Espaço Espesso, 1982, p. 76
70
Negro Agudo, 1983, p. 77
71
Perdão, 1993, p. 78
72
AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 25
73
A Casa, 1982, p. 79
74
O Atelier, 1983, p. 63
38
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
O espaço sempre foi uma das minhas preocupações, (...), falei de problemas
de espaço quando falava de uma mancha, de uma linha ou de passar
adiante, tudo isso deixei, e passei a ocupar o próprio espaço do meu estúdio,
onde me vou movendo de outro jeito. (...). A cor... foi absolutamente
necessária. Só a emprego como uma marca minha, não só quando não pode
deixar de aparecer.75
39
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Nas suas obras mais recentes, de grande formato, a artista está novamente
interessada em explorar os diferentes aspectos da sua temática de base.
Dentro de Mim representa uma reflexão literal sobre o espaço que a rodeia, o
seu atelier. A série mostra variações da artista posando para a câmara, caída
no chão ou assente apenas num pé, com pequenos espelhos rectangulares
presos nas solas dos pés. Os espelhos captam pequenos fragmentos do
espaço e no decorrer do processo parecem obliterar a realidade física do
próprio corpo.
Tive a sensação de estar muito mais exposta, frágil, deitada no chão, sem
recorrer a nada, sem recorrer a objectos; simplesmente deitada e mudando
de posição, senti que o espaço arquitectónico em meu redor era o molde do
espaço.
Pensei que o estúdio era o meu molde, um molde escultórico. Foi isso o que
pensei e essa era a intenção do meu trabalho, um trabalho que se chama
Dentro de Mim, porque o instrumento era esse espaço exterior que eu queria
expressar, passando esse espaço a misturar-se com o meu interior, com
molde do meu corpo.80
78
Desenho, 1999, p. 82
79
Dentro de Mim, 2000, p. 83
80
AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 31
40
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Em Sem Título de 2003 não há tinta, não há pintura, apenas um corpo que
surge como massa escultórica negra. Até a forma desse corpo nos escapa,
sendo apenas lembrada por um braço ou um pé que nos recorda que este é
efectivamente um corpo em repouso e não o material concreto de uma
escultura disposta num espaço vazio, num chão de pedra absolutamente
límpido. Densidade e gravidade, aqui o corpo surge como estrutura essencial
e primária.
81
Sem Título, 2003, p. 84
82
Sem Título, 1994-95, pp. 80 e 81
41
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Intus, que significa “de dentro”, é a mais recente exposição desta artista. Nela
Helena Almeida aprofunda essa relação entre o corpo e o espaço,
nomeadamente em Eu Estou Aqui,83 a obra que fez especialmente para a
Bienal de Veneza 2005. A série desenvolve-se de forma quase coreográfica;
o seu corpo ora se dobra ora se desdobra, escondendo-se ou expondo-se,
através de pequenos gestos.
Uma questão primordial explorada por esta artista é o que é de facto arte no
seu percurso, para além da marca da passagem do seu corpo, após a
interacção entre este e as obra de arte a que dá origem. A resposta a esta
pergunta talvez esteja em Seduzir, uma série fotográfica de 2002.84 Essas
imagens mostram-nos diversas poses algo encenadas que sugerem
estereótipos de sedução feminina. Mas o efeito mais inquietante desta série
resulta do facto da artista confrontar o observador com a presença do seu
corpo de tal forma que o obriga a tomar consciência do espaço e limite, da
acção e poder, do seu próprio corpo.
83
Eu Estou Aqui, 2005, pp. 85-88
84
Seduzir, 2002, pp. 89-92
42
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Segundo Isabel Carlos, as cores que Helena Almeida utiliza nas suas
fotografias são portadoras de uma energia psicológica e de uma mensagem
simbólica: o azul é a metáfora do espaço e da energia, o branco representa a
pureza ou a purificação, o negro é uma alegoria à densidade e à absorção da
luz e o vermelho simboliza a encenação e o drama.
De certa forma, com Seduzir, a artista adopta uma posição crítica face às
regras da boa conduta, revelando como a sociedade e os seu códigos, bem
como o nosso comportamento, respondem a padrões fictícios que servem
unicamente para esconder medos e preocupações que nos assolam.
Em vez de criar obras para locais específicos a artista afirma que o seu
espaço é o atelier e que este é o seu mundo. Deste modo, Helena Almeida
trabalha como uma pintora no sentido clássico do termo. A artista cria obras
especificamente para o seu espaço e refere as transformações que faz no
espaço em que produz as suas obras. Deste modo, dá aso a um processo
que transporta em si o seu próprio carácter doméstico, colocando elementos
surpresa no espaço, numa espécie de reconhecimento espacial que é feito
dia após dia.
85
Dentro de Mim, 1998, p. 93
86
H. Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, pp. 32 e 33
43
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
No seu trabalho não há lugar para acasos; tudo o que vemos nas suas
imagens é criado de forma intencional:
Estes apoios visuais surgem como diagramas que ilustram o modo como a
artista opera como veículo formal. Ela própria afirmou:
Eu sou a tela.
87
Selecção de Desenhos Preparatórios, p. 94 e 95
88
Helena Almeida em conversa com M. Corral, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia,
2000, p. 31
89
Highbeam Web Research Center
44
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
Desde as suas primeiras criações até às mais actuais, Helena Almeida tem
usado a imagem.
Nenhum artista o poderá fazer de ânimo leve. Nenhum artista engana, nem
se engana com imagens levianas e sem a consciência da sua força. Causa
perdida, quem sabe? Ainda assim, imprevisível. Por isso, a personagem
fotografada hesita. No entanto, vemo-la cometer seu pecado demiúrgico
(recriando o mundo com as imagens, o equivalente ao mundo das imagens),
como ilusionista que quase nunca consegue vê-lo; que faz e que cria, porque
num primeiro momento sabe verdadeiramente que apenas renova as
representações e as imagens. E estas não passam, “sem pudor”, de próteses
menores, falsificações frias ou substitutos fragmentários da realidade vivida.
Só depois, muito depois, quando habitados e dentro da representação,
saberemos não existir exterior, não existir fuga. Nem condenação, nem
salvação.
90
Carlos Vidal, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 55
91
AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 59
45
Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida
46
Fotografia como meio de expressão
Com maior subtileza, a linha de um fio fotografado, que também lança a sua
sombra na imagem, transforma-se numa linha da própria superfície da
imagem. Tudo é encenado como se a artista que está presente na fotografia
tivesse desenhado essa linha de dentro para fora (Desenho Habitado,
1975)93. A realidade do espaço ilusório fotografado e da própria superfície, o
médium da imagem e o seu material colidem, criando uma espécie de
contradição que assume a forma de fusão misteriosa e inevitável. A tinta azul
que a artista aplica na superfície da fotografia para cobrir o seu rosto tem um
efeito semelhante, enfatizando mas simultaneamente negando a sua
presença (Pintura Habitada, 1975-76).94
92
AAVV, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 30
93
Desenho Habitado, 1975, p. 71
94
Pintura Habitada, 1975-76, p. 70
47
Fotografia como meio de expressão
Foi em 1969 que Helena Almeida se fez fotografar pela primeira vez pelo seu
marido. A imagem resultante, publicada no catálogo que acompanhou uma
exposição realizada na Galeria Buchholz, já denuncia o futuro do seu
percurso artístico.
A fotografia é algo que faz parte do nosso quotidiano; foi um meio que
revolucionou o séc. XX e o modo como encaramos a imagem.
Pode ir mais longe do que o mero registo e constitui o meio que Helena
Almeida decidiu explorar no seu trabalho. Tornou-se o seu suporte, numa
procura dos limites e fronteiras da pintura e do desenho.
95
Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, pp. 26 e 27
96
AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 8
97
AAVV, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 217
48
Fotografia como meio de expressão
49
Fotografia como meio de expressão
50
Fotografia como meio de expressão
104
AAVV, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 31
51
Fotografia como meio de expressão
105
Negro Exterior, 1982, p. 75
106
Frisos, 1986, p. 74
107
Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, pp. 28 e 29
52
Conclusão
Conclusão
Pouco mudou desde essa altura. Helena continua a ser a mesma “miúda”,
dispondo do mesmo velho atelier, e curiosamente continua a estabelecer
essa mesma estaticidade imortalizada, desta feita pela fotografia, onde não é
de todo casual a preferência pelo preto e branco, pois essa é a única
condição capaz de congelar não só o tempo mas também o espaço. Continua
108
Ana Mafalda Leite, Livro das Encantações, Lisboa, editorial Caminho, 2005, p. 39
109
AAVV, CAMJAP, Roteiro da Colecção, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 96
53
Conclusão
Helena Almeida fez dessa condição de visionada no atelier o mote para a sua
arte; as diversas situações que cria continuam a ser os devaneios de uma
criança, que no silêncio do atelier, divaga pelo abstracto, enquanto um
‘voyeur’ se contenta com a contemplação e apropriação voluntariosa de um
corpo que plasticamente ocupa o espaço, e que apesar de descaracterizado
na sua sexualidade, não deixa de revelar a feminilidade do objecto que se faz
contemplar.
54
Bibliografia
Bibliografia
AAVV, Bes Photo 2004, texto e entrevista por Maria João Seixas, Lisboa, Banco
Espírito Santo e Fundação Centro Cultural de Belém, 2004
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Helena Almeida, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004
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8ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 1977, 1 vol., pp. 7-238
Titulo Original:
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Gonçalves, Rui Mário, A Arte Portuguesa do Século XX, Temas e Debates, 1998,
pp. 93, 99, 103, 104, 105, 120, 139
Leite, Ana Mafalda, Livro das Encantações, «Outras Margens», 1ª edição, Lisboa,
Editorial Caminho, 2005, vol. 44, p. 39
Lopes, Adília, Adília Lopes, Obra, 1ª edição, Lisboa, Edição Mariposa Azual, 2000, 1
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Outras Fontes
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16 fotografias a p/b
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O Atelier, 1983
Fotografia p/b
80cm x 61cm
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Imagens
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Imagens
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Sente-me, 1979
4 fotografias p/b
52cm x 75cm cada
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Imagens
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Imagens
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O Perdão, 1993
Fotografia p/b e acrílico
80cm x 64cm
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A Casa, 1982
Fotografia p/b
260cm x 132cm
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Imagens
80
Imagens
81
Imagens
Desenho, 1999
Fotografia p/b
85cm x 126cm
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Imagens
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Imagens
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Imagens
85
Imagens
86
Imagens
87
Imagens
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Imagens
Seduzir, 2002
Fotografia p/b
85cm x 125cm
Seduzir, 2002
Fotografia p/b
85cm x 125cm
89
Imagens
Seduzir, 2002
Fotografia p/b
125cm x 112cm
Seduzir, 2002
Fotografia p/b
125cm x 112cm
90
Imagens
91
Imagens
Seduzir, 2002
Fotografia p/b
125cm x 85cm
Seduzir, 2002
Fotografia p/b
189cm x 124cm
92
Imagens
93
Imagens
94
Imagens
95
Helena Almeida no seu atelier em Lisboa
Fotografia de Luís Ramos, 2004