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METODOLOGIA DE CHECKLAND APLICADA À

IMPLEMENTAÇÃO DA PRODUÇÃO
MAIS LIMPA EM SERVIÇOS

Gisele Cristina Sena da Silva


Denise Dumke de Medeiros
Grupo de Pesquisa PLANASP, Departamento de Engenharia de Produção,
Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Tecnologia,
Av. Acadêmico Hélio Ramos, s/n, 5° andar, Bloco Administrativo,
Cidade Universitária, CEP 50740-530, Recife, PE, Brasil,
e-mails: gsena@ufpe.br, ddm@ufpe.br

Recebido em 06/12/2004
v.13, n.3, p.411-422, set.-dez. 2006 Aceito em 28/8/2006

Resumo

O programa de Produção Mais Limpa tem sido aplicado com sucesso na indústria manufatureira, entretanto, esta
ferramenta está longe de ser adotada por empresas de prestação de serviço. Este artigo tem como principal contribui-
ção caracterizar o desenvolvimento e a aplicação da Produção Mais Limpa na prestação de serviço, a partir da utili-
zação da Metodologia de Checkland para estruturação de problemas. Essa metodologia objetiva a comparação entre
sistema real (como a empresa se encontra hoje) e conceitual (como a empresa iria funcionar se adotasse a Produção
Mais Limpa) no sentido de traçar cenários de mudanças e auxiliar os gestores na tomada de decisão sobre adotar ou
não adotar este programa.
Palavras-chave: produção mais limpa, desenvolvimento sustentável, sistema de gestão ambiental, prestação de serviço.

1. Introdução
No cenário econômico atual, a prestação de serviço A demanda ambiental no setor de prestação de ser-
está em evidência e já é responsável pela maior parcela viços tem sido bem modesta, mas, com o crescimento
da economia global. Com o crescimento do número de do setor, ele deverá conhecer seus impactos ambientais
empresas prestadoras de serviços, cresce também o nú- e resolvê-los como parte dos problemas ambientais da
mero de competidores, fazendo com que seja necessário, sociedade. Por este motivo, estas empresas devem se re-
para as empresas, melhorar sua eficiência por meio de estruturar para assumir a responsabilidade pela criação
alternativas que diferenciem seus serviços. Desta forma, de sistemas voltados à preservação de recursos, criando
o estabelecimento de sistemas de gerenciamento bem alternativas para um sistema ambiental integrado voltado
organizados pode subsidiar as operações em serviços na à renovação do atual modelo de desenvolvimento.
melhoria de sua competitividade.
Nas empresas, existe um reconhecimento de que a
2. O programa produção mais limpa
questão ambiental se tornará muito mais proeminente
como um fator que influencia consumidores, leis, grupos A busca incessante por soluções para problemas am-
de pressão e que o setor de prestação de serviços necessi- bientais faz com que gestores adotem ferramentas que
tará mostrar um crescente interesse pela proteção do meio auxiliem organizações em todo o mundo a agir de forma
ambiente. Assim, se faz necessário o desenvolvimento de pró-ativa com relação às questões relacionadas à gestão
métodos que auxiliem o setor de prestação de serviços a dos recursos naturais.
inserir em seus processos o conceito de proteção ao meio Segundo Oliveira Filho (2001), a tecnologia de “fim-
ambiente em prol do desenvolvimento sustentável. de‑tubo” procura resolver prejuízos ambientais pelo
412 Silva e De Medeiros − Metodologia de Checkland Aplicada à Implementação da Produção Mais Limpa em Serviços

controle da poluição no fim do processo produtivo, sem para o desenvolvimento de um processo eco-eficiente,
combater a raiz do problema. Em contrapartida, a Pro- resultando na não geração dos resíduos, redução ou reci-
dução Mais Limpa (P + L) é uma estratégia tecnológica clagem interna e externa (CNTL, 2003).
de caráter permanente que se contrapõe às soluções que Na Figura 1 a seguir, é representada a forma de priori-
objetivam apenas controlar a poluição atuando no final do zação da atuação segundo a antiga (fim-de-tubo) e nova
processo produtivo, como a tecnologia de “fim-de-tubo”. (P + L) abordagem.
Quando uma solução tecnológica do tipo “fim-de- A antiga abordagem, adotada ainda por muitas orga-
tubo” é introduzida em um processo industrial, os im- nizações, segue o rumo contrário, com a adoção de so-
pactos ambientais se reduzem imediatamente, porém os luções simplistas que acabam, geralmente, resultando no
aspectos continuam existindo, pois não houve prevenção
e sim uma ação de caráter corretivo, elevando normal-
Tabela 1. Diferenças entre tecnologias de fim-de-tubo e
mente os custos sociais e privados. Além disso, trata-se produção mais limpa.
de uma solução reativa e seletiva, geralmente introduzida
Tecnologia de fim-de-tubo Produção mais limpa
para atender aos padrões de emissão ou de qualidade am-
Pretende reação. Pretende ação.
biental estabelecidos pela regulamentação governamen-
Os resíduos, os efluentes e as Prevenção da geração de resí-
tal (PNUMA, 1993).
emissões são controlados por duos, efluentes e emissões na
Enquanto as técnicas de “fim-de-tubo” representam equipamentos de tratamento. fonte. Procura-se evitar ma-
ações remediativas, que esperam que estes resíduos se- térias-primas potencialmente
jam gerados para, posteriormente, tratá-los, a P + L é tóxicas.
uma ação preventiva, que visa evitar ou diminuir a for- Proteção ambiental é um assunto Proteção ambiental é tarefa
mação do resíduo durante o processo produtivo. Quan- para especialistas competentes. para todos.
do uma organização adota os princípios da P + L, está A proteção ambiental atua de- A proteção ambiental atua
tentando buscar tecnologias que substituam os tratamen- pois do desenvolvimento dos como uma parte integrante do
processos e produtos. design do produto e da enge-
tos convencionais de “fim-de-tubo” por modificações no
nharia de processo.
processo produtivo focadas na prevenção e controle de
Os problemas ambientais são Os problemas ambientais são
poluição na fonte. resolvidos a partir de um ponto resolvidos em todos os níveis e
Na Tabela 1, são apresentadas as principais diferenças de vista tecnológico. em todos os campos.
entre as tecnologias de fim-de-tubo e a P + L indicadas Não tem a preocupação com o Uso eficiente de matérias-pri-
pelo Centro Nacional de Tecnologias Limpas - CNTL. uso eficiente de matérias-pri- mas, água e energia.
A abordagem da P + L privilegia as soluções volta- mas, água e energia.
das para a prevenção e minimização, sugerindo que as Leva a custos adicionais. Ajuda a reduzir custos.
empresas atuem na fonte geradora, buscando alternativas Fonte: CNTL (2003).

Seqüência de abordagem lógica

Seqüência de abordagem tradicional


100%
Contribuição para a solução do problema

ção
da solu Previnir a
id ade geração
plex
Com Minimizar a
geração
Custo glo
bal da So
lução
Tratar Reaproveitar
Dispor

0%

Figura 1. Formas de priorização da nova e da antiga abordagem ambiental. (Fonte: CNTL (2002)).
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aumento dos custos associados ao gerenciamento am- pelo Centro Nacional de Tecnologias Limpas SENAI/­
biental. A nova abordagem contribui para a solução de UNIDO/UNEP (CNTL, 2003), representado na Figura
problemas ambientais na fonte, isto é, na prevenção da 2, por este tentar criar um sistema de informação sobre
geração de resíduos, contribuindo de forma muito mais P + L nacional, a partir de experiências brasileiras em
efetiva para a solução do problema ambiental. Apesar de produção mais limpa em diversos setores produtivos.
mais complexa, por exigir mudança no processo produti-
vo e/ou a implementação de novas tecnologias, ela pode 3. Produção mais limpa
permitir uma redução permanente dos custos gerais, in- na prestação de serviços
corporando os ganhos ambientais, econômicos e de saú-
Diante do crescimento do número de empresas presta-
de ocupacional (CNTL, 2003).
doras de serviço, o uso de ferramentas que minimizem os
A decisão de se adotar um programa de P + L depen-
impactos ambientais proporcionados por este segmento
de diretamente da relação custo-benefício que o investi-
se faz cada dia mais necessário. Várias pesquisas já foram
mento terá. Um estudo desenvolvido pela CNTL (2003)
desenvolvidas para empresas industriais, como os traba-
demonstra que quando há investimentos em P + L, veri-
lhos de Zwetsloot e Geyer (1996), Boyle (1999), Nissen
fica-se que os custos decrescem significativamente com
(1995) e Bass (1995).
o tempo, resultado dos benefícios gerados a partir do au-
Zwetsloot e Geyer (1996) apresentam elementos que
mento da eficiência dos processos, do uso eficiente de
podem auxiliar empresas na implementação de progra-
matérias-primas, água e energia, e da redução de resíduos
mas de P + L com sucesso, sem focar um setor em es-
e emissões gerados.
pecial. Boyle (1999) mostra experiências de P + L em
A P + L pode ser adotada em qualquer setor de ativi-
empresas na Nova Zelândia, identificando os métodos
dade e constitui-se de uma análise técnica, econômica e
que são necessários para se adotar a P + L em pequenas
ambiental detalhada do processo produtivo, objetivando
e médias indústrias.
a identificação de oportunidades que possibilitem melho- Nissen (1995) desenvolveu em seu trabalho uma me-
rar a eficiência, sem acréscimo de custos para a empresa. todologia para o desenvolvimento de produtos que não
A implementação do programa pode envolver um ciclo agridam o meio ambiente (eco-products) na indústria
de estratégias de design em todas as fases do processo, manufatureira e Bass (1995) demonstra como colocar em
passando a envolver todo o ciclo de vida. prática o programa de P + L, por meio de experiências de
O manual do Centro Nacional de Tecnologias Limpas empresas industriais nos últimos anos. No entanto, con-
- CNTL (2003) indica que, antes de se iniciar a implan- forme abordado anteriormente, pouco foi desenvolvido
tação da P + L, é necessária “a pré-sensibilização do pú- para a aplicação no setor de prestação de serviços.
blico alvo (empresários e gerentes) através de uma visita A implementação de ferramentas de gestão em em-
técnica, fazendo a exposição de casos bem sucedidos, presas prestadoras de serviço deve ser dada de forma
ressaltando seus benefícios econômicos e ambientais”. diferenciada devido às características inerentes ao setor.
Segundo a CNTL (2003), a visita técnica visa a obter Conhecendo as principais características dos serviços,
a participação e comprometimento da alta gerência no pode-se compreender e determinar as singularidades do
processo de implementação da P + L. A gerência da or- seu gerenciamento.
ganização apoiará o programa quando estiver convencida Para Gianesi e Corrêa (1996) e Téboul (1999), a princi-
de seus benefícios. Por isso se faz necessária a exposição pal dimensão da prestação de serviços que afeta a gestão
de casos bem sucedidos, ressaltando as vantagens eco- de suas operações é a ênfase dada à pessoa ou aos equi-
nômicas, sociais e ambientais de sua implantação. Nesta pamentos no processo, seguida pelo grau de contato com
fase, deve ser enfatizada a necessidade de comprometi- o cliente, diferenciado pelo front office (linha de frente),
mento gerencial da empresa, sem o qual não é possível que tem alto grau de contato com o cliente, e o back room
desenvolver o programa. Na Figura 2, são representados (retaguarda) que realiza operação de baixo contato com o
os passos que devem ser seguidos para implantação da cliente. Os outros fatores que influenciam são o grau de
P + L, segundo a CNTL (2003). participação do cliente no processo, o grau de personali-
As ações são realizadas em cinco etapas específicas: zação, o grau de julgamento pessoal dos funcionários e o
Planejamento e organização, Diagnóstico, Avaliação, Es- grau de tangibilidade do serviço.
tudo de Viabilidade e Implementação, monitoramento e As características diferenciadoras da prestação de
controle. serviços fazem com que seja necessário ter uma visão
Alguns autores adotam 6 ou 7 etapas para implemen- holística do sistema para incluir o cliente como um par-
tação da P + L, outros indicam que dentro dessas etapas, ticipante no processo, isto é, a presença do cliente no
o processo deve ter 18, 19 ou até 20 passos. Para fins processo anula a perspectiva de sistema fechado. Uma
deste trabalho, será utilizado o trabalho desenvolvido visão sistêmica dos processos no setor poderá auxiliar na
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Visita técnica

Comprometimento Estudo de abrangência


gerencial do programa
Etapa 1
Identificação de
Formação do ecotime
barreiras

Fluxograma do processo
Etapa 2
Diagnóstico ambiental e Seleção do foco da
de processo avaliação

Balanço material e Identificação das opções


indicadores de produção mais limpa
Etapa 3
Identificação das causas
da geração de resíduos

Avaliação técnica, Seleção de


econômica e ambiental oportunidades viáveis
Etapa 4

Plano de implantação e
Plano de oportunidade
monitoramento
Etapa 5

Figura 2. Passos para implementação de um programa de Produção mais Limpa. Fonte: CNTL (2003).

configuração do sistema de operações e direcionar o ge- Pesquisas desenvolvidas sobre a aplicação do progra-
renciamento da organização. ma de Produção Mais Limpa têm tido como foco a indús-
Muitas empresas têm uma visão segmentada, conside- tria manufatureira. Alguns autores como Kisch (2000),
rando cada setor que as compõem uma unidade separada Bartolomeo et al. (2002) e Maxwell e Van der Vorst
das demais atividades da organização, levando a conflitos (2003) acreditam que o maior empecilho na implantação
e divergências operacionais que minimizam a resultante de práticas ambientais nas empresas de serviço é o desco-
dos esforços. A visão sistêmica permite que uma empresa nhecimento dos impactos ambientais que estas empresas
transfira a análise da interação das partes para o todo. causam e ainda a necessidade da participação de todos os
Desta forma, o enfoque sistêmico auxilia o gerencia- envolvidos no processo.
mento de problemas resultantes das mudanças e a reso- Com relação ao programa de Produção Mais Limpa,
lução de problemas gerenciais, por meio de uma visão observa-se que é possível identificar as tecnologias lim-
macroscópica da organização. Essa visão também é base pas mais adequadas para o processo produtivo, quando se
da concepção de gestão ambiental, que permite visualizar faz uma análise de suas etapas. Entretanto, como Nasci-
a organização como um macrossistema que converte en- mento (2003) afirma, o cronograma sugerido pela UNEP,
tradas em saídas que não agridam ao meio ambiente. para implementação do programa de produção mais lim-
Como programa de gestão ambiental, a Produção Mais pa, é direcionado para plantas industriais e tem sido testa-
Limpa tem essa visão sistêmica, incorporando a idéia de do e aplicado há mais de uma década em vários países.
redução da geração de resíduos ao processo produtivo em Araújo (2002), apesar de ter desenvolvido seu traba-
prol do uso racional dos recursos naturais. A P + L po- lho em uma empresa considerada prestadora de serviço
derá auxiliar as empresas do setor terciário na obtenção no setor de construção civil, concentra a implementação
de oportunidades de crescimento, priorizando a adoção do programa nas atividades desenvolvidas por seu back
de práticas ambientais e a alocação de capital e recursos room.
para tais práticas, enfatizando a contínua melhoria de seu Bass (1995), Boyle (1999) e Maxwell e Van der Vorst
desempenho ambiental. (2003) desenvolveram pesquisas em que o foco é a P + L
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na indústria manufatureira e, quando procuraram desen- Martins (1998) afirma que a metodologia de Checkland
volver algo com relação à prestação de serviço (Maxwell consiste basicamente na percepção de uma situação dita
e Van Der Vorst, 2003), focalizaram o back room, assim problemática e desestruturada, em que são levantadas as
como Araújo (2002). percepções a respeito da situação para que se tenha uma
Uma organização só poderá adotar o programa P + L definição clara da realidade que se deseja transformar,
quando estiver convencida de seus benefícios e das mu- pela identificação de sistemas para análise da situação
danças positivas que podem afetar o sistema de produção existente e a construção de um modelo conceitual.
do serviço. Então, surge o seguinte questionamento: como Para Barros Filho (2001), é evidente a preocupação de
seria possível convencer as empresas de serviço a adota- Checkland em tratar a abordagem sistêmica como um ca-
rem um programa de produção mais limpa diante das difi- minho para a análise e solução de problemas reais, inclusive
culdades impostas pelas características inerentes do setor? problemas pouco estruturados. Observando-a, tem-se que,
A resposta está na construção de cenários futuros, pela em todos os estágios, as percepções, julgamentos sobre a
construção de modelos conceituais que dariam uma visão realidade, ações e fatos precisam ser colocados à mesa de
de como seria a prestação do serviço se fosse possível a discussão e analisados. Isto só será possível na medida em
uma empresa adotar práticas ambientais. que exista um processo de participação de todos os indiví-
A concepção de Checkland (1972) para solução de duos que têm influência sobre a situação em estudo.
problemas focaliza as relações humanas, a construção O uso da metodologia em questão justifica-se pela ne-
social das decisões e ações e sua interação com o meio cessidade de se obter uma visão abrangente do processo
ambiente. A ênfase é dada no processo de formulação dos de implantação do programa, de forma a encorajar todos
problemas e suas diversas interpretações. O uso do mé- os participantes da prestação do serviço a adotar o pro-
todo de Checkland (1972) visa, a partir da comparação grama Produção Mais Limpa (P + L).
do sistema de produção atual com o modelo conceitual,
a definir as ações necessárias para a adoção da P + L na
5. Modelo proposto para a aplicação da
metodologia de Checkland na adoção
empresa. Esse modelo conceitual dá a idéia de como se-
de programas de produção mais
ria o sistema da produção do serviço aliado às práticas da
limpa em serviços
produção mais limpa.
Como a intenção aqui é entender como se daria a ado-
ção do programa de P + L diante das características da
4. A metodologia de Checkland
prestação de serviço e não a implementação propriamen-
Com a publicação do artigo Towards a systems-based te dita, utilizou-se a metodologia de Checkland (1972) na
methodology for real-world problem solving em 1972, fase de visita técnica que é caracterizada pela pré-sensi-
Checkland apresentou uma metodologia que utiliza a bilização do público alvo (CNTL, 2003), quando os ato-
idéia de sistemas para análise e solução de problemas re- res envolvidos no processo poderão entender o que é a
ais, permitindo determinar as modificações necessárias Produção Mais Limpa.
à resolução de problemas, a partir de comparação entre Para melhor compreensão da metodologia, será apre-
sistemas correntes e o modelo conceitual. sentado o roteiro de trabalho proposto por Checkland
Esta metodologia se baseia na abordagem sistêmica e (apud Paladini, 1995).
a reflete, apropriadamente, tratando isoladamente cada A diversidade na prestação do serviço dificulta ge-
aspecto de um problema, para se alcançar o sucesso do neralizações a respeito de estratégias organizacionais.
todo, podendo ser aplicado em ambientes nos quais a Entretanto, os elementos que compõem o sistema são os
questão principal não é “como fazer” e sim “o que se mesmos, diferenciados apenas pelos tipos de processos
deve fazer” (Checkland, 1972). A metodologia de Che- de cada serviço.
ckland, para a solução de problemas reais, é composta Desta forma, o uso dos componentes de um sistema
por sete etapas: nesta pesquisa tem como objetivo a comparação da situa-
1.  análise da situação do problema; ção real com o modelo conceitual. Isto é, os componentes
2.  definição da raiz do sistema relevante; do sistema (entradas, saídas, processo, etc.) serão indi-
cados como estão na situação atual e será formalizado
3.  conceitualização; um modelo conceitual que indique como estes elementos
4.  comparação e definição de possíveis mudanças; seriam influenciados pela adoção do programa P + L.
5.  seleção das mudanças; Depois de realizar a comparação entre os modelos re-
ais e conceituais, será exposto o posicionamento da or-
6.  projeto e implementação; e ganização com relação à decisão de adotar ou não o pro-
7.  avaliação. grama. O modelo proposto neste trabalho será composto
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por 5 etapas, que seguirão a ordenação representada na tado. Gerentes do setor têm dificuldade para identificar
Figura 3. Estas etapas serão detalhadas a seguir. seus produtos, pois, muitas vezes, a prestação do serviço
se confunde com o seu consumo, tornando difícil a carac-
5.1 Descrição da situação atual terização da saída. O produto acabado tem características
Para dar início à 1ª etapa do modelo proposto, é ne- próprias, mas é a presença do cliente no processo que
cessário analisar o sistema de produção das empresas cria uma preocupação com a utilização total do serviço.
prestadoras de serviço. Para isto, decidiu-se considerar O serviço pronto pode ser facilmente sentido pelo cliente,
a visão de sistemas de Chiavenato (2000), que conside- seja com características intrínsecas ou extrínsecas. Todas
ra os seguintes elementos que caracterizam um sistema: essas características são notadas pelo cliente e formam a
entradas, saídas, processo, retroalimentação e o ambiente base para sua percepção.
que o delimita. Nesta etapa, propõe-se o diagnóstico dos
elementos enumerados acima, a partir da análise de como 5.1.3 Processo
cada um deles se encontra atualmente, sem a implemen- O processo é o conjunto de ações que converte as entra-
tação do programa P + L. das em saídas. Um aspecto fundamental da prestação de
serviços é a compreensão de que o cliente pode ter uma
5.1.1 Entradas participação ativa no processo, que possui características
Em prestação de serviços, os recursos transformados que nem sempre são determinadas pelas máquinas e as sa-
são os mesmos de qualquer sistema de produção: mate- ídas, muitas vezes, não podem ser medidas pelo critério do
riais, informações e consumidores. Os materiais podem cumprimento às especificações, como ocorre em manufa-
pertencer diretamente ao cliente ou serem fornecidos pela tura. Como já dito anteriormente, na prestação de serviços,
empresa. Informações ocorrem em todo sistema, seja in- o processo é o produto. As operações não-rotineiras e a si-
diretamente por meio eletrônico ou diretamente entre o multaneidade entre a produção e o consumo é o que deter-
cliente e o prestador do serviço. mina o ritmo do processo. Problemas como a definição da
Os recursos transformadores são aqueles que agem so- capacidade, utilização das instalações e o tempo de espera
bre os recursos transformados (Slack et al., 1997). As ins- de clientes são fatores que devem ser considerados.
talações e os funcionários podem ser considerados esses
recursos transformadores que têm grande influência na 5.1.4 Retroalimentação
prestação do serviço. As instalações devem ser direcio- É a função no sistema que compara as saídas com
nadas ao bem-estar do consumidor e o desenvolvimento um critério ou padrão previamente estabelecido. Todo
de pessoal e treinamento de funcionários devem ser foca- sistema deve ser continuamente avaliado, devido à ne-
lizados no bom atendimento e na personalização do ser- cessidade de contínuos ajustes para a reorientação do
viço. Muitas vezes as pessoas são as entradas do sistema, processo produtivo. Essa retroalimentação é totalmente
assim, para funcionar, o sistema de prestação de serviços fundamentada na percepção que o cliente tem do serviço,
deve interagir com os clientes, sendo estes participantes baseada na experiência com sua totalidade e não apenas
do processo. no serviço explícito prestado. Como o serviço é prestado
na medida em que é consumido, deve-se sempre ter em
5.1.2 Saídas mente que o sistema deve se adaptar às necessidades dos
As saídas do sistema de produção em serviços referem- clientes. A retroalimentação deve ser realizada a partir
se ao produto acabado, que nesse caso, é o serviço pres- das reações dos clientes.

Comparar
Investigar Tomar alguma
modelos e
situação atual decisão
situação
1 5 4

REALIDADE ATUAL DA EMPRESA

Definir Produzir
sistemas modelo
relevantes 2 conceitual 3

PROPOSTA A SER FEITA

Figura 3. Roteiro de trabalho segundo Checkland. Fonte: Paladini (1995).


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5.1.5 Ambiente no processo. Para cada entrada poderá ser determinada


É o meio que envolve externamente um sistema. A via- a forma como ela se acumulará ou deixará o processo
bilidade ou sobrevivência de um sistema depende de sua produtivo. Isso vale para materiais, informação ou pesso-
capacidade de se adaptar ao ambiente que o cerca. Esse as. Aqui o principal foco deve ser relacionar as entradas
ambiente serve de fonte de energia, materiais e informa- reais do sistema atual e indicar quais mudanças podem
ções ao sistema. O ambiente no qual está inserida uma ser realizadas e quais os benefícios dessas mudanças para
empresa de prestação de serviços é dinâmico e o elo entre a empresa, considerando sempre todos os atores envol-
a organização e seu meio ambiente é determinado pelas vidos.
características do setor. Este ambiente é tão diversificado
que a aplicação de técnicas tradicionais da indústria ma- 5.3.2 Saídas
nufatureira deve sofrer modificações para se adequar ao O processamento de pessoas deverá ser reestruturado
setor de prestação de serviços. de forma a priorizar as práticas ambientais adequadas
Outros limites que podem ser impostos ao ambiente aos propósitos do serviço prestado. O serviço final será
do sistema: tão ambientalmente adequado quanto possível e poderá
•  Recursos limitados para investimentos; sofrer alterações, desde que haja a aceitação pelos consu-
midores de um serviço renovado. Essas alterações no ser-
•  Requisitos legais para operação; viço podem ser com relação à substituição de materiais
•  Legislação ambiental; que não agridam o meio ambiente, modificação no layout
•  Dificuldade para obtenção de financiamentos; do serviço, uso de materiais recicláveis, entre outros.
É importante mostrar que, mesmo havendo modifica-
•  Capacitação de pessoal; e ções no serviço final, este deverá sempre estar coerente
•  Freqüentes mudanças no processo para se adequar ao com as metas da empresa. Sendo muito mais do que um
mercado, entre outros. conjunto de estratégias organizacionais a serem imple-
mentadas, a P + L pode auxiliar as empresas na obtenção
5.2 Definição do propósito da de serviços limpos e de qualidade.
implementação do P + L
O propósito principal da adoção do programa é o de 5.3.3 Processo
auxiliar as empresas prestadoras de serviço na adoção de A geração de resíduos é um claro indicativo de inefi-
estratégias ambientais preventivas, que permitam uma ciência do processo. Aqui, essa geração será minimizada,
melhor organização dos processos, pela inclusão de con- pois cada atividade dentro da prestação do serviço identi-
siderações ambientais na compra de matéria-prima, equi- ficará as tecnologias mais adequadas para o seu processo
pamentos e material de consumo, na minimização de en- produtivo.
trada do material e de energia e no planejamento eficiente No sistema de produção tradicional, muitas empresas
na distribuição e entrega do serviço acabado. atuam somente na solução de tratamento e geração de
Um outro propósito da P + L é que este considera a va- resíduos, resultando no aumento dos custos associados
riável ambiental em todos os níveis da empresa, relacio- ao gerenciamento ambiental. Na abordagem da P + L,
nando-a com ganhos econômicos para a organização, já são privilegiadas as soluções voltadas para a prevenção
que proporciona o processo mais eficiente no emprego de e minimização, pois nela as empresas de serviço deverão
seus insumos, gerando mais produtos e menos resíduos. buscar alternativas para o desenvolvimento de um pro-
cesso ecoeficiente, pela implementação de novas técnicas
5.3 Conceitualização que permitam a redução permanente dos custos gerais,
Nesta fase, será descrito o modelo que será usado incorporando ao serviço ganhos ambientais, econômicos
como referência para a implementação da P + L no sis- e de saúde ocupacional. A adoção de boas práticas am-
tema de produção de serviços. Assim como foi feita a bientais implica a adoção de medidas de procedimento,
análise de cada um dos elementos do processo produtivo técnicas, administrativas ou institucionais que uma em-
com a descrição atual do sistema, deverão ser efetuadas presa pode implantar para minimizar os resíduos, efluen-
análises de cada um dos elementos do processo na pres- tes e emissões. Tudo isso em prol da qualidade ambiental
tação de serviços com a adoção da P + L. do serviço prestado.
Outro ponto importante é a visualização e a defini-
5.3.1 Entradas ção dos fatores que mais influem na geração de resíduos.
Com um maior controle das entradas no sistema, será Desta forma, se faz necessária a criação de ferramentas
possível também se controlar os resíduos gerados na fon- que auxiliem a empresa na adoção de práticas ambien-
te e, conseqüentemente, conhecer como o consumidor tais. Muitas dessas ferramentas são voltadas à educação
contribui no lançamento de resíduos e qual sua influência ambiental de consumidores e funcionários, a fim de atin-
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gir aqueles que são atores diretos do processo produti- Serviços são criados e consumidos simultaneamente,
vo. têm uma demanda variável e são perecíveis e, portan-
to, não podem ser estocados, o que constitui um grande
5.3.4 Retroalimentação problema para o gerenciamento de prestação de servi-
Por depender completamente da percepção que o ços. Por não haver estoques em prestação de serviços,
cliente tem do serviço, a avaliação dos resultados de uma todo impacto de variação da demanda é transmitido di-
organização é, por vezes, subjetiva e muito difícil de ser retamente ao sistema, e a estocabilidade está relacionada
quantificada. A P + L prevê um plano de continuidade nas com o tempo de espera do cliente. A adoção do programa
práticas ambientais da empresa que, além de avaliar os P + L poderá apontar soluções para suavizar a demanda e
resultados obtidos, cria condições para que o programa ajustar a capacidade dos serviços.
tenha sua continuidade assegurada. Aqui também pode ser apontado como o sistema irá
Desta forma, a avaliação periódica deve verificar se influir positivamente no ambiente, por meio da educação
foram atingidos os objetivos de P + L, ajustando-os quan- ambiental de funcionários e consumidores, bem como do
do necessários. Essa retroalimentação de informações em desenvolvimento de serviços que possam ser produzidos
prestação de serviços, antes focalizada somente na per- e utilizados de maneira segura por todos.
cepção que o cliente tem do processo, vem também por
meio de dados concretos e quantificáveis, obtidos com 5.4 Comparação entre os sistemas e
planos de monitoramento do sistema. Com esses dados definição das possíveis mudanças
disponíveis, será possível descobrir qual parte do proces- Nesta etapa é realizada a comparação entre os sistemas
so pode ser aprimorado de forma a obter melhores resul- atual e conceitual. O objetivo é que, com essa compara-
tados das práticas ambientais. ção, os empresários entendam quais os benefícios e mu-
Aqui deve ser explicitado como a retroalimentação danças ocorridas e se sensibilizem, de forma a adotar o
do programa pode ser convertida em benefícios para a programa de Produção Mais Limpa.
empresa. As melhorias introduzidas decorrentes do ajus- Essa comparação entre os sistemas reais e conceitu-
tamento do sistema podem resultar no uso mais racional ais pode facilitar a visualização de um cenário futuro, do
e produtivo de insumos, reduzindo custos de produção, sistema da prestação do serviço com o programa P + L,
gerando novas oportunidades de negócios e a conquista permitindo, desta forma, que seja possível se conhecer
de novos mercados consumidores. os fatores que influenciam na prestação do serviço e os
impactos associados a estes componentes.
5.3.5 Ambiente
Nesta visualização de cenários futuros, com relação à
O ambiente em que a organização está inserida é dinâ-
adoção das práticas ambientais da P + L, poderá ocorrer
mico e encontra-se inter-relacionado e interdependente
uma mudança na cultura organizacional para que empre-
com o sistema da empresa. À medida que práticas am-
sas prestadoras de serviço possam se adaptar melhor às
bientais sejam inseridas no sistema de produção, o am-
biente também será alterado. suas novas práticas ambientais, visando não somente à
Para isso, a avaliação técnica, econômica e ambiental e sobrevivência, como também a maior participação em
a seleção das opções de P + L que serão adotadas devem um mercado cada vez mais competitivo.
considerar o ambiente no qual a empresa se encontra.
Assim, será possível conhecer os impactos que as mu- 6. Estudo de caso – Consultório
danças irão ocasionar em todos os atores envolvidos com Odontológico
a prestação do serviço. As opções de P + L selecionadas
devem sempre considerar a participação do consumidor Para mostrar a viabilidade da proposta deste trabalho,
no processo de produção do serviço. será apresentado um estudo de caso em um consultório
É importante mostrar qual é a influência das ações dos odontológico.
funcionários na percepção que o cliente tem do serviço A aplicação do modelo proposto no estudo de caso se-
pronto. Se o funcionário está satisfeito e entende que faz guiu o roteiro indicado no próprio modelo. Primeiro se
parte do sistema, trabalha em busca de melhores resulta- fez uma análise geral da empresa, suas características e
dos para a empresa. atividades desenvolvidas, para se conhecer quais impac-
Práticas de P + L auxiliam na tomada de decisão das tos ambientais estas empresas podem causar.
melhores alternativas para um sistema produzir eficien- Em seguida, realizou-se a descrição da situação atu-
temente, por um custo menor. Alterações no layout e nas al, a partir da estruturação de cada um dos elementos do
instalações de serviços devem ter uma atenção redobrada sistema da empresa. Nesta etapa, os proprietários procu-
para que o cliente esteja ciente dos motivos dessas mu- raram identificar as entradas e saídas, o processo, o am-
danças e participem de forma ativa nas mesmas. biente e a retroalimentação do sistema real.
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Na terceira etapa, foi possível se determinar qual seria o é amalgamado. Esta sobra é resultante do excesso mani-
objetivo de se implementar um programa de P + L na em- pulado, bem como das raspas produzidas pela escultura
presa. Após a definição do propósito da implementação do do amálgama.
programa, montou-se o modelo conceitual. Este modelo Outro ponto importante a se considerar diz respeito ao
tentará demonstrar como seriam os componentes do siste- descarte e disposição final de materiais de corte, como
ma se houvesse um programa de P + L na organização. bisturi, agulha e tubos de anestésicos.
Na etapa final, é realizada a comparação entre o sis-
tema real e o modelo conceitual. O objetivo é que, com 6.2 Descrição da situação atual
essa comparação, os empresários entendam quais os be- Nesta fase da metodologia, as dentistas procuraram vi-
nefícios e mudanças ocorridas e se sensibilizem, de for- sualizar como se dava a prestação do serviço, para poder
ma a adotar o programa de Produção Mais Limpa. descrever cada um dos elementos do sistema. Desta for-
Sabe-se que deve haver a participação de todos na ma, foram identificadas as seguintes entradas: pacientes,
adoção do programa, no entanto, na aplicação do mode- substâncias químicas, material médico-hospitalar, medi-
lo aqui proposto, houve apenas a participação dos sócios camentos e equipamentos hospitalares. As substâncias
da empresa. Isto se deve principalmente ao fato de que químicas dependem do serviço que será prestado e do
a aplicação do modelo proposto neste trabalho se dá na histórico de alergias e reações do paciente.
primeira etapa do programa de P + L em que é realiza- A principal saída é o paciente com meio bucal adequa-
da a visita técnica. Como o manual de Implementação do. Também foram identificados objetos perfurantes ou
de Programas de Produção Mais Limpa (CNTL, 2003) cortantes e substâncias químicas, como glutaraldeído e
indica, esta etapa é realizada com o público-alvo, isto é, amálgama odontológico.
empresários e gerentes. Por este motivo, o modelo aqui O processo funciona da seguinte maneira: o paciente
proposto foi aplicado considerando a percepção deles solicita o serviço odontológico; a dentista faz a anami-
com relação à P + L. nese, que consiste em uma seqüência de interrogações
O estudo de caso foi realizado em um consultório odon- sobre dados pessoais e familiares, que dão às dentistas
tológico, formado por três dentistas e um auxiliar, que de- informações importantes acerca do histórico do paciente;
sempenha também a atividade de atendimento ao público. é realizado um exame extra-oral e intra-oral para identifi-
Esta empresa está localizada na área norte da Região Metro- cação do problema; realiza-se o diagnóstico; determina-
politana do Recife e cada dentista atende em média 30 pa- se o tratamento; e o serviço é finalizado com o prognós-
cientes por semana. Por possuir apenas uma sala equipada tico do paciente.
para tratamentos odontológicos, as três sócias dividem o A retroalimentação é realizada por meio do acompa-
horário de atendimento, que é de segunda a sábado das 9 nhamento do paciente, a cada 6 meses. As sócias afirmam
às 19 horas. O tempo de espera por parte dos pacientes para que não existe um procedimento para se medir a satisfa-
serem atendidos é em média de 15 minutos. ção do cliente com relação à prestação do serviço.
No consultório, a variedade de serviços é diversifica- Para as sócias, o principal fator que influencia o am-
da, entretanto existe certa rotina em cada atividade. A biente é a relação com o paciente. O mal-estar que o pa-
interação com os clientes é muito grande e o consultório ciente experimenta diante de uma situação tensa frente ao
não é estruturado como empresa, mas como sociedade, dentista e o medo então gerado pela situação pode tornar
isto é, as sócias não são remuneradas simplesmente com a relação dentista/paciente muito difícil. Lidar com as
salários, mas com cota de receita da empresa, após terem emoções dentro do consultório odontológico é o princi-
sido pagos o salário do auxiliar e as despesas gerais. pal meio para profissionais da área odontológica entra-
rem em contato com a comunidade.
6.1 Impactos ambientais identificados
O amálgama dental é um dos materiais restauradores 6.3 Definição do propósito da
mais utilizados nas clínicas odontológicas. Um de seus implementação do P + L
componentes é o mercúrio, cuja utilização tem sofrido Para as sócias, esta etapa da metodologia estava bem
algumas restrições no decorrer dos tempos. O processo clara, já que existia uma compreensão dos impactos am-
de contaminação do meio ambiente ocorre por descuido bientais na prestação do serviço odontológico.
na utilização deste metal. As sócias têm uma grande preocupação com a disposi-
O mercúrio promove a contaminação das nuvens. As ção final dos resíduos, principalmente resíduos químicos
nuvens contaminadas promovem, a longa distância, chu- e materiais de corte. Então, a adoção da P + L teria como
vas tóxicas. Assim, as águas contaminadas depositam-se principal objetivo o controle dessas saídas, de forma a
no solo, nos rios, lagos e oceanos. evitar a contaminação do meio ambiente e, conseqüente-
Sabe-se que, durante o preparo do amálgama para rea- mente, custos por multas e punições devido à disposição
lizar uma restauração, a sobra é de cerca de 30% do que inadequada desses resíduos.
420 Silva e De Medeiros − Metodologia de Checkland Aplicada à Implementação da Produção Mais Limpa em Serviços

6.4 Conceitualização Outra ação identificada é com relação à coleta dos


Para se estruturar o modelo conceitual, as proprietárias resíduos de amálgama, que pode ser feita em recipiente
tinham em mãos alguns artigos relacionados com a adoção dotado de boca larga, material inquebrável e que possa
de práticas ambientais em consultórios odontológicos. ser hermeticamente fechado. O resíduo de amálgama
Assim, as entradas do sistema com a Produção Mais deve estar isento de algodões, gazes, palitos, lâminas de
Limpa seriam compostas da seguinte forma: pacientes; matriz de aço e quaisquer outros tipos de contaminante.
substâncias químicas devidamente manipuladas; material Para isso, deve haver uma orientação para armazenar os
médico-hospitalar que não agridam o meio ambiente; e resíduos de amálgama de tal forma que sua recuperação
medicamentos e equipamentos hospitalares que auxiliem seja menos dispendiosa e a mais rápida possível.
na redução do consumo de energia. Depois desta armazenagem, é possível buscar parcerias
As saídas seriam: paciente com meio bucal adequado com outras instituições odontológicas e Serviços Muni-
e conhecedor das práticas ambientais do consultório; des- cipais de Saúde, visando à recuperação do mercúrio e da
carte e disposição final correta de objetos perfurantes ou prata dos resíduos odontológicos. Essas mesmas precau-
cortantes, seguindo orientações da Vigilância Sanitária e ções podem ser realizadas com outros resíduos químicos
órgãos ambientais; e substâncias químicas, com armaze- da atividade odontológica.
namento e disposição final ecologicamente corretos. Com relação aos materiais perfuro-cortantes foi iden-
Haverá um controle maior no processo no que diz res- tificada a necessidade de melhoria na sua disposição fi-
peito à utilização das substâncias químicas, desde a ana- nal. Para isso, se faz necessário o procedimento determi-
minese até o tratamento do paciente. Também será ne- nado pela Secretaria de Saúde (Programa de Controle de
cessária a troca de alguns equipamentos que consomem Infecção de Serviços de Saúde – Ministério da Saúde),
muita energia, e o treinamento das dentistas e do auxiliar que determina que esses materiais sejam depositados em
para o correto manuseio e disposição final de materiais bombonas de plásticos ou papelão, lacradas corretamen-
perfuro-cortantes. te, para posterior descarte. Esse descarte pode ser reali-
Além do acompanhamento do paciente, poderá ser zado por um órgão competente ou por empresas privadas
possível obter informações sobre o bom funcionamento que realizam esse tipo de serviço.
do programa P + L pela redução do consumo de energia Outra oportunidade de melhoria encontrada foi a de
economia de energia. O consultório, mesmo quando
elétrica e pelo atendimento de requisitos ambientais.
não estava sendo utilizado por alguma das dentistas, era
Com a adoção do P + L, será possível se conhecer os
mantido pronto para funcionamento, com todas as luzes
impactos ambientais associados à atividade odontológica
e equipamentos ligados. Isso ocorria, porque se acredita
e tentar preveni-los de forma a não afetar os atores liga-
que o paciente se sente mais à vontade e confia mais no
dos direta ou indiretamente ao processo.
serviço, quando existe certa prontidão no atendimento.
Desta forma, haverá uma mudança significativa nas
Entretanto, diante do simples desligamento das luzes
relações com os clientes, comunidade e órgãos respon-
e de alguns equipamentos que poderiam ser ligados ou
sáveis, já que haverá uma melhor adequação aos padrões
desligados sem prejuízo ao atendimento ou ao próprio
ambientais e um comprometimento maior do consultório
maquinário, foi possível verificar de pronto um decrés-
com o uso racional dos recursos naturais.
cimo no consumo de energia do consultório. Todos os
pacientes que foram atendidos receberam informações
6.5 Comparação e definição das sobre o novo posicionamento das sócias com relação às
possíveis mudanças práticas ambientais e demonstraram estarem satisfeitos
Proteger o meio ambiente pela recuperação de mercú- com as novas práticas no consultório.
rio contido nos resíduos de amálgama dental lançados no
ambiente, minimizando os riscos à saúde dos seres hu- 6.6 Posição da empresa quanto à
manos, é o principal fator de preocupação das dentistas. implantação da P + L
Com a adoção de práticas de Produção Mais Limpa é No estudo de caso, pode-se perceber que existe uma
possível reunir informações sobre a quantidade de resídu- falta de conhecimento e conscientização das sócias com
os depositados no meio ambiente. Analisando a situação relação à disposição final de resíduos químicos e perfuro-
atual com o modelo conceitual, as dentistas identificaram cortantes. Com as oportunidades de P + L identificadas,
algumas ações que podem auxiliar na solução do proble- foi possível conhecer formas menos prejudiciais ao meio
ma em questão. ambiente para o descarte deste material.
A primeira ação que foi possível identificar é que o A princípio, tinha-se uma noção errônea sobre a ado-
uso da menor relação possível de mercúrio na liga, não ção de práticas ambientais em serviços de saúde. Para as
traz prejuízo ao tratamento do paciente e ainda diminui o sócias, os custos associados eram maiores que os bene-
risco da disposição final da amálgama. fícios que o consultório poderia obter com a adoção da
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P + L. Entretanto, diante da comparação entre os sistemas problemáticas caracterizadas por desacordos e incertezas
da prestação do serviço, foi possível identificar as falhas quanto à natureza do contexto de um problema, neste
e compreender como seria possível oferecer um serviço caso, como se daria a implementação do programa P + L
de qualidade e que fosse ambientalmente correto. em empresas de serviço. Isto gerou o modelo de Imple-
Diante dos resultados imediatos alcançados com a re- mentação do Programa a Produção Mais Limpa em Em-
dução do consumo de energia e das práticas corretas da presas Prestadoras de Serviço.
disposição final de resíduos, as dentistas se mostraram Algumas conclusões foram alcançadas ao término des-
dispostas à adoção da P + L no consultório, desde que te trabalho. Primeiramente, a adoção da P + L em em-
a implementação do programa não afete a prestação do presas prestadoras de serviço é possível, desde que sejam
serviço odontológico. consideradas suas peculiaridades para definir a melhor
forma de se implementar o programa. O modelo proposto
7. Considerações finais se mostrou prático e de fácil compreensão, provavelmente
devido ao uso da metodologia de Checkland, que pode au-
Devido ao sucesso de implementação do programa em
xiliar os gestores na visualização de um cenário futuro, do
empresas industriais, procurou-se neste trabalho verificar
sistema da prestação do serviço com o programa P + L.
qual o principal obstáculo para implementação da P + L
nas empresas prestadoras de serviço. Diante da análise Com relação ao Estudo de Caso, a empresa participan-
de alguns artigos, observou-se que a maior dificuldade, te está disposta a implementar o programa de Produção
não só de implementar a P + L, mas qualquer outro pro- Mais Limpa, desde que isto não lhe acarrete custos adi-
grama ambiental, está no fato de que estas empresas não cionais. As pessoas entrevistadas acreditam que se hou-
conhecem os impactos que causam ao meio ambiente e vesse uma maior divulgação sobre o programa P + L e os
acreditam que acidentes ambientais sejam problemas ex- benefícios alcançados com sua adoção, os empresários
clusivos da indústria manufatureira. do setor de prestação de serviços ficariam mais recepti-
O principal questionamento está relacionado ao que é vos com relação às práticas ambientais.
necessário para que empresas prestadoras de serviço ado- Por fim, foi possível compreender que, com a adoção
tassem o programa de P + L, se não sabem como se daria da P + L, as empresas prestadoras de serviço poderão co-
a implementação. A resposta estaria na estruturação de nhecer os aspectos e os impactos ambientais de seus pro-
um modelo conceitual, que permitisse aos empresários cessos, fazendo com que seja possível identificar oportu-
do setor compreender o processo de adoção do programa, nidades de redução de custos, promovendo o crescimento
as mudanças que ocorreriam e os benefícios alcançados da organização.
com a implementação da P + L na prestação do serviço.
Com a análise da bibliografia existente, verificou-se a Agradecimentos
inexistência de metodologias que auxiliem as empresas
de serviço na implementação de programas ambientais. As autoras agradecem o apoio recebido para concre-
Como resultado, este artigo propõe a adoção da metodo- tização deste trabalho do Conselho Nacional de Desen-
logia de Checkland (1972), que se adapta a esse propó- volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entidade
sito, já que possibilita identificar e estruturar situações governamental brasileira promotora do desenvolvimento
científico e tecnológico.

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CLEANER PRODUCTION IMPLEMENTATION IN SERVICES


USING CHECKLAND’S METHODOLOGY

Abstract

The Cleaner Production program has been applied successfully in the manufacturing industry. However, this instru-
ment is far from service company’s adoption. The main contribution of this thesis is to characterize the development
and application of the Cleaner Production program in Services using Checkland Methodology for structuring prob-
lems. The main objective of this methodology is make a comparison between the real system (the way the company is
today) and the conceptual system (the way the company would work if it adopted the Cleaner Production) as it traces
the changing pictures and help managers to decide on adopting this program or not. The aim of the presented Case
Studies is to show how the model is applied in service companies.
Keywords: cleaner production, sustainable development, environmental management system, sevices companies.

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