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CONTINENTE AFRICANO
RESUMO: Este texto analisa as ações violentas na região do continente africano, mais
especificamente, no norte da Nigéria, do surgimento e o desenvolvimento do grupo radical islâmico
“Boko Haram”. Aborda a origem histórica do Islã e sua expansão pelo continente africano, onde
também se nota uma onda fundamentalista. O fundamentalismo islâmico é um fenômeno recente,
do início do século XX. Porém, suas raízes remontam ao século VIII, ou seja, à própria história do
desenvolvimento do Islã, como uma resposta de resistência à cultura moderna ocidental em terras
islâmicas, inclusive, em solo africano. A região africana, atualmente correspondente à Nigéria, já
apresentava condições políticas e sociais para que, em seu território, surgissem movimentos de
grupos radicais islâmicos, pois, desde o final do século XVIII, ali ocorreu uma onda islamizadora
denominada de “militância protofundamentalista”, com a aplicação de regras rígidas da “Lei
Islâmica” na sociedade. Esse cenário precedente, de certo modo, contribuiu para o aparecimento do
fundamentalismo islâmico do “Boko Haram”, que se apresenta como um grupo “jihadista” em luta
pela preservação da “Sharia”, para combater a corrupção de governos locais e a presença de
devassidões e depravações na sociedade africana, sob a acusação de serem vícios degradantes
trazidos pelo modo de vida ocidental.
Palavras-chave: Islã. Fundamentalismo islâmico. África. “Boko Haram”.
ABSTRACT: This text examines the mergence and development of the Islamic radical group
"Boko Haram" and hrincreasingviolent actionsin the region of the African continent, more
specifically, in the North of Nigeria and vicinity. Discusses the historical origin of Islamandits
expansion by the African continent,also note a fundamentalist wave. Islamic fundamentalism is a
recent phenomenon, the early 20th century, butits roots date back to the 8th century, that is, the
history of the development of Islam, as a response to resistance tomodern Western culture in
Islamic lands, including, on African soil. The African region, that is now Nigeria, had political and
social conditions so that, inits territory, there was the radical Islamic group movements, because,
since the late 18TH century, there ocurred slamizadora wave called "protofundamentalista"
militancy, with the application of strict rules of "Islamic law" in society. This previous scenario, in
a way, contributed to the emergence of Islamic fundamentalism "Boko Haram" which presents itself
as a jihadist group to fight for the preservation of "Sharia", to combat corruption in local
governments and the presence of devassidões and depravity in African society, under the accusation
of being degrading vices brought the Western way of life.
Keywords: Islam. Islamic fundamentalism. Africa. "Boko Haram".
1
Profª Especialista, Ruth Aparecida Sales Philippini – Secretaria de Educação / Aparecida-SP
2. METODOLOGIA
3. ANÁLISES E RESULTADOS
No início do século VII, criou-se uma nova ordem política, que incluía toda península
arábica, todas as terras sassânidas e as províncias sírias e egípcias do Império Bizantino.
Desapareceram as velhas fronteiras e surgiram outras novas. Nessa nova ordem, o grupo dominante
foi formado não pelos povos dos impérios, mas pelos árabes da Arábia Ocidental, sobretudo de
Meca. É a história dos povos árabes. Uma história das regiões de língua árabe do mundo islâmico,
desde o início do Islã até os dias atuais. O mundo islâmico teve sua criação entre os séculos VII e X.
Essa criação é entendida como um novo poder num velho mundo. Ela é ao mesmo tempo a
formação de um império e de uma sociedade, com a articulação de ambos dentro do universo
político e religioso do Islã. (HOURANI, 1994, p. 23-26). Não deixa de ser curioso o impacto do
surgimento do Islã:
Antes do fim do século VII, esse grupo governante árabe identificava sua nova ordem como
uma revelação dada por Deus a Maomé, um cidadão de Meca, sob a forma de um livro santo,
o Corão: uma revelação que completava aquelas que haviam sido anteriormente feitas a
profetas ou mensageiros de Deus, e criava uma nova religião, o Islã, distinta do judaísmo e
do cristianismo. (HOURANI,1994, p. 32).
É necessário se ter uma visão do impacto do mundo muçulmano e de sua civilização sobre a
África e os povos africanos. Há regiões do continente africano que se encontraram assimiladas ao
Império muçulmano, desde o final da onda de conquistas, que atingiu o Egito e a África do Norte.
Em seguida, houve regiões que sofreram, de uma maneira ou de outra, a influência do Islã ou dos
povos muçulmanos, sem que elas tenham sido politicamente anexadas por algum grande Estado
islâmico da época. (HRBEK, 2010, p.7).
Esse é o cenário de introdução de conquistas árabes e expansão islâmica no continente
africano, que compreende o período anterior ao século XVII. Após tal período, inicia-se uma nova
etapa da islamização, que coincidiu com o apogeu da fase escravista, em que parte dos escravos
comercializados era muçulmana.
No século XVIII, apogeu da escravidão, teve início uma nova etapa da islamização africana.
Passou a existir uma relação entre o negócio da escravidão e o mundo muçulmano na África. Com o
surgimento das novas elites africanas, grande parte de escravos comercializados era de
muçulmanos. Mas, nesse cenário, a expansão do Islã também não deixou de acontecer, convertendo
os povos africanos, já bem situados em seus territórios, tais como, os “haussas” e os “iorubás”.
A expansão islâmica foi abrangente, alcançando até a costa atlântica do continente africano.
Em geral, são apontados dois fatores para esse novo avanço islâmico. Um deles, o vínculo bastante
estreito entre comércio e religião. O outro, a presença de ordens místicas no continente,
colaborando não apenas para a expansão, mas também para o aprofundamento da religião nos
ambientes da cultura africana. (DEMANT, 2004, p. 142). Na realidade, a questão estava mesmo
relacionada à própria conversão ao Islã. Era um momento decisivo, já em tempos contemporâneos,
de aceitação ou não da nova fé entre muitos dos africanos. É bem verdade que não houve, tão
imediatamente, uma conversão total e profunda dos povos ao Islã. No começo, a fé islâmica
difundida ficou mesclada com as religiosidades africanas. Práticas ritualísticas islâmicas
misturavam-se com tradicionais práticas politeístas dos africanos. Houve uma curiosa combinação
É sempre lembrada pela historiografia africana a conversão dos “fulani” ao Islã. Usmani dan
Fodiô, “tuculone” do Futá-Toto, expressou a revolta dos muçulmanos contra a corrupção de
costumes e, desde 1804, iniciou pregação religiosa nas regiões sudanesas, chegando a proclamar a
“jihad” (“guerra santa”) contra infiéis. (RODRIGUES, 1990, p. 102). Após sua morte, em 1817,
deixou a herdeiros um poderoso sultanato, centralizado em Sokoto. Mohamed Bello (1817-1837)
organizou a massa de povos reunida pela pregação de seu genitor. Ele proibiu a escravização de
muçulmanos, direcionando o fluxo do tráfico de escravos contra tribos pagãs. Depois de seu
falecimento, seus dois irmãos, Usmane (1837-1842) e Ali (1842-1859) exerceram o poder com base
nos rígidos preceitos islâmicos. (RODRIGUES, 1990, p. 103). O impacto do colonialismo europeu
mudaria o quadro africano. Franceses, britânicos, belgas, italianos e portugueses construiriam na
África governos concorrentes com as regiões islâmicas independentes. Foram os ingleses,
especialmente, que acabaram com a independência de Sokoto, logo integrado na colônia da Nigéria.
De qualquer maneira, durante o período colonial, não deixou de haver um paradoxo no continente
africano. As rápidas transformações políticas e econômicas impostas pela colonização acabaram
A questão de a Nigéria possuir uma má gestão faz com que grupos radicais cresçam e se
fortaleçam cada vez mais, pois o governo é incapaz de lidar de forma eficiente para atenuar a força
desses grupos. Apesar de a Nigéria ter enormes reservas de petróleo e ser uma das maiores
economias do continente africano, no norte do país vive uma maioria mulçumana, demasiadamente
pobre. Essa situação socioeconômica faz com que surjam movimentos que se empenham em
fornecer paliativos às carências do Estado em todos os domínios sociais.
Todo o fundamentalismo constitui, pela sua intenção, uma resposta radical a uma insegurança
existencial sentida como ameaçadora. Esta insegurança procede da incapacidade de um
determinado sistema sociopolítico em proporcionar sentido, identidade, motivações,
orientações e segurança protetora. (KÜNZLI apud PINTO, 1996, p. 118).
Hoje, o “Boko Haram” tem atuações, principalmente, no nordeste da Nigéria e elas também
se estendem por Camarões, Chade e Níger. Suas principais práticas terroristas envolvem sequestros
de jovens estudantes nigerianos. Utiliza-se também de ações violentas comuns aos demais grupos
terroristas, tais como os vários ataques causados por homens e carros bombas a diversificados alvos,
tais como, escolas, hospitais, entre outros.
Dessa forma, o grupo vai se expandindo e, ao mesmo tempo, espalhando o terror. Invocando
a luta pelas leis islâmicas (“Sharia”), o combate à corrupção do governo, à falta de pudor em certos
comportamentos sociais, tais como, a prostituição, ingestão de bebidas e outros vícios e
devassidões, o “Boko Haram” propaga assim sua ideologia antiocidental, como única forma de
libertar o mundo islâmico do caminho seguido pelos infiéis.
4. COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS
Voltar ao Islã primitivo, conhecer sua origem e entender o processo histórico do seu
desenvolvimento é fundamental para se compreender o radicalismo muçulmano, um movimento
expressivo do século XX e de resistência violenta ao modelo de civilização ocidental, aspirando um
mundo governado sobre os preceitos da “Sharia”. Todo o desenvolvimento histórico do Islã lança
luz para se entender o que chama, nos tempos atuais, de fundamentalismo islâmico, islã radical ou,
simplesmente, islamismo.
O fundamentalismo islâmico tem raízes na própria história do avanço do Islã, mais
especificamente, das escolas de jurisprudência ortodoxas, que realizavam a interpretação da
“Sharia”, vale dizer, o código religioso, moral e legal islâmico. Os principais movimentos
fundamentalistas recentes, a partir do século XX, se inspiraram na Irmandade Muçulmana egípcia
(“Fraternidade Muçulmana”), conhecida por “Sociedade de Irmãos Muçulmanos” ou apenas
“Irmandade” (“Jamiatal-Ikhwan al-Muslimun”). A Irmandade Muçulmana, assim como os demais
Edição 12 – Dezembro de 2016
movimentos fundamentalistas, buscam estabelecer a “Sharia” com base para governo e sociedades,
opondo-se a tendências secularistas de influência ocidental para moderação do Islã. Ela é
considerada precursora do fundamentalismo islâmico contemporâneo. Esse movimento tem origem
na linha islâmica radical “wahhabita”, uma linha radical do Islã que encontra raízes mais remotas no
“ hanbalismo”.
Essa sequência de influências, desde o “hanbalismo”, da medievalidade até os dias atuais,
foi se formando a visão do puritanismo religioso islâmico, servindo de inspiração aos vários grupos
fundamentalistas que, atualmente, têm um forte apelo à violência com ações estratégicas e uma
capacidade de comunicação para mobilizar militantes através de suas propagandas, uma verdadeira
massa de adeptos, atraídos por suas atuações espetaculares, criando o mito de um Estado superior
moral e politicamente, livre de toda a corrupção do mundo ocidental.
Essa visão não se mostra em nada diferente na Nigéria. Além da região sofrer pela corrupção
e pelo esvaziamento de autoridade, abrindo espaço para um novo poder baseado numa liderança
política e religiosa, a região também traz uma forte influência histórico-cultural, quando no final do
século XVIII ocorreu uma onda islamizadora com a aplicação de regras rígidas da “Sharia” por uma
denominada “militância protofundamentalista” no território que corresponderia à Nigéria. Nesse
sentido, o movimento radical fundamentalista em questão, o “Boko Haram” é fruto de uma
sequência de influências que se pode observar desde os primórdios do surgimento e expansão do
Islã pelo continente africano.
Constata-se que esse grupo radical seguiu mais de perto a linha islâmica salafista, que surgiu
no século XIX como resposta à influência europeia no mundo islâmico, tratando-se de uma linha de
pensamento que defende adesão e observância literal à doutrina islâmica, vale dizer, dos primeiros
muçulmanos. Tem como propósito ocupar o vácuo de um poder desorganizado e ineficiente no
território nigeriano e adjacências, acusando a sociedade de estar infestada de corrupções,
depravações e devassidões trazidas pela nefasta infiltração da educação laicizada promovida pela
cultura ocidental, considerada pecaminosa e proibida em terras do Islã.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATRAN, Aziz. As revoluções do século XIX na África do Oeste. In: AJAYI, J.F. Ade. História
Geral da África: África do século XIX à década de 1880. Brasília: Unesco, 2010, v. VI , cap. 21, p.
619-640.
DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 428 p.