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Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial

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Análise IEDI
Indústria
Publicado em: 14/03/2018

América Latina entre riscos e oportunidades da Indústria 4.0


A Indústria 4.0 se caracteriza por integração físico-virtual possibilitada pelos avanços tanto
em tecnologias de operação, responsáveis por maior automação e robotização dos
processos produtivos, como tecnologias de informação, incluindo Internet das Coisas,
análise de Big Data e sistemas de inteligência artificial. Seus impactos têm se traduzido em
transformações dos modelos manufatureiros tradicionais, desde robotização nas fábricas
até processos mais complexos e autônomos ao longo da cadeia de valor.

Contudo, ainda permanecem muitas incertezas acerca desse fenômeno, sua evolução e
seus desdobramentos sobre os diferentes países, como o IEDI já assinalou em outras
publicações sobre o tema. Experiências internacionais acerca da Indústria 4.0 foram
relatadas nas Cartas IEDI n. 797 “Indústria 4.0: Desafios e Oportunidades para o Brasil” de
21/07/17, n. 803 “Indústria 4.0: O Futuro da Indústria” de 01/09/17, n. 807 “Indústria 4.0: A
Política Industrial da Alemanha para o Futuro” de 29/9/17, n. 820 “Indústria 4.0: O Plano
Estratégico da Manufatura Avançada nos EUA” de 11/12/17, n. 823 “Indústria 4.0: Políticas
e estratégias nacionais face à nova revolução produtiva” de 29/12/17, n. 827 “Indústria 4.0:
A iniciativa Made in China 2025” de 26/01/18 e n. 831 “A Coreia do Sul e a Indústria do
Futuro” de 16/02/2018.

A Análise de hoje sintetiza o trabalho “La política industrial 4.0 en América Latina”, de
autoria de Mario Castillo, Nicolo Gligo e Sebastián Rovira, um dos capítulos de “Políticas
industriales y tecnológicas en América Latina”, publicado pela Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (CEPAL) em 2017. Nele, são discutidos os avanços que vêm
ocorrendo nos países desenvolvidos e, de maneira ainda incipiente, na América Latina
sobre o fenômeno da Indústria 4.0 para, diante disso, propor desenhos de política
industrial compatíveis à realidade da região.

Em nível internacional, constata-se que os impactos econômicos da Indústria 4.0


decorrentes dos avanços de cada uma de suas tecnologias e da interação entre elas são
diversos em termos de produtividade, custos e emprego, além de flexibilidade na produção
e surgimento de novos produtos, serviços e modelos de negócios. Estima-se que a
consolidação dessa quarta revolução industrial deva ocorrer em uma década, dada a
rápida difusão das novas tecnologias. Encabeçam o desenvolvimento dessas tecnologias
Estados Unidos, Alemanha, Japão e China.

Na América Latina, a adoção das tecnologias subjacentes à Indústria 4.0 se apresenta em


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fase incipiente, correndo-se inclusive o risco de se ampliar o diferencial tecnológico em
relação aos países avançados nos próximos anos. Os principais países da região ainda
não alcançaram as capacidades mínimas em cinco tecnologias habilitadoras da Indústria
4.0, a saber, conectividade, infraestrutura de armazenamento de dados, computação em
nuvem, análise de Big Data e Internet das Coisas.

O atraso tecnológico na América Latina se reflete em um baixo nível de digitalização dos


setores industriais, apesar do elevado potencial de mudança estrutural oferecido pela
Indústria 4.0. Para isso se concretizar, entretanto, requer-se ampla melhoria na qualidade
do sistema educacional dos países para ofertar mão de obra qualificada, de forma que
educação e capacitação, por um lado, e mudança estrutural da base tecnológica, por
outro, caminhem juntas.

Cabe, portanto, avançar em uma política industrial 4.0 que, sob incerteza tecnológica, seja
mais flexível e inovadora. Os pesquisadores da Cepal recomendam desenhos de política
industrial que contemplem tanto a transferência e catching-up tecnológico como também o
desenvolvimento de inovações em setores estratégicos, atentando-se às distintas
realidades dos países.

As propostas de política industrial devem compreender três dimensões principais, a saber,


inserção internacional, infraestrutura e regulação, e oferta e demanda. Assim, devem
priorizar a integração da região às redes tecnológicas internacionais para absorção e
transferência de conhecimentos, a elevação dos investimentos que permitam
conectividade e transferência de dados no montante e na velocidade requeridos pela
Indústria 4.0, avanços nos marcos regulatórios e segurança das redes, além de
coordenação entre políticas e instrumentos de fomento às inovações digitais.

Por fim, mas não menos importante, faz-se necessária uma maior cooperação e
coordenação regional. Fatores críticos ao desenvolvimento das novas tecnologias da
Indústria 4.0 na América Latina relacionam-se a questões de infraestrutura, capacidades
tecnológicas e governança, para as quais se esperam, apesar de elevada
heterogeneidade entre os países, respostas conjuntas e articuladas em âmbito regional.

A Indústria 4.0 em nível internacional. A análise da Indústria 4.0 em nível internacional


envolve cinco dimensões: (i) o impacto econômico da Indústria 4.0; (ii) a velocidade da
mudança tecnológica; (iii) os desafios para o desenvolvimento da Indústria 4.0; (iv) a
liderança da Indústria 4.0; e (v) a relação entre automação e desemprego.

Os avanços de cada uma das tecnologias associadas à Indústria 4.0, bem como a
interação entre elas, produzem mudanças disruptivas nos processos produtivos, com
impactos diretos em termos de produtividade, custos e emprego. Também possibilitam
maior flexibilidade na produção e surgimento de novos produtos, serviços e modelos de
negócios. Há diversas estimativas de empresas de consultoria sobre esses impactos,
apontando para importantes ganhos de produtividade e redução de custos de produção,
sobretudo em países como Alemanha, mas também Estados Unidos e Japão, a partir da
implementação das tecnologias digitais nos processos produtivos.

A inter-relação entre as novas tecnologias, característica da Indústria 4.0, facilita sua


rápida difusão, cuja evolução cresce a taxas exponenciais e mais rapidamente que ondas
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tecnológicas anteriores. As projeções indicam que a consolidação da quarta revolução
industrial ocorrerá em torno de uma década. Cinco fatores, considerados chaves para a
consolidação da Indústria 4.0, têm apresentado evolução positiva. São eles: (i) maior
viabilidade técnica das soluções tecnológicas para automação interativa de processos,
atividades e tarefas; (ii) menores custos econômicos das plataformas e soluções de
hardware e software; (iii) melhora na rentabilidade econômica de alternativas de
automação como consequência de restrições de oferta e maiores custos trabalhistas; (iv)
obtenção de benefícios econômicos associados a uma maior eficiência, melhor qualidade
e redução de custos; e (v) contexto regulatório favorável.

Há, no entanto, elementos que ainda se apresentam como desafios bastante relevantes ao
desenvolvimento da Indústria 4.0. Destacam-se quatro: (i) definição de padrões de
comunicação e garantia de segurança das redes frente à transmissão de dados e
interoperabilidade entre sistemas; (ii) capacidade analítica de elevado volume de dados,
por meio de algoritmos, aplicações e soluções que permitam analisar e administrar os
dados coletados por milhares de sensores conectados a máquinas e sistemas; (iii)
infraestrutura das redes de comunicação dentro das empresas e das empresas com o
ambiente externo, melhorando as condições de conexão e acesso em termos de largura
de banda, velocidade e latência; e (iv) disponibilidade de recursos humanos qualificados,
com conhecimentos específicos para desenvolvimento, implementação e uso das novas
tecnologias digitais.

A Indústria 4.0 tem sido liderada por consórcios de empresas internacionais


especializadas em automação industrial, hardware e software, e seu desenvolvimento tem
se concentrado em países que apresentam um ecossistema digital sofisticado e fortes
alianças público-privadas. Encabeçam o desenvolvimento das novas tecnologias Estados
Unidos, Alemanha, Japão e China, nos quais há importantes iniciativas de políticas
públicas relacionadas à Indústria 4.0.

Em diversas economias avançadas, observa-se clara redução de empregos industriais,


tendência que deve se acentuar com o rápido desenvolvimento das tecnologias
associadas à Indústria 4.0. Com a queda dos custos de processamento e armazenamento
computacional e o extraordinário avanço alcançado pelas tecnologias de inteligência
artificial e robótica, é crescente a automação de tarefas cognitivas antes realizadas apenas
por pessoal qualificado. Os impactos negativos da automação sobre o mercado de
trabalho em termos da quantidade de empregos, sobretudo rotineiros, já são esperados.
Ao mesmo tempo, contudo, argumenta-se que as inovações têm o potencial de aumentar a
produtividade e promover a criação de novos postos de trabalho com características
distintas às das ocupações tradicionais, de modo que novas habilidades profissionais para
manejar e administrar as novas tecnologias sejam requeridas.

A Indústria 4.0 na América Latina. A Indústria 4.0 nos países latino-americanos se


encontra em fase incipiente. Ainda é baixa a adoção de tecnologias digitais nos processos
produtivos. As atividades digitais na região estão mais associadas ao consumo – por meio
do uso da Internet para jogos, redes sociais e comércio eletrônico – do que à produção,
cuja automação é baixa. Coloca-se inclusive o risco de que o diferencial tecnológico entre
países latino-americanos e países avançados se amplie nos próximos anos, uma vez que
os países da região não alcançaram, simultaneamente, as capacidades mínimas
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requeridas por cinco das principais tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0. Tais
tecnologias incluem: conectividade, infraestrutura de armazenamento de dados,
computação em nuvem, análise de Big Data e Internet das Coisas. A velocidade de
conexão e a densidade de sensores e robôs na região, por exemplo, encontram-se
bastante aquém do observado em países avançados.

Este atraso tecnológico se traduz em baixo nível de digitalização dos setores industriais na
América Latina. A Indústria 4.0 apresenta, todavia, elevado potencial de mudança
estrutural dos setores. Seu uso por parte de empresas na região, embora limitado,
encontra-se em setores, tais como a indústria automotiva no México e no Brasil, a indústria
florestal e extrativa mineral no Chile, a agroindústria na Argentina, além dos setores de
energia elétrica, comércio varejista e serviços de logística em diversos países. A região
também carece de mais iniciativas públicas relacionadas à implementação e difusão da
Indústria 4.0.

A Indústria 4.0, aliás, consiste em importante aliado para enfrentar os desafios de


produtividade e competitividade das economias da região, considerando a necessidade de
diversificação produtiva, a crescente urbanização e o envelhecimento da população.
Identifica-se, porém, a baixa qualidade do sistema educacional como principal obstáculo
para que a região se adapte às mudanças tecnológicas. Há fortes restrições de oferta de
recursos humanos qualificados e, portanto, a necessidade de formação de trabalhadores
adaptados às novas demandas tecnológicas. É necessário que, em paralelo à maior oferta
de trabalhadores com nível educacional mais elevado, também ocorra um incremento das
atividades que demandem essas capacidades. Logo, educação e capacitação, por um
lado, e mudança estrutural da base tecnológica, por outro, devem caminhar juntas para
que se produzam efeitos significativos sobre a economia.

A Política Industrial. Neste contexto, cabe se perguntar sobre qual o melhor momento de
intervir com uma política industrial 4.0. Ao se esperar para apoiar a transferência
tecnológica somente de inovações consolidadas, pode-se perder as vantagens associadas
ao líder de uma determinada tecnologia e mesmo ampliar o atraso tecnológico em relação
aos países desenvolvidos e demais competidores. Por outro lado, ao se fomentar a rápida
adoção de novas tecnologias, pode-se incorrer no risco e nos custos de promover
tecnologias que não se transformem na trajetória tecnológica dominante. Sob incerteza
tecnológica, cabe avançar em uma política industrial 4.0 mais flexível e inovadora,
preparando as empresas para avaliar as tecnologias, fazer bom uso delas, inserir-se na
discussão mundial e acelerar os processos de difusão e adoção de novas tecnologias.

Também cabe se perguntar sobre o enfoque da política industrial, se concentrado em


esforços para se adotar as tecnologias estrangeiras ou para aproveitar as oportunidades
abertas pelas novas tecnologias e pular esta etapa promovendo o desenvolvimento de
tecnologias próprias. Esta última possibilidade depende das características dos países,
setores, empresas e tecnologias em um contexto de trajetória tecnológica ainda incerto.
Vale ressaltar que as diferenças entre países e entre setores de um mesmo país na
América Latina são grandes em relação à adoção das tecnologias da Indústria 4.0.
Recomenda-se, portanto, desenhar uma política de apoio que contemple tanto a
transferência e catching-up tecnológico como também mecanismos para desenvolver
inovações em setores estratégicos, atentando-se às distintas realidades dos países da
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região.

Para o desenho de política, é importante distinguir três categorias de empresas que


participam da Indústria 4.0:

(1) Pelo lado da oferta, encontram-se as empresas provedoras de automação industrial,


sobretudo estrangeiras, com elevada taxa de inovação de produtos, embora com incerteza
acerca dos padrões de desenho dominantes.

(2) Pelo lado da demanda, estão as empresas industriais locais usuárias que se
aproveitam das novas aplicações tecnológicas para melhorar processos e sua operação na
cadeia de valor.

(3) Pelo lado da infraestrutura, identificam-se empresas locais e estrangeiras de


hardware, software e redes de comunicação que oferecem as plataformas de integração
de sistemas e comunicação.

A participação de empresas latino-americanas em consórcios internacionais referentes a


temas da Indústria 4.0, como segurança e interoperabilidade, assim como a construção de
espaços de colaboração público-privados na região com o objetivo de promover inovações
industriais por meio da interação entre empresas provedoras e usuárias de tecnologias se
configuram em importantes iniciativas de política.

Proposta de Política Industrial 4.0. Os impactos de uma política industrial 4.0,


notadamente sobre produtividade, diversificação produtiva e sustentabilidade ambiental,
dependerão de seu desenho, alcance e implementação, bem como da evolução e
maturidade de cada componente do ecossistema – leia-se, cadeia de valor – da Indústria
4.0. Tal ecossistema é constituído por três componentes principais, a saber, infraestrutura,
plataformas e usuários, cujo grau de desenvolvimento determinará o tipo de políticas
públicas necessárias em cada país.

A infraestrutura fornece as bases para a conectividade local e internacional a partir de


redes de banda larga. As plataformas da Indústria 4.0 abrangem indústrias e serviços,
como eletrônica, software e análise de Big Data, que permitem a implementação das
aplicações digitais em âmbito industrial. Os usuários se referem às empresas e
comunidades que, mediante sua demanda por serviços e aplicações, definirão o grau de
absorção das tecnologias digitais. Permeia esse ecossistema da Indústria 4.0 a base
institucional da economia, isto é, fatores comuns a distintos mercados e atividades. Diante
disso, os investimentos na Indústria 4.0 terão impacto maior na medida em que sejam
acompanhados por políticas que assegurem o desenvolvimento de fatores institucionais
complementares, por exemplo, nas esferas macroeconômica, de recursos humanos e de
inovação.

As propostas de política industrial devem atuar sobre fatores críticos à implementação do


ecossistema da Indústria 4.0, reunidos em três dimensões principais. São elas:

(i) inserção tecnológica internacional: conectar a região às redes tecnológicas


internacionais e transferir aos países conhecimentos e capacidades tecnológicas em novas
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(ii) infraestrutura e regulação: elevar os níveis de investimento em infraestrutura,
particularmente em banda larga fixa e móvel de alta velocidade, que permita a
conectividade e transferência de dados no montante e na velocidade requeridos pela
Indústria 4.0 ao mesmo tempo em que se avance na garantia de marcos regulatórios e
segurança para as redes virtuais

(iii) políticas de oferta e demanda: coordenar as políticas para fortalecer capacidades


tecnológicas e promover inovações digitais nos setores produtivos por meio de um
conjunto de instrumentos governamentais de apoio, dentre os quais se destacam linhas de
financiamento e aportes de capital às novas empresas, fomento à inovação tecnológica,
estabelecimento de centros de pesquisa e execução de programas de compras públicas.

Por fim, dado o atraso tecnológico e a elevada heterogeneidade digital entre os países
latino-americanos, torna-se imprescindível uma maior cooperação e coordenação regional.
Uma iniciativa inédita na região para abordar este desafio consiste na agenda digital para a
América Latina e o Caribe (eLAC 2018), que fomenta o uso de tecnologias digitais como
instrumentos para o desenvolvimento sustentável. Aos fatores críticos ao desenvolvimento
da Indústria 4.0 na América Latina, relacionados a questões de infraestrutura, capacidades
tecnológicas e governança, cabem respostas conjuntas e articuladas em âmbito regional,
envolvendo todas as partes interessadas na Indústria 4.0, como governo, setor privado e
academia.

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